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PpE - Keynes - Arquivo .txt
JOHN MAYNARD KEYNES
A TEORIA GERAL DO EMPREGO,
DO JURO E DA MOEDA
PREFÁCIO
Este livro é dirigido principalmente a meus colegas economistas.
Espero que ele seja inteligível a outros, também, mas o propósito primordial dele é tratar de questões difíceis de teoria e, só em segundo
lugar, das aplicações dessa teoria à prática. Se a economia ortodoxa
está em desgraça, o erro não se encontra na superestrutura, que foi
elaborada com grande cuidado, levando em conta a consistência lógica,
mas na falta de clareza e de generalidade das premissas. Assim, só
posso conseguir meu objetivo de persuadir os economistas a reexaminarem criticamente certos de seus postulados básicos através de uma
argumentação altamente abstrata e também de muita controvérsia.
Gostaria que tivesse podido haver menos desta última, mas julguei-a
importante, não apenas para explicar meu próprio ponto de vista como
também para demonstrar em que aspectos ele diverge da teoria predominante. Suponho que os que estão fortemente apegados àquilo que
chamarei “a teoria clássica” flutuarão entre a crença de que estou
completamente errado e a crença de que não estou dizendo nada de
novo. Cabe a outros determinar se uma dessas duas ou ainda uma
terceira alternativa está correta. Os trechos de controvérsia objetivam
fornecer algum material para uma resposta, e devo pedir perdão se,
na busca de distinções claras, meus argumentos são demasiado duros.
Eu mesmo defendi com convicção, durante anos, as teorias que agora
ataco, e não ignoro, acho, seus pontos fortes.
Os assuntos em discussão são da máxima importância. Porém,
se minhas explicações estiverem certas, é a meus colegas economistas,
e não ao público em geral, que tenho que convencer em primeiro lugar.
A esta altura da disputa, o público em geral, embora seja bem-vindo
ao debate, apenas observará de fora uma tentativa de um economista
no sentido de resolver as profundas divergências de opinião entre seus
colegas economistas que quase chegaram a destruir a influência prática
da teoria econômica e que continuarão, até que sejam resolvidas, a ter
esse efeito.
A relação entre este livro e meu Tratado Sobre a Moeda (JMK,
27
OS ECONOMISTAS
v. V e VI), que publiquei há cinco anos, provavelmente está mais clara
para mim do que estará para os outros, e aquilo que em minha mente
constitui uma evolução natural numa linha de pensamento que venho
seguindo há vários anos pode às vezes parecer ao leitor uma mudança
confusa de ponto de vista. Essa dificuldade não diminui diante de
certas modificações de terminologia que me senti obrigado a fazer.
Essas mudanças de linguagem são destacadas no decurso das páginas
seguintes, mas a relação geral entre os dois livros pode ser expressa
sucintamente como segue. Quando comecei a escrever meu Tratado
Sobre a Moeda eu ainda estava me movimentando ao longo das linhas
tradicionais, encarando a influência da moeda como algo, por assim
dizer, separado da teoria geral da oferta e da demanda. Quando terminei de escrever o livro, tinha feito algum progresso na tentativa de
encaminhar a teoria monetária no sentido de se tornar uma teoria da
produção como um todo. Mas minha falta de emancipação de idéias
preconcebidas apareceu naquilo que agora parece-me ser a falha principal das partes teóricas daquela obra (a saber, os Livros III e IV),
isto é, que eu não consegui lidar completamente com os efeitos das
variações do nível de produção. As minhas chamadas “equações fundamentais” eram uma fotografia instantânea tirada supondo um volume de produção dado. Elas tentavam demonstrar como, supondo-se
o volume de produção dado, podiam desenvolver-se forças que geravam
um desequilíbrio dos lucros, exigindo assim uma variação do nível da
produção. Mas o desenvolvimento dinâmico, em contraste com a fotografia instantânea, ficava incompleto e extremamente confuso. O presente livro, por outro lado, evoluiu para aquilo que é precipuamente
um estudo das forças que determinam as variações na escala da produção e do emprego como um todo, e, embora se descubra que a moeda
entra no esquema econômico de uma maneira essencial e peculiar, os
detalhes monetários técnicos vão para segundo plano. Uma economia
monetária, iremos ver, é essencialmente uma economia em que as mudanças de pontos de vista sobre o futuro são capazes de influenciar o
volume de emprego e não meramente a sua direção. Mas nosso método
de analisar o comportamento econômico do presente sob a influência
das mudanças de idéias sobre o futuro é um método que depende da
interação da oferta e da demanda, ligando-se dessa forma a nossa
teoria fundamental do valor. Somos levados dessa forma a uma teoria
mais geral, que inclui como caso particular a teoria clássica com a
qual estamos familiarizados.
O autor de um livro como este, trilhando caminhos desconhecidos,
terá que apoiar-se muito na crítica e na troca de idéias se quiser evitar
uma proporção indevida de erros. É surpreendente em que coisas tolas
pode-se acreditar temporariamente se se pensa sozinho por tempo demasiado, particularmente na Economia (bem como nas outras ciências
morais), em que muitas vezes é impossível submeter as idéias que se
28
KEYNES
tem a um teste conclusivo, quer formal quer experimental. Ao escrever
este livro, ainda mais talvez do que no caso do meu Tratado Sobre a
Moeda, apoiei-me constantemente nos conselhos e nas críticas construtivas do Sr. R. F. Kahn. Há muitas coisas neste livro que não teriam
assumido a forma que assumiram se não fosse por suas sugestões.
Também recebi muito auxílio da Sra. Joan Robinson, do Sr. R. G.
Hawtrey e do Sr. R. F. Harrod, que leram todas as provas. O índice
remissivo25 foi compilado pelo Sr. D. M. Bensusan-Butt, do King’s College, Cambridge.
A elaboração deste livro foi para o autor uma longa luta de libertação, e sua leitura deve ser o mesmo para a maioria dos leitores
se as investidas do autor sobre eles tiverem sucesso — uma luta de
libertação das formas habituais de pensamento e de expressão. As
idéias aqui expressas tão laboriosamente são extremamente simples e
deveriam ser óbvias. A dificuldade não está nas novas idéias, mas em
escapar das velhas, que se ramificam, para aqueles que foram criados
como a maioria de nós foi, por todos os cantos de nossas mentes.
J. M. Keynes
13 de dezembro de 1935
25
Não incluído na primeira edição. (N. do E.)
29
PREFÁCIO
À
EDIÇÃO ALEMÃ
Alfred Marshall, cujos Princípios de Economia constituem a obra
fundamental na formação de todos os economistas ingleses contemporâneos, teve um cuidado especial em destacar a continuidade existente
entre o pensamento dele e o de Ricardo. Sua obra em grande parte
consistiu em enxertar o princípio marginalista e o princípio da substituição na tradição ricardiana; e sua teoria da produção e do consumo
como um todo, ao contrário de sua teoria da produção e da distribuição
de um dado montante da produção, nunca foi exposta separadamente.
Não estou seguro de que ele mesmo sentisse a necessidade de tal teoria.
Mas seus sucessores imediatos e seguidores certamente a colocaram
de lado e aparentemente não sentiram sua falta. Foi nessa atmosfera
que me formei. Eu mesmo ensinei essas doutrinas e foi só na última
década que passei a ter consciência de sua insuficiência. Em meu próprio pensamento e desenvolvimento, portanto, este livro representa
uma reação, uma transição no sentido de me afastar da tradição clássica
(ou ortodoxa) inglesa. A ênfase que dou nas páginas seguintes a isso
e aos pontos em que divirjo da doutrina tradicional tem sido considerada
por alguns, na Inglaterra, como indevidamente controversa. Como pode,
porém, alguém que foi educado como católico em termos de economia
inglesa, um sacerdote mesmo dessa fé, evitar um pouco de ênfase controversa logo quando se torna protestante?
Imagino no entanto que isso pode ser percebido pelos leitores
alemães de uma forma ligeiramente diferente. A tradição ortodoxa,
dominante na Inglaterra do século XIX, nunca conseguiu impor-se com
firmeza ao pensamento alemão. Sempre existiram importantes escolas
de pensamento entre os economistas alemães que contestaram fortemente a adequação da teoria clássica à análise dos acontecimentos
contemporâneos. Tanto a escola de Manchester como o marxismo em
última instância derivam de Ricardo — conclusão que só surpreende
ao nível superficial. Mas na Alemanha sempre tem existido um amplo
setor da opinião que não aderiu nem a uma nem ao outro.
Dificilmente se pode afirmar, contudo, que essa escola de pen31
OS ECONOMISTAS
samento tenha elaborado um arcabouço teórico rival, ou que tenha
sequer tentado fazê-lo. Ela tem sido cética e realista, contentando-se
com os métodos e resultados históricos e empíricos, que dispensam
a análise formal. A argumentação não ortodoxa mais importante
em termos de linha teórica foi a de Wicksell. Seus livros podiam
ser encontrados em alemão (não o podiam, até há pouco, em inglês);
de fato, um dos mais importantes deles foi escrito em alemão. Seus
seguidores, porém, eram principalmente suecos e austríacos, sendo
que estes últimos combinaram as idéias dele com teorias especificamente austríacas, de forma a encaminhá-las, realmente, de volta
para a tradição clássica. Assim a Alemanha, bem ao contrário de
seus hábitos na maior parte das ciências, contentou-se por todo um
século em ficar sem uma teoria formal de Economia que fosse predominante e geralmente aceita.
Talvez, portanto, eu possa esperar menos resistência por parte
dos leitores alemães do que dos ingleses ao oferecer uma teoria do
emprego e da produção como um todo que diverge em aspectos importantes da tradição ortodoxa. Mas posso esperar vencer o agnosticismo econômico da Alemanha? Posso convencer os economistas
alemães de que os métodos de análise formal têm uma contribuição
importante a dar à interpretação dos acontecimentos contemporâneos e à formulação das políticas contemporâneas? Afinal, é alemão
gostar de teorias. Como os economistas alemães devem se sentir
famintos e sedentos depois de ter vivido todos esses anos sem teoria!
Certamente vale a pena eu tentar. E se eu puder contribuir com
algumas migalhas para a preparação, por parte dos economistas
alemães, de uma lauta refeição de teoria destinada a fazer frente
às condições específicas da Alemanha, ficarei satisfeito. Confesso
que a maior parte do que este livro exemplifica e expõe se refere
às condições existentes nos países anglo-saxões.
No entanto a teoria da produção como um todo, que é o que o
livro propõe expor, seria muito mais facilmente adaptada às condições
de um Estado totalitário do que a teoria da produção e distribuição
de um volume dado em condições de livre-concorrência e uma ampla
dose de laissez-faire. A teoria das leis psicológicas referentes ao consumo
e à poupança, a influência das despesas baseadas em empréstimos
sobre os preços e os salários reais, o papel desempenhado pela taxa
de juros — todos esses elementos permanecem como ingredientes necessários em nosso esquema de pensamento.
Aproveito a oportunidade para expressar meus agradecimentos
pelo excelente trabalho de meu tradutor Herr Waeger (espero que o
vocabulário organizado por ele que aparece no fim do volume26 de26
Não incluído na presente edição. (N. do E.)
32
KEYNES
monstre ser de utilidade que transcenda seu propósito imediato) e a
meus editores, Srs. Duncker e Humblot, cuja iniciativa tem-me permitido manter contato com os leitores alemães desde quando, há dezesseis anos já, publicaram meu livro As Conseqüências Econômicas
da Paz.
J. M. Keynes
7 de setembro de 1936
33
PREFÁCIO
À
EDIÇÃO JAPONESA
Alfred Marshall, cujos Princípios de Economia constituem a obra
fundamental na formação de todos os economistas ingleses contemporâneos, teve um cuidado especial em destacar a continuidade existente
entre o pensamento dele e o de Ricardo. Sua obra em grande parte
consistiu em enxertar o princípio marginalista e o princípio da substituição na tradição ricardiana; e sua teoria da produção e do consumo
como um todo, ao contrário de sua teoria da produção e da distribuição
de um dado montante da produção, nunca foi exposta separadamente.
Não estou seguro de que ele mesmo sentisse a necessidade de tal teoria.
Mas seus sucessores imediatos e seguidores certamente a colocaram
de lado e aparentemente não sentiram sua falta. Foi nessa atmosfera
que me formei. Eu mesmo ensinei essas doutrinas e foi só na última
década que passei a ter consciência de sua insuficiência. Em meu próprio pensamento e desenvolvimento, portanto, este livro representa
uma reação, uma transição no sentido de me afastar da tradição clássica
(ou ortodoxa) inglesa. A ênfase que dou nas páginas seguintes a isso
e aos pontos em que divirjo da doutrina tradicional tem sido considerada
por alguns, na Inglaterra, como indevidamente controversa. Como pode,
porém, alguém que foi educado na ortodoxia econômica inglesa, que
de fato chegou a ser sacerdote dessa fé, evitar um pouco de ênfase
controversa logo quando se torna protestante?
Talvez os leitores japoneses, contudo, nem exijam minhas investidas contra a tradição inglesa e nem resistam a elas. Estamos bem
conscientes da ampla escala em que as obras econômicas inglesas são
lidas no Japão, mas não estamos tão bem informados quanto à opinião
que os japoneses têm delas. O recente e louvável empreendimento do
Círculo Econômico Internacional de Tóquio de reimprimir os Princípios
de Economia Política de Malthus como o primeiro volume da Série de
Reproduções de Tóquio encoraja-me a pensar que um livro que descende
de Malthus mais do que de Ricardo possa ser recebido com simpatia
pelo menos em alguns setores.
35
OS ECONOMISTAS
De qualquer forma, agradeço ao Economista Oriental por possibilitar meu contato com os leitores japoneses sem a desvantagem extra
de uma língua estrangeira.
J. M. Keynes
4 de dezembro de 1936
36
PREFÁCIO
À
EDIÇÃO FRANCESA
Por cem anos ou mais a Economia Política inglesa vem sendo
dominada por uma ortodoxia. Isso não quer dizer que tenha prevalecido
uma doutrina imutável. Ao contrário. Tem havido uma progressiva
evolução da doutrina. Mas seus pressupostos, sua atmosfera, seu método têm continuado surpreendentemente iguais, e tem sido observável
uma notável continuidade através de todas as mudanças. Nessa ortodoxia, nessa transição contínua foi que eu me formei. Eu a aprendi,
eu a ensinei, eu a escrevi. Para os que observam de fora, provavelmente
ainda pertenço a ela. Os historiadores da doutrina irão considerar este
livro como pertencente essencialmente à mesma tradição. Mas ao escrevê-lo, e em outra obra recente que levou a ele, senti-me rompendo
com essa ortodoxia, numa forte reação contra ela, fugindo de alguma
coisa, conquistando uma emancipação. E esse estado de espírito de minha
parte é a explicação de certas falhas do livro, em particular o tom controvertido de alguns trechos e seu ar de ser dirigido muito aos que detêm
um ponto de vista específico e pouco ad urbem et orbem. Eu estava querendo convencer meu próprio ambiente e não me dirigi de modo suficientemente direto à opinião dos de fora. Agora, três anos depois, tendo-me
acostumado à nova pele e quase me esquecido do cheiro da velha, devo,
como se estivesse escrevendo de novo, esforçar-me para livrar-me dessa
falha, estabelecendo minha posição de maneira mais definida.
Digo tudo isso em parte para explicar-me e em parte para desculpar-me perante os leitores franceses; na França não houve uma
tradição ortodoxa com a mesma autoridade sobre a opinião contemporânea como houve em meu país. Nos Estados Unidos, a posição é bastante semelhante à da Inglaterra, mas na França, como no resto da
Europa, não tem havido uma escola dominante desse tipo desde a
extinção da escola dos economistas liberais franceses que estiveram
em seu apogeu há vinte anos (apesar de terem alcançado uma idade
tão provecta que, bem depois de sua influência ter desaparecido, coube-me, quando comecei a trabalhar como jovem redator do Economic
Journal, escrever os necrológios de muitos deles — Levasseur, Molinari,
37
OS ECONOMISTAS
Leroy-Bealieu). Se Charles Gide tivesse atingido a mesma influência
e o mesmo prestígio de Alfred Marshall, a posição de vocês, franceses,
seria mais semelhante à nossa. Do modo como as coisas ocorreram,
seus economistas são ecléticos, demasiado (achamos nós, às vezes) desenraizados do pensamento sistemático. Talvez isso possa fazê-los mais
acessíveis ao que tenho a dizer. Isso pode porém também resultar em
que meus leitores às vezes fiquem imaginando a que me refiro quando
estou falando, com aquilo que alguns de meus críticos ingleses consideram um mau uso da língua, da escola “clássica” de pensamento e
dos economistas “clássicos”. Pode ser útil a meus leitores franceses,
portanto, que eu tente indicar bem resumidamente o que considero as
principais differentiae de minha perspectiva.
Dei a minha teoria o nome de teoria geral. Com isso quero dizer
que estou preocupado principalmente com o comportamento do sistema
econômico como um todo — com a renda global, com o lucro global,
com o volume global da produção, com o nível global de emprego, com
o investimento global e com a poupança global, em vez de com a renda,
o lucro, o volume da produção, o nível do emprego, o investimento e
a poupança de ramos da indústria, firmas ou indivíduos em particular.
E afirmo que foram cometidos erros importantes ao se estender para
o sistema como um todo as conclusões a que se tinha chegado de forma
correta com relação a uma parte desse sistema tomada isoladamente.
Permitam-me apresentar exemplos daquilo a que me estou referindo. Minha assertiva de que para o sistema como um todo o volume
de renda que é poupado, no sentido de que não é gasto no consumo
corrente, é e tem necessariamente que ser exatamente igual ao volume
do novo investimento líquido, tem sido considerada um paradoxo e
tem provocado controvérsia generalizada. A explicação para isso indubitavelmente se encontra no fato de que essa relação de igualdade
entre poupança e investimento, que necessariamente se verifica com
relação ao sistema como um todo, não se verifica com relação a um
indivíduo em particular. Não há razão absolutamente por que o novo
investimento pelo qual sou responsável tenha que apresentar qualquer
relação com o montante de minha poupança pessoal. De forma bem
legítima consideramos a renda de um indivíduo independente daquilo
que ele próprio consome e investe. Mas isso, tenho que salientar, não
deve nos levar a desprezar o fato de que a demanda resultante do
consumo e do investimento de um indivíduo é a fonte da renda de
outros indivíduos, de forma que as rendas em geral não são independentes — muito pelo contrário — da disposição dos indivíduos a despender e a investir, e já que por sua vez a inclinação dos indivíduos
a despender e a investir depende de sua renda, estabelece-se uma
relação entre a poupança global e o investimento global que pode facilmente ser demonstrada, além de qualquer possibilidade de refutação
razoável, como sendo de igualdade exata e necessária. Encarada de
38
KEYNES
forma justa, essa é uma conclusão banal. Mas ela põe em movimento
uma cadeia de raciocínio de onde se seguem questões mais substanciosas. Fica demonstrado que, de modo geral, o montante real da produção e o nível real do emprego dependem não da capacidade de produzir ou do nível de renda preexistentes, mas das decisões correntes
de produzir, que dependem por sua vez das decisões correntes de investir e das expectativas presentes do consumo corrente e do consumo
previsto. Ademais, assim que conhecemos a propensão a consumir e
a poupar (como eu a batizei), isto é, o resultado para a comunidade
como um todo das inclinações psicológicas individuais quanto a como
dispor de dadas rendas, podemos calcular que nível de renda, e portanto
que nível de produção e de emprego, está em equilíbrio lucrativo com
um dado nível de novo investimento, a partir do que se desenvolve a
doutrina do multiplicador. Ou ainda, torna-se evidente que o aumento
da propensão a poupar provocará ceteris paribus a contração da renda
e do volume da produção, enquanto um aumento do estímulo a investir
fará com que se expandam. Estamos portanto em condições de analisar
os fatores que determinam a renda e a produção do sistema como um
todo — temos, no sentido mais exato, uma teoria do emprego. Desse
raciocínio surgem conclusões que são particularmente relevantes para
os problemas de finanças públicas e de políticas governamentais em
geral e do ciclo econômico.
Outro aspecto especialmente característico deste livro é a teoria
da taxa de juros. Nos últimos tempos muitos economistas têm afirmado
que o montante de poupança atual determina a oferta de capital disponível, que o ritmo de investimento corrente governa sua demanda
e que a taxa de juros é, por assim dizer, o fator de equilíbrio de preços
determinado pelo ponto de interseção entre a curva da oferta da poupança e a curva da demanda do investimento. Mas se a poupança
global é necessariamente e em todas as circunstâncias exatamente igual
ao investimento global, é evidente que essa explicação não se sustenta.
Temos que ir procurar a solução em outra parte. Eu a encontro na
idéia de que é função da taxa de juros preservar o equilíbrio não entre
a demanda e a oferta de novos bens de capital mas entre a demanda
e a oferta de dinheiro, isto é, entre a demanda pela liquidez e os meios
de satisfazer essa demanda. Nesse ponto retorno à doutrina dos economistas antigos, anteriores ao século XIX. Montesquieu, por exemplo,
enxergou essa verdade com considerável clareza27 — Montesquieu que
foi o verdadeiro equivalente francês de Adam Smith, o maior de seus
economistas, muito acima dos fisiocratas em termos de inteligência
penetrante, clareza de idéias e bom senso (que são qualidades que um
economista deveria ter). Devo deixar porém para o texto do livro a
demonstração em detalhe de como tudo isso funciona.
Batizei este livro A Teoria Geral do Emprego, dos Juros e da
27
Tenho em mente de modo especial o Livro Vigésimo Segundo, cap. 19 de O Espírito das Leis.
39
OS ECONOMISTAS
Moeda; a terceira característica para a qual quero chamar atenção é
o tratamento da moeda e dos preços. A análise seguinte registra minha
fuga final das confusões da teoria quantitativa, em que antes me emaranhara. Considero que o nível de preços como um todo é determinado
precisamente da mesma maneira que os preços individuais, isto é, sob
a influência da oferta e da demanda. As condições técnicas, o nível
dos salários, o grau de capacidade ociosa das unidades de produção e
da mão-de-obra, e o estado do mercado e da concorrência determinam
as condições de oferta dos produtores tomados individualmente e dos
produtos como um todo. As decisões dos empresários, que originam a
renda dos produtos tomados individualmente, e as decisões desses indivíduos quanto à disposição dada a essa renda determinam as condições de demanda. E os preços — tanto os preços tomados individualmente como o nível de preços — aparecem como a resultante desses
dois fatores. A moeda e a quantidade da moeda não constituem influências diretas a essa altura do processo. Elas já fizeram seu trabalho
numa etapa anterior da análise. A quantidade da moeda determina a
oferta de recursos líquidos e, conseqüentemente, a taxa de juros, e,
em conjunto com outros fatores (particularmente a confiança), o estímulo a investir, o que por sua vez fixa o nível de equilíbrio da renda,
da produção e do emprego e (a cada etapa em conjunto com outros
fatores) o nível de preços como um todo através das influências da
oferta e da demanda assim estabelecidas.
Acredito que a economia em toda parte, até recentemente, tenha
sido dominada, muito mais do que compreendida, pelas doutrinas associadas ao nome de J.-B. Say. É verdade que a “lei dos mercados”
dele já foi abandonada há tempo pela maioria dos economistas, mas
eles não se livraram de seus postulados básicos, particularmente de
sua idéia errônea de que a demanda é criada pela oferta. Say estava
supondo implicitamente que o sistema econômico está sempre operando
com sua capacidade máxima, de forma que uma atividade nova apareceria sempre em substituição e não em suplementação a alguma
outra atividade. Quase toda a teoria econômica subseqüente tem defendido, no sentido de que ela tem exigido, esse mesmo pressuposto.
No entanto, uma teoria com essa base é claramente incompetente para
enfrentar os problemas do desemprego e do ciclo econômico. Talvez eu
possa exprimir melhor a meus leitores franceses o que apregôo sobre
este livro dizendo que na teoria da produção ele é uma ruptura radical
com as doutrinas de J.-B. Say e que na teoria dos juros ele é um
retorno às doutrinas de Montesquieu.
J. M. Keynes
20 de fevereiro de 1939
King’s College
Cambridge
40
LIVRO PRIMEIRO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1
A Teoria Geral
Denominei este livro A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da
Moeda, dando especial ênfase ao termo geral. O objetivo deste título
é contrastar a natureza de meus argumentos e conclusões com os da
teoria clássica,28 na qual me formei, que domina o pensamento econômico, tanto prático quanto teórico, dos meios acadêmicos e dirigentes
desta geração, tal como vem acontecendo nos últimos cem anos. Argumentarei que os postulados da teoria clássica se aplicam apenas a
um caso especial e não ao caso geral, pois a situação que ela supõe
acha-se no limite das possíveis situações de equilíbrio. Ademais, as
características desse caso especial não são as da sociedade econômica
em que realmente vivemos, de modo que os ensinamentos daquela
teoria seriam ilusórios e desastrosos se tentássemos aplicar as suas
conclusões aos fatos da experiência.
28
"Os economistas clássicos" é uma denominação inventada por Marx para designar Ricardo
e James Mill e seus predecessores, isto é, os fundadores da teoria que culminou em Ricardo.
Acostumei-me, talvez perpetrando um solecismo, a incluir na “escola clássica” os seguidores
de Ricardo, ou seja, os que adotaram e aperfeiçoaram sua teoria, compreendendo (por exemplo) J. S. Mill, Marshall e o Prof. Pigou.
43
CAPÍTULO 2
Os Postulados da Economia Clássica
A maior parte dos tratados sobre a teoria do valor e da produção
discorre, principalmente, sobre a distribuição entre usos diferentes de
determinado volume de recursos aplicados e as condições que, admitindo
a hipótese do emprego dessa quantidade de recursos, determinam suas
remunerações correspondentes e os valores relativos de seus produtos.29
Também a questão do volume de recursos disponíveis, no sentido
da quantidade da população suscetível de ser empregada, da extensão
da riqueza natural e do capital de equipamento acumulado, tem sido,
muitas vezes, tratada de maneira descritiva. Todavia, a teoria pura
dos determinantes do emprego efetivo dos recursos disponíveis poucas
vezes foi objeto de exame detalhado. Naturalmente, seria absurdo dizer
que nunca foi examinada, pois todas as discussões relativas às flutuações do emprego, que têm sido muitas, se ocuparam dela. Não quero
dizer que o assunto tenha sido descuidado, mas que a teoria fundamental subjacente foi julgada tão simples e óbvia que foi, quando muito,
objeto de menção superficial.30
29
30
Essa é a tradição ricardiana, pois Ricardo recusou expressamente atribuir qualquer interesse
ao valor do nível do dividendo* nacional, considerado independentemente de sua distribuição.
Com isso avaliava corretamente a natureza de sua própria teoria. Porém, seus sucessores,
menos perspicazes, serviram-se da teoria clássica nas discussões sobre as causas da riqueza.
Ver a carta de Ricardo a Malthus, de 9 de outubro de 1820: “A Economia Política, no seu
pensar, é uma investigação sobre a natureza e as causas da riqueza — eu penso que deveria
chamar-se investigação das leis que determinam a distribuição do produto da indústria
entre as classes que concorrem para sua formação. Não se pode enunciar nenhuma lei com
respeito à quantidade, mas se pode formulá-la com suficiente exatidão com respeito às
proporções. Cada dia mais me convenço de que o primeiro estudo é vão e ilusório e de que
o segundo é o verdadeiro objetivo da ciência”.
* Keynes empregou o termo “dividendo” como sinônimo daquilo que mais tarde se tornou
mais conhecido como “renda”, no Brasil, ou “rendimento”, em Portugal, nos sistemas modernos de Contas Nacionais. Por fidelidade à obra, o termo dividendo é mantido como a
tradução mais próxima de dividend. Ficam, porém, os leitores alertados para a sinonímia
dos termos “dividendo”, “renda” e “rendimento”. (N. do R. T.)
Por exemplo, o prof. Pigou, em sua obra Economics of Welfare, 4ª ed., p. 127, escreve (os
itálicos são meus): “A não ser que o contrário seja dito expressamente, ignora-se o fato de
45
OS ECONOMISTAS
I
A teoria clássica do emprego — supostamente simples e óbvia
— baseou-se, acho eu, praticamente sem discussão, nos dois postulados
fundamentais que seguem:
I. O salário é igual ao produto marginal do trabalho.
Isso quer dizer que o salário de uma pessoa empregada é igual
ao valor que se perderia se o emprego fosse reduzido de uma unidade
(após a dedução de quaisquer outros custos que essa redução evitaria),
com a restrição de que a igualdade pode ser afetada, de acordo com
certos princípios, pela imperfeição da concorrência e dos mercados.
II. A utilidade do salário, quando se emprega determinado
volume de trabalho, é igual à desutilidade marginal desse mesmo
volume de emprego.
Isto significa que o salário real de uma pessoa empregada é exatamente suficiente (na opinião das próprias pessoas empregadas) para
ocasionar o volume de mão-de-obra efetivamente ocupado, com a restrição de que a igualdade para cada unidade individual de trabalho
pode ser alterada por combinações entre as unidades disponíveis para
empregar-se, análogas às imperfeições da concorrência que qualificam
o primeiro postulado. O que se entende por desutilidade é qualquer
motivo que induza um homem ou grupo de homens a recusar trabalho,
em vez de aceitar um salário que para eles representa uma utilidade
inferior a certo limite mínimo.
Esse postulado é compatível com o que se pode chamar desemprego “friccional”, pois uma interpretação realista do mesmo permite,
com plena justificação, conciliar certas imperfeições de ajustamento
que impedem um estado contínuo de pleno emprego, como, por exemplo,
o desemprego em razão de uma temporária desproporção dos recursos
especializados, resultante de cálculos errados, da procura intermitente,
de atrasos decorrentes de mudanças imprevistas, ou, ainda, do fato de
que a transferência de um emprego para outro não se realiza sem
certa demora, de modo que, numa sociedade não estática, sempre existe
certa proporção de recursos não empregados “entre um e outro trabalho”. Além do desemprego “friccional”, o postulado é ainda compatível
com o desemprego “voluntário”, em razão da recusa ou incapacidade
de determinada unidade de mão-de-obra em aceitar uma remuneração
que alguns recursos permanecem sem emprego contra a vontade de seus proprietários.
Isso não afeta a essência do argumento, se bem que simplifique sua exposição”. Assim
sendo, enquanto Ricardo nega expressamente qualquer intenção de referir-se ao dividendo
nacional como um todo, o prof. Pigou, em um livro que se ocupa especificamente do problema
do dividendo nacional, sustenta que a mesma teoria é tão aplicável nos casos de desemprego
involuntário quanto no caso de pleno emprego.
46
KEYNES
equivalente à sua produtividade marginal, em decorrência da legislação,
dos costumes sociais, de um entendimento para contrato coletivo de
trabalho, ou, ainda, da lentidão em adaptar-se às mudanças ou, simplesmente, em conseqüência da obstinação humana. Todavia, estas
duas categorias de emprego, “friccional” e “voluntária”, são abrangentes.
Os postulados clássicos não admitem a possibilidade de uma terceira
categoria que passarei a definir, mais adiante, como o desemprego
“involuntário”.
Sujeito a estas restrições, o volume dos recursos empregados achase, em conformidade com a teoria clássica, convenientemente determinado pelos dois postulados. O primeiro dá-nos a curva de demanda
por emprego e o segundo, a curva de oferta; o volume do emprego é
fixado pelo ponto em que a utilidade do produto marginal iguala a
desutilidade do emprego marginal.
Como conseqüência disso, haveria apenas quatro meios possíveis
de aumentar o emprego:
(a) melhoria da organização ou da previsão, de maneira que
diminua o desemprego “friccional”;
(b) redução da desutilidade marginal do trabalho expressa pelo
salário real, para o qual ainda existe mão-de-obra disponível, de
modo que diminua o desemprego “voluntário”;
(c) aumento da produtividade marginal física do trabalho nas
indústrias produtoras de bens de “consumo de assalariados”31
(para usar o termo adequado, com o qual o prof. Pigou designa
os artigos de cujos preços dependem a utilidade dos salários nominais); ou
(d) aumento em relação aos preços dos bens de consumo de não
assalariados32 comparativamente aos das outras categorias de bens,
juntamente com o deslocamento das despesas dos indivíduos não
assalariados dos bens salariais para os de outras categorias.
Tal é, segundo meu melhor entender, a substância da obra Theory
of Unemployment do prof. Pigou — o único relato detalhado que existe
da teoria clássica do emprego.33
II
Será verdade que as categorias anteriores abrangem todo o problema, considerando que, de modo geral, a população raramente en31
32
33
Tradução mais próxima para o termo wage-goods, que corresponde aos bens e serviços
básicos que compõem o consumo típico de um trabalhador assalariado. (N. do R. T.)
A obra Theory of Unemployment do prof. Pigou é examinada em maiores detalhes no Apêndice
ao cap. 19, mais adiante.
Cf. a citação do Prof. Pigou, p. 47, nota de rodapé.
47
OS ECONOMISTAS
contra tanto emprego quanto desejaria ao salário corrente? Deve-se,
pois, admitir que, se fosse maior a procura de mão-de-obra, maior
quantidade de trabalho seria oferecida ao nível do salário nominal
vigente.34 A escola clássica concilia este fenômeno com seu segundo
postulado, argumentando que, se a procura de mão-de-obra ao salário
nominal vigente se acha satisfeita antes de estarem empregadas todas
as pessoas desejosas de trabalhar em troca dele, isso se deve a um
acordo declarado ou tácito entre os operários de não trabalharem por
menos, e que, se todos eles admitissem uma redução dos salários nominais, maior seria o volume de emprego atendido. Sendo este o caso,
tal desemprego, embora aparentemente involuntário, não o seria estritamente falando, devendo incluir-se na categoria do desemprego “voluntário”,
em virtude dos efeitos dos contratos coletivos de trabalho etc.
Isso suscita duas observações, a primeira das quais se relaciona
com o comportamento dos trabalhadores em face dos salários reais e
dos salários nominais, respectivamente, e não é teoricamente fundamental; a segunda, porém, o é.
Suponhamos, por enquanto, que a mão-de-obra não esteja disposta a trabalhar por um salário nominal menor e que uma redução
desse nível conduza, através de greves ou por qualquer outro meio, a
uma saída do mercado de trabalho de uma parte da mão-de-obra atualmente empregada. Pode-se, a partir disso, deduzir que o nível presente
dos salários reais equivale exatamente à desutilidade marginal do trabalho? Não necessariamente, pois, embora uma redução do salário nominal em vigor leve à saída de certa quantidade de mão-de-obra, isso
não quer dizer que uma redução do salário nominal medido em termos
de bens de consumo de assalariados produza o mesmo efeito, caso
resulte de uma alta de preços desses bens. Em outras palavras, pode
acontecer que, dentro de certos limites, as exigências da mão-de-obra
tendam a um mínimo de salário nominal e não a um mínimo de salário
real. A escola clássica presumiu, tacitamente, que este fato não traria
uma mudança significativa de sua teoria. Mas isso não é exato, pois,
se a oferta de trabalho não for uma função dos salários reais como
sua única variável, seu argumento desmorona-se por completo, deixando totalmente indeterminada a questão do que será o nível efetivo de
emprego.35 Esta mesma escola clássica parece não ter concebido que
sua curva de oferta de mão-de-obra se deslocará a cada movimento
dos preços, a não ser que tal oferta seja função exclusiva do salário
real. Diante disso, seu método encontra-se vinculado às suas hipóteses
34
35
Termo análogo ao da nota anterior, representando a tradução mais próxima de non-wagegoods, que corresponde aos bens e serviços finais que compõem a cesta típica de consumo
de um indivíduo não assalariado. (N. do R. T.)
Este ponto será tratado detalhadamente no Apêndice ao cap. 19, mais adiante.
48
KEYNES
muito especiais e não pode ser adaptado para se fazer uma análise do
caso mais geral.
Ora, a experiência comum ensina-nos, sem a menor sombra de
dúvida, que, em vez de mera possibilidade, a situação em que a mãode-obra estipula (dentro de certos limites) um salário nominal, em vez
de um salário real, constitui o caso normal. Se bem que o trabalhador
resista, normalmente, a uma redução do seu salário nominal, não costuma abandonar o trabalho ao se verificar uma alta de preços dos
bens de consumo salariais. Costuma-se, às vezes, dizer que seria ilógico,
por parte do trabalhador, resistir à diminuição dos salários nominais
e não resistir à dos salários reais. Por motivos que mencionaremos
adiante (p. 52), talvez isso não seja tão ilógico como parece à primeira
vista e, conforme veremos mais tarde, é vantajoso que assim o seja.
Todavia, lógica ou ilógica, a experiência prova ser este, de fato, o comportamento do trabalhador.
Ademais, o argumento de que o desemprego que caracteriza um
período de depressão se deva à recusa da mão-de-obra em aceitar uma
diminuição dos salários nominais não está claramente respaldado pelos
fatos. Não é muito plausível afirmar que o desemprego nos Estados
Unidos em 1932 tenha resultado de uma obstinada resistência do trabalhador em aceitar uma diminuição dos salários nominais, ou de uma
insistência obstinada de conseguir um salário real superior ao que
permitia a produtividade do sistema econômico. Amplas são as variações por que passa o volume de emprego sem que haja mudança aparente nos salários reais mínimos exigidos pelo trabalhador ou em sua
produtividade. O trabalhador não se mostra mais intransigente no período de depressão que no de expansão, antes pelo contrário. Também
não é verdade que a sua produtividade física seja menor. Estes fatos,
emanados da experiência, constituem, prima facie, o motivo para pôr
em dúvida a adequação da análise clássica.
Seria interessante examinar os resultados de uma análise estatística sobre as verdadeiras relações entre as mudanças dos salários
nominais e reais. No caso de uma variação que afeta apenas certo
gênero de indústria, é de se esperar que os salários reais variem no
mesmo sentido dos salários nominais. Mas no caso de variações no
nível de salários, observaríamos, julgo eu, que a variação dos salários
reais que acompanha a dos salários nominais, longe de se apresentar
normalmente no mesmo sentido, ocorre quase sempre em sentido oposto. Isso quer dizer que, quando os salários nominais sobem, constata-se
que os salários reais baixam, e quando os salários nominais baixam,
são os salários reais que sobem. Isso se deve ao fato de que, em um
curto período, a baixa dos salários nominais e a elevação dos salários
reais constituem, por motivos diferentes, fenômenos ligados à diminuição do emprego, pois, embora o trabalhador se mostre mais disposto
a aceitar reduções de salário quando o emprego declina, os salários
49
OS ECONOMISTAS
reais tendem, inevitavelmente, a crescer nas mesmas circunstâncias,
em virtude do maior retorno marginal de determinado estoque de capital quando a produção diminui.
Se, efetivamente, for exato que o salário real vigente esteja um
pouco abaixo do qual em nenhuma circunstância se contaria com mais
mão-de-obra do que a atualmente empregada, nenhum outro desemprego involuntário existiria além do “friccional”. No entanto, seria absurdo imaginar que seja sempre assim, pois uma quantidade de mãode-obra superior à atualmente empregada encontra-se, normalmente,
disponível ao salário nominal vigente, mesmo quando se verifica uma
alta no preço dos bens de consumo de assalariados e, conseqüentemente,
decresce o salário real. Sendo isso verdadeiro, os bens de consumo de
assalariados equivalentes ao salário nominal vigente não representam
a verdadeira medida da desutilidade marginal do trabalho e o segundo
postulado deixa de ter validez.
Existe, no entanto, uma objeção ainda mais fundamental. O segundo postulado decorre da idéia de que os salários reais dependem
das negociações salariais entre trabalhadores e empresários. Admite-se,
por certo, que essas negociações se realizam, efetivamente, em termos
monetários, e também que os salários reais considerados aceitáveis
pelos trabalhadores não são, de certo modo, independentes do nível
de salário nominal correspondente. Não obstante, é a este salário nominal assim fixado que se recorre para determinar o salário real. A
partir disso, a teoria clássica considera ser sempre possível à mão-deobra reduzir seu salário real, aceitando uma diminuição do seu salário
nominal. O postulado de que o salário real tende a igualar-se à desutilidade marginal do trabalho presume, claramente, que a própria mãode-obra esteja em condições de fixar o seu salário real, embora o mesmo
não aconteça com o volume de emprego oferecido em troca.
A teoria tradicional sustenta, em essência, que as negociações
salariais entre trabalhadores e empresários determinam o salário real,
de tal modo que, supondo que haja livre-concorrência entre os empregadores e a ausência de combinação restritiva entre os trabalhadores,
os últimos poderiam, se desejassem, fazer coincidir os seus salários
reais com a desutilidade marginal do volume de emprego oferecido
pelos empregadores ao dito salário. Não sendo assim, desaparece qualquer razão para se esperar uma tendência à igualdade entre o salário
real e a desutilidade marginal do trabalho.
É necessário ter em mente que as conclusões clássicas pretendem-se aplicáveis à mão-de-obra em seu conjunto e não significam,
meramente, que um indivíduo isolado possa achar trabalho aceitando
uma redução no salário nominal que seus companheiros recusam. Supõem-se, igualmente, aplicáveis tanto a um sistema fechado quanto a
um sistema aberto, e não dependem das características próprias de
um sistema aberto nem dos efeitos que uma redução dos salários no50
KEYNES
minais em um único país exerce sobre seu comércio exterior, efeitos
estes que estão completamente fora do escopo do presente raciocínio.
Não se prendem, tampouco, aos efeitos indiretos, que uma redução da
folha de pagamentos em termos monetários exerce sobre o sistema
bancário e as condições de crédito, cujos efeitos examinaremos detalhadamente no capítulo 19. Essas conclusões baseiam-se na crença de
que, em um sistema fechado, a redução do nível geral dos salários
nominais é necessariamente acompanhada, pelo menos em curtos períodos e apenas sujeita a algumas restrições secundárias, por certa
redução dos salários reais, embora nem sempre proporcional.
Ora, a hipótese de que o nível geral dos salários reais depende
das negociações entre os empregadores e os trabalhadores não é, obviamente, válida. Na verdade é de se admirar que poucos esforços têm
sido feitos no sentido de comprovar ou de refutar esta hipótese, pois
está longe de ser consistente com o conteúdo geral da teoria clássica,
que nos ensinou que os preços são determinados pelo custo marginal
expresso em termos nominais e que os salários nominais governam,
em grande parte, o custo marginal. Assim sendo, se houvesse variações
nos salários nominais, seria de esperar que a escola clássica sustentasse
que os preços variassem em proporção quase igual, de tal modo que
o salário real e o nível de desemprego permanecessem praticamente
os mesmos e, como conseqüência, quaisquer ganhos ou perdas, por
menores que sejam, para a mão-de-obra, ocorrem à custa ou em proveito
de outros elementos do custo marginal que permaneceu inalterado.36
Parece, entretanto, que houve um desvio desse ponto de vista, em
parte por causa da firme convicção de que o trabalhador está em condições de fixar o seu próprio salário real e, em parte, talvez, pela
preocupação de que os preços dependem da quantidade da moeda. Ao
admitir que o trabalhador está sempre em condições de fixar o seu
próprio salário real, esta crença continuou a ser sustentada pela confusão com o princípio segundo o qual a mão-de-obra se acha sempre
em condições de determinar o salário real correspondente ao pleno
emprego, isto é, ao volume máximo de emprego compatível com determinado salário real.
Em resumo, levantam-se duas objeções contra o segundo postulado da teoria clássica. A primeira refere-se ao comportamento efetivo
do trabalhador. Uma redução dos salários reais, devida a uma alta de
preços, não acompanhada da elevação dos salários nominais, não determina, por via de regra, uma diminuição da oferta de mão-de-obra
disponível à base do salário corrente, abaixo do volume de emprego
anterior à alta dos preços. Supor o contrário seria admitir que as pes36
No meu entender, este raciocínio de fato contém grande dose de verdade, embora os resultados completos e uma alteração nos salários nominais sejam menos simples, como veremos
no cap. 19, mais adiante.
51
OS ECONOMISTAS
soas no momento desempregadas, embora desejosas de trabalhar ao
salário corrente, deixariam de oferecer os seus serviços no caso de uma
pequena elevação do custo de vida. Mesmo assim, é nesta curiosa suposição que parece basear-se a obra Theory of Unemployment do professor Pigou37 e é ela que, tacitamente, admitem todos os partidários
da escola ortodoxa.
Contudo, a outra objeção, de fundamental importância, que formularemos nos capítulos seguintes, decorre de nossa contestação da
hipótese de que o nível geral dos salários reais seja diretamente determinado pelo caráter das negociações sobre salários. Ao supor que
as negociações sobre salários determinam o salário real, a escola clássica descambou para uma hipótese arbitrária, pois os trabalhadores,
em conjunto, não dispõem de nenhum meio de fazer coincidir o equivalente do nível geral de salários nominais expresso em bens de consumo com a desutilidade marginal do volume de emprego existente.
Provavelmente não existe nenhum expediente por meio do qual a mãode-obra, em conjunto, possa reduzir os seus salários reais a uma cifra
determinada, revisando as cláusulas monetárias dos acordos celebrados
com os empregadores. Esta será a nossa argumentação. Esforçar-nosemos para demonstrar que o papel principal na determinação do nível
geral dos salários reais é desempenhado por diversos outros fatores.
Um dos nossos temas principais será a elucidação desse problema.
Sustentaremos ter havido nessa matéria um mal-entendido fundamental no tocante às regras que determinam o real funcionamento da economia em que vivemos.
III
Embora se julgue, freqüentemente, que a luta entre indivíduos
e grupos pelos salários nominais determina o nível dos salários reais,
na realidade essa luta tem um objetivo diferente. Uma vez que a mobilidade do trabalho é imperfeita e os salários não tendem a estabelecer
uma exata igualdade de vantagens líquidas para as diferentes ocupações, qualquer indivíduo ou grupo de indivíduos que consinta numa
redução dos seus salários nominais em relação a outros sofre uma
redução relativa do salário real, o que é suficiente para justificar a
sua resistência. Por outro lado, seria impraticável opor-se a qualquer
redução dos salários reais que resultasse de alteração no poder aquisitivo do dinheiro e que afetasse igualmente a todos os trabalhadores;
com efeito, não há, em geral, resistência a este modo de reduzir os
salários nominais, a não ser que isto venha atingir níveis excessivos.
Além do mais, a oposição às reduções nos salários nominais aplicadas
a certas indústrias não ergue a mesma barreira insuperável ao aumento
37
Cf. cap. 19, Apêndice.
52
KEYNES
do emprego agregado que resultaria de uma resistência análoga a toda
e qualquer redução dos salários reais.
Em outras palavras, a competição em torno dos salários nominais
influi, primordialmente, sobre a distribuição do salário real agregado
entre os diferentes grupos de trabalhadores e não sobre o montante
médio por unidade de emprego, o qual depende, como veremos, de
outra série de fatores. A conseqüência da união de um grupo de trabalhadores é a proteção de seu salário real relativo. O nível geral dos
salários reais depende de outras forças do sistema econômico.
É, pois, uma circunstância favorável os trabalhadores mostrarem-se por instinto, embora sem se aperceberem disso, economistas
mais razoáveis do que a escola clássica, pelo fato de resistirem às
reduções dos salários nominais que raramente ou nunca assumem caráter geral, mesmo que o equivalente real destes salários exceda a
desutilidade marginal do emprego existente; isso enquanto não se opõem às reduções do salário real que acompanham os aumentos do emprego agregado e deixam inalterados os salários nominais relativos, a
não ser que essas reduções atinjam tal proporção que o salário real
corra o risco de cair abaixo da desutilidade marginal do volume de
emprego existente. Todos os sindicatos oferecerão alguma resistência,
por menor que seja, a uma redução dos salários nominais. Mas, considerando-se que os sindicatos não ousariam entrar em greve toda vez
que houvesse um aumento de custo de vida, eles não representam
obstáculo, como pretende a escola clássica, a um aumento do volume
agregado de emprego.
IV
Precisamos agora definir a terceira categoria de desemprego, ou
seja, o desemprego “involuntário” no sentido estrito da palavra, cuja
possibilidade a teoria clássica não admite.
É claro que por desemprego “involuntário” não queremos significar a mera existência de uma capacidade de trabalho parcialmente
utilizada. Uma jornada de oito horas não constitui desemprego simplesmente porque não está além da capacidade humana de trabalhar
dez horas. Nem devemos considerar desemprego “involuntário” o abandono do trabalho por um grupo de trabalhadores que preferisse não
trabalhar abaixo de certa remuneração real. Além disso, convém excluir
da nossa definição de desemprego “involuntário” o desemprego “friccional”. Esta definição será, portanto, a seguinte: Existem desempregados involuntários quando, no caso de uma ligeira elevação dos preços
dos bens de consumo de assalariados relativamente aos salários nominais, tanto a oferta agregada de mão-de-obra disposta a trabalhar pelo
salário nominal corrente quanto a procura agregada da mesma ao dito
salário são maiores que o volume de emprego existente. No capítulo
seguinte (p. 60 et seq.) daremos outra definição que, na realidade, corresponde a esta.
53
OS ECONOMISTAS
Resulta dessa definição que a igualdade entre o salário real e a
desutilidade marginal do emprego, presumida pelo segundo postulado,
corresponde, quando interpretada de maneira realista, à ausência de
desemprego “involuntário”. Descreveremos este estado de coisas denominando-o “pleno” emprego, englobando tanto o desemprego “friccional”
quanto o “voluntário” dentro do conceito de “pleno” emprego, em uma
única definição. Isto coincide, como verificaremos, com outras características da teoria clássica, que deveria ser logicamente considerada
uma teoria da distribuição em condições de pleno emprego. À medida
que os postulados clássicos permanecem válidos, o desemprego, que é
involuntário no sentido anterior, não poderá ocorrer. O desemprego
aparente deve, conseqüentemente, ser o resultado de uma perda temporária de trabalho do tipo de “transição entre empregos”, de caráter
intermitente da procura de recursos altamente especializados, ou de
uma política dos sindicatos no sentido de impedir o emprego de mãode-obra não sindicalizada. Por isso, os autores que seguem a tradição
clássica, ignorando a hipótese especial em que se baseava a sua teoria,
foram levados à conclusão inevitável e perfeitamente lógica, de acordo
com essa hipótese, de que o desemprego aparente (salvo as exceções
admitidas) era fundamentalmente devido à recusa dos fatores não empregados em aceitar uma remuneração correspondente à sua produtividade marginal. Um economista clássico pode simpatizar com a mãode-obra quando esta se nega a aceitar uma redução do seu salário
nominal, e admitirá que, talvez, não seja prudente obrigá-la a sujeitar-se a condições transitórias; mas a probidade científica força-o a
declarar que esta negativa nem por isso deixa de ser a causa fundamental das dificuldades.
Contudo, se a teoria clássica é apenas aplicável ao caso do pleno
emprego, torna-se obviamente enganoso aplicá-la aos problemas de desemprego involuntário — supondo-se que tal coisa exista (e quem o
negará?). Os teóricos da escola clássica são comparáveis aos geômetras
euclidianos em um mundo não euclidiano, os quais, descobrindo que,
na realidade, as linhas aparentemente paralelas se encontram com
muita freqüência, as criticam por não se conservarem retas, como único
recurso contra as desastrosas interseções que se produzem. Sendo esta
a realidade, não há, de fato, nenhuma outra solução a não ser rejeitar
o axioma das paralelas e elaborar uma geometria não euclidiana. A
ciência econômica reclama hoje uma medida desse gênero. Precisamos
desembaraçar-nos do segundo postulado da doutrina clássica e elaborar
um sistema econômico em que o desemprego involuntário seja possível
no seu sentido mais estrito.
V
Ao enfatizar os aspectos que os separam da doutrina clássica,
não devemos esquecer uma concordância importante. Manteremos, pois,
54
KEYNES
o primeiro postulado como até aqui, apenas sujeito às mesmas restrições
da teoria clássica, e convém fazer uma pausa, por um instante, a fim
de examinar-lhe as conseqüências.
Significa este postulado que, em certo estado de organização,
equipamento e técnica, os salários reais e o volume de produção (e,
portanto, do emprego) são correlacionados de uma única forma, de tal
modo que, em termos gerais, um aumento do emprego só pode ocorrer
simultaneamente com um decréscimo da taxa de salários reais. Com
isso, não estou contestando este fato fundamental que os economistas
clássicos (corretamente) declararam inatacável. Em certo estado de
organização, equipamento e técnica, em cada nível de salário real ganho
por uma unidade de trabalho há uma única correlação (inversa) com
o volume de emprego. Portanto, se o emprego aumenta, isso quer dizer
que em períodos curtos a remuneração por unidade de trabalho, expressa em bens de consumo dos assalariados, deve, em geral, diminuir
e os lucros devem aumentar.38 Este é, simplesmente, o reverso da proposição, já bastante conhecida, segundo a qual a indústria trabalha
normalmente sujeita a rendimentos decrescentes a curto prazo, durante
o qual se supõe que permaneçam constantes o equipamento etc., dessa
forma, o produto marginal das indústrias de bens de consumo dos
assalariados (o qual determina os salários reais) necessariamente se
reduz à medida que o emprego aumenta. Portanto, na medida em que
se considerar válida esta proposição, qualquer meio destinado a aumentar o emprego conduzirá, inevitavelmente, a uma diminuição paralela do produto marginal e, portanto, do nível dos salários medido
em termos desse produto.
Uma vez afastado o segundo postulado, porém, um declínio do
emprego, embora necessariamente associado ao fato de que o trabalho
receba um salário equivalente a uma quantidade maior de bens de
consumo, não se deve, necessariamente, ao fato de que a mão-de-obra
reclame uma quantidade maior desses bens; e a aceitação, pela mãode-obra, de menores salários nominais não é, necessariamente, um
remédio para o desemprego. A teoria dos salários em sua relação com
o emprego, à qual estamos sendo conduzidos pelo raciocínio aqui ex38
O raciocínio configura-se da seguinte maneira: n homens encontram-se empregados, o enésimo acrescenta um bushel* diário à colheita e os salários têm o poder aquisitivo de um
bushel por dia. O n + 1 ésimo homem, entretanto, apenas acrescentaria 0,9 bushel por dia
e o emprego não pode, portanto, subir a n + 1 homens, a não ser que o preço do trigo suba
em relação aos salários até que o poder aquisitivo dos salários seja de 0,9 bushel. Os
salários agregados seriam então de 9/10 (n + 1) bushel, quando anteriormente eram de n
bushel. Destarte, o emprego de um homem suplementar, no caso de ocorrer, implica uma
transferência de recursos dos que antes estavam empregados para os empregadores.
*
No original em inglês aparece o termo bushel, uma medida de volume sem tradução para
o português, correspondente a 0,036 m3 na Inglaterra, ou 35,238 litros nos EUA. Por fidelidade ao texto é mantido o termo original. Como se trata de um exemplo hipotético, não
há maiores problemas decorrentes da conservação desta medida. (N. do R. T.)
55
OS ECONOMISTAS
posto, não pode ser completamente elucidada antes de chegarmos ao
capítulo 19 e a seu Apêndice.
VI
Desde o tempo de Say e de Ricardo os economistas clássicos têm
ensinado que a oferta cria sua própria procura; isto significa de modo
expressivo, mas não claramente definido, que o total dos custos de
produção deve ser gasto por completo, direta ou indiretamente, na
compra do produto.
Na obra Principles of Political Economy de J. S. Mill, esta doutrina
está expressamente exposta:
“O que constitui os meios de pagamento das mercadorias são
as próprias mercadorias. Os meios de que cada indivíduo dispõe
para pagar a produção alheia são os produtos que ele mesmo
possui. Todos os vendedores são, no próprio sentido da palavra,
compradores. Se pudéssemos duplicar repentinamente as forças
produtoras de um país, poderíamos duplicar a oferta de mercadorias em todos os mercados, mas ao mesmo tempo duplicaríamos
o poder aquisitivo. Todo o mundo duplicaria simultaneamente a
procura e a oferta; todos poderiam comprar o dobro, pois teriam
duas vezes mais para oferecer em troca”.39
Como corolário desta mesma doutrina, julgou-se que qualquer
ato individual de abstenção de consumir necessariamente leva e equivale a um investimento na produção de riqueza sob a forma de capital,
resultante do trabalho e das mercadorias assim liberadas da necessidade de consumo. A seguinte passagem da obra Pure Theory of Domestic
Values40 de Marshall ilustra o ponto de vista tradicional:
“A renda total de cada pessoa é inteiramente gasta na compra de mercadorias e serviços. Diz-se, mesmo, que um homem
gasta uma parte de sua renda e economiza a outra. Porém é
um axioma econômico muito conhecido que um homem compra
trabalho e mercadorias com a parte da renda poupada, do mesmo modo que com a parte despendida. Quando alguém procura
obter uma satisfação imediata por meio dos serviços e mercadorias que compra, diz-se que gasta. Quando faz com que o
trabalho e as mercadorias que compra contribuam para a produção de riqueza da qual espera tirar meios de satisfação no
futuro, diz-se que poupa”.
É verdade que dificilmente se poderiam citar passagens seme39
40
Principles of Political Economy. Livro Terceiro, cap. XIV, § 2.
P. 34.
56
KEYNES
lhantes nas obras posteriores de Marshall,41 e nas de Edgeworth ou
do professor Pigou. A doutrina não é hoje exposta de forma tão rudimentar. Mas nem por isso deixa de ser a base sobre a qual se assenta
toda a teoria clássica, que sem ela desmoronaria. Economistas contemporâneos, que hesitariam em aceitar a doutrina de Mill, aceitam
sem vacilação as conclusões que requerem essa doutrina como premissa.
A convicção que permeia, por exemplo, em quase toda a obra do professor Pigou de que a moeda não faz, realmente, grande diferença,
exceto de forma friccional, e de que a teoria da produção e do emprego
pode ser elaborada (como a de Mill) sobre uma base de trocas “reais”,
e com a moeda introduzida superficialmente num capítulo posterior.
O pensamento contemporâneo está ainda fortemente impregnado da
noção de que, se o dinheiro não for gasto de uma forma, o será de
outra.42 Na verdade, os economistas do pós-guerra nem sempre lograram sustentar este ponto de vista de maneira consistente, pois suas
idéias atuais acham-se demasiadamente influenciadas pela tendência
contrária e por fatos da experiência em flagrante desacordo com sua
concepção anterior.43 Todavia, não foram extraídas dessa situação conseqüências de longo alcance, nem houve uma revisão de sua teoria
fundamental.
Em primeiro lugar, estas conclusões podem ter-se aplicado ao
tipo de economia em que realmente vivemos por falsa analogia com
algum tipo de economia sem trocas, como a de Robinson Crusoé, na
qual a renda que os indivíduos consomem ou poupam como resultado
de sua atividade produtiva é real e exclusivamente constituída pela
produção in specie dessa atividade. Porém, fora disso, a conclusão de
que os custos de produção são sempre globalmente cobertos pelo produto
das vendas resultantes da procura é bastante plausível, porque é difícil
distinguir esta proposição de outra análoga e incontestavelmente verdadeira, ou seja, a de que a renda obtida globalmente por todos os
41
42
43
J. A. Hobson, depois de citar o parágrafo anterior de Mill, em sua obra Physiology of
Industry (p. 102), assinala que Marshall fez o seguinte comentário em uma de suas primeiras
obras, Economics of Industry, p. 154: “Contudo, embora os homens tenham o poder de
comprar, podem preferir não se utilizarem dele”. “Mas”, acrescenta Hobson, “ele não parece
ter percebido a importância capital deste fato e dá a impressão de limitar-lhe as conseqüências aos períodos de ‘crise’.” Este comentário é válido, julgo eu, à luz dos trabalhos
posteriores de Marshall.
Cf. MARSHALL, Alfred e Mary. Economics of Industry. p. 17: “Não é conveniente para a
indústria que existam roupas feitas com tecido que se gasta depressa, pois, se as pessoas
não gastassem seus recursos na compra de roupas novas, iriam gastá-los em coisas que
proporcionariam trabalho de alguma outra maneira”. O leitor há de notar que estou citando
os primeiros trabalhos de Marshall. O Marshall da obra Principles tornou-se bastante cético
para ser cauteloso e evasivo. Mas as antigas idéias nunca foram repudiadas nem extirpadas
das hipóteses fundamentais de sua teoria.
O prof. Robbins distingue-se por ser quase o único que continua a defender uma linha
consistente de pensamento; suas recomendações práticas pertencem ao mesmo sistema de
sua teoria.
57
OS ECONOMISTAS
elementos da comunidade, que participam de uma atividade produtiva,
tem necessariamente um valor exatamente igual ao valor da produção.
Do mesmo modo, é natural supor que o ato pelo qual um indivíduo
enriquece, sem aparentemente tirar nada de outro, deve também enriquecer a comunidade inteira; em conseqüência disso (como na passagem de Marshall que acabamos de citar), um ato de poupança individual conduz inevitavelmente a um ato paralelo de investimento,
pois, mais uma vez, é incontestável que a soma dos incrementos líquidos
da riqueza dos indivíduos deve ser exatamente igual ao incremento
líquido agregado da riqueza da comunidade.
Os que assim pensam foram, contudo, vítimas de uma ilusão de
óptica que confunde duas atividades essencialmente diferentes. Julgaram, erradamente, que existe um nexo unindo as decisões de abster-se
de um consumo imediato às de prover a um consumo futuro, quando
não há nenhuma relação simples entre os motivos que determinam as
primeiras e os que determinam as segundas.
Portanto, a hipótese da igualdade entre o preço da procura da
produção global e o preço da oferta é que deve ser considerada o “axioma
das paralelas” da teoria clássica. Admitida esta hipótese, tudo o mais
se deduz naturalmente — as vantagens sociais da poupança individual
e nacional, a atitude tradicional para com a taxa de juros, a teoria
clássica do desemprego, a teoria quantitativa da moeda, as vantagens
ilimitadas do laissez-faire quanto ao comércio externo e muitos outros
aspectos que teremos de discutir.
VII
Em diversos pontos deste capítulo fizemos, sucessivamente, a
teoria clássica depender das seguintes hipóteses:
(1) que o salário real é igual à desutilidade marginal do trabalho existente;
(2) que não existe o que se chama desemprego involuntário
no seu sentido estrito;
(3) que a oferta cria a sua própria procura, no sentido de que
o preço da procura agregada é igual ao preço da oferta agregada
para todos os níveis de produção e de emprego.
Essas três hipóteses, entretanto, equivalem-se entre si, no sentido
de que subsistem ou desmoronam juntas, pois qualquer delas depende,
logicamente, das outras duas.
58
CAPÍTULO 3
O Princípio da Demanda Efetiva
I
Precisamos, de início, recorrer a alguns termos, os quais serão
definidos com mais rigor posteriormente. Em determinada situação
técnica, de recursos e de custos, o emprego de certo volume de mãode-obra impõe ao empresário duas espécies de gastos: a primeira são
os montantes que ele paga aos fatores de produção (excetuando-se os
que paga a outros empresários) por seus serviços habituais, e que denominaremos custo de fatores do emprego em questão; a segunda são
os montantes que paga a outros empresários pelo que lhes compra,
juntamente com o sacrifício que faz utilizando o seu equipamento em
vez de o deixar ocioso, ao que chamaremos custo de uso do emprego
em questão.44 A diferença entre o valor da produção resultante e a
soma do custo de fatores e do custo de uso é o lucro, ou, como passaremos
a chamar-lhe, a renda do empresário. O custo de fatores vem a ser,
naturalmente, a renda dos fatores de produção considerada do ponto
de vista do empresário, de modo que o custo de fatores e o lucro formam,
juntamente, o que definiremos como renda total resultante do emprego
oferecido pelo empresário. O lucro do empresário assim definido é,
como deveria ser, a quantia que ele procura elevar ao máximo quando
está decidindo qual o volume de emprego que deve oferecer. Por vezes,
quando se trata do problema da ótica do empresário, é conveniente
chamar a renda agregada (isto é, custo de fatores mais lucro) resultante
de certo volume de emprego de produto deste nível de emprego. Por
outro lado, o preço da oferta agregada45 da produção resultante de
determinado volume de emprego é o produto esperado, que é exata44
45
Uma definição precisa de custo de uso será apresentada no cap. 6.
Que não deve ser confundida (ver infra) com o preço de oferta de uma unidade de produto
no sentido comum do termo.
59
OS ECONOMISTAS
mente suficiente para que os empresários considerem vantajoso oferecer
o emprego em questão.46
Disso se deduz que, levando em conta certas condições da técnica
de recursos e de custo dos fatores por unidade de emprego, tanto para
cada firma individual quanto para a indústria em conjunto, o volume
do emprego depende do nível de receita que os empresários esperam
receber da correspondente produção.47 Os empresários, pois, esforçamse por fixar o volume de emprego ao nível em que esperam maximizar
a diferença entre a receita e o custo dos fatores.
Seja Z o preço de oferta agregada da produção resultante do
emprego de N homens e seja a relação entre Z e N, que chamaremos
função da oferta agregada,48 representada por Z = φ (N). Da mesma
forma, seja D o produto que os empresários esperam receber do emprego
de N homens, sendo a relação entre D e N, a que chamaremos função
da demanda agregada, representada por D = ƒ (N).
Dessa maneira, se para determinado valor de N o produto esperado for maior que o preço da oferta agregada, isto é, se D for superior
a Z, haverá um incentivo que leva os empresários a aumentar o emprego
acima de N e, se for necessário, a elevar os custos disputando os fatores
de produção, entre si, até chegar ao valor de N para o qual Z é igual
a D. Assim, o volume de emprego é determinado pelo ponto de interseção
da função da demanda agregada e da função da oferta agregada, pois
46
47
48
O leitor observará que elimino o custo de uso tanto da receita quanto do preço de oferta
agregada de determinado volume de produção, de tal forma que ambos os termos devem
ser interpretados como líquidos relativamente ao custo de uso, ao passo que as somas
agregadas pagas pelos compradores são, naturalmente, o bruto relativamente ao custo de
uso. As razões para assim proceder serão apresentadas no cap. 6. O essencial é que as
receitas agregadas e o preço da oferta agregada, líquidos do custo de uso, possam definir-se
de maneira exclusiva e não ambígua. Visto que, evidentemente, o custo de uso depende
do grau de integração da indústria e da importância das compras que os empresários
realizam entre si, não pode haver definição das somas agregadas pagas pelos compradores,
incluindo o custo de uso, que seja independente desses fatores. Há uma dificuldade semelhante mesmo na definição de preço de oferta no sentido comum da expressão, para um
produtor individual; e, no caso da oferta agregada da produção em conjunto, corre-se o
risco de sérias dificuldades de duplicação que nem sempre foram levadas em conta. Se o
termo for interpretado incluindo o custo de uso, os inconvenientes só podem ser vencidos
à custa de hipóteses especiais a respeito do grau de integração dos empresários em grupos,
conforme sua produção seja de bens de consumo ou de capital, hipóteses que são, em si
mesmas, obscuras e complicadas e não correspondem aos fatos. Se, pelo contrário, o preço
de oferta agregada se define como antes, isto é, líquido relativamente ao custo de uso,
essas dificuldades desaparecem. O leitor deverá aguardar o cap. 6 e seu Apêndice, onde
há uma análise mais completa dessa questão.
Um empresário que tenha de tomar uma decisão prática a respeito da sua escala de
produção não terá, naturalmente, uma única expectativa indubitável sobre qual será a
receita de venda de uma produção determinada, mas várias expectativas hipotéticas, formuladas com graus variáveis de probabilidade e de exatidão. Por sua expectativa de receita
quero dizer, portanto, aquela que, se formulada em condições de certeza, o levaria à mesma
conduta que o conjunto das possibilidades mais diversas e vagas que compõem o seu estado
de expectativa no instante de tomar sua decisão.
No cap. 20, a função que está intimamente ligada à anterior será designada função do
emprego.
60
KEYNES
é neste ponto que as expectativas de lucro dos empresários serão maximizadas. Chamaremos demanda efetiva o valor de D no ponto de
interseção da função da demanda agregada com o da oferta agregada.
Como esta é a essência da Teoria Geral do Emprego, a qual nos propomos expor, os capítulos seguintes serão, em grande parte, consagrados ao exame dos diversos fatores de que dependem essas duas funções.
A doutrina clássica, por outro lado, que se resumia categoricamente na proposição de que “a Oferta cria a sua própria Demanda” e
que continua subjacente em toda a teoria econômica ortodoxa, envolve
uma hipótese especial a respeito da relação existente entre estas duas
funções. Isso porque a proposição “a Oferta cria a sua própria Demanda”
deve significar que ƒ(N) e φ (N) são iguais para todos os valores de N,
isto é, para qualquer volume de produção e de emprego; e que, quando
há um aumento em Z (= φ(N)) correspondente a um aumento em N,
D (= ƒ(N)) aumenta necessariamente na mesma quantidade que Z. A
teoria clássica supõe, em outras palavras, que o preço da demanda
agregada (ou produto) sempre se ajusta ao preço da oferta agregada, de
tal modo que, seja qual for o valor de N, o produto D adquire um valor
igual ao do preço da oferta agregada Z que corresponde a N. Isto quer
dizer que a demanda efetiva, em vez de ter um único valor de equilíbrio,
comporta uma série infinita de valores, todos igualmente admissíveis, e
que o volume de emprego é indeterminado, salvo na medida em que a
desutilidade marginal do trabalho lhe fixe um limite superior.
Se isso fosse verdade, a concorrência entre os empresários levaria
sempre a um aumento do emprego, até o ponto em que a oferta agregada
cessa de ser elástica, ou seja, um ponto a partir do qual um novo
aumento no valor da demanda efetiva já não é acompanhado por um
aumento da produção. Evidentemente, isto é o mesmo que o pleno
emprego. No capítulo anterior, demos uma definição de pleno emprego
baseada no comportamento da mão-de-obra. Outro critério, aliás equivalente, a que chegamos agora é o da situação em que o emprego
agregado é inelástico diante de um aumento na demanda efetiva relativamente ao nível de produto correspondente àquele nível de emprego. Assim, a lei de Say, segundo a qual o preço da demanda agregada
da produção em conjunto é igual ao preço da sua oferta agregada para
qualquer volume de produção, equivale à proposição de que não há
obstáculo para o pleno emprego. Contudo, não sendo esta a verdadeira
lei que relaciona a demanda agregada e as funções da oferta, falta
ainda escrever um capítulo da teoria econômica, cuja importância é
decisiva e sem o qual é inútil qualquer discussão a respeito do volume
do emprego agregado.
II
Para o leitor talvez seja útil, neste ponto, a apresentação de um
breve sumário da teoria do emprego que será desenvolvida no decorrer
61
OS ECONOMISTAS
dos capítulos seguintes, ainda que esse resumo possa não ser de todo
inteligível. Os termos usados serão, em seu devido tempo, definidos
com maior precisão. Neste resumo, passaremos a supor que o salário
nominal e os outros elementos de custo permaneçam constantes por
unidade de trabalho agregada. Entretanto, esta simplificação, de que
mais tarde prescindiremos, é introduzida apenas para facilitar a exposição. O fato de os salários nominais e de outros aspectos estarem
ou não sujeitos a variação em nada altera a natureza do raciocínio.
As grandes linhas da nossa teoria podem expressar-se da maneira
que se segue. Quando o emprego aumenta, aumenta, também, a renda
real agregada. A psicologia da comunidade é tal que, quando a renda
real agregada aumenta, o consumo de agregado também aumenta, porém não tanto quanto a renda. Em conseqüência, os empresários sofreriam uma perda se o aumento total do emprego se destinasse a
satisfazer a maior demanda para consumo imediato. Dessa maneira,
para justificar qualquer volume de emprego, deve existir um volume
de investimento suficiente para absorver o excesso da produção total
sobre o que a comunidade deseja consumir quando o emprego se acha
em determinado nível. A não ser que haja este volume de investimento,
as receitas dos empresários serão menores que as necessárias para
induzi-los a oferecer tal volume de emprego. Daqui se segue, portanto,
que, dado o que chamaremos de propensão a consumir da comunidade,
o nível de equilíbrio do emprego, isto é, o nível em que nada incita os
empresários em conjunto a aumentar ou reduzir o emprego, dependerá
do montante de investimento corrente. O montante de investimento
corrente dependerá, por sua vez, do que chamaremos de incentivo para
investir, o qual, como se verificará, depende da relação entre a escala
da eficiência marginal do capital e o complexo das taxas de juros que
incidem sobre os empréstimos de prazos e riscos diversos.
Assim sendo, dada a propensão a consumir e a taxa do novo
investimento, haverá apenas um nível de emprego compatível com o
equilíbrio, visto que qualquer outro levaria a uma desigualdade entre
o preço da oferta agregada da produção em conjunto e o preço da
demanda agregada. Este nível não pode ser maior que o pleno emprego,
isto é, o salário real não pode ser menor que a desutilidade marginal
do trabalho. Mas não há, em geral, razão para que ele seja igual ao
pleno emprego. A demanda efetiva associada ao pleno emprego é um
caso especial que só se verifica quando a propensão a consumir e o
incentivo para investir se encontram associados entre si numa determinada forma. Esta relação particular, que corresponde às hipóteses
da teoria clássica, é, em certo sentido, uma relação ótima. Mas ela só
se verifica quando, por acidente ou desígnio, o investimento corrente
proporciona um volume de demanda justamente igual ao excedente do
preço da oferta agregada da produção resultante do pleno emprego
62
KEYNES
sobre o que a comunidade decida gastar em consumo quando se encontre
em estado de pleno emprego.
Esta teoria pode ser resumida nas seguintes proposições:
(1) Sob certas condições de técnica, de recursos e de custos, a renda
(tanto monetária quanto real) depende do volume de emprego N.
(2) A relação entre a renda de uma comunidade e o que se pode
esperar que ela gaste em consumo, designado por D1, dependerá das
características psicológicas da comunidade, a que chamaremos de sua
propensão a consumir. Isso quer dizer que o consumo depende do montante da renda agregada e, portanto, do volume de emprego N, exceto
quando houver alguma mudança na propensão a consumir.
(3) A quantidade de mão-de-obra N que os empresários resolvem
empregar depende da soma (D) de duas quantidades, a saber: D1, o
montante que se espera seja gasto pela comunidade em consumo, e
D2, o montante que se espera seja aplicado em novos investimentos.
D é o que já chamamos antes de demanda efetiva.
(4) Desde que D1 + D2 = D = φ (N), onde φ é a função da oferta
agregada, e como, segundo vimos em (2), D1 é uma função de N, a
qual podemos escrever χ (N), que depende da propensão a consumir,
deduz-se que φ (N) – χ (N) = D2.
(5) Conseqüentemente, o nível de emprego de equilíbrio depende
(i) da função da oferta agregada, φ, (ii) da propensão a consumir, χ, e
(iii) do montante do investimento, D2. Esta é a essência da Teoria
Geral do Emprego.
(6) A cada volume de N corresponde certa produtividade marginal
da mão-de-obra nas indústrias de bens de consumo dos assalariados,
e é isto que determina o salário real. A proposição (5) está, portanto,
sujeita à condição de que N não pode exceder o valor que reduz o
salário real até chegar à igualdade com a desutilidade marginal da
mão-de-obra. Isto significa que nem todas as variações de D são compatíveis com a nossa hipótese provisória de que os salários nominais
sejam constantes. Desse modo, é essencial para a exposição completa
de nossa teoria que coloquemos de parte esta hipótese.
(7) Na teoria clássica, segundo a qual D = φ (N) para todos os
valores de N, o nível de emprego está em equilíbrio neutro sempre
que N seja inferior ao seu valor máximo, de modo que se possa esperar
que as forças da concorrência entre os empresários o elevem até esse
63
OS ECONOMISTAS
valor máximo. Apenas neste ponto, segundo a teoria clássica, pode
haver um equilíbrio estável.
(8) Quando o emprego aumenta, D1 também aumenta, porém não
tanto quanto D, visto que, quando nossa renda sobe, nosso consumo
também sobe, embora menos. A chave do nosso problema prático encontra-se nesta lei psicológica. Disso decorre que, quanto maior for o
nível de emprego, maior será a diferença entre o preço da oferta agregada (Z) da produção correspondente e a soma (D1) que os empresários
esperam recuperar com os gastos dos consumidores. Conseqüentemente, quando a propensão a consumir não varia, o emprego não pode
aumentar, a não ser que isso aconteça ao mesmo tempo que D2 cresça,
de modo que preencha a crescente lacuna entre Z e D1. Diante disso,
o sistema econômico pode encontrar um equilíbrio estável com N em
um nível inferior ao pleno emprego, isto é, no nível dado pela interseção
da função da procura agregada e da função da oferta agregada —
excluídas as hipóteses especiais da teoria clássica, segundo as quais, quando o emprego aumenta, certa força intervém sempre, obrigando D2 a subir
o necessário para preencher a lacuna crescente entre Z e D1.
Não é, portanto, a desutilidade marginal do trabalho, expressa
em termos de salários reais, que determina o volume de emprego,
exceto no caso em que a oferta de mão-de-obra disponível a certo salário
real fixe um nível máximo de emprego. A propensão a consumir e o
nível do novo investimento é que determinam, conjuntamente, o nível
de emprego, e é este que, certamente, determina o nível de salários
reais — não o inverso. Se a propensão a consumir e o montante de
novos investimentos resultam em uma insuficiência da demanda efetiva, o nível real do emprego se reduzirá até ficar abaixo da oferta de
mão-de-obra potencialmente disponível ao salário real em vigor, e o
salário real de equilíbrio será superior à desutilidade marginal do nível
de emprego de equilíbrio.
Esta análise nos oferece uma explicação do paradoxo da pobreza
em meio à abundância, pois a simples existência de uma demanda
efetiva insuficiente pode paralisar, e freqüentemente paralisa, o aumento do emprego antes de haver ele alcançado o nível de pleno emprego. A insuficiência da demanda efetiva inibirá o processo de produção, a despeito do fato de que o valor do produto marginal do trabalho
continue superior à desutilidade marginal do emprego.
Além disso, quanto mais rica for a comunidade, mais tenderá a
ampliar a lacuna entre a sua produção efetiva e a potencial; e, portanto,
mais óbvios e maléficos os defeitos do sistema econômico. Assim, uma
comunidade pobre tenderá a consumir a maior parte da sua produção
de modo que um investimento modesto será suficiente para lhe garantir
o pleno emprego, ao passo que uma comunidade rica terá de descobrir
64
KEYNES
oportunidades de investimento muito mais amplas, para que possa
conciliar a propensão para a poupança dos seus membros mais ricos
com o emprego dos seus membros mais pobres. Se em uma comunidade
potencialmente rica o incentivo para investir for fraco, a insuficiência
da demanda efetiva a obrigará a reduzir sua produção real até que,
a despeito de sua riqueza potencial, ela se torne tão pobre que os
excedentes sobre o consumo diminuam até chegar ao nível correspondente ao seu fraco incentivo para investir.
A situação, contudo, é ainda mais sombria. Não apenas a propensão marginal a consumir49 é mais fraca em uma comunidade rica,
como também, em virtude de o capital acumulado já ser grande, as
oportunidades para novos investimentos são menos atrativas, a não
ser que a taxa de juros desça a um ritmo bastante rápido; isso nos
leva à teoria da taxa de juros e às razões pelas quais esta não baixa
automaticamente ao nível adequado, assunto de que nos ocuparemos
no Livro Quarto.
Por essa razão, a análise da propensão a consumir, a definição
da eficiência marginal do capital e a teoria da taxa de juros são as
três lacunas principais dos nossos atuais conhecimentos que temos
necessidade de preencher. Quando isso for conseguido, veremos que a
teoria dos preços ocupará o seu lugar apropriado como assunto subsidiário da nossa teoria geral. Constataremos, ademais, que a moeda
representa um papel essencial na nossa teoria da taxa de juros e tentaremos desemaranhar as características particulares que a distinguem
de outros fatores.
III
Na economia ricardiana, que serve de base ao que nos vem sendo
ensinado há mais de um século, a idéia de que podemos pôr de lado,
sem outras cogitações, a função da demanda agregada é fundamental.
Malthus, na verdade, se opôs com veemência à doutrina de Ricardo
de que era impossível uma insuficiência da demanda efetiva, porém,
em vão. Não tendo conseguido explicar com clareza (a não ser por
fatos da observação prática) como e por que a demanda efetiva poderia
ser deficiente ou excessiva, deixou de fornecer uma estrutura capaz
de substituir a tese que atacava; assim, Ricardo conquistou a Inglaterra
de maneira tão completa como a Santa Inquisição conquistara a Espanha. Sua teoria não só foi aceita pelos meios influentes de Londres,
pelos estadistas e pelo mundo acadêmico, como também cessou toda
controvérsia, e o ponto de vista contrário desapareceu por completo e
deixou de ser discutido. O grande enigma da demanda efetiva com que
Malthus havia lutado desapareceu da literatura econômica. Não se lhe
49
Definida no cap. 10.
65
OS ECONOMISTAS
faz nenhuma menção, uma vez sequer, em toda a obra de Marshall,
de Edgeworth e do professor Pigou, que deram à teoria clássica a sua
forma mais definitiva. Apenas sobreviveu, furtivamente, nos subterrâneos do mundo de Karl Marx, de Silvio Gesell e do major Douglas.
O fato de a vitória ricardiana ter sido tão completa faz com que
seja revestida de curiosidade e de mistério. Essa vitória provavelmente
se deveu a um complexo de afinidades entre a sua doutrina e o meio
em que foi lançada. Creio que o fato de ter chegado a conclusões inteiramente diversas das que poderia esperar um indivíduo comum e
pouco instruído contribuiu para seu prestígio intelectual. Deu-lhe virtude a circunstância de que seus ensinamentos, transportados para a
prática, eram austeros e, por vezes, desagradáveis. Deu-lhe primor o
poder sustentar uma superestrutura lógica, vasta e coerente. Deu-lhe
autoridade o fato de poder explicar muitas injustiças sociais e crueldades aparentes como incidentes inevitáveis na marcha do progresso,
e de poder mostrar que a tentativa de modificar esse estado de coisas
tinha, de modo geral, mais chances de causar danos que benefícios.
Por ter formulado certa justificativa à liberdade de ação do capitalista
individual, atraiu-lhe o apoio das forças sociais dominantes agrupadas
atrás da autoridade.
Embora, até há pouco, a doutrina em si nunca tenha sido contestada pelos economistas ortodoxos, sua óbvia inadequação no que
tange às finalidades de predição científica diminuiu bastante, com o
passar do tempo, o prestígio de seus adeptos. Aparentemente, depois
de Malthus, os economistas profissionais ficaram insensíveis diante da
falta de conformidade entre os resultados de sua teoria e dos fatos
observados; uma discrepância que o homem comum não deixa de observar, como resultado de uma crescente obstinação em conceder aos
economistas a manifestação de respeito que tributa a outros grupos
de cientistas cujas conclusões teóricas são confirmadas pela observação,
quando aplicadas aos fatos.
O celebrado otimismo da teoria econômica tradicional — que levou
os economistas a serem considerados Cândidos, os quais, tendo-se retirado do mundo para cultivarem seus jardins, clamam que tudo caminha do melhor modo no melhor dos mundos possível, contanto que
deixemos as coisas andarem sozinhas — tem como origem, no meu
entender, o fato de não haver sido levado em conta o empecilho que
uma insuficiência da demanda efetiva pode significar para a prosperidade, pois em uma sociedade que funciona de acordo com os postulados
clássicos deveria existir uma tendência natural para o emprego ótimo
dos recursos. Pode muito bem ser que a teoria clássica represente o
caminho que a nossa economia, segundo o nosso desejo, deveria seguir,
mas supor que na realidade ela assim se comporta é presumir que
todas as dificuldades estejam removidas.
66
LIVRO SEGUNDO
DEFINIÇÕES E IDÉIAS
CAPÍTULO 4
A Escolha das Unidades
I
Neste e nos três capítulos seguintes procuraremos esclarecer certas dúvidas que não têm relação peculiar ou exclusiva com os problemas
cujo exame nos propusemos fazer de maneira especial. Assim, estes
capítulos devem ser considerados uma digressão que nos afastará, temporariamente, do nosso tema principal. Estes assuntos são estudados
aqui por nunca terem sido tratados em nenhuma outra parte, de modo
conveniente para as necessidades de minha investigação particular.
As três perplexidades que mais dificultaram meu progresso na
elaboração deste livro e impediram que me expressasse convenientemente até encontrar alguma solução para elas foram: em primeiro
lugar, a escolha das unidades quantitativas adequadas aos problemas
do sistema econômico em seu conjunto; em segundo, o papel representado pelas expectativas na análise econômica; e, em terceiro, a definição
da renda.
II
A imperfeição das unidades com que os economistas costumam
trabalhar pode ser ilustrada pelos conceitos de dividendo nacional, estoque de capital real e nível geral de preços:
(i) O dividendo nacional, tal como o definiram Marshall e o professor Pigou,50 mede o volume da produção corrente ou renda real e
não o valor da produção ou renda monetária.51 Além disso, depende,
50
51
Ver PIGOU. Economics of Welfare et pas., e particularmente Parte Primeira, cap. III.
Embora se considere comumente, por razões de um ajuste conveniente, a renda real que
constitui o dividendo nacional como limitada aos bens e serviços que se podem comprar
com dinheiro.
69
OS ECONOMISTAS
em certo sentido, da produção líquida, quer dizer, da adição líquida
aos recursos da comunidade disponíveis para o consumo ou retidos
como provisão de capital, que resulta das atividades econômicas e dos
sacrifícios de um período, depois de levado em conta o desgaste do
estoque do capital real existente no começo desse mesmo período. Sobre
estas bases se procurou erigir uma ciência quantitativa. Há, porém,
séria objeção a este conceito, aplicado para tal fim, no fato de a produção
da comunidade em bens e serviços ser um complexo não homogêneo
que não se pode medir (no estrito sentido da palavra) senão em casos
especiais, como, por exemplo, quando todos os artigos de uma produção
entram na mesma proporção em outra produção.
(ii) A dificuldade é ainda mais acentuada quando, para calcular
a produção líquida, se procura medir a adição líquida de equipamento
ao capital, pois é necessário encontrar alguma base de comparação
quantitativa entre as novas formas de equipamento produzidas durante
o período e as antigas, consumidas pelo desgaste. Para chegar ao dividendo nacional líquido, o professor Pigou52 deduz aquela margem de
obsolescência etc., “que pode razoavelmente denominar-se ‘normal’; e
a prática de normalidade é aquela em que a obsolescência é bastante
regular para ser prevista, se não em detalhe, pelo menos grosso modo”.
Mas, como essa dedução não se faz em unidades monetárias, o professor Pigou é levado a considerar que pode haver uma variação na
quantidade física, embora não tenha havido variação física alguma;
isto é, ele está introduzindo, implicitamente, variações no valor.
Além disso, ele é incapaz de conceber uma fórmula satisfatória53
para avaliar o equipamento novo em relação ao antigo quando, em
virtude de mudanças na técnica, os dois deixam de ser idênticos.
Creio que o conceito apontado pelo professor Pigou é o correto e
adequado para a análise econômica. Enquanto não for adotado um
sistema satisfatório de unidades, é uma tarefa impossível defini-lo
com precisão. O problema de comparar uma produção real com outra
e calcular depois a produção líquida, compensando com as novas
partidas de equipamento o desgaste das antigas, acarreta enigmas
que, podemos dizer com segurança, são insolúveis.
(iii) Em terceiro lugar, o conhecido mas inevitável elemento de
imprecisão que, como se sabe, acompanha o conceito do nível geral de
preços torna o uso deste termo muito inadequado para análise causal,
que deve ser exata.
52
53
Economics of Welfare. Parte Primeira. Cap. V, em “What is meant by Maintaining Capital
Intact”; conforme as correções feitas em recente artigo no Economic Journal. Junho de
1935. p. 225.
Cf. as críticas do Prof. HAYEK. In: Economica. Agosto de 1935. p. 247.
70
KEYNES
Essas dificuldades, contudo, são justamente consideradas “enigmas”. Elas são “puramente teóricas”, no sentido de que jamais confundem ou afetam, de qualquer maneira, as decisões dos homens de
negócios, não influindo na seqüência causal dos fenômenos econômicos,
tão claros e determinados, apesar da indeterminação quantitativa destes conceitos. É natural, portanto, concluir que estes conceitos não
apenas carecem de precisão como também são desnecessários. É evidente que a nossa análise quantitativa deva ser exposta sem usar
nenhum termo quantitativamente vago. E, na verdade, uma vez iniciada essa tarefa, verifica-se, como espero demonstrar, que se pode
muito bem passar melhor sem eles.
O fato de dois grupos incomensuráveis de objetos diversos não
poderem fornecer, por si mesmos, o material necessário para uma análise quantitativa não deve, naturalmente, impedir-nos de realizar comparações estatísticas aproximadas que, dependendo mais de elementos
de apreciação imperfeitos do que de cálculos rigorosos, deixam de ser,
dentro de certos limites, válidas e significativas. Mas o verdadeiro lugar
de conceitos como a produção real líquida e o nível geral de preços é
dentro do campo da descrição estatística e histórica, e o seu objeto
deveria ser satisfazer a curiosidade histórica ou social, propósito para
o qual não é habitual nem necessária uma precisão absoluta — tal
como exige a nossa análise causal, seja ou não completo ou exato o
nosso conhecimento dos valores reais das quantidades envolvidas. Dizer
que a produção líquida de hoje é maior que a de dez anos atrás ou a
do ano anterior, mas que o nível de preços é inferior, equivale a afirmar
que a Rainha Vitória era uma soberana melhor, porém não uma mulher
mais feliz, que a Rainha Elisabete — asserção não desprovida de
significado ou de interesse, mas inútil como material para o cálculo
diferencial. Nossa precisão seria ilusória se usássemos tais conceitos
parcialmente vagos e não quantitativos como base de uma análise
quantitativa.
III
Não esqueçamos que em todos os casos concretos um empresário
preocupa-se com decisões a respeito da escala em que usará certo equipamento de capital; e quando afirmamos que a expectativa de um
acréscimo de demanda, ou seja, de um deslocamento da função de
demanda agregada, conduz a um aumento na produção agregada, o
que realmente queremos dizer é que as empresas proprietárias do equipamento de capital se verão induzidas a associar-lhe um volume maior
de emprego de mão-de-obra agregada. No caso de uma empresa ou
indústria isolada que produza artigos homogêneos, é legítimo falar, se
quisermos, de aumentos e diminuições de produção. Porém, quando
somarmos as atividades de todas as empresas, só nos exprimiremos
com exatidão por meio de quantidades de emprego aplicadas a deter71
OS ECONOMISTAS
minado equipamento. Os conceitos de produção total e seu nível de
preços deixam então de ser indispensáveis, pois não necessitamos de
uma medida absoluta da produção agregada corrente, como a que nos
permitiria comparar o seu montante com o que resultaria da associação
de um equipamento de capital diferente e uma quantidade de emprego
diferente. Quando, para fins descritivos ou de simples comparação,
queremos falar do aumento de produção, devemos aceitar a suposição
geral de que o volume de emprego associado a determinado equipamento de capital será um índice satisfatório do montante da produção
que daí resulta — supondo-se que ambos aumentem e diminuam juntos,
ainda que não em proporção numérica definida.
Para tratar da teoria do emprego proponho-me, portanto, usar
apenas duas unidades de quantidades fundamentais, a saber, quantidades de valor monetário e quantidades de emprego. As primeiras são
estritamente homogêneas e pode-se fazer com que as segundas assim
o sejam, pois, na medida em que diversas categorias e espécies de
trabalho e emprego assalariado obtêm uma remuneração relativa mais
ou menos fixa, a quantidade de emprego pode ser satisfatoriamente
definida para a nossa finalidade, tomando uma hora de emprego de
mão-de-obra comum como unidade e ponderando uma hora de mão-de-obra
especializada proporcionalmente à sua remuneração, ou seja, contando
por duas uma hora de mão-de-obra especializada remunerada ao dobro
da taxa comum. Chamaremos unidade de trabalho à unidade em que se
mede o volume de emprego e unidade de salário ao salário nominal de
uma unidade de trabalho.54 Portanto, E representa a folha de salários,
W a unidade de salários e N a quantidade de emprego, E = N × W.
Esta hipótese de homogeneidade na oferta de mão-de-obra não
se altera pelo fato evidente de grandes diferenças na capacidade profissional dos diversos trabalhadores e nas suas aptidões para as tarefas
diversas. Se a remuneração da mão-de-obra é proporcional à sua eficiência, as diferenças são levadas em conta ao considerar que os indivíduos contribuem para a oferta de trabalho proporcionalmente à sua
remuneração; ao passo que, à medida que a produção aumenta, a empresa se vê obrigada a ocupar mão-de-obra cada vez menos útil para
seus fins especiais por unidade de salário pago; este é apenas um entre
os fatores que levam ao retorno decrescente do equipamento de capital,
em termos de produção, quando uma quantidade maior de trabalho
lhe é aplicada. Englobamos, por assim dizer, a heterogeneidade das
unidades de trabalho igualmente remuneradas dentro do equipamento,
o qual consideramos cada vez menos adequado para empregar as unidades de trabalho disponíveis à medida que a produção aumenta, em
vez de considerar que estas unidades de trabalho disponíveis se tornam
54
Se X representa uma unidade qualquer medida em unidades monetárias, será, na maioria
dos casos, conveniente representar por Xw a mesma quantidade medida em unidades de
salário.
72
KEYNES
cada vez menos aptas a utilizar um equipamento de capital homogêneo.
Conseqüentemente, se não há excedente de mão-de-obra especializada
ou qualificada e se o emprego da mão-de-obra menos capacitada causa
maior custo de trabalho por unidade de produção, isto quer dizer que
o rendimento do equipamento diminui mais depressa com a expansão
do emprego do que diminuiria numa situação em que houvesse excedente de mão-de-obra.55 Mesmo no caso extremo em que as diferentes
unidades de trabalho fossem de tal modo especializadas que não pudessem absolutamente substituir-se umas pelas outras, isso não traria
dificuldades, significando apenas que a elasticidade da oferta da produção, derivada de um tipo especial de equipamento de capital, desce
repentinamente a zero, quando toda a mão-de-obra especializada disponível para seu uso já se encontra empregada.56 Portanto, a nossa
hipótese de uma unidade de trabalho homogênea não suscita objeções,
a não ser que haja grande instabilidade na remuneração relativa das
diferentes unidades de trabalho; e ainda assim esta dificuldade pode
ser levada em conta, caso se apresente, supondo que a oferta de mãode-obra e a forma da função da oferta agregada também estariam
sujeitas a mudanças bruscas.
No meu entender, evitar-se-ia muita perplexidade desnecessária
55
56
É principalmente por essa razão que o preço de oferta da produção cresce ao mesmo tempo
que a demanda, mesmo quando existe um excedente de equipamento do tipo idêntico ao que
está em uso. Se supomos que o excedente de oferta de mão-de-obra compõe uma reserva
igualmente utilizável por todos os empresários e que a mão-de-obra empregada para um fim
determinado recebe remuneração, pelo menos em parte, por unidade de esforço e não estritamente em proporção com a sua eficiência no emprego específico (hipótese comprovada na maioria
dos casos), a eficiência decrescente da mão-de-obra empregada é um exemplo marcante da alta
de preço de oferta, com o aumento da produção, não devida a deseconomias internas.
Não posso dizer de que modo se supõe que a curva de oferta, no seu uso comum, leva em
conta a dificuldade acima, pois aqueles que delas se têm servido não esclareceram suficientemente suas hipóteses. Provavelmente supõem que a mão-de-obra empregada para fim
determinado é sempre remunerada em estrita proporção com a sua eficiência para este
fim, mas isto é irrealista. Talvez a razão principal para se considerar a variação da eficiência
da mão-de-obra, como se esta se relacionasse com o equipamento, resida no fato de os
crescentes excedentes, que surgem à medida que há aumento de produção, beneficiarem
na prática sobretudo os proprietários do equipamento e não a mão-de-obra mais eficiente
(embora esta possa ter a vantagem de ser empregada com maior regularidade e conseguir
promoções mais rápidas); isto significa que homens de diferentes eficiências que trabalham
no mesmo serviço raramente são pagos em exata proporção com a sua eficiência. Quando,
entretanto, a remuneração aumenta com a produtividade, e à medida que o caso se apresenta,
meu método toma-o em consideração, visto que para calcular o número de unidades de
trabalho empregadas se atribui a cada trabalhador individual um coeficiente de ponderação
proporcional à sua remuneração. Partindo das minhas hipóteses, obviamente surgem complicações interessantes quando se trata de curvas da oferta específicas, em se considerando
que a sua forma depende de procura de mão-de-obra qualificada para outros fins. Ignorar
essas complicações seria, como disse, negar a realidade. No entanto, não precisamos levá-las
em conta quando se trata do emprego em conjunto, visto termos suposto que certo volume
da demanda efetiva se distribui de modo preciso entre os diferentes produtos, aos quais
está singularmente associada. Pode acontecer, todavia, que essa distribuição não se mantenha em virtude de causas específicas de variações na demanda. Por exemplo, um aumento
na demanda efetiva devido a um fortalecimento da propensão a consumir poderia encontrar-se
associado a uma função de oferta agregada diferente da que corresponderia a um aumento
igual da demanda devido a um maior incentivo a investir. Tudo isso, contudo, pertence à
análise pormenorizada das idéias gerais expostas e que não tenciono, de imediato, abordar.
73
OS ECONOMISTAS
se nos limitássemos estritamente às duas unidades, moeda e emprego,
quando tratamos do comportamento do sistema econômico em seu conjunto, reservando o uso de unidades de determinadas produções e equipamentos para a análise da produção de empresas ou indústrias consideradas isoladamente; e ao uso de conceitos vagos, como o volume
de produção global, a quantidade de equipamento do capital como um
todo e o nível geral de preços, para as ocasiões em que buscamos
alguma comparação histórica que, dentro de certos limites (às vezes
bem amplos), é reconhecidamente imprecisa e aproximativa.
Segue-se daqui que mediremos as mudanças da produção corrente
com referência ao número de horas de trabalho pagas e aplicadas ao
equipamento existente (tanto para satisfazer os consumidores como
para produzir novo equipamento de capital), ponderando as horas de
trabalho qualificado de acordo com sua remuneração. Não precisamos
fazer uma comparação quantitativa entre esta produção e a que resultaria da associação de um grupo de trabalhadores diferente com
um equipamento de capital diferente. Para prever a maneira como os
empresários que possuem certo equipamento reagiriam às variações
da função da demanda agregada não é necessário saber como o volume
da produção resultante, o nível de vida e o nível geral de preços se
comparariam com o que seriam em outras épocas e em outros países.
IV
É fácil demonstrar que as condições da oferta, tais como se expressam geralmente pela curva da oferta, e a elasticidade da oferta,
que relaciona a produção com o preço, podem ser tratadas nas duas
unidades escolhidas, por meio da função da oferta agregada, sem referência às quantidades de produção, quer se trate de uma empresa
ou indústria individual, quer da atividade econômica em conjunto, pois
a função da oferta agregada para determinada firma (e de modo semelhante para determinada indústria ou para a indústria em conjunto)
está representada por
Zr = φr (Nr),
em que Zr representa o produto (deduzido o custo de uso) cuja expectativa motivará um volume de emprego Nr. Portanto, se a relação entre
emprego e produção for tal que um emprego Nr resulte numa produção
Or, na qual Or = ψr (Nr), segue-se que
p = Zr + Ur(Nr)
Or
=
φr(Nr) + Ur(Nr)
ψr(Nr)
é a curva convencional da oferta, onde Ur(Nr) é o custo de uso (previsto)
correspondente a um volume de emprego Nr.
Por esta razão, no caso de qualquer produto homogêneo, para o
74
KEYNES
qual Or = ψr(Nr) tenha um valor definido, podemos avaliar Zr = φr(Nr)
da maneira comum; mas então podemos agregar as quantidades Nr de
uma forma que não é possível agregar com as Or, porque ΣOr não é uma
quantidade numérica. Além disso, se nos for permitido supor que, em
determinadas circunstâncias, certo volume agregado de emprego será distribuído de uma forma específica entre as indústrias, de tal modo que Nr
seja função de N, pode-se chegar a maiores simplificações.
75
CAPÍTULO 5
A Expectativa como Elemento Determinante do
Produto e do Emprego
I
Toda produção se destina, em última análise, a satisfazer o consumidor. Normalmente decorre algum tempo — às vezes bastante —
entre o momento em que o produtor assume os custos (tendo em vista
o consumidor) e o da compra da produção pelo consumidor final. Enquanto isso, o empresário (aplicando-se esta designação tanto ao produtor quanto ao investidor) tem de fazer as melhores previsões57 que
lhe são possíveis sobre o que os consumidores estarão dispostos a pagar-lhe quando, após um lapso de tempo que pode ser considerável,
estiver em condições de os satisfazer (direta ou indiretamente); e não
lhe resta outra alternativa senão guiar-se por estas previsões, se sua
produção tem de ser realizada, de qualquer forma, por processos que
requerem tempo.
Estas expectativas, das quais dependem as decisões da atividade
econômica, dividem-se em dois grupos, havendo certos indivíduos ou
firmas especializadas na elaboração de expectativas do primeiro tipo
e outras na elaboração do segundo. O primeiro tipo relaciona-se com
o preço que um fabricante pode esperar obter pela sua produção “acabada”, no momento em que se compromete a iniciar o processo que o
produzirá, considerando que os produtos estão “acabados” (do ponto
de vista do fabricante) quando prontos para serem usados ou vendidos
a outrem. O segundo refere-se ao que o empresário pode esperar ganhar
sob a forma de rendimentos futuros, no caso de comprar (ou talvez
manufaturar) produtos “acabados” para os adicionar a seu equipamento
57
Com respeito ao método para alcançar um equivalente destas expectativas, expresso em
receitas de vendas, ver a nota 4, Livro Primeiro, cap. 3.
77
OS ECONOMISTAS
de capital. Chamaremos às primeiras expectativas a curto prazo e às
segundas expectativas a longo prazo.
Deste modo, o comportamento de cada firma individual, ao fixar
sua produção diária,58 é determinado pelas expectativas a curto prazo
— expectativas relativas ao custo da produção em diversas escalas e
expectativas relativas ao produto da venda desta produção; no caso de
adições ao equipamento de capital ou mesmo de vendas a distribuidores,
estas expectativas a curto prazo dependerão, em grande parte, das
expectativas a longo prazo (ou prazo médio) de outrem. São estas diversas expectativas que determinam o volume de emprego oferecido
pelas empresas. Os resultados efetivamente realizados da fabricação e
da venda da produção só terão influência sobre o emprego na medida
em que contribuam para modificar as expectativas subseqüentes. Também são irrelevantes, por outro lado, as expectativas iniciais que induziram a firma a adquirir o equipamento de capital e o estoque de
produtos intermediários e materiais semi-acabados de que dispõe no
momento em que deve decidir sobre a produção do dia seguinte. Portanto, todas as vezes que tiver de ser tomada uma decisão, ela o será
levando em conta este equipamento e estes estoques, mas à luz das
expectativas atuais a respeito dos custos e das vendas futuras.
Diante disso, de modo geral, uma mudança nas expectativas (quer
a curto quer a longo prazo) só produzirá pleno efeito sobre o emprego
depois de um lapso de tempo considerável. A variação do emprego
resultante dessa mudança de expectativas não será no segundo dia
igual à mudança do primeiro, nem no terceiro igual à do segundo, e
assim por diante, ainda que não se verifiquem novas mudanças de
expectativas. No caso de expectativas a curto prazo, isto ocorre pelo
fato de as mudanças de expectativas não se verificarem, em geral, com
suficiente violência ou rapidez, quando desfavoráveis, para ocasionar
o abandono do trabalho em todos os processos produtivos, cujo início
à luz de uma nova expectativa tenha sido um erro; ao passo que,
quando são favoráveis, torna-se necessário que decorra certo tempo de
preparação antes que o emprego alcance o nível a que teria chegado,
se as expectativas tivessem sido revistas antes. No caso das expectativas a longo prazo, o equipamento que não for substituído continuará
proporcionando emprego até tornar-se desgastado; ao passo que, se a
mudança de expectativa a longo prazo for favorável, o emprego pode
estar em um nível mais alto no princípio do que depois de passado o
tempo necessário para ajustar o equipamento à nova situação.
Se supusermos que certo estado de expectativa dure o tempo
suficiente para que seus efeitos sobre o emprego sejam tão completos
58
Diária significa aqui o intervalo mais curto após o qual a empresa se acha livre para
revisar sua decisão quanto ao volume de emprego que pretende oferecer. É, por assim
dizer, a unidade efetiva mínima de tempo econômico.
78
KEYNES
que, em termos gerais, não haja nenhuma parcela do nível de emprego
existente que não seja produto deste estado de expectativas, o volume
estável do emprego assim obtido poderá chamar-se emprego a longo
prazo,59 correspondente a esse estado de expectativa. Segue-se daí que,
embora as expectativas possam mudar com tal freqüência que o volume
real do emprego nunca tenha tido tempo de alcançar o emprego a
longo prazo correspondente ao estado de expectativa existente, a cada
estado de expectativa corresponde um volume específico de emprego
a longo prazo.
Consideraremos, em primeiro lugar, o processo de transição para
uma posição de longo prazo, devida a uma mudança nas expectativas,
quando a transição não é perturbada nem interrompida por qualquer
outra mudança de expectativa. Suponhamos, primeiro, uma mudança
de tal natureza que o novo volume de emprego de longo prazo seja
maior que o antigo. Em regra, a princípio só será afetado de maneira
considerável o montante dos insumos, isto é, o volume de trabalho nas
primeiras etapas dos novos processos de produção, ao passo que a
produção dos bens de consumo e o volume de emprego nas etapas
finais dos processos empreendidos antes da mudança continuarão, sensivelmente, os mesmos. Na medida em que existam estoques de artigos
semi-acabados, esta conclusão poderá ser modificada, embora pareça
provável que o aumento inicial de emprego seja moderado. Entretanto,
com o passar dos dias, o emprego aumentará gradualmente. Além disso,
é fácil imaginar condições que o levarão, em determinado ponto, a um
nível mais alto que o do novo emprego a longo prazo. O processo de
criar capital para satisfazer o novo estado das expectativas pode levar
a um nível de emprego e, também, a um montante de consumo corrente
superiores aos atingidos quando alcançada a posição de longo prazo.
Assim, as mudanças nas expectativas podem levar o emprego a subir
gradualmente até atingir um ponto máximo e, em seguida, declinar
até o novo nível do longo prazo. Isto também acontece, ainda que o
novo nível seja igual ao anterior, sempre que a mudança represente
uma nova orientação do consumo que torne obsoletos certos processos
existentes, juntamente com seu respectivo equipamento. Ou ainda, se
o novo volume de emprego a longo prazo for menor que o antigo, o
volume de emprego durante a transição pode estabilizar-se por algum
tempo abaixo do nível que depois será alcançado. Por esta razão, uma
simples mudança de expectativa é capaz, no decorrer do período em
que a mesma se verifica, de provocar uma oscilação comparável à de
um movimento cíclico. Foi esta espécie de movimentos que estudei em
59
Não é necessário que o volume de emprego a longo prazo seja constante, isto é, as condições
de longo prazo não são necessariamente estáticas. Por exemplo, um aumento regular da
riqueza ou da população pode constituir um dos elementos de uma expectativa invariável.
A única condição é que as expectativas existentes devam ter sido formuladas com suficiente
antecedência.
79
OS ECONOMISTAS
minha obra Treatise on Money, a propósito da formação e diminuição dos
estoques de capital circulante e líquido que acompanham as mudanças.
Um processo de transição ininterrupto, como o anterior, até chegar a uma nova posição de longo prazo, pode complicar-se nos pormenores. Mas o curso real dos acontecimentos é mais complicado ainda,
pois o estado de expectativas está sujeito a variações constantes, surgindo uma nova expectativa antes que a anterior haja produzido todo
o seu efeito, de tal modo que o mecanismo econômico está sempre
ocupado com numerosas atividades que se sobrepõem, cuja existência
se deve aos vários estados anteriores das expectativas.
Isto nos conscientiza da importância que tem este tema para o
fim a que nos propomos. É evidente, pelo que foi dito acima, que o
volume de emprego em um momento qualquer depende, em certo sentido, não apenas do estado atual das expectativas, mas também de
todos os estados de expectativa que existiram no curso de certo período
anterior. Todavia, as expectativas passadas que ainda não se dissolveram por completo estão incorporadas no equipamento de capital
atual; diante disso o empresário deve tomar suas decisões, pois aquelas
só influem sobre estas na medida em que nelas tenham sido incorporadas. Pode-se, pois, a despeito do anterior, dizer que o emprego de
hoje é governado pelas expectativas de hoje, consideradas juntamente
com o equipamento de capital de hoje.
Raramente se podem evitar as referências expressas às expectativas correntes a longo prazo. Contudo, pode-se evitar uma alusão expressa à expectativa a curto prazo, visto que, na prática, o processo
de revisão das expectativas a curto prazo é gradual e contínuo e ocorre,
em sua maior parte, tendo em vista os resultados realizados, de tal
modo que os resultados esperados e os realizados se confundem e se
entrelaçam nos seus efeitos. Isso porque, embora a produção e o emprego sejam determinados pelas expectativas a curto prazo do produtor
e não pelos resultados obtidos no passado, mesmo assim os resultados
mais recentes desempenham papel predominante na determinação dessas expectativas. Seria complicado demais elaborar as expectativas de
novo toda vez que se iniciasse um processo produtivo; mais do que
isto, seria perder tempo, porque, de modo geral, grande parte das circunstâncias se mantém substancialmente invariável de um dia para
outro. É, portanto, com razão que os produtores baseiam suas expectativas na hipótese de que a maioria dos resultados observados mais
recentemente continuará, salvo no caso de haver motivos definidos
para se esperar uma mudança. Por isso, existe, na realidade, uma
grande sobreposição dos efeitos sobre o emprego, os advindos do montante obtido com as vendas já realizadas da produção recente e os
advindos das vendas, que se espera realizar, da produção corrente.
Quando os produtores modificam gradualmente as suas previsões, fa80
KEYNES
zem-no com mais freqüência à luz dos resultados obtidos do que tendo
em vista as mudanças prováveis.60
Não devemos, entretanto, esquecer que, no caso dos bens duráveis,
as expectativas a curto prazo do produtor baseiam-se nas expectativas
correntes a longo prazo do investidor, e que não faz parte da natureza
das expectativas a longo prazo poderem ser revistas a curtos intervalos
à luz dos resultados realizados. Além disso, as expectativas a longo
prazo estão sujeitas a revisões imprevistas, como veremos no capítulo
12, onde pretendemos examiná-las mais detalhadamente. Assim, o fator
das expectativas correntes a longo prazo não pode, nem sequer aproximadamente, ser eliminado ou substituído pelos resultados realizados.
60
Esta ênfase na expectativa que se faz quando a decisão de produzir é tomada concorda,
na minha opinião, com o ponto de vista de Hawtrey, quando expõe que o uso dos fatores
de produção e o emprego sofrem a influência da acumulação dos estoques antes que os
preços tenham baixado ou que a frustração com respeito à produção se reflita numa perda
sofrida proporcionalmente à expectativa. Isso porque a acumulação de estoques não vendidos
(ou a diminuição de pedidos para o futuro) é precisamente o tipo de acontecimento que
mais probabilidade tem de fazer com que o uso de fatores produtivos difira, mais ainda
que o indicado pelas simples estatísticas a respeito da receita de vendas da produção prévia
se as mesmas fossem projetadas sem levar em conta o período seguinte.
81
CAPÍTULO 6
Definição de Renda, Poupança e Investimento
I. Renda
Dentro de determinado período, um empresário terá vendido produtos acabados a consumidores ou a outros empresários por uma importância que designaremos A. Ele terá, também, gasto certa soma
que será designada A1, para comprar artigos acabados de outros empresários. Terá, ao final, um equipamento de capital que inclui tanto
seus estoques de bens não acabados, ou capital circulante, como seus
estoques de bens acabados, com o valor de G.
Entretanto, certa parte de A + G – A1 não deve ser atribuída às
atividades do período em questão, e sim ao equipamento de capital
que o empresário possuía no início do período. Portanto, a fim de chegar
ao nosso conceito de renda do período corrente, temos de deduzir de
A + G – A1 certo montante que é, de certa forma, devido ao equipamento
herdado do período anterior. O problema de definir a renda será resolvido logo que tenhamos encontrado um método satisfatório para
calcular esta dedução.
Há dois processos diferentes para este cálculo, cada qual com
sua importância; um deles se relaciona com a produção, e o outro se
relaciona com o consumo. Vamos examiná-los sucessivamente.
(i) O valor efetivo G do equipamento de capital no fim do período
é o resultado líquido, de um lado, do que o empresário fez para conservá-lo e melhorá-lo durante esse período, quer pelas compras a outros
empresários, quer pelo trabalho por ele mesmo realizado, e, de outro
lado, do desgaste ou da depreciação decorrente do uso a que o submeteu
na produção de bens. Se ele tivesse decidido não usá-lo para a produção,
ainda assim lhe conviria gastar certo montante de recursos, a título
de otimização para mantê-lo e melhorá-lo. Suponhamos que, neste caso,
tivesse gasto a quantia B′ para essa conservação e melhoria e que,
83
OS ECONOMISTAS
nessas circunstâncias, o valor do equipamento fosse G′ no final do
período. Isto significa que G′ – B′ é o máximo valor líquido que poderia
ter sido conservado do período anterior, se o equipamento não houvesse
sido utilizado na produção de A. O excedente desse valor potencial do
equipamento sobre G – A1 é a medida do que se sacrificou (de um
modo ou de outro) para produzir A. Chamaremos a essa quantidade,
a saber,
(G′ – B′) – (G – A1),
que mede o sacrifício do valor compreendido na produção de A, o custo
de uso de A. O custo de uso será representado por U.61 À quantia paga
pelo empresário aos demais fatores de produção em troca de seus serviços, que para os mesmos vem a ser a sua renda, chamaremos custo
de fatores de A. Chamaremos custo primário da produção A à soma
do custo de fatores F e do custo de uso U.
Podemos, então, definir a renda62 do empresário como a diferença
entre o valor da sua produção acabada, vendida durante o período, e
o custo primário. Esta é a quantidade que ele busca maximizar, sujeita
à escala de sua produção, ou seja, é o seu lucro bruto, na acepção
corrente deste termo, o que está de acordo com o senso comum. Conseqüentemente, como a renda do resto da comunidade é igual ao custo
de fatores do empresário, a renda agregada é igual a A – U.
A renda, assim definida, é uma quantidade completamente inequívoca. Ademais, como a expectativa do empresário, quando fixa o
volume de emprego a conceder aos outros fatores de produção, é obter
a máxima diferença entre esta quantidade e a soma paga aos fatores
de produção, segue-se que a renda do empresário tem importância
vital para o emprego.
Pode-se conceber, naturalmente, que G – A1 exceda G′ – B′, de
modo que o custo de uso venha a ser negativo. Isto pode ser o caso,
por exemplo, se acontecer de escolhermos um período em que a utilização dos insumos tenha aumentado sem que a produção resultante
tenha tido tempo de alcançar a etapa de acabamento e de venda. O
mesmo poderá, também, ocorrer sempre que houver investimento positivo, se considerarmos a possibilidade de a indústria chegar a tal
grau de integração que os empresários produzam, eles próprios, a maior
parte de seu equipamento. Não obstante isso, desde que o custo de
uso apenas seja negativo quando o empresário tenha aumentado seu
equipamento com o próprio trabalho, podemos pensar que o custo de
uso é normalmente positivo numa economia cujo equipamento de capital
tenha sido, em sua maior parte, fabricado por empresas diferentes das
61
62
O custo de uso será objeto de observações mais amplas no Apêndice a este capítulo.
Diferente de seu rendimento líquido, que definiremos mais adiante.
84
KEYNES
que o utilizam. Além disso, é difícil conceber um caso em que o custo
dU
, seja outra
de uso marginal associado a um aumento de A, isto é,
dA
coisa que não positivo.
Talvez seja conveniente mencionar aqui, em antecipação à última
parte deste capítulo, que, para a comunidade em conjunto, o consumo
agregado (C) do período é igual a Σ (A – A1), e o investimento agregado
(I) igual a Σ (A1 – U). Além disso, U é o desinvestimento do empresário
individual (e – U, seu investimento) relativamente ao seu próprio equipamento, excluindo o que ele compra a outros empresários. Assim,
num sistema completamente integrado (no qual A1 = O), o consumo é
igual a A e o investimento a – U, isto é, a G – (G′ – B′). A pequena
complicação anterior, causada pela introdução de A1, deve-se simplesmente ao desejo de adotar uma fórmula geral que compreenda o caso
de um sistema de produção não integrado.
Além disso, a demanda efetiva é simplesmente a renda agregada
(ou produto) que os empresários esperam receber, incluídas as rendas
que fazem passar às mãos dos outros fatores de produção, por meio
do volume de emprego corrente que resolvem conceder. A função de
demanda agregada relaciona várias quantidades hipotéticas de emprego com os rendimentos que se espera obter do volume de sua produção;
e a procura efetiva é um ponto na função da demanda agregada que
se torna realidade porque, levando em conta as condições da oferta,
ela corresponde ao nível de emprego que maximiza as expectativas de
lucro do empresário.
Este conjunto de definições tem ainda a vantagem de nos permitir
igualar o valor do produto marginal (ou renda) ao custo marginal dos
fatores, chegando assim à mesma série de proposições que relaciona
o produto marginal, como foi definido, com o custo marginal dos fatores,
tal como foi estabelecido pelos economistas que, ignorando o custo de
uso ou supondo-o zero, igualaram o preço da oferta63 ao custo marginal
dos fatores.64
63
64
O preço de oferta é, penso eu, uma expressão insuficientemente definida quando se ignora
o conceito de custo de uso. O assunto será estudado mais amplamente no Apêndice a este
capítulo, onde sustento que a exclusão do custo de uso do preço de oferta, embora seja por
vezes correta para o caso do preço da oferta agregada, é inadequada quando se trata dos
problemas relativos ao preço de oferta de uma unidade de produção para uma empresa
individual.
Por exemplo, tomemos Zω = φ(N) ou, alternativamente, Z = W. φ(N) como a função da oferta
agregada (onde W é a unidade de salário e X.Zω = Z). Então, desde que a receita marginal
seja igual ao custo marginal dos fatores para cada ponto da curva da oferta agregada, temos
∆N = ∆Aω – ∆Uω = ∆Zω = ∆φ(N),
isto é, φ′(N), desde que o custo de fatores mantenha relação constante com o custo de salário
e que a função da oferta agregada para cada empresa (cujo número se supõe constante)
seja independente do número de homens empregados nas outras indústrias, de maneira
85
OS ECONOMISTAS
(ii) Passemos, em seguida, ao segundo dos princípios mencionados
antes. Até aqui tratamos da parte das variações no valor do equipamento de capital entre o começo e o fim do período, resultantes das
decisões voluntárias tomadas pelo empresário a fim de conseguir o
lucro máximo. Mas podem, também, ser verificadas perdas (ou lucros)
involuntárias no valor do seu equipamento de capital, por motivos que
escapam ao seu controle e que são independentes de suas decisões
correntes, como, por exemplo, uma mudança nos valores de mercado,
desgaste por obsolescência ou mera ação do tempo ou, ainda, destruição
resultante de catástrofes, tais como uma guerra ou um terremoto. Algumas dessas perdas involuntárias, embora inevitáveis, não são — em
termos gerais — imprevisíveis, como é o caso das perdas devidas à
ação do tempo independentemente do uso e, também, da obsolescência
“normal” que, como acentua o professor Pigou, “é bastante regular
para ser prevista, se não em detalhe, pelo menos grosso modo”. Incluindo, poderíamos acrescentar as perdas da comunidade em conjunto,
as quais são bastante regulares para ser habitualmente consideradas
“riscos seguráveis”. Ignoremos, por enquanto, o fato de que o montante
das perdas previstas varia segundo a época em que se supõe formulada
a expectativa, e chamemos à depreciação do equipamento — que é
involuntária, mas não imprevista, ao excedente da depreciação prevista
sobre o custo de uso — de custo suplementar, que representaremos
por V. Decerto, é desnecessário indicar que esta definição não é a
mesma do custo suplementar de Marshall, embora a idéia subjacente,
que é a de levar em consideração a parte da depreciação prevista que
não entra no custo primário, seja semelhante.
Portanto, quando se calculam a renda líquida e o lucro líquido
do empresário, é comum deduzir da renda e do lucro bruto, tais como
foram definidos antes, o montante computado do custo suplementar,
porque o efeito psicológico do custo suplementar sobre o empresário,
quando este considera o que pode gastar ou poupar, é virtualmente
igual ao que lhe produziria o lucro bruto. Na sua qualidade de produtor,
decidindo se utilizará ou não o seu equipamento, o custo primário e
o lucro bruto, tais como foram definidos anteriormente, são para ele
os conceitos importantes. Porém, na qualidade de consumidor, o montante do custo suplementar exerce em sua mente o mesmo efeito que
se fizesse parte do custo primário. Portanto, ao definirmos a renda
agregada líquida, deduzindo tanto o custo suplementar como o custo de
uso, de maneira que a renda líquida agregada seja igual a A – U – V,
que os termos da equação anterior, válidos para cada empresário individual, possam aplicar-se a todos em conjunto. Isso quer dizer que, se os salários forem constantes e os demais
fatores do custo conservarem relação fixa com a folha de salários, a função da oferta
agregada é linear com uma inclinação dada pela recíproca dos salários nominais.
86
KEYNES
não apenas nos aproximamos do costume generalizado, como também
chegamos a um conceito relevante para o nível de consumo.
Resta-nos examinar a variação no valor do equipamento, decorrente de mudanças imprevistas nos valores de mercado, obsolescência
excepcional ou destruição por efeito de catástrofes, variação esta que
é — num sentido amplo — imprevista. A perda real decorrente desta
variação, que não levamos em conta mesmo ao calcular a renda líquida,
e que lançamos na conta de capital, pode chamar-se perda imprevisível.
A importância causal da renda líquida reside na influência psicológica da magnitude de V sobre o montante do consumo corrente,
pois a renda líquida é a quantia que o homem comum considera sua
renda disponível quando decide quanto gastará em seu consumo corrente. Isto não é, naturalmente, o único fator que ele tem em vista
quando decide o montante de seus gastos. Atribui, por exemplo, considerável importância aos lucros ou perdas imprevisíveis que realiza
na conta de capital. Mas o custo suplementar e uma perda imprevisível
diferem no sentido de que as alterações no primeiro podem afetá-lo
exatamente da mesma maneira que as variações de seu lucro bruto. O
que governa o consumo do empresário é o excedente do produto da
venda da produção corrente sobre a soma do custo primário e do custo
suplementar, ao passo que, mesmo quando as perdas (ou lucros) imprevisíveis intervêm nas suas decisões, não o fazem na mesma escala,
pois determinada perda imprevisível não tem o mesmo efeito que um
custo suplementar correspondente.
Contudo, devemos agora recorrer à idéia de que a linha de separação entre os custos suplementares e as perdas imprevisíveis, isto
é, entre as perdas inevitáveis que julgamos normal debitar à conta de
renda e as que consideramos razoável computar como perda (ou lucro)
imprevisível à conta de capital, é, em parte, convencional ou psicológica,
dependendo de quais sejam os critérios comumente aceitos para a estimativa das primeiras. Não se pode, pois, estabelecer um princípio
exclusivo para as avaliações do custo suplementar, e o seu montante
dependerá do método de cálculo que escolhermos. O valor previsto do
custo suplementar, quando se produz inicialmente o equipamento, é
uma quantidade definida. Porém, se tornar a ser calculado em época
ulterior, seu montante para o resto da vida do equipamento pode ter
variado em conseqüência de uma alteração que se tenha produzido,
no intervalo, em nossas expectativas, sendo as perdas imprevisíveis
de capital o valor descontado da diferença entre as séries prováveis
de U + V nas expectativas antiga e revisada. É um princípio amplamente admitido na contabilidade comercial, com a sanção das autoridades do Inland Revenue,65 fixar em certa quantia a soma do custo
65
Board of Inland Revenue. Na Grã-Bretanha, o órgão encarregado de fixar e de recolher
taxas diretas (imposto sobre a renda, imposto sobre ganhos de capital, imposto sobre transferência de capital etc.).
87
OS ECONOMISTAS
suplementar e do custo de uso quando se adquire o equipamento, e
mantê-lo sem alteração durante a vida do equipamento, quaisquer que
sejam as mudanças ulteriores da expectativa. Neste caso, considera-se
custo suplementar correspondente a um período qualquer o excedente
da quantia fixada de antemão sobre o custo de uso real. Isto tem a
vantagem de assegurar que os lucros ou perdas imprevisíveis se reduzirão a zero enquanto durar o equipamento, considerado em seu
conjunto. Também é razoável, em certas circunstâncias, tornar a calcular o custo suplementar na base dos valores e das expectativas correntes a intervalos contábeis arbitrários, por exemplo, anualmente. De
fato, os homens de negócio divergem sobre o método a ser adotado.
Talvez seja conveniente chamar a expectativa inicial do custo suplementar, quando se adquire o equipamento, de custo suplementar básico,
e de custo suplementar atual a mesma quantidade reajustada na base
dos valores e das expectativas atuais.
O mais que podemos aproximar-nos, portanto, de uma definição
quantitativa do custo suplementar é dizer que ele inclui as deduções
feitas por um empresário típico em sua renda antes de calcular o que
ele considera a sua renda líquida quando declara um dividendo (no
caso de uma sociedade), ou quando determina a escala do seu consumo
corrente (no caso de um indivíduo). Desde que não se podem suprimir
os encargos imprevistos da conta de capital, é naturalmente preferível,
em caso de dúvida, lançar um item nesta conta de capital e só incluir
no custo suplementar o que rigorosamente lhe corresponda. Qualquer
sobrecarga, pois, na primeira pode ser corrigida atribuindo-lhe mais
importâncias sobre o montante do consumo corrente do que lhe seria
destinado de outro modo.
Observe-se que a nossa definição de renda líquida se aproxima
muito da definição de renda de Marshall, quando este decidiu refugiar-se nas práticas das autoridades do Imposto sobre a Renda e, em
termos gerais, considerar renda tudo o que aquelas autoridades, de
acordo com sua experiência, julgam dever ser tratado como tal. Isso
porque a estrutura de suas decisões pode ser considerada o resultado
da análise mais cuidadosa e extensa de que se dispõe para interpretar
o que, na prática, habitualmente, se considera renda líquida. Ela corresponde, também, ao valor monetário do dividendo nacional segundo
a mais recente definição do professor Pigou.66
Acontece, entretanto, que a renda líquida não é uma noção perfeitamente clara, por repousar num critério equívoco que diferentes
autoridades podem interpretar de forma diferente. O professor Hayek,
por exemplo, sugeriu que, individualmente, um proprietário de bens
de capital pode procurar manter constante a renda que deles tira, de
66
Economic Journal. Junho de 1935, p. 235.
88
KEYNES
tal modo que não se sente livre para gastar sua renda em consumo
antes de haver posto de lado o suficiente para compensar qualquer
tendência para baixa que, por qualquer motivo, manifestasse a sua
renda destinada a investimento.67 Duvido que exista semelhante indivíduo, mas, evidentemente, não se pode opor nenhuma objeção teórica
a esta dedução como base de um possível critério psicológico de renda
líquida. Contudo, quando o professor Hayek deduz que os conceitos de
poupança e de investimento são marcados por uma correspondente
imprecisão, só tem razão à medida que se refere à poupança líquida
e ao investimento líquido. As noções de poupança e de investimento,
que são relevantes na teoria do emprego, estão isentas desse defeito
e, conforme já demonstramos antes, admitem uma definição objetiva.
É pois um erro pôr toda a ênfase na renda líquida, cuja relevância
apenas se aplica às decisões relativas ao consumo, e que, além disto,
está separada unicamente por uma tênue linha dos vários outros fatores
que afetam o consumo; é também um erro negligenciar (como acontece
comumente) o conceito de renda propriamente dito, que é o conceito
relevante para as decisões concernentes à produção corrente e que está
isento de qualquer ambigüidade.
As definições de renda e de renda líquida, apresentadas acima,
procuram aproximar-se tanto quanto possível do uso comum. Devo,
portanto, lembrar desde já ao leitor que em minha obra Treatise on
Money defini a renda num sentido especial. A peculiaridade da minha
definição anterior referia-se à parte da renda agregada que obtêm os
empresários, já que não levei em conta a renda (bruta ou líquida) de
fato proveniente das suas operações correntes, nem o lucro que esperavam conseguir quando resolveram iniciar suas novas operações correntes, mas antes, em certo sentido (que agora me parece insuficientemente definido se considerarmos a possibilidade de mudanças na
escala de produção), um lucro normal ou de equilíbrio, com o resultado
de que, nesta definição, a poupança superava o investimento no excedente do lucro normal sobre o lucro real. Receio que o uso destes termos
tenha causado bastante confusão, especialmente na utilização correlativa da palavra poupança, visto que as conclusões (especialmente as
relacionadas com o excedente da poupança sobre o investimento), apenas válidas se os termos empregados fossem interpretados no sentido
especial que lhes atribuí, passaram a ser freqüentemente usadas em
discussões populares, onde os termos são empregados num sentido mais
comum. Por esta razão, e também porque os termos de que me servi
deixaram de ser indispensáveis para exprimir minhas idéias com precisão, resolvi abandoná-los, lamentando muito a confusão que eles tenham causado.
67
"The Maintenance of Capital". In: Economica. Agosto de 1935. p. 241 et seqs.
89
OS ECONOMISTAS
II. Poupança e Investimento
É sempre agradável descobrir um ponto fixo em meio ao turbilhão
de acepções divergentes das palavras. Segundo eu entendo, todos concordam em que poupança significa o excedente do rendimento sobre
os gastos de consumo. Assim sendo, as únicas dúvidas possíveis a respeito do significado de poupança são as dúvidas que podem originar
quer o sentido de renda quer o sentido de consumo. A renda já foi
definida acima. Os gastos em consumo durante um período qualquer
deve representar o valor dos artigos vendidos aos consumidores durante
esse período, o que nos reconduz ao problema de saber o que se entende
por consumidor-comprador. Qualquer definição razoável da linha de
separação entre consumidores-compradores e investidores-compradores
nos será igualmente útil desde que aplicada de maneira coerente. Já
se tem discutido sobre problemas como, por exemplo, o de saber se é
legítimo considerar a compra de um automóvel um gasto de consumo
e a compra de uma casa um gasto de investimento, e eu nada tenho
de essencial a acrescentar ao debate. O critério deve, evidentemente,
corresponder ao ponto em que se há de traçar a linha que separa o
consumidor do empresário. Assim, ao definirmos A1 como o valor do
que um empresário compra a outro, resolvemos, implicitamente, a questão. Segue-se daqui que o gasto em consumo pode ser definido, inequivocamente, como Σ (A – A1), onde ΣA representa o total das vendas
feitas durante o período, e ΣA1, o total das vendas em geral por um
empresário a outro, no que segue convirá, em geral, omitir Σ e designar
por A as vendas agregadas de todas as espécies, por A1 as vendas
agregadas realizadas entre empresários, e por U a soma agregada do
custo de uso dos empresários.
Chegando-se agora à definição tanto de renda como de consumo,
a definição de poupança, que é o excedente da renda sobre o consumo,
torna-se uma conseqüência natural. Uma vez que a renda é igual a
A – U e o consumo a A – A1, deduz-se que a poupança é igual a
A1 – U. De modo semelhante, a poupança líquida, que é o excedente
da renda líquida sobre o consumo, é igual a A1 – U – V.
Nossa definição de renda também nos leva logo à definição de
investimento corrente. Queremos, pois, dizer com isso a adição corrente
ao valor do equipamento de capital que resultou da atividade produtiva
do período. Evidentemente, ela equivale ao que acaba de ser definido
como poupança, pois representa a parte da renda do período não absorvida pelo consumo. Como vimos acima, o resultado das operações
produtivas de um período é que os empresários, deduzidas as compras
A1 que fazem entre si, chegam ao fim do período tendo vendido os
produtos acabados com valor A e conservando um equipamento de
capital que sofreu, como resultado da venda A, uma deterioração medida
por U (ou uma melhoria expressa por – U, onde U é negativo). Durante
90
KEYNES
o mesmo período, terão sido absorvidos pelo consumo produtos acabados
com valor de A – A1. O excedente de A – U sobre A – A1, ou seja, A1
– U, é a adição ao equipamento de capital que resultou das atividades
produtivas do período, constituindo, portanto, o investimento realizado
nesse período. Do mesmo modo, A1 – U – V, que é a adição líquida
ao equipamento de capital, um vez deduzida a depreciação normal do
seu valor independente do uso e independente das mudanças imprevisíveis de valor do equipamento que podem ser lançáveis à conta de
capital, é o investimento líquido do período.
Por esta razão, embora o montante da poupança seja o resultado do comportamento coletivo dos consumidores individuais, e o
montante do investimento resulte do comportamento coletivo dos
empresários, estes dois montantes são, necessariamente, iguais, visto que qualquer deles é igual ao excedente da renda sobre o consumo.
Ademais, esta conclusão de modo algum depende de sutilezas ou
peculiaridades de definição de renda exposta antes. Desde que se
admita que a renda seja igual ao valor da produção corrente, que
o investimento corrente seja igual à parte da dita produção corrente
não consumida e que a poupança seja igual ao excedente da renda
sobre o consumo — sendo que tudo isto está de conformidade com
o senso comum e com o costume tradicional da grande maioria dos
economistas —, a igualdade entre a poupança e o investimento é
uma conseqüência natural. Em resumo:
Renda = valor da produção = consumo + investimento.
Poupança = renda – consumo.
Portanto, poupança = investimento.
Assim, qualquer conjunto de definições que satisfaça as condições
anteriores leva à mesma conclusão. É apenas com a negação da validez
de qualquer uma delas que se pode evitar esta conclusão.
A equivalência entre a quantidade de poupança e a quantidade
de investimento decorre do caráter bilateral das transações entre o
produtor, de um lado, e o consumidor ou o comprador de equipamento
de capital de outro lado. A renda cria-se pelo excedente do valor que
o produtor obtém da produção que vendeu sobre o custo de uso, mas
a totalidade desta produção deve ter sido vendida, obviamente, a um
consumidor ou a outro empresário e o investimento corrente de cada
empresário é igual ao excedente sobre o seu próprio custo de uso do
equipamento que comprou a outros empresários. Portanto, em conjunto,
o excedente da renda sobre o consumo, a que chamamos poupança,
não pode diferir da adição a equipamento de capital, a que chamamos
investimento. O mesmo sucede com a poupança líquida e o investimento
líquido. A poupança, de fato, não passa de um simples resíduo. As
decisões de consumir e as decisões de investir determinam, conjunta91
OS ECONOMISTAS
mente, os rendimentos. Presumindo que as decisões de investir se tornem efetivas, é forçoso que elas restrinjam o consumo ou ampliem a
renda. Assim sendo, nenhum ato de investimento, por si mesmo, pode
deixar de determinar que o resíduo ou margem, a que chamamos poupança, aumente numa quantidade equivalente.
Poderia acontecer naturalmente que os indivíduos fossem tão tête
montée em suas decisões a respeito do que deveriam poupar ou investir,
respectivamente, que não houvesse nível de equilíbrio de preços em
que as transações pudessem realizar-se. Neste caso, nossas proposições
deixariam de ser aplicáveis, visto que a produção não mais teria um
valor de mercado definido e os preços não encontrariam ponto de equilíbrio entre zero e o infinito. Todavia, a experiência mostra que, de
fato, não é assim; e que existem reações psicológicas habituais que
permitem alcançar um equilíbrio no qual a disposição de comprar é
igual à disposição de vender. A existência de um valor de mercado
para a produção é, ao mesmo tempo que condição necessária para que
a renda nominal tenha um valor definido, uma condição suficiente
para que o montante agregado que os que poupam decidem poupar
seja igual ao montante agregado que os que investem decidem investir.
Talvez neste ponto o assunto possa ser esclarecido, pensando-se,
de preferência, em termos das decisões de consumir (ou de se abster
de consumir), em vez das decisões de poupar. Uma decisão de consumir
ou não consumir está, certamente, ao alcance do indivíduo, o mesmo
sucedendo com uma decisão de investir ou não investir. Os montantes
da renda agregada e da poupança agregada são resultados da livre
escolha dos indivíduos sobre se consumirão ou deixarão de consumir,
sobre se farão ou não investimentos; porém, nenhum desses montantes
logrará alcançar um valor independente que resulte de um grupo separado de decisões estranhas às que concernem ao consumo e ao investimento. De acordo com este princípio, o conceito da propensão a
consumir tomará na continuação desta obra o lugar da propensão ou
disposição a poupar.
92
APÊNDICE SOBRE
CUSTO DE USO
O
I
O custo de uso, na minha opinião, tem para a teoria clássica
do valor uma importância que tem sido muitas vezes ignorada. Há
mais para dizer a esse respeito do que seria relevante ou oportuno
fazê-lo aqui. Porém, a título de digressão, faremos neste apêndice uma
análise mais pormenorizada a seu respeito.
O custo de uso de um empresário é, por definição, igual a
A1 + (G′ – B′) – G,
onde A1 representa o montante das compras que o empresário faz a
outros empresários, G o valor real do seu equipamento de capital no
fim do período, e G′ o valor que esse equipamento teria no fim do
período se ele se houvesse abstido de o utilizar e tivesse gasto a soma
ótima B′ para sua manutenção e melhoramento. Ora, G – (G′ – B′), a
saber, o excedente do valor, do equipamento do empresário sobre o
valor líquido proveniente do período anterior, representa o investimento
corrente do empresário feito no seu equipamento, que pode ser expresso
por I. Assim, U, o custo de uso de seu giro de vendas A, é igual a A1
– I, onde A1 representa o que ele comprou a outros empresários e I o
que ele investiu correntemente no seu próprio equipamento. Uma ligeira reflexão mostrará que isso não passa de simples senso comum.
Uma parte de seus desembolsos que vão para outros empresários é
compensada pelo valor do investimento corrente realizado em seu próprio equipamento, e o resto representa o sacrifício que lhe custou a
produção vendida além da soma que ele pagou aos fatores da produção.
Se o leitor tentar exprimir o essencial destas idéias de outra forma,
verificará que esta oferece a vantagem de evitar problemas de contabilidade insolúveis (e desnecessários). Creio não haver outro meio de
analisar de forma inequívoca os resultados correntes da produção. Se
93
OS ECONOMISTAS
a indústria se acha completamente integrada ou se o empresário nada
comprou fora, de maneira que A1 = 0, o custo de uso é simplesmente
o equivalente do desinvestimento corrente relativo ao uso do equipamento, mas fica-nos a vantagem de não ter, em momento algum desta
análise, de distribuir o custo dos fatores entre os bens que se vendem
e o equipamento que se conserva. Podemos, assim, considerar o volume
de emprego oferecido por uma empresa, individual ou integrada, como
resultado de uma única decisão global; método que corresponde ao
caráter efetivamente interdependente entre a produção do que se vende
correntemente e a produção total.
O conceito de custo de uso nos permite, além disso, dar uma
definição mais clara que a usual do preço da oferta de curto prazo de
uma unidade da produção vendável de uma empresa, pois o preço da
oferta a curto prazo é, com efeito, a soma do custo marginal de fatores
e do custo marginal de uso.
Ora, é uma prática usual na teoria moderna do valor igualar o
preço de oferta de curto prazo somente ao custo marginal dos fatores.
Contudo, é óbvio que tal prática só é válida quando o custo marginal
de uso for zero, ou se for adotada uma definição especial do preço de
oferta que exclua o custo marginal de uso, da mesma maneira que
defini (p. 59) o “produto de vendas” e o “preço da oferta agregada” sem
levar em conta o custo de uso agregado. Porém, embora possa ser às
vezes conveniente deduzir o custo de uso, quando se estuda a produção
como um todo, este método tira à nossa análise todo realismo, se de
modo habitual (e tácito) se aplica à produção de uma única indústria
ou empresa, pois cria uma diferença entre o “preço de oferta” de um
artigo e o seu “preço” no sentido habitual da palavra; e esta prática
pode ter originado certa confusão. Parece que se supôs ter o “preço de
oferta” um significado evidente quando se aplica a uma unidade da
produção, destinada à venda, proveniente de uma firma individual,
sem julgar necessário entrar em maiores discussões sobre o assunto.
Todavia, ao tratar do que se compra a outras firmas e da depreciação
do equipamento da própria firma como conseqüência da produção marginal, tropeça-se com toda a série de complicações que acompanham
a definição de renda. Mesmo admitindo que, no caso de compras feitas
a outras empresas, o custo marginal das compras correspondentes à
venda de uma unidade adicional deva ser deduzido do produto da venda
dessa unidade, a fim de obter o que definimos como preço de oferta
da empresa, resta-nos ainda levar em conta o investimento marginal
que acarreta no próprio equipamento da empresa a produção da unidade
marginal. Ainda que toda a produção estivesse a cargo de uma empresa
completamente integrada, não seria motivo para supor que o custo
marginal de uso fosse zero, isto é, que, em geral, o desinvestimento
marginal determinado no equipamento pela produção marginal possa
ser negligenciado.
94
KEYNES
Os conceitos de custo de uso e de custo suplementar também
nos permitem estabelecer uma relação mais clara entre o preço de
oferta para longo prazo e o preço de oferta para curto prazo. O custo
de longo prazo deve, naturalmente, incluir uma soma destinada a cobrir
o custo suplementar básico, assim como uma média do custo primário
previsto, devidamente calculada para a duração do equipamento. Isto
significa que o custo de produção de longo prazo é igual à soma prevista
para o custo primário e o custo suplementar; e, além disso, para que
haja um lucro normal, o preço de oferta de longo prazo deve exceder
o custo de longo prazo, assim calculado, num montante que se determina aplicando ao custo do equipamento um percentual adicional igual
à taxa de juros corrente sobre empréstimos de prazos e riscos equivalentes. Ou, se preferirmos tomar uma taxa de juros padrão “pura”,
deveremos incluir no custo de longo prazo um terceiro termo, a que
poderíamos chamar custo de risco, destinado a cobrir as diferenças que
possam surgir por motivos ignorados entre o rendimento previsto e o
efetivo. Portanto, o preço de oferta de longo prazo é igual à soma do
custo primário, do custo suplementar, do custo de risco e do custo de
juros, o qual pode ser analisado examinando-se estes componentes. O
preço de oferta de curto prazo, por outro lado, é igual ao custo primário
marginal. O empresário, quando compra ou constrói o seu equipamento,
deve, portanto, esperar cobrir os seus custos suplementares, de risco
e de juros com o excedente de valor marginal do custo primário sobre
o valor médio do mesmo; desse modo, no equilíbrio a longo prazo, o
excedente do custo primário marginal sobre o custo primário médio é
igual à soma dos custos suplementar, de risco e de juros.68
O nível da produção, no qual o custo primário marginal é exatamente igual à soma dos custos primários e suplementares médios,
tem uma importância especial, por ser aquele no qual os custos e as
receitas do empresário se equilibram. Isto é, corresponde ao ponto em
que o lucro líquido é zero; ao passo que com uma produção menor
estará ele operando com perda líquida.
À medida que é necessário atender ao custo suplementar, inde68
Essa maneira de exprimir tem como base a hipótese conveniente de que a curva do custo
primário marginal é contínua em toda a faixa de variações na produção. De fato, esta
hipótese nem sempre se adapta à realidade, e pode haver um ou mais pontos de descontinuidade, sobretudo quando a produção alcança um volume correspondente à plena capacidade técnica do equipamento. Neste caso, a análise marginal é parcialmente defeituosa;
e o preço pode exceder o custo primário marginal, quando este seja calculado no caso de
uma ligeira diminuição da produção. (Igualmente, pode apresentar-se com certa freqüência
uma descontinuidade para baixo, isto é, para um decréscimo da produção abaixo de certo
nível.) Isto é importante quando consideramos o preço de oferta de curto prazo no equilíbrio
de longo prazo, pois em tal caso devem-se supor em ação quaisquer descontinuidades correspondentes ao nível de plena capacidade técnica. Assim, o preço de oferta de curto prazo
no equilíbrio a longo prazo pode ter de exceder o custo primário marginal (calculado em
termos de uma ligeira diminuição da produção).
95
OS ECONOMISTAS
pendentemente do custo primário, varia muito de um tipo de equipamento para outro. Eis aqui dois casos extremos:
(i) Uma parte da manutenção do equipamento deve, necessariamente, realizar-se pari passu com o ato de utilização (por exemplo,
lubrificar a máquina). Este tipo de gasto (à parte as compras feitas
fora) inclui-se no custo de fatores. Se por motivos de ordem física o
montante exato do total da depreciação corrente tiver de ser coberto
deste modo, o montante do custo de uso (à parte as compras feitas
fora) seria igual e oposto ao do custo suplementar; e no equilíbrio a
longo prazo, o custo marginal de fatores excederia o custo médio de
fatores numa soma igual aos custos de risco e de juros.
(ii) Uma parte da diminuição do valor
produz quando este é utilizado. Esta parcela
medida que não é realizada pari passu com o
perda do valor do equipamento se verificasse
neira, o custo suplementar seria zero.
do equipamento só se
é debitada ao custo à
ato de utilização. Se a
unicamente desta ma-
Talvez valha a pena assinalar que um empresário não utiliza
em primeiro lugar o seu equipamento pior e mais velho pelo fato de
seu custo de uso ser baixo, pois este pode ser mais que anulado pela
sua ineficiência relativa, ou seja, pela elevação do custo de fatores.
Por este motivo, um empresário utiliza de preferência a parte do seu
equipamento em que o custo de uso mais o custo dos fatores é mínimo
por unidade produzida.69 Segue-se que a cada volume de produção do
bem em pauta corresponde um custo de uso,70 mas que não existe
relação uniforme entre este custo de uso total e o custo de uso marginal,
isto é, com o aumento do custo de uso resultante de um aumento do
nível de produção.
II
O custo de uso é um dos elos que ligam o presente e o futuro,
pois, quando um empresário fixa a sua escala de produção, tem de
escolher entre utilizar imediatamente o seu equipamento ou conservá-lo
para o utilizar mais tarde. O que determina o montante do custo de
69
70
Uma vez que o custo de uso depende, em parte, das expectativas relativas ao nível futuro
dos salários, uma redução na unidade de salário que se espere seja provisória fará com
que o custo de fatores e o custo de uso se desloquem em proporções diferentes e deste
modo influam sobre o tipo de equipamento a ser usado e, possivelmente, sobre o montante
da demanda efetiva, pois o custo de fatores e o custo de uso podem intervir de maneira
diferente na determinação da demanda efetiva.
O custo de uso do equipamento utilizado em primeiro lugar não é necessariamente independente do volume total da produção (veja-se mais adiante), isto é, o custo de uso pode
ser afetado em toda a sua extensão quando o volume total da produção varia.
96
KEYNES
uso é o sacrifício esperado de lucros futuros decorrente da utilização
imediata, e é o volume marginal deste sacrifício que, juntamente com
o custo marginal dos fatores e a receita marginal esperada, determina
a sua escala de produção. Como, então, calcula o empresário o custo
de uso de um ato de produção?
Definimos o custo de uso como sendo a redução de valor sofrida
pelo equipamento em virtude de sua utilização, comparada com a que
teria sofrido se não tivesse havido tal utilização, levando em conta o
custo de manutenção e das melhorias que conviesse realizar, além das
compras a outros empresários. Para determinar esse custo de uso,
portanto, deve ser calculado o valor descontado do rendimento adicional
provável que se obteria em data posterior se o equipamento não fosse
utilizado imediatamente. Ora, este valor deve ser pelo menos igual ao
valor atual da oportunidade de adiar a reposição do equipamento em
virtude de sua inatividade; e o mesmo pode ser maior.71
Se não houver estoques excessivos ou redundantes, de maneira
que novas unidades de equipamento similar sejam produzidas todos
os anos para serem adicionadas às antigas ou substituí-las, é evidente
que o custo marginal de uso se calculará tendo em conta a redução
da vida pelo uso ou a eficácia do equipamento e tendo em conta também
o custo corrente de reposição. Se, pelo contrário, o equipamento for
redundante, o custo de uso também dependerá da taxa de juros e do
custo suplementar corrente (quer dizer, calculado de novo) no período
anterior àquele em que se prevê que a redundância será absorvida
pelo desgaste etc. Desta maneira, o custo de juros e o custo suplementar
corrente entram diretamente nos cálculos do custo de uso.
O cálculo apresenta-se em sua forma mais simples e inteligível
quando o custo de fatores é zero, como, por exemplo, no caso de um
estoque redundante de matéria-prima tal como o cobre, de acordo com
os princípios que estabeleci em minha obra Treatise on Money, v. II,
cap. 29. Tomemos os valores prováveis do cobre em várias datas futuras,
série que será determinada pela proporção em que o excedente seja
absorvido e tenda gradualmente para o custo julgado normal. O valor
atual ou o custo de uma tonelada de cobre excedente será, portanto,
igual ao maior dos valores que possam ser obtidos subtraindo-se do
valor futuro calculado de uma tonelada de cobre, para qualquer data
estabelecida, o custo dos juros e o custo suplementar corrente de uma
tonelada de cobre entre a data considerada e o momento atual. Do
mesmo modo, o custo de uso de um navio, uma fábrica ou uma máquina,
quando há oferta excedente destes tipos de equipamento, é o seu custo
71
Será maior quando se espera conseguir um rendimento superior ao normal em alguma
data futura e esse período não seja bastante longo para justificar (ou permitir) a produção
de um equipamento novo. O custo de uso atual é igual ao máximo dos valores descontados
dos rendimentos potenciais esperados em todas as datas futuras.
97
OS ECONOMISTAS
esperado de reposição descontado a uma taxa igual à percentagem que
representa a soma do seu custo de juro e do custo suplementar corrente,
com base na data presumível da absorção do excedente.
Supusemos que o equipamento será oportunamente substituído por
outro artigo idêntico. Se o equipamento em questão não for substituído
por outro idêntico quando estiver gasto, seu custo de uso deverá ser calculado aplicando-se ao custo de uso do equipamento novo que será instalado
no lugar do antigo, na época em que este for posto fora de uso, um coeficiente determinado pela sua respectiva eficiência relativa.
III
O leitor deve notar que, quando o equipamento não é obsoleto,
mas apenas supérfluo no momento, a diferença entre o custo de uso
efetivo e o seu valor normal (isto é, o valor que teria se não houvesse
equipamento de sobra) varia com o intervalo de tempo que se julga
transcorrer antes que o excedente seja absorvido. Portanto, se o tipo
de equipamento considerado for dos que se vão acabando aos poucos,
e não “de uma só vez”, de modo que uma proporção razoável chegue
ao fim de sua vida útil anualmente, o custo marginal de uso não cairá
muito, a menos que a parte supérflua seja excepcionalmente grande.
No caso de uma depressão geral, o custo marginal de uso dependerá
da duração provável que os empresários atribuírem à crise. Deste modo,
a alta do preço de oferta quando os negócios começarem a melhorar
pode dever-se, em parte, a um rápido aumento do custo marginal de
uso, resultante de uma revisão das expectativas.
Contrariamente à opinião dos homens de negócios, tem-se sustentado algumas vezes que os esquemas organizados para transformar
em sucata as instalações industriais excedentes não podem produzir
os desejados efeitos de elevar os preços a não ser que se apliquem ao
total da instalação excedente. A noção de custo de uso, porém, mostra
como a eliminação (digamos) da metade do equipamento excedente
pode provocar uma alta imediata dos preços, porque, ao aproximar-se
a data da reabsorção do material excedente, essa política aumenta o
custo marginal de uso e, conseqüentemente, eleva o preço corrente de
oferta. Poderia, assim, parecer que os homens de negócios têm implícita
em mente a noção do custo de uso, embora não a formulem claramente.
Se o custo suplementar for elevado, deduz-se que o custo de uso
será baixo quando houver equipamento excedente. Além disso, quando
houver equipamento excedente, não é provável que os custos marginais
de fatores e de uso ultrapassem em muito seus valores médios. Se
estas duas condições são atendidas, a existência de equipamento excedente levará, provavelmente, o empresário a trabalhar com uma perda líquida — e talvez com uma elevada perda líquida. Não haverá
transição brusca deste estado de coisas para o de lucros normais, que
surge no momento em que o equipamento excedente é absorvido. À
98
KEYNES
medida que o excedente diminui, o custo de uso eleva-se gradualmente;
e a diferença entre o valor marginal e o valor médio dos custos de
fatores e de uso pode, também, aumentar gradualmente.
IV
Na obra Principles of Economics de Marshall (6ª ed., p. 360),
uma parte do custo de uso é incluída no custo primário sob a rubrica
de “desgaste extra do equipamento”. Mas não há nenhuma indicação
sobre o modo de calcular este fator ou sobre a sua importância. Na
sua obra Theory of Unemployment (p. 42), o Professor Pigou supõe,
expressamente, que o desinvestimento marginal determinado no equipamento pela produção marginal pode, em geral, ser desprezado: “As
variações no montante do desgaste sofrido pelo equipamento e nos
custos do trabalho não manual empregado, que acompanham as variações do volume de produção, em geral não são levadas em conta
por serem de importância secundária”.72 Na verdade, a idéia de que
o desinvestimento no equipamento é zero na margem de produção encontra-se em boa parte da teoria econômica recente. Mas o problema
adquire importância evidente logo que se apresenta a necessidade de
explicar com exatidão o que significa o preço de oferta de uma firma
individual.
É verdade que o custo de manutenção de um equipamento inativo
pode, freqüentemente, pelas razões indicadas, reduzir o montante do
custo marginal de uso, especialmente quando se prevê que a depressão
durará muito tempo. Não obstante isso, um custo de uso baixo na
margem não é a característica do período curto como tal, mas antes
de certas situações e espécies de equipamento cujo custo de manutenção
se revela elevado quando inativo, bem como dos desequilíbrios que se
caracterizam por uma rápida obsolescência ou grande redundância,
especialmente se unidos a uma grande proporção de equipamento comparativamente novo.
No caso das matérias-primas, a necessidade de levar em conta
o custo de uso é óbvia; se uma tonelada de cobre for utilizada hoje,
não poderá ser utilizada amanhã, e o valor que o cobre teria para os
propósitos de amanhã deve ser considerado uma parte do custo marginal. Mas o que não se tem levado em conta é que o cobre é apenas
um caso extremo do que sucede sempre que o equipamento de capital
é utilizado para produzir. A hipótese de que existe uma separação
nítida entre as matérias-primas, cujo desinvestimento deve ser levado
em conta quando utilizadas na produção, e o capital fixo, cujo desinvestimento pode ser legitimamente desconsiderado, não corresponde à
72
Hawtrey (Economica. Maio de 1934. p. 145) chamou a atenção para o fato de que o prof.
Pigou identifica o preço da oferta com o custo marginal da mão-de-obra e sustenta que os
argumentos do prof. Pigou se encontram, portanto, seriamente viciados.
99
OS ECONOMISTAS
realidade — especialmente em condições normais, quando se tem de
repor cada ano uma parte do equipamento e sua utilização torna mais
próxima a data em que essa reposição é necessária.
Uma vantagem dos conceitos relativos ao custo de uso e ao custo
suplementar consiste em serem aplicáveis tanto ao capital circulante
e ao capital líquido como ao capital fixo. A diferença essencial entre
as matérias-primas e o capital fixo não reside na sua sujeição aos
custos de uso e suplementar, mas no fato de que o retorno do capital
líquido se faz num único período; ao passo que no caso do capital fixo,
que é durável e se gasta gradualmente, esse retorno compreende uma
série de custos de uso e de lucros obtidos em sucessivos períodos.
100
CAPÍTULO 7
Maiores Considerações Sobre o Significado de
Poupança e de Investimento
I
No capítulo anterior, a poupança e o investimento foram de tal
modo definidos que são, forçosamente, de montante igual e, para a
comunidade considerada em conjunto, não passam de dois aspectos da
mesma coisa. Alguns escritores contemporâneos (inclusive eu próprio
em minha obra Treatise on Money) deram, entretanto, definições especiais destes dois termos que não lhes atribuem, necessariamente,
uma igualdade. Outros discorreram sobre eles baseando-se na hipótese
de que podem não ser iguais, sem, todavia, prefaciar seus argumentos
com qualquer definição. Será conveniente, portanto, a fim de ligar o
que precede a outros estudos de que eles foram objeto, classificar algumas das suas várias acepções que parecem correntes.
Que eu saiba, todo o mundo está de acordo em designar por
poupança o excesso da renda sobre o que se gasta em consumo. Certamente, seria muito inconveniente e enganador dar-lhe outro significado. Também não há divergências de opinião sobre o que se pretende
designar por gastos de consumo. Assim sendo, as diferenças de interpretação surgem da definição de investimento ou na de renda.
II
Tomemos o investimento em primeiro lugar. Na linguagem corrente, esta palavra designa a compra de um ativo, velho ou novo, por
um indivíduo ou por uma empresa. Por vezes, o alcance do termo é
limitado à compra de um ativo na Bolsa de Valores. Mas também
falamos, igualmente, de investimentos em imóveis, máquinas, estoques
de produtos acabados ou não; e, de maneira geral, novo investimento,
por oposição a reinvestimento, significa a compra, por aplicação dos
rendimentos, de um bem de capital de qualquer espécie. Se conside101
OS ECONOMISTAS
rarmos a venda de um investimento como um investimento negativo,
isto é, como um desinvestimento, minha própria definição está de acordo
com a de uso popular, visto que as transações ocorridas nos investimentos antigos forçosamente se anulam. Naturalmente temos de ajustar o caso com vista à criação e à liquidação de débitos (incluindo as
variações da quantidade de crédito ou de moeda); mas, embora para
a comunidade em seu conjunto o aumento ou a diminuição no saldo
do crédito agregado seja sempre exatamente igual ao aumento ou à
diminuição do saldo do débito agregado, esta complicação se neutraliza
também quando se trata do investimento agregado. Por conseqüência,
admitindo-se que a noção popular de renda coincide com a minha de
renda líquida, o investimento agregado no sentido corrente corresponde
à minha definição de investimento líquido, ou seja, à adição líquida a
toda espécie de equipamentos de capital, após dedução das variações
no valor dos equipamentos de capital velhos que entram no cálculo da
renda líquida.
O investimento, assim definido, inclui, portanto, o aumento do
equipamento de capital, quer ele consista em capital fixo, capital circulante ou capital líquido, e as principais diferenças entre as definições
(abstraindo-se da distinção entre investimento e investimento líquido)
são devidas à exclusão de uma ou de várias destas categorias.
Hawtrey, por exemplo, que atribui grande importância às variações do capital líquido, isto é, aos aumentos (ou às diminuições) involuntários do estoque de produtos não vendidos, propôs uma definição
de investimento de onde são excluídas as variações dessa natureza.
Neste caso, um excesso de poupança sobre o investimento seria o mesmo
que um aumento involuntário no estoque de produtos não vendidos,
isto é, um aumento do capital líquido. Hawtrey não me convenceu de
que seja este o fator preponderante, visto pôr toda a ênfase na correção
das variações não previstas no início, comparativamente às que, bem
ou mal, foram antecipadas. Hawtrey considera que a diferença entre
a escala de produção fixada todos os dias pelos empresários e a escala
do dia anterior depende das variações sofridas pelo estoque de produtos
não vendidos. Sem dúvida, no caso dos bens de consumo, estas variações
desempenham papel importante em suas decisões. Entretanto, não vejo
motivo para excluir a influência exercida sobre essas decisões por outros
fatores, e prefiro, portanto, dar ênfase à variação total da demanda
efetiva e não apenas à parte da variação que reflete o aumento ou a
diminuição dos estoques não vendidos no período anterior. Além disso,
no caso do capital fixo, o aumento ou a diminuição de sua capacidade
não utilizada corresponde, em seus efeitos sobre as decisões de produzir,
ao aumento ou à diminuição dos estoques de bens não vendidos; e não
vejo como o método de Hawtrey possa lidar com este fator pelo menos
tão importante quanto o outro.
Parece provável que a formação de capital e o consumo de capital,
102
KEYNES
tal como os consideram os economistas da escola austríaca, não sejam
idênticos ao investimento nem ao desinvestimento segundo a definição
acima, nem ao investimento ou desinvestimento líquido. Em especial,
diz-se que o consumo de capital ocorre em circunstâncias tais que não
há claramente diminuição líquida no equipamento de capital tal como
foi definido acima. Todavia, não encontrei referência nenhuma onde
se explicasse claramente o significado destes termos. Por exemplo, dizer
que a formação de capital ocorre quando se prolonga o período de
produção pouco contribui para esclarecer o assunto.
III
Passamos agora às divergências entre poupança e investimento
devidas a uma definição especial da renda e, logo, do excesso da renda
sobre o consumo. O emprego que fiz destes termos em minha obra
Treatise on Money é um bom exemplo disso, pois, conforme expliquei
na página 51, a definição de renda que aí adotei se distingue da que
estou agora dando pelo fato de que então era considerada renda dos
empresários, não os lucros realmente obtidos, mas (em certo sentido)
o seu “lucro normal”. Assim, por excedente da poupança sobre o investimento queria dizer que a escala de produção era tal que os empresários, como proprietários do equipamento de capital, estavam retirando um lucro inferior ao normal; e quando falava de um excesso
maior de poupança sobre o investimento queria dizer que os lucros
efetivos estavam sendo reduzidos de tal maneira que os empresários
teriam motivo para contrair a produção.
Na minha maneira atual de pensar, de um lado o volume de
emprego (e por conseqüência o da produção e da renda real) é fixado
pelo empresário sob o motivo de procurar maximizar seus lucros presentes e futuros (sendo a previsão correspondente ao custo de uso determinada segundo a maneira como ele concebe a utilização do equipamento para que este lhe proporcione, no curso de sua duração, um
rendimento máximo); de outro lado, o volume de emprego que lhe proporcionará este máximo de lucros depende da função da demanda agregada determinada pelas suas previsões de vendas que, nas diferentes
hipóteses, devem resultar, respectivamente, do consumo e do investimento. Em minha obra Treatise on Money, o conceito de variações no
excedente do investimento sobre a poupança, como foi ali definido, era
um meio de tratar as variações do lucro, embora nesse livro não fizesse
distinção clara entre os resultados previstos e os realizados.73 Dizia
eu então que a variação no excesso do investimento sobre a poupança
era a força motora que governava as modificações do volume da pro73
Meu método, nessa obra, consiste em considerar os lucros conseguidos no presente como
determinadores da expectativa corrente desses lucros.
103
OS ECONOMISTAS
dução. Desta maneira, o raciocínio novo, embora sendo (pelo menos
na minha opinião atual) muito mais exato e instrutivo, é essencialmente
um desenvolvimento do anterior. Traduzido na linguagem de minha
obra Treatise on Money, assim se enunciaria: a expectativa de um
aumento no excesso do investimento sobre a poupança, dado o volume
anterior de emprego e produção, induzirá os empresários a aumentar
o volume do emprego e da produção. A importância de meus raciocínios
atuais e anteriores reside na sua tentativa de mostrar como o volume
de emprego é determinado pelas estimativas da demanda efetiva feitas
pelos empresários, sendo o critério para um aumento na dita demanda
um aumento previsto do investimento em relação à poupança, conforme
a definição apresentada em Treatise on Money. É verdade, porém, que
minha exposição em Treatise on Money se apresenta muito confusa e
incompleta à luz dos novos desenvolvimentos aqui expostos.
D. H. Robertson definiu a renda de hoje como sendo igual ao
consumo de ontem mais o investimento, de modo que a poupança de
hoje, no sentido que ele lhe atribuiu, é igual ao investimento de ontem
mais o excesso de consumo de ontem sobre o de hoje. Segundo esta
definição, a poupança pode ser superior ao investimento, isto é, por
haver um excesso na renda de ontem (no sentido por mim atribuído)
sobre a de hoje. Assim, quando Robertson diz que há um excedente
de poupança sobre o investimento, exprime literalmente a mesma idéia
que eu quando digo que a renda decai, e o excedente da poupança no
seu entender é exatamente igual ao declínio da renda no meu entender.
Se fosse certo que as expectativas correntes fossem sempre determinadas pelos resultados obtidos ontem, a demanda efetiva de hoje seria
igual à renda de ontem. Pode-se, portanto, considerar o método de
Robertson uma tentativa alternativa do meu (sendo, talvez, uma primeira aproximação dele) para estabelecer a mesma distinção, tão vital
para a análise causal, que tentei fazer pondo em contraste a demanda
efetiva e a renda.74
IV
Abordamos, em seguida, as idéias muito vagas associadas à expressão “poupança forçada”. O que se poderá depreender disso? Em
minha obra Treatise on Money (v. I, p. 171, nota de rodapé) [JMK, v.
V, p. 154] dei algumas referências sobre o uso anteriormente feito
desta expressão e sugeri que ela teria certa afinidade com a diferença
entre investimento e “poupança” no sentido em que ali usei este último
termo. Não me parece haver tanta afinidade como havia pensado. De
qualquer maneira, estou certo de que “poupança forçada” e as expres74
Ver o artigo de ROBERTSON. “Saving and Hoarding”. In: Economic Journal. Setembro
de 1933. p. 399; e o debate entre Robertson, Hawtrey e eu próprio. In: Economic Journal.
Dezembro de 1933. p. 658 [JMK, v. XIII].
104
KEYNES
sões análogas empregadas mais recentemente (por exemplo, pelos Professores Hayek e Robbins) não têm relação definida com a diferença
entre investimento e “poupança” no sentido que lhe dei em Treatise
on Money. Embora estes autores não tenham explicado exatamente a
significação que atribuíram a esse termo, é claro que para eles a “poupança forçada” é um fenômeno diretamente resultante das variações
na quantidade de moeda ou do crédito bancário, cuja medida se faz
por essas mesmas variações.
É evidente que uma variação no volume da produção e do emprego
provocará mudanças na renda medida em unidades de salário; que
uma variação na unidade de salário ocasionará, por sua vez, uma alteração na distribuição da renda entre os mutuários e os mutantes e
uma variação na renda agregada medida em moeda; e que em ambos
os casos haverá (ou poderá haver) uma variação no montante poupado.
Como as variações na quantidade de moeda podem, conseqüentemente,
ter como resultado, agindo sobre a taxa de juros, modificar o volume
e a distribuição da renda (conforme veremos mais adiante), é possível
que tenham uma ação indireta sobre o montante poupado. Estas alterações no montante poupado não são, porém, mais “poupança forçada”
do que qualquer outra variação no montante poupado, em virtude de
uma variação das circunstâncias; e não há meio para distinguir esses
dois casos, a não ser que especifiquemos o montante poupado em certas
condições tomadas como norma ou padrão. Além disso, como veremos,
a amplitude das alterações na poupança agregada, que resulta de determinada modificação na quantidade de moeda, é extremamente variável e depende de muitos outros fatores.
Assim sendo, a expressão “poupança forçada” não tem sentido a
não ser que tomemos como padrão alguma taxa de poupança. Se escolhermos (como parece razoável) a taxa que corresponda a um nível
observado de pleno emprego, a definição passa a ser: “Poupança forçada
é o excedente da poupança real sobre o que se pouparia se houvesse
pleno emprego numa situação de equilíbrio a longo prazo”. Esta definição teria sentido, mas significaria ser o excedente forçado da poupança
um fenômeno muito raro e muito instável, e uma deficiência forçada
da poupança o estado normal da atividade econômica.
O interessante trabalho do professor Hayek, intitulado “Note on
the Development of the Doctrine of Forced Saving”,75 mostra que este
foi, de fato, o significado original do termo. “Poupança forçada” ou
“frugalidade forçada” foi, originalmente, uma concepção de Bentham;
e Bentham afirmou expressamente ter em mente as conseqüências de
um aumento na quantidade de moeda (relativamente à quantidade de
coisas vendáveis contra moeda) em circunstâncias em que “todos os
75
Quarterly Journal of Economics. Novembro de 1932. p. 123.
105
OS ECONOMISTAS
braços estivessem empregados da maneira mais vantajosa possível”.76
Em tais circunstâncias, observa Bentham, a renda real não pode aumentar e, por conseqüência, o investimento adicional que se produz
como resultado da transição implica frugalidade forçada “à custa do
bem-estar nacional e da justiça nacional”. Todos os autores do século
XIX que se ocuparam do assunto tiveram virtualmente presente a mesma idéia. Mas uma tentativa para estender esta noção perfeitamente
clara a uma situação que não seja a de pleno emprego acarreta dificuldades. É verdade, naturalmente, que (em virtude dos rendimentos
decrescentes de uma quantidade crescente de emprego aplicada a determinado equipamento de capital) qualquer aumento no emprego impõe um sacrifício da renda real às pessoas já empregadas, mas a tentativa de relacionar esse sacrifício ao acréscimo de investimento, que
pode acompanhar o aumento de emprego, dificilmente será bem-sucedida. De qualquer maneira, pelo que eu saiba, nenhum esforço foi
tentado pelos autores modernos, que se interessaram pela “poupança
forçada”, para estender essa idéia a uma situação em que o emprego
esteja aumentando e parece que esses autores, na sua maior parte,
ignoram o fato de que, para ser aplicado a situações de emprego inferiores ao pleno emprego, o conceito de Bentham da frugalidade forçada
requer alguma explicação ou qualificação.
V
A preponderância da idéia de que a poupança e o investimento,
tomados no seu sentido literal, podem ser diferentes só se explica, no
meu entender, por uma ilusão de ótica, em virtude de a relação entre
um depositante individual e seu banco ser encarada como uma transação unilateral em vez de bilateral como realmente é. Supõe-se que
um depositante e seu banco podem articular-se de maneira que realizem
uma operação que faça desaparecer as poupanças do sistema bancário
de modo a se perderem para o investimento, ou, pelo contrário, que o
sistema bancário torne possível a realização de um investimento a que
não corresponde poupança alguma. Ninguém pode, porém, poupar sem
adquirir uma valor ativo, seja dinheiro, um débito ou bens de capital;
e para que alguém possa adquirir um bem que antes não possuía, é
necessário que outro bem de valor igual se crie, ou que outra pessoa
se desfaça de um bem do mesmo valor que antes possuía. No primeiro
caso, há um investimento novo correspondente; no segundo, alguém
tem de deixar de poupar uma quantia igual, porque sua perda de
riqueza decorre, de fato, de um excesso do seu consumo sobre a sua
renda e não de uma perda na conta de capital por modificação no
valor de um ativo de capital, pois não se trata aqui de uma perda
76
Loc. cit., p. 125.
106
KEYNES
sobre o valor que seu ativo de capital tinha anteriormente; o indivíduo
recebe justamente o valor corrente de seu ativo e, contudo, não o retém
em forma alguma de riqueza, isto é, deve estar gastando no consumo
corrente, excedendo o rendimento corrente. Além disso, se é o sistema
bancário que cede um bem, alguém tem de renunciar à posse de dinheiro
líquido. Daqui se deduz que a poupança agregada do primeiro indivíduo,
somada à dos outros, deve ser, necessariamente, igual ao montante
do novo investimento corrente.
A idéia de que a criação de crédito pelo sistema bancário permite
realizar investimentos, aos quais “nenhuma poupança genuína” corresponde, resulta, unicamente, de se isolar uma das conseqüências do
aumento do crédito bancário, com a exclusão das demais. Se a concessão
de um crédito adicional a créditos já existentes permite ao empresário
efetuar uma adição ao seu investimento corrente, que de outro modo
não poderia ocorrer, as rendas aumentarão necessariamente e numa
proporção que, em geral, excederá a do investimento suplementar. Além
disso, salvo em caso de pleno emprego, tanto a renda real como a
monetária serão acrescidas. O público exercerá “uma livre escolha” das
proporções em que dividirá o seu acréscimo de rendas entre poupança
e dispêndio; e é impossível que a intenção do empresário que pediu
emprestado para aumentar o seu investimento possa tornar-se efetiva
(exceto como substituição dos investimentos de outros empresários que,
do contrário, teriam ocorrido) a um ritmo mais acelerado do que o
público decide aumentar as suas poupanças. Além disso, as poupanças
que resultam dessa decisão são tão genuínas quanto quaisquer outras.
Não se pode obrigar ninguém a ficar na posse da moeda adicional
correspondente ao novo crédito bancário, a não ser que esse alguém
prefira deliberadamente guardar mais dinheiro a outra forma de riqueza. Mesmo assim, o emprego, as rendas e os preços não podem
subtrair-se ao movimento que na nova situação lhes impõe o fato de
alguém preferir conservar o dinheiro adicional. É verdade que o aumento inesperado do investimento numa direção particular pode causar
no montante agregado da poupança e do investimento uma perturbação
que se não verificaria se ele tivesse sido previsto com bastante antecipação. Também é verdade que a concessão do crédito bancário faz
surgir três tendências: (1) aumento da produção; (2) alta no valor da
produção marginal expressa em unidades de salário (o que em condições
de rendimentos decrescentes deve necessariamente acompanhar um
aumento da produção); e (3) alta da unidade de salários em termos
de moeda (efeito que em geral acompanha a melhoria do emprego); e
estas tendências podem afetar a distribuição da renda real entre os
diferentes grupos. Mas estas tendências são características de um estado de produção crescente e se manifestam do mesmo modo quando
o aumento da produção tem outra origem que não a extensão do crédito
bancário. Elas só podem ser evitadas se eliminarmos qualquer ação
107
OS ECONOMISTAS
capaz de melhorar o emprego. Aliás, grande parte do que foi dito acima
antecipa o resultado da análise posterior.
Deste modo, o ponto de vista já antiquado de que a poupança
sempre supõe investimento, embora incompleto e enganoso, é certamente mais justo que a idéia moderna segundo a qual pode haver
poupança sem investimento ou investimento sem poupança “genuína”.
O erro ocorre quando se chega à dedução plausível de que, quando
um indivíduo poupa, aumenta em quantidade igual o investimento
agregado. É verdade que, quando um indivíduo poupa, ele aumenta
sua própria riqueza. Concluir, porém, que ele aumenta também a riqueza agregada é querer ignorar as reações possíveis do ato de poupança
de um indivíduo sobre as poupanças de outrem e, portanto, sobre a
riqueza de outrem.
A conciliação da identidade entre a poupança e o investimento
com a aparente “livre vontade” do indivíduo para economizar o que
quiser, independentemente do que os outros ou ele mesmo possa investir, depende especialmente do fato de ser a poupança, como dispêndio, um fenômeno de duplo caráter. Embora não seja provável porque
o montante da poupança de um indivíduo tenha alguma influência
sensível sobre a sua própria renda, as reações do montante do seu
consumo sobre as rendas dos outros tornam impossível que todos os
indivíduos poupem simultaneamente quaisquer somas dadas. Toda tentativa de poupar mais, reduzindo o consumo, age de tal modo sobre
as rendas que necessariamente anula a si mesma. É, sem dúvida,
igualmente impossível à comunidade em sua totalidade poupar menos
que o montante do investimento corrente, já que uma tentativa desta
ordem fará subir necessariamente os rendimentos até a um nível em
que as somas que os indivíduos decidem poupar alcancem uma cifra
exatamente igual ao montante do investimento.
Há uma estreita analogia entre o que ficou dito e a proposição
segundo a qual a liberdade de todo indivíduo de fazer variar, quando
lhe aprouver, a quantidade de dinheiro que detém concilia-se com a
necessidade de que o volume total de dinheiro, formado pela soma dos
encaixes individuais, iguale exatamente o montante da moeda que o
sistema bancário criou. Neste último caso, a igualdade resulta do fato
de que o montante de dinheiro que cada qual decide conservar não é
independente da sua renda ou dos preços das coisas (principalmente
certificados de valores) que é natural comprar, em vez de conservar
dinheiro. Assim as rendas, do mesmo modo que os preços, variam obrigatoriamente até que se estabeleça a igualdade entre o montante agregado das somas em dinheiro, que os indivíduos resolvem guardar no
nível de rendimentos e preços, e o montante da moeda criado pelo
sistema bancário. Isto constitui, na verdade, a proposição fundamental
da teoria monetária.
Mas estas proposições decorrem simplesmente do fato de que
108
KEYNES
não pode haver um comprador sem um vendedor, nem um vendedor
sem um comprador. Embora um indivíduo, cujas transações são de
pouca importância em relação ao mercado, possa, despreocupadamente,
desprezar o fato de que a demanda não é uma operação unilateral,
seria insensatez desprezá-lo tratando-se da demanda agregada. É esta
a diferença vital entre a teoria do comportamento econômico da comunidade e a do comportamento de uma unidade individual, na qual
admitimos que as variações na demanda do próprio indivíduo não afetam sua renda.
109
LIVRO TERCEIRO
A PROPENSÃO A CONSUMIR
CAPÍTULO 8
A Propensão a Consumir: I. Os Fatores Objetivos
I
Estamos, agora, em condições de voltar ao nosso tema principal,
de que nos afastamos no final do Livro Primeiro para examinar certos
problemas gerais de método e definição. O objetivo final de nossa análise
é descobrir o que determina o volume de emprego. Até aqui estabelecemos a conclusão preliminar de que o volume de emprego é determinado pelo ponto de interseção da função de oferta agregada com a
função de procura agregada. A função de oferta agregada, contudo,
que depende principalmente das condições físicas da oferta, envolve
poucas considerações que ainda não nos são familiares. A forma pode
ser pouco conhecida, mas os fatores nela subjacentes não são novos.
Voltaremos a ocupar-nos da função de oferta agregada no capítulo 20,
quando examinaremos a sua inversa sob o nome de função de emprego.
Em termos gerais, porém, o que se tem descuidado é da parte correspondente à função de demanda agregada; e é à função da demanda
agregada que dedicaremos os Livros Terceiro e Quarto.
A função de demanda agregada relaciona determinado volume
de emprego com o produto das vendas que se espera realizar desse
volume de emprego. O produto das vendas forma-se pela soma de duas
quantidades — a soma que será despendida em consumo quando o
emprego está em certo nível e a soma que se destinará ao investimento.
Os fatores que determinam estas duas quantidades são bastante diferentes. Neste livro estudaremos os primeiros, a saber, quais os fatores
que determinam a soma que se gastará em consumo quando o emprego
se acha em determinado nível; no Livro IV continuaremos com os fatores
que fixam a soma a ser empregada no investimento.
Considerando que aqui nos interessa a determinação da soma
que deve ser gasta em consumo quando o emprego está em certo nível,
devemos, estritamente falando, tratar da função que liga o montante
de C ao nível de N. Todavia, é mais conveniente operar com uma
113
OS ECONOMISTAS
função ligeiramente diferente, ou seja, a que relaciona o consumo, medido em unidades de salário (Cω), com a renda, medida em unidades
de salário (Yω), correspondente a certo volume de emprego N. Este
método está sujeito à restrição de que Yω não é uma função unívoca
de N, o qual é idêntico em todas as circunstâncias. Com efeito, a relação
entre Yω e N pode depender (embora provavelmente em grau muito
limitado) da natureza precisa do emprego. Em outras palavras, duas
distribuições desiguais de um emprego agregado N entre ocupações
diferentes (em virtude da forma diferente das funções do emprego individual — questão que será tratada no capítulo 20) podem conduzir
a valores diferentes de Yω. Em certos casos, poderia ser necessário dar
especial atenção a este fator. Em geral, porém, constitui uma boa aproximação considerar Yω como determinado por N de maneira unívoca.
Definiremos, portanto, aquilo a que chamaremos propensão a consumir
como a relação funcional χ entre Yω (determinado nível de renda medida
em unidades de salário) e Cω (o gasto que, para o consumo, se toma
do dito nível de rendimento), de modo que
Cω = χ(Yω) ou C = W.χ(Yω).
O montante que a comunidade gasta em consumo depende, evidentemente: (i) em parte, do montante da sua renda; (ii) em parte, de
outras circunstâncias objetivas que o acompanham; e (iii), em parte,
das necessidades subjetivas, propensões psicológicas e hábitos dos indivíduos que o compõem, bem como dos princípios que governam a
distribuição da renda entre eles (que são passíveis de modificações à
medida que aumenta a produção). Os motivos que impelem a gastar
caracterizam-se por sua interação, e uma tentativa de classificá-los
pode levar a divisões arbitrárias. Não obstante isso, para clareza das
idéias, vamos separá-los em duas categorias, que chamaremos fatores
objetivos e fatores subjetivos. Os fatores subjetivos, que examinaremos
mais detalhadamente no próximo capítulo, incluem as características
psicológicas da natureza humana, bem como os costumes e as instituições sociais que, embora não imutáveis, apresentam poucas probabilidades de sofrer variações ponderáveis em curto período de tempo,
salvo circunstâncias anormais ou revolucionárias. Uma análise histórica ou uma comparação entre dois sistemas sociais de tipos diferentes
deverá necessariamente levar em conta a maneira pela qual as mudanças nos fatores subjetivos podem afetar a propensão a consumir.
Na continuação desta obra, porém, consideraremos os fatores subjetivos
como dados e admitiremos que a propensão a consumir apenas depende
das alterações nos fatores objetivos.
II
Os principais fatores objetivos que influem na propensão a consumir parecem ser os seguintes:
114
KEYNES
(1) Uma variação na unidade de salário. O consumo (C) é, evidentemente, uma função (em certo sentido) muito mais da renda real
do que da renda nominal. Em dada situação da técnica, das preferências
do público e das condições sociais que determinam a distribuição da
renda, a renda real de um indivíduo sobe e desce com a quantidade
de unidades de trabalho de que pode dispor, isto é, com o montante
da sua renda medida em unidades de salário, embora a sua renda
real suba em proporção menor que o seu rendimento medido em unidades de salário (devido à influência dos rendimentos decrescentes),
quando o volume agregado da produção muda. Podemos, portanto, admitir razoavelmente, como primeira aproximação, que, se a unidade
de salário varia, o gasto em consumo correspondente a certo nível de
emprego variará assim como os preços, na mesma proporção, ainda
que, em certas circunstâncias, tenhamos de levar em conta as possíveis
conseqüências sobre o consumo agregado de uma mudança na distribuição da renda real entre os empresários e os rentiers, provocada
por uma variação na unidade de salário. Além do mais, já consideramos anteriormente as variações na unidade de salário, quando
definimos a propensão a consumir em termos de renda medida em
unidades de salário.
(2) Uma variação na diferença entre renda e renda líquida. Demonstramos antes que o montante do consumo depende mais da renda
líquida do que da renda, visto que, por definição, é a renda líquida
que o indivíduo tem em mente, antes de mais nada, quando decide a
escala do seu consumo. Em determinada situação pode existir certa
relação estável entre ambos os conceitos, no sentido de que haverá
uma função relacionando de maneira biunívoca os diversos níveis de
renda aos correspondentes níveis de renda líquida. Entretanto, se não
for este o caso, a parte da variação da renda que não afete a renda
líquida deve ser negligenciada, pois não influi sobre o consumo; e, de
forma semelhante, deve ser levada em conta a variação na renda líquida
que não reflita na renda. Todavia, salvo circunstâncias especiais, duvido
que este fator tenha importância prática. Faremos, na quarta seção
deste capítulo, uma análise mais detalhada dos efeitos sobre o consumo
da diferença entre renda e renda líquida.
(3) Variações imprevistas nos valores de capital não considerados
no cálculo da renda líquida. Estas variações têm importância muito
maior para modificar a propensão a consumir por não guardarem nenhuma relação estável ou regular com o montante da renda. O consumo
das classes proprietárias de riqueza pode ser extremamente suscetível
às variações imprevistas no valor nominal de seus bens. Este fator
deve ser considerado entre os mais importantes daqueles capazes de
ocasionar variações de curto prazo na propensão a consumir.
115
OS ECONOMISTAS
(4) Variações na taxa intertemporal de desconto, isto é, na relação
de troca entre os bens presentes e os bens futuros. Não se trata aqui
da mesma coisa que a taxa de juros, já que esta leva em conta as
variações futuras no poder aquisitivo do dinheiro, à medida que são
previstas. Deve-se considerar também toda a sorte de riscos, tais como
a probabilidade de não viver bastante para usufruir dos bens futuros
ou de uma tributação confiscatória. A título de aproximação, contudo,
podemos identificar isto com a taxa de juros.
A influência deste fator sobre a proporção em que se gasta determinada renda está sujeita a muitas dúvidas. Para a teoria clássica
da taxa de juros,77 que se baseia na idéia de ser a taxa de juros o
fator de equilíbrio entre a oferta e a procura de poupança, era conveniente supor que as despesas de consumo, coet. par., variassem na
razão inversa das variações na taxa de juros, de maneira que qualquer
elevação da taxa de juros diminuiria consideravelmente o consumo.
Todavia, reconheceu-se há muito tempo que o efeito total das variações
da taxa de juros sobre a propensão a despender em consumo imediato
é complexo e incerto, dependendo de tendências antagônicas, dado que
alguns dos motivos subjetivos para poupar são mais facilmente satisfeitos quando a taxa de juros sobe, enquanto outros diminuem. A longo
prazo, é provável que variações substanciais na taxa de juros tendam
a modificar consideravelmente os hábitos sociais e, portanto, a propensão subjetiva a despender, embora, sem as luzes da experiência,
se torne difícil indicar em que sentido. Contudo, não é provável que
o tipo usual de flutuação a curto prazo na taxa de juros tenha muita
influência direta sobre os gastos, num sentido ou no outro. Raras são
as pessoas que alteram o seu modo de vida porque a taxa de juros
baixou de 5 para 4%, quando a sua renda agregada permanece a mesma.
Indiretamente, porém, podem ocorrer outros efeitos, embora não todos
na mesma direção. Talvez a influência mais importante, que opera
através de variações na taxa de juros sobre a propensão a gastar fundos
provenientes de determinada renda, seja o efeito dessas variações sobre
a alta ou baixa do preço de títulos e de outros ativos. Se uma pessoa
se beneficia de um aumento inesperado no valor de seu capital, é natural
que os seus motivos para gastar no período corrente se fortaleçam
(ainda que em termos de renda o valor de seu capital não tenha aumentado), ao passo que, se estiver sofrendo perdas de capital, seus
motivos para gastar enfraquecerão. Já no item (3), porém, levamos em
conta esta influência indireta. Fora disso, a conclusão mais importante
sugerida pela experiência é, segundo creio, a de que a influência a
curto prazo da taxa de juros sobre os gastos individuais feitos com
determinada renda é secundária e relativamente de pouca importância,
77
Cf. cap. 14.
116
KEYNES
excetuando-se, talvez, o caso de variações excepcionalmente grandes.
Quando a taxa de juros baixa muito, o aumento da razão entre o
valor de uma perpetuidade comprável por determinada importância
e o juro anual que se obtém dessa mesma importância pode, contudo,
proporcionar uma importante fonte de poupança, fortalecendo a prática de precaver-se contra as vicissitudes da velhice, pela compra
de uma perpetuidade.
A situação anormal, em que a propensão a consumir se vê profundamente afetada pela concorrência de incerteza extrema quanto ao
futuro e ao que ele possa trazer, deveria talvez ser incluída também
neste parágrafo.
(5) Variações na política fiscal. Se o incentivo do indivíduo para
poupar depender dos futuros rendimentos que espera, ele evidentemente dependerá não só da taxa de juros como também da política
fiscal do Governo. Os impostos sobre a renda, particularmente quando
gravam a renda “não ganha”, os impostos sobre lucros de capital, sobre
heranças etc., são tão importantes quanto a taxa de juros, sendo mesmo
possível que as modificações eventuais da política fiscal tenham, pelo
menos nas expectativas, maior influência que a própria taxa de juros.
Se a política fiscal for usada como um instrumento deliberado para
conseguir maior igualdade na distribuição das rendas, seu efeito sobre
o aumento da propensão a consumir será, naturalmente, tanto maior.78
Convém levar igualmente em conta a influência exercida sobre
a propensão agregada a consumir pelos fundos de amortização que o
Governo reserva para saldar sua dívida, utilizando o produto dos impostos comuns. Estes fundos representam uma espécie de poupança
de empresa, de modo que uma política tendente a criar grandes fundos
de amortização deve ser considerada, em determinadas circunstâncias,
uma forma de reduzir a propensão a consumir. Por esta razão, uma
reviravolta da política do Governo, passando do endividamento à criação
de fundos de amortização (ou vice-versa), pode ocasionar uma séria
diminuição (ou notável expansão) da procura efetiva.
(6) Modificações das expectativas acerca da relação entre os níveis
presentes e futuros da renda. Devemos incluir este fator para que a
enumeração seja completa. Mas, embora ele possa afetar consideravelmente a propensão a consumir de um indivíduo, é provável que, quando
se trata da comunidade como um todo, seus efeitos tendam a compensar-se. Ademais, trata-se de uma questão que suscita, em geral, muita
incerteza para poder exercer influência importante.
78
Deve-se mencionar, de passagem, que a respeito da influência exercida pela política fiscal
sobre o aumento da riqueza há um sério mal-entendido; contudo, só o poderemos analisar
adequadamente com o auxílio da taxa de juros que será exposta no Livro Quarto.
117
OS ECONOMISTAS
Chegamos, pois, à conclusão de que, em determinada situação,
a propensão a consumir pode ser considerada uma função relativamente
estável desde que tenhamos eliminado as variações na unidade de
salário em termos de moeda. As flutuações imprevistas nos valores de
capital podem modificar a propensão a consumir, bem como poderão
afetá-la variações substanciais na taxa de juros e na política fiscal;
porém, não é provável que os outros fatores objetivos capazes de atuar
sobre ela, conquanto não devam ser desprezados, tenham importância
em circunstâncias comuns.
Em virtude da situação econômica geral, o fato de o gasto de
consumo, em termos de unidade de salário, depender essencialmente
do volume da produção e do emprego justifica o agrupamento dos outros
fatores na expressão composta “a propensão a consumir”. Isto porque,
conquanto os demais fatores possam variar (e convém não esquecer
isto), a renda agregada medida em unidades de salário é, regra geral,
a principal variável de que depende o componente consumo da função
de procura agregada.
III
Admitindo, pois, que a propensão a consumir é uma função bastante estável, de maneira que, em geral, o montante do consumo agregado depende principalmente do montante da renda agregada (ambos
medidos em unidades de salário), e considerando de importância secundária as variações na mesma propensão, qual é a forma normal
desta função?
A lei psicológica fundamental em que podemos basear-nos com
inteira confiança, tanto a priori, partindo do nosso conhecimento da
natureza humana, como a partir dos detalhes dos ensinamentos da
experiência, consiste em que os homens estão dispostos, de modo geral
e em média, a aumentar o seu consumo à medida que a sua renda
cresce, embora não em quantia igual ao aumento de sua renda. Isto
quer dizer que, se Cω é o montante do consumo e Yω o da renda (ambos
medidos em unidades de salário), ∆Cω tem o mesmo sinal que ∆Yω,
dCω
porém é de grandeza menor, isto é,
é positivo e inferior à unidade.
dYω
Este é o caso especialmente quando temos em vista períodos
curtos, como no caso das chamadas flutuações cíclicas do emprego,
durante as quais os hábitos, naquilo em que se distinguem das propensões psicológicas mais permanentes, não dispõem de tempo bastante
para se adaptarem às mudanças nas circunstâncias objetivas. O padrão
de vida habitual de um indivíduo baseia-se na primeira satisfação que
pode extrair da sua renda, e ele tende a poupar a diferença que surge
entre a sua renda efetiva e as despesas correspondentes ao seu padrão
costumeiro de vida; ou então, no caso de acomodar os seus gastos às
118
KEYNES
variações na sua renda em períodos curtos, só o fará imperfeitamente.
Por conseguinte, uma renda crescente será com freqüência acompanhada
de uma poupança maior, e uma renda decrescente o será de uma poupança
menor, em maior escala a princípio do que posteriormente.
Fora das variações de curto período no nível da renda, porém,
também é evidente que a elevação absoluta do montante da renda
contribui, via de regra, para alargar a brecha entre a renda e o consumo.
Isso porque a satisfação das necessidades primárias imediatas de um
indivíduo e de sua família é, normalmente, mais forte que os seus
motivos para poupar, que só adquirem predomínio efetivo quando se
alcança determinado nível de conforto. Estas razões fazem com que,
em geral, uma proporção maior da renda seja poupada à medida que
a renda real aumenta. Porém, poupe-se ou não numa proporção maior,
somos levados a considerar regra psicológica fundamental em uma comunidade moderna que, quando a sua renda real aumenta, o seu consumo não crescerá em montante absoluto igual, de modo que ela poupará necessariamente uma soma absoluta maior, a não ser que, ao
mesmo tempo, ocorra uma alteração fora do comum nos demais fatores.
Como veremos depois,79 a estabilidade do sistema econômico depende
essencialmente da predominância desta regra na prática. Isto significa
que, se o emprego e, portanto, a renda agregada aumentam, nem todo
o emprego adicional será requerido para satisfazer as necessidades do
consumo adicional.
Por outro lado, uma diminuição da renda devida à queda no
volume de emprego, se for além de certos limites, pode muito bem ser
motivo para que o consumo exceda a renda, não apenas porque os
indivíduos ou instituições passam a utilizar as reservas financeiras
acumuladas em melhores dias, como também porque o Governo, deliberadamente ou não, poderá cair num déficit orçamentário ou poderá
vir a fornecer auxílio em caso de desemprego, por exemplo, com dinheiro
emprestado. Por isso, quando o emprego desce a um nível baixo, o
consumo agregado cairá em volume menor que a diminuição da renda
real, tanto por força das reações habituais dos indivíduos como por
força da política provável dos Governos, o que explica a possibilidade
de conseguir, muitas vezes, uma nova posição de equilíbrio dentro de
limites razoáveis de flutuação. Se assim não fosse, o declínio do emprego
e da renda, uma vez iniciado, poderia ir muito longe.
Este princípio simples leva, como se poderá ver, à mesma conclusão de antes, a saber, o emprego só pode aumentar pari passu com
um aumento do investimento; a não ser, bem entendido, que ocorra
alguma mudança na propensão a consumir. Com efeito, visto que no
caso de um aumento do emprego os consumidores vão gastar menos
79
Cf. p. 240.
119
OS ECONOMISTAS
do que o aumento no preço da oferta agregada, o dito aumento de
emprego se revelará desvantajoso, a não ser que um acréscimo no
investimento venha preencher a lacuna.
IV
Não devemos subestimar a importância do fato já assinalado anteriormente de que, enquanto o emprego é função do consumo e do
investimento previstos, o consumo é, coet. par., função da renda líquida,
isto é, do investimento líquido (sendo a renda líquida igual ao consumo
mais o investimento líquido). Em outras palavras, quanto maior for a
provisão financeira que se julgue necessário constituir antes de calcular
a renda líquida, menos favorável será para o consumo, e, portanto,
para o emprego, um volume determinado de investimento.
Quando toda esta provisão financeira (ou custo suplementar) é
efetivamente gasta na conservação do equipamento de capital existente,
não é provável que isso passe despercebido. Contudo, quando a provisão
financeira excede o gasto real de conservação, nem sempre se avaliam
as conseqüências práticas que daí resultam para o emprego, pois o
montante deste excedente não dá origem direta a um investimento
corrente nem se acha disponível para o consumo. Tem, portanto, de
ser equilibrado com novo investimento, cuja procura nasce de motivos
completamente independentes do desgaste atual do equipamento velho,
para o qual se constituiu a provisão financeira, com a conseqüência
de que o novo investimento disponível para manter a renda atual diminui paralelamente e se torna necessária uma procura mais intensa
de novos investimentos, para que se torne possível atingir determinado
nível de emprego. Além disso, considerações muito parecidas se aplicam
aos elementos do custo de uso destinados a compensar o desgaste,
quando este não é efetivamente reparado.
Tomemos, por exemplo, uma casa que continua sendo habitável
até que seja demolida ou abandonada. Se do aluguel anual pago pelos
inquilinos é descontada certa parte do seu valor, que o proprietário
não gasta em sua conservação nem considera renda líquida, disponível
para o consumo, esta reserva, quer faça parte de U ou de V, constitui
um empecilho para o emprego durante todo o tempo em que dure a
casa, empecilho este que logo será compensado, de uma só vez, quando
a casa for reconstruída.
Em uma economia estacionária talvez não valesse a pena mencionar esses fatores, em se considerando que os abatimentos pela depreciação feitos anualmente sobre as casas velhas seriam exatamente
compensados pelas casas novas, construídas em substituição das que
em cada ano chegam ao fim de suas vidas. Tais fatores, porém, podem
ser de muita importância numa economia não estática, especialmente
durante o período imediato a uma expansão pronunciada de investimentos em capital de longa vida útil. Em tais circunstâncias, grande
120
KEYNES
parte dos novos itens de investimento pode ser absorvida pelas maiores
provisões financeiras que os empresários fazem para preparar e renovar
o equipamento de capital existente, o qual, embora se desgaste com o
tempo, ainda não chegou ao ponto de exigir gastos que se aproximem
do total da reserva financeira constituída; como conseqüência, as rendas
não podem subir além de um nível bastante baixo para corresponder
à pequena quantia agregada do investimento líquido. Os fundos de
amortização e outras reservas análogas podem, portanto, reduzir o
poder de dispêndio do consumidor muito tempo antes que ocorra a
necessidade dos gastos de reposição (para os quais tais reservas foram
constituídas), isto é, diminuem a procura efetiva corrente e só a aumentam no ano em que, efetivamente, se faz a reposição. Se este efeito
for agravado pela “prudência financeira”, ou seja, pela idéia da conveniência de “amortizar” o custo inicial com maior rapidez que o desgaste
real do equipamento, o resultado cumulativo pode ser bastante sério.
Nos Estados Unidos, por exemplo, ao chegar em 1929, a rápida
expansão de capital nos cinco anos anteriores levou cumulativamente
à constituição, com vista a um equipamento que não necessita ser
renovado, de fundos de amortização e de margens de depreciação em
tão grande escala que se tornava necessário um volume enorme de
investimentos completamente novos apenas para absorver essas reservas financeiras; chegou, ainda, a ser quase impossível encontrar mais
investimentos novos em escala suficiente para corresponder ao volume
de poupança nova, que uma comunidade próspera e em situação de
pleno emprego se dispusera a guardar. Apenas este fator bastaria,
provavelmente, para causar uma depressão. E, além disso, a mesma
“prudência financeira” continuou a ser exercida ao longo da depressão
pelas grandes firmas em condições de fazê-lo, fato que constituiu sério
obstáculo para uma recuperação imediata.
Também na Grã-Bretanha, na atualidade (1935), o grande volume
de construções e outros investimentos realizados depois da guerra levaram a um volume de fundos de amortização muito superior às necessidades presentes para os gastos de reparações e renovações, tendência que se fortaleceu no caso dos investimentos feitos pelas autoridades locais e públicas, de acordo com os princípios de “sã” administração financeira, que freqüentemente requerem fundos de amortização
suficientes para recuperar o custo inicial algum tempo antes que a
reposição se faça necessária; com o resultado de que, mesmo se os
particulares estivessem dispostos a gastar o total de suas rendas líquidas, seria uma difícil tarefa restabelecer o pleno emprego diante
deste volume opressivo de reservas estatutárias constituídas pelas autoridades públicas e semipúblicas, inteiramente dissociadas de qualquer
investimento novo correspondente. Creio que, no momento,80 os fundos
80
As cifras suscitam tão pouco interesse que só são publicadas com atraso de dois anos
ou mais.
121
OS ECONOMISTAS
de amortização das autoridades locais alcançam uma cifra anual superior à metade da soma que essas autoridades gastam em todos os
seus novos investimentos.81 E decerto o Ministério da Saúde, quando
insiste em exigir dessas autoridades locais a formação de fundo de
amortização, ignora até que ponto semelhante política contribui para
agravar o problema do desemprego. No caso de adiantamentos feitos
por sociedades imobiliárias para ajudar um indivíduo a construir sua
própria casa, o desejo de se livrar da dívida antes que a casa se deteriore
pode estimular o proprietário a poupar mais do que faria de outra
forma, embora, talvez, se devesse classificar este fator como capaz de
reduzir a propensão a consumir diretamente, em vez de causar efeito
sobre a renda líquida. De fato, as amortizações dos empresários
hipotecários feitos pelas sociedades imobiliárias, que em 1925 alcançavam 24 milhões de libras esterlinas, subiram para 68 milhões
de libras em 1933, em comparação com novos adiantamentos no
montante de 103 milhões de libras; hoje, as amortizações são, provavelmente, ainda maiores.
O fato de ser o investimento bruto mais do que o investimento
líquido que se manifesta nas estatísticas de produção depreende-se de
maneira natural e concludente da obra de Colin Clark, National Income,
1924-1931. Ele também mostra que há uma elevada proporção de depreciação e outros fatores que normalmente afetam o investimento.
Ele calcula, por exemplo, que na Grã-Bretanha os montantes do investimento e do investimento líquido entre 1928 e 193182 foram os
mencionados adiante, embora o investimento bruto para ele seja provavelmente um pouco maior que o meu investimento, na medida em
que poderá incluir parte do custo de uso, e não fica claro até que ponto
o seu “investimento líquido” coincide com a minha definição deste termo:
81
82
No decorrer do ano financeiro que terminou em 31 de março de 1930, as autoridades locais
gastaram 87 milhões de libras esterlinas na conta de capital, dos quais 37 milhões de
libras foram proporcionados pelos fundos de amortização etc., correspondentes aos gastos
anteriores da mesma natureza; no ano que terminou em 31 de março de 1933, as cifras
foram, respectivamente, 81 e 46 milhões de libras.
Op. cit., pp. 117-138.
122
KEYNES
Kuznets chegou a conclusão parecida ao compilar as estatísticas
da formação bruta de capital (o que eu chamo “investimento”), nos
Estados Unidos, entre 1919 e 1933. O fato físico que as estatísticas
da produção constatam não é, inevitavelmente, o investimento líquido,
mas o bruto. Kuznets identificou, também, as dificuldades que são
encontradas para passar do investimento bruto ao líquido. “A dificuldade”, escreve ele, “em passar da formação bruta do capital à formação
líquida, isto é, a dificuldade de fazer correções correspondentes ao consumo dos bens duráveis finais existentes, não reside unicamente na
falta de dados. O próprio conceito do consumo anual de bens que duram
certo número de anos está sujeito a ambigüidade.” Ele se apóia, portanto,
“na hipótese de que a reserva para depreciação e exaustão nos livros das
empresas representa, corretamente, o volume de consumo dos bens duráveis existentes usados por essas empresas”.83 Por outro lado, não tenta
fazer dedução alguma relativamente a casas e a outros bens duráveis em
mãos dos indivíduos. Seus resultados, muito interessantes, relativos aos
Estados Unidos, podem ser resumidos como segue:
83
Estas citações são extraídas do Bulletin nº 52 do National Bureau of Economic Research,
no qual se dão os resultados preliminares do livro em preparação de Kuznets.
123
OS ECONOMISTAS
Deste quadro ressaltam vários fatos importantes. A formação líquida de capital conservou-se muito estável no qüinqüênio 1925-1929,
apenas com um aumento de 10% na última etapa do movimento ascendente. As deduções correspondentes aos gastos dos empresários com
reparações, manutenção, depreciação e exaustão mantiveram-se numa
cifra alta, mesmo no ponto culminante da depressão. O método de
Kuznets, porém, leva certamente a uma subestimativa do aumento
anual na depreciação etc., pois calcula esta última em menos de 1,5%
da nova formação líquida do capital. Verifica-se, sobretudo, que a formação líquida do capital sofreu um desastroso colapso depois de 1929,
descendo em 1932 a uma cifra não menos que 95% inferior à média
do qüinqüênio 1925-1929.
O que foi dito anteriormente não passa, até certo ponto, de uma
digressão. Todavia, é importante insistir sobre a magnitude do abatimento que deve ser feito da renda de uma sociedade que já possui
grande estoque de capital, antes de chegar à renda líquida que está
normalmente disponível para o consumo. Se ignorarmos este fator,
arriscamos subestimar o poderoso freio que modera a propensão a consumir, mesmo quando o público esteja disposto a consumir grande
parte da sua renda líquida.
O consumo — para repetir o óbvio — é o único fim e objetivo
da atividade econômica. As oportunidades de emprego estão necessariamente limitadas pela extensão da procura agregada. A demanda
agregada só pode ser derivada do consumo presente ou das reservas
para o consumo futuro. O consumo que podemos prover vantajosamente
com antecedência não pode estender-se indefinidamente no futuro. Não
podemos, como sociedade, prover consumo futuro por meio de expedientes financeiros, mas apenas mediante a produção física corrente.
Na medida em que nossa organização social e comercial separa a formação de reservas financeiras para o futuro da provisão física futura,
de tal forma que os esforços para assegurar as primeiras não arrastem
necessariamente consigo a consecução da segunda, a prudência financeira pode causar restrições na procura agregada e, portanto, diminuir
o bem-estar, conforme testemunham muitos exemplos. Mais do que
isso, quanto maior for a provisão que façamos com antecedência para
o consumo, maior será a dificuldade em encontrar novas necessidades
para prover, e maior a nossa dependência do consumo presente como
fonte de procura. Entretanto, quanto maiores forem as nossas rendas,
maior, infelizmente, será a margem entre essas rendas e o nosso consumo. Na ausência de algum novo expediente, não há, como veremos,
maneira de resolver o enigma, exceto a que consiste num desemprego
suficiente para provocar um empobrecimento bastante para que a diferença, entre nosso consumo e a nossa renda, não seja maior que o
124
KEYNES
equivalente da provisão física para o consumo futuro que seja lucrativo
constituir hoje.
Examinemos também a questão pelo seguinte prisma. O consumo
se satisfaz, em parte, com os bens produzidos na atualidade e, em
parte, com os produzidos anteriormente, isto é, com o desinvestimento.
Na medida em que o consumo se satisfizer com os bens do segundo
tipo verifica-se uma contração na demanda corrente, visto que, na mesma medida, uma parte dos gastos presentes deixa de retornar como
parte da renda líquida. Pelo contrário, sempre que se produz uma
mercadoria, durante o período, com a intenção de satisfazer o consumo
posteriormente, resulta daí uma expansão da demanda corrente. Ora,
todo o investimento de capital está destinado a resultar, mais cedo ou
mais tarde, em desinvestimento de capital. Destarte, o problema de
conseguir que os novos investimentos de capital excedam sempre o
desinvestimento de capital, na medida necessária para preencher a
lacuna que separa a renda líquida do consumo, apresenta dificuldade
crescente à medida que o capital aumenta. Os novos investimentos de
capital só podem realizar-se em excesso ao desinvestimento atual do
capital quando se espera um aumento dos gastos futuros em consumo.
Cada vez que garantimos o equilíbrio de hoje aumentando o investimento, estamos agravando a dificuldade de assegurar o equilíbrio de
amanhã. Uma diminuição na propensão a consumir de hoje só pode
conformar-se com o interesse público se esperarmos que haja algum
dia maior propensão a consumir. Isso nos faz recordar a “Fábula das
Abelhas”: as satisfações de amanhã são absolutamente indispensáveis
para justificar as privações de hoje.
É curioso e digno de nota que a sabedoria popular só pareça
perceber-se desta perplexidade final no caso dos investimentos públicos,
quando, por exemplo, se trata da construção de estradas, de habitações
ou algo semelhante. Apresenta-se, comumente, como objeção aos planos
tendentes a aumentar o emprego por meio de investimentos patrocinados pela autoridade pública, o fato de que assim estão sendo criadas
dificuldades para o futuro. “Que faremos”, pergunta-se, “quando tivermos construído todas as casas, estradas, prefeituras, redes de energia
elétrica, sistemas de distribuição de água e outras instalações de que
possa necessitar a população estacionária do futuro?” Há, contudo, mais
dificuldades em compreender que o mesmo inconveniente se apresenta
no caso dos investimentos privados e da expansão industrial, particularmente com a última, desde que é muito mais fácil prever a próxima
saturação das necessidades de novas fábricas e equipamentos, que isoladamente absorvem pouco dinheiro, do que a procura de construções
para moradia.
O obstáculo que se antepõe a um claro entendimento destas ques125
OS ECONOMISTAS
tões parece constituir-se, como sucede, na maioria das discussões acadêmicas sobre o capital, de uma apreciação inadequada do fato de que
o capital não é uma entidade que subsista por si mesma, independentemente do consumo. Pelo contrário, cada enfraquecimento na propensão a consumir, considerada hábito permanente, leva a demanda de
capital a enfraquecer-se juntamente com a demanda de consumo.
126
CAPÍTULO 9
A Propensão a Consumir: II. Os Fatores Subjetivos
I
Resta-nos examinar a segunda categoria de fatores que afetam
o montante do consumo de uma renda — a saber, as forças subjetivas
e sociais que determinam o montante dos gastos depois de conhecidos
a renda agregada, medida em unidades de salário, e os fatores objetivos relevantes já analisados. Como a análise desses fatores não
levanta nenhum problema novo, talvez seja suficiente enumerar os
mais importantes, sem entrarmos em maiores considerações a seu
respeito.
Há, em geral, oito motivos ou fins importantes de caráter subjetivo
em virtude dos quais os indivíduos se abstêm de gastar sua renda:
(i) constituir uma reserva para fazer face a contingências imprevistas;
(ii) preparar-se para uma relação futura prevista entre a renda
e as necessidades do indivíduo e sua família, diferente da que
existe no momento, como por exemplo no que diz respeito à velhice, à educação dos filhos ou ao sustento das pessoas dependentes;
(iii) beneficiar-se do juro e da valorização, isto é, porque um
consumo real maior em data futura é preferível a um consumo
imediato mais reduzido;
(iv) desfrutar de um gasto progressivamente crescente, satisfazendo, assim, um instinto normal que leva os homens a encarar
a perspectiva de um nível de vida que melhore gradualmente,
de preferência ao contrário, mesmo que a capacidade de satisfação
tenda a diminuir;
(v) desfrutar de uma sensação de independência ou do poder
127
OS ECONOMISTAS
de fazer algo, mesmo sem idéia clara ou intenção definida da
ação específica;
(vi) garantir uma masse de manoeuvre para realizar projetos
especulativos ou econômicos;
(vii) legar uma fortuna;
(viii) satisfazer a pura avareza, isto é, inibir-se de modo
irracional, mas persistente, de realizar qualquer ato de despesa
como tal.
Estes oito motivos podem ser chamados de: Precaução, Previdência, Cálculo, Melhoria, Independência, Iniciativa, Orgulho e Avareza;
também poderíamos formular uma lista de motivos para consumir tais
como: Prazer, Imprevidência, Generosidade, Irreflexão, Ostentação e
Extravagância.
Além das poupanças acumuladas pelos indivíduos há também
uma grande proporção de rendas, variável talvez, numa comunidade
industrial moderna como a Grã-Bretanha ou os Estados Unidos, entre
um e dois terços da acumulação total, que é retida pelos Governos
centrais ou locais, por instituições e por empresas comerciais — por
motivos muito semelhantes, mas não idênticos, aos que animam os
indivíduos e mais particularmente pelos quatro seguintes:
(i) o motivo de empresa — conseguir recursos para realizar
um novo investimento de capital, sem contrair dívida ou recorrer
ao capital do mercado;
(ii) o motivo de liquidez — garantir recursos líquidos para
enfrentar as emergências, dificuldades e crises;
(iii) o motivo de melhoria — assegurar um aumento gradual
de renda que, incidentalmente, isentará os dirigentes da crítica,
visto que no aumento da renda é difícil distinguir o que resulta
da acumulação do que provém da eficiência;
(iv) o motivo da prudência financeira e a preocupação de se
sentir seguro pela constituição de uma reserva financeira que
exceda o custo de uso e o custo suplementar, de modo que liquide
os débitos e que amortize o custo do ativo a um ritmo antes
superior do que inferior ao ritmo real de desgaste e obsolescência,
dependendo a força deste motivo sobretudo da quantidade e da
natureza do equipamento de capital e da rapidez do progresso
técnico.
A estes motivos, que tendem a excluir do consumo uma parte
da renda, correspondem outros que às vezes provocam um excedente
do consumo sobre a renda. Vários dos motivos que favorecem uma
poupança positiva enumerados antes, e que afetam os indivíduos,
128
KEYNES
têm sua contrapartida na poupança negativa em data posterior, como
sucede, por exemplo, com a poupança feita para prover às necessidades da família ou da velhice. O auxílio de desemprego financiado
por empréstimos deve ser considerado, de preferência, uma poupança
negativa.
Agora, a força de todos estes motivos varia enormemente segundo
as instituições e a organização da sociedade econômica que presumimos;
segundo os hábitos devidos à raça, à educação, às convenções, à religião
e às atitudes morais correntes; segundo as esperanças atuais e a experiência passada; segundo a escala e a técnica do equipamento de
capital; segundo a forma prevalecente da distribuição da riqueza e os
níveis de vida estabelecidos. Todavia, na tese que constitui o objetivo
desta obra, não nos ocuparemos, exceto em digressões ocasionais, dos
resultados das mudanças sociais de longo prazo nem dos lentos efeitos
do progresso secular. Isso significa que daremos por aceita a base dos
motivos subjetivos que levam, respectivamente, a poupar e a consumir.
Na medida em que a distribuição da riqueza é determinada pela estrutura social mais ou menos permanente da comunidade, podemos
igualmente considerar essa base um fator que só varia em ritmo lento
e no curso de um longo período, o que também daremos por aceito no
presente estudo.
II
Considerando, portanto, que a base principal das forças subjetivas
e sociais muda lentamente, enquanto por outro lado a influência a
curto prazo nas alterações da taxa de juros e outros fatores subjetivos
é, no mais das vezes, de importância secundária, somos levados a concluir que as variações de curto prazo no consumo dependem, em grande
parte, das alterações do ritmo com que se ganham as rendas (medidas
em unidades de salário) e não das variações na propensão a consumir
uma parte de determinada renda.
Devemos, no entanto, precaver-nos contra um mal-entendido. O
que ficou dito acima significa que a influência de variações moderadas
na taxa de juro sobre a propensão a consumir é geralmente pequena.
Não significa que as variações na taxa de juros tenham apenas uma
influência limitada sobre as quantias realmente poupadas ou consumidas. Pelo contrário, a influência dessas variações sobre o montante
realmente poupado é de primordial importância, mas se exerce em
direção oposta à que, geralmente, lhe é atribuída. Mesmo se a atração
de uma renda futura maior, a ser obtida de uma elevação da taxa de
juros, tiver por conseqüência diminuir a propensão a consumir, podemos
estar certos de que uma elevação da mesma taxa de juros resulta
numa redução da quantia realmente poupada. Com efeito, a poupança
129
OS ECONOMISTAS
agregada depende do investimento agregado e a elevação da taxa de
juros (se não for compensada por uma elevação correspondente na escala da procura de investimento) fará baixar o investimento; portanto,
uma elevação da taxa de juros terá por efeito baixar as rendas a um
nível em que a diminuição da poupança iguala a do investimento. Em
se considerando que, em valor absoluto, as rendas diminuem mais que
o investimento, é indubitável que o consumo diminui quando a taxa
de juros aumenta. Isso, porém, não quer dizer que a margem da poupança fique por isso acrescida. Ao contrário, a poupança e o dispêndio
sofrerão, ambos, uma diminuição.
Desse modo, ainda que uma elevação na taxa de juros possibilite
à comunidade maior poupança com determinada renda, pode-se ter a
certeza de que a elevação da taxa de juros (se não ocorrer nenhuma
mudança favorável na escala da procura de investimento) fará diminuir
o próprio montante agregado da poupança. A mesma linha de raciocínio
pode mesmo nos dizer em quanto, coet. par., um aumento da taxa de
juros fará diminuir as rendas. Isso porque as rendas — para uma
propensão a consumir — terão de baixar (ou serem redistribuídas) um
montante exatamente suficiente para diminuir as poupanças numa
soma igual à que a taxa de juros provocaria de diminuição do investimento, para um esquema de eficiência marginal do capital. Um exame
detido dessa questão será objeto do capítulo seguinte.
A elevação da taxa de juros poderia induzir-nos a poupar mais
se as nossas rendas permanecessem invariáveis. Se essa elevação da
taxa de juros retarda o investimento, porém, nossas rendas não ficarão
nem poderão continuar inalteráveis. Elas têm de baixar, forçosamente,
até que o declínio da capacidade de poupar seja suficiente para compensar o estímulo correspondente ocasionado por uma taxa de juros
mais alta. Quanto mais virtuosos, quanto mais resolutamente frugais
e mais obstinadamente ortodoxos formos em nossas finanças particulares e nacionais, mais terão de baixar as nossas rendas quando o juro
subir proporcionalmente à eficiência marginal do capital. A obstinação
só nos trará um castigo, e jamais uma recompensa, pois o resultado
é inevitável.
Com toda certeza, portanto, os montantes reais da poupança e
do consumo agregados não dependem da Precaução, da Previdência,
do Cálculo, da Melhoria, da Independência, da Iniciativa, do Orgulho
ou da Avareza. A virtude e o vício não têm papel a desempenhar. Tudo
depende da medida com que a taxa de juros seja favorável ao investimento, levando-se em conta a eficiência marginal do capital.84 Não,
84
Em algumas passagens desta seção antecipamos idéias que só serão desenvolvidas no Livro
Quarto.
130
KEYNES
isso não é uma afirmação exagerada. Se a taxa de juros fosse governada
de tal modo que mantivesse continuamente o pleno emprego, a virtude
tomaria sua posição dominante; a taxa de acumulação do capital dependeria da debilidade da propensão a consumir. Assim, mais uma
vez, o tributo que os economistas clássicos prestam à virtude é uma
conseqüência da sua disfarçada hipótese de que a taxa de juros é sempre
governada desse modo.
131
CAPÍTULO 10
A Propensão Marginal a Consumir e o Multiplicador
Demonstramos no capítulo 8 que o emprego só pode aumentar
pari passu com o investimento, a não ser que haja uma mudança na
propensão a consumir. Podemos levar esta idéia um pouco mais adiante,
pois, em dadas circunstâncias, é possível estabelecer uma relação definida, que chamaremos multiplicador, entre a renda e o investimento,
e, sujeita a algumas simplificações, entre o emprego total e o emprego
diretamente ligado ao investimento (a que chamaremos emprego primário). Este passo adiante constitui parte integrante da nossa teoria
do emprego, visto que, dada a propensão a consumir, estabelece uma
relação precisa entre o fluxo de investimento e os volumes agregados
do emprego e da renda. O conceito de multiplicador foi introduzido,
pela primeira vez, na teoria econômica por R. F. Kahn, em seu artigo
versando sobre “The Relation of Home Investment to Unemployment”
(Economic Journal, junho de 1931). Seu raciocínio, nesse artigo, dependia da noção fundamental de que se a propensão a consumir em
várias circunstâncias hipotéticas (bem como em algumas outras condições) for dada como aceita, e se supormos que a autoridade monetária
ou outra autoridade pública tomem medidas para estimular ou retrair
o investimento, a variação do volume de emprego será função da variação líquida do montante do investimento; pretendia, ainda, estabelecer princípios gerais para calcular a relação quantitativa real entre
o incremento do investimento líquido e o aumento de emprego agregado
que o acompanha. Todavia, antes de chegar ao multiplicador, convém
introduzir o conceito de propensão marginal a consumir.
I
As flutuações da renda real consideradas neste livro são as que
resultam da aplicação de diferentes quantidades de emprego (isto é,
de unidades de trabalho) a dado equipamento de capital, de tal modo
que a renda real aumenta e diminui conforme o número de unidades
133
OS ECONOMISTAS
de trabalho empregadas. Se, como geralmente admitimos, houver um
retorno decrescente marginal quando o número de unidades de trabalho
aplicadas a certo equipamento de capital aumenta, a renda, medida
em unidades de salário, aumentará mais que proporcionalmente em
relação ao volume de emprego, que, por sua vez, subirá mais que proporcionalmente ao aumento da renda real medida (se isto for possível)
em unidades de produção. Não obstante, a renda real calculada em
termos de produção e a renda medida em unidades de salário aumentarão e diminuirão conjuntamente (no curto período em que o equipamento de capital permanece virtualmente inalterado). Portanto, em se
considerando que a renda real expressa em unidades de produção
não se possa medir numericamente com exatidão, convém muitas
vezes considerar a renda em unidades de salário (Yω) um índice
adequado das modificações na renda real. Em certos casos, não podemos desprezar o fato de que, em geral, Yω aumenta e diminui
proporcionalmente mais que a renda real; porém, em outros, a circunstância de que os dois sempre sobem e descem juntos torna-os
virtualmente intercambiáveis.
A nossa lei psicológica normal de que, no caso de aumentos e
diminuições da renda real da comunidade, o consumo aumenta e diminui, mas não tão depressa, pode, portanto, traduzir-se — sem precisão absoluta decerto, mas apenas sujeita a reservas evidentes que
se podem demonstrar facilmente e de maneira formal — pelas proposições de que ∆Cω e ∆Yω têm o mesmo sinal, mas ∆Yω > ∆Cω, onde
Cω representa o consumo medido em unidades de salário. Isto significa
simplesmente repetir a proposição já expressa na página 32. Definamos,
dCω
portanto,
como a propensão marginal a consumir.
dYω
Esta quantidade é de considerável importância por nos dizer como
se dividirá o próximo incremento da produção entre o consumo e o investimento. Isso porque ∆Yω = ∆Cω + ∆Iω , onde ∆Cω e ∆Iω são incrementos do consumo e do investimento, de maneira que podemos escrever
1
∆Yω = k ∆Iω, onde 1 –
é igual à propensão marginal a consumir.
k
Chamemos a k o multiplicador de investimento. Ele nos indica
que, quando se produz um acréscimo no investimento agregado, a renda
sobe num montante igual a k vezes o acréscimo do investimento.
II
O multiplicador de Kahn é pouco diferente deste, constituindo o
que poderíamos chamar de multiplicador de emprego, a ser designado
por k′, visto que mede a relação do aumento de emprego total derivado
de determinado incremento do emprego primário nas indústrias de
134
KEYNES
investimento. Quer dizer, se o incremento do investimento ∆Iω leva a
um aumento do emprego primário ∆N2 nas indústrias de investimento,
o incremento do emprego total ∆N = k′∆N2.
Não há razão, em geral, para supor que k = k′, pois nada leva
necessariamente a admitir que formatos das funções da oferta agregada
peculiares aos diferentes tipos de indústrias sejam tais que a proporção
do aumento num dos grupos de indústrias, relativamente ao incremento
da demanda que o provocou, seja a mesma nos demais grupos de indústrias.85 Na verdade, é possível facilmente imaginar casos como, por
exemplo, quando a propensão marginal a consumir é muito diferente
da propensão média, tal que existiria uma presunção em favor de certa
∆Yω
∆Iω
desigualdade entre
e
, uma vez que haveria variações pro∆N
∆N2
porcionais muito divergentes na procura de bens de consumo e de bens
de investimento respectivamente. Se quisermos levar em conta essas
possíveis diferenças na forma das partes relevantes das funções da
oferta agregada para os dois grupos de indústrias, respectivamente,
não haverá dificuldade em reconstruir o argumento seguinte em
sua forma mais generalizada. Entretanto, para aclarar as idéias
que ele contém, será conveniente considerar o caso simplificado em
que k = k′.
Como conseqüência disso, quando a atitude psicológica da comu85
Pode-se dizer de maneira mais precisa que, se ee e e′e são as elasticidades de emprego na
indústria em conjunto e nas indústrias de bens de capital, respectivamente, e se N e N2
são o número de homens empregados em toda a indústria e nas de bens de capital, teremos
135
OS ECONOMISTAS
nidade a respeito do consumo é tal que induz, por exemplo, a consumir
nove décimos de um incremento de renda,86 o multiplicador k é igual
a 10, e o emprego total causado (por exemplo) por um incremento de
obras públicas será dez vezes superior ao emprego primário proporcionado pelas próprias obras públicas, supondo que não haja redução
de investimentos em outros setores. Apenas no caso de a comunidade
manter seu consumo inalterado a despeito do aumento do emprego e,
portanto, da renda real ficará o aumento do emprego restringido ao
aumento do emprego primário proporcionado pelas obras públicas. Se,
por outro lado, ela decide consumir o total de qualquer incremento da
renda, não haverá um equilíbrio estável e os preços subirão sem limite.
De acordo com as hipóteses psicológicas normais, um aumento no emprego só será acompanhado por declínio do consumo se ao mesmo tempo
se produzir uma alteração na propensão a consumir — como resultado,
por exemplo, da propaganda em tempo de guerra tendente a diminuir
o consumo individual; somente neste caso o aumento de emprego nas
indústrias de investimento será acompanhado de repercussão desfavorável sobre o emprego nas indústrias que trabalham para o consumo.
Isso apenas resume numa fórmula o que, em termos gerais, já
devia ser evidente para o leitor. Um incremento do investimento medido
em unidades de salário só pode ocorrer se o público estiver disposto
a aumentar a sua poupança, computada nas mesmas unidades. Comumente falando, o público não fará isso a não ser que sua renda
agregada, medida em unidades de salário, estiver aumentando. Desse
modo, seu esforço para consumir uma parte da renda suplementar
estimulará a produção até que o novo nível (e distribuição) das rendas
proporcione uma margem de poupança suficiente para corresponder
ao maior investimento. O multiplicador diz em que proporção terá de
aumentar o emprego para provocar um acréscimo na renda real suficiente para induzir o público a realizar uma poupança adicional, e é
função de suas propensões psicológicas.87 Se a poupança é a pílula e
o consumo é a geléia, a geléia extra tem de ser proporcional ao tamanho
da pílula adicional. Se as tendências psicológicas do público são realmente as que supomos, estabelecemos aqui a lei de que o aumento de
emprego consagrado ao investimento estimula necessariamente as indústrias que produzem para o consumo, determinando, assim, um aumento total do emprego que é um múltiplo do emprego primário exigido
pelo próprio investimento.
Deduz-se do que foi dito que, se a propensão marginal a consumir
não está longe da unidade, as pequenas flutuações no investimento
provocarão grandes variações no emprego; porém, ao mesmo tempo,
86
87
Em todo o raciocínio as quantidades serão medidas em unidades de salários.
Embora, no caso mais generalizado, seja também função das condições físicas da produção
nas indústrias de investimento e nas de consumo, respectivamente.
136
KEYNES
um aumento relativamente pequeno do investimento bastará para causar o pleno emprego. Se, por outro lado, a propensão marginal a consumir está próxima de zero, as pequenas flutuações do investimento
ocasionarão pequenas flutuações do emprego; mas, ao mesmo tempo,
pode ser necessário um incremento considerável do investimento para
produzir o pleno emprego. No primeiro caso, o desemprego involuntário
é um mal de cura fácil, embora suscetível de se agravar rapidamente
se o deixarmos desenvolver. No segundo caso, o emprego pode ser menos
instável, mas tende a fixar-se num nível baixo e a mostrar-se refratário
a qualquer remédio, salvo os mais drásticos. Na realidade, a propensão
marginal a consumir parece situar-se entre esses dois extremos, embora
bem mais perto da unidade que de zero, com o resultado de que nos
encontramos, em certo sentido, com a pior de ambas as circunstâncias,
porque as flutuações no emprego são consideráveis e, ao mesmo tempo,
para determinar o pleno emprego, seria necessário um incremento de
investimento demasiado grande para que se possa manejá-lo com facilidade. Infelizmente, as flutuações têm sido suficientes para impedir
que se compreenda a natureza crônica do mal e, por outro lado, essa
gravidade é tamanha que se torna impossível remediá-la sem lhe compreender a natureza.
Quando o pleno emprego é alcançado, qualquer tentativa de aumentar ainda mais o investimento faz com que os preços tendam a
subir sem limite, seja qual for a propensão marginal a consumir, isto
é, chega-se a um estado de verdadeira inflação.88 Até este ponto, no
entanto, a alta dos preços será acompanhada de um aumento da renda
real agregada.
III
Até agora temo-nos ocupado dos acréscimos líquidos do investimento. Portanto, se quisermos aplicar sem restrições o que ficou dito
aos efeitos (por exemplo) de um incremento de obras públicas, teremos
de supor que esse incremento não é compensado por um decréscimo
do investimento em outros setores — e não há, naturalmente, nenhuma
mudança concomitante na propensão da comunidade a consumir. No
artigo citado, Kahn procurou sobretudo examinar as compensações que,
por causa da sua importância, merecem ser consideradas e apresentou
sugestões de estimativas quantitativas. No caso concreto em que haja
um aumento específico do investimento, existem com efeito diversos
fatores que concorrem com esse aumento para o resultado final. Se,
por exemplo, um governo emprega 100 mil homens a mais em obras
públicas, e o multiplicador (tal como foi definido antes) for 4, não há
motivo para supor que o emprego agregado aumentará de 400 mil
88
Cf. cap. 21, p. 283.)
137
OS ECONOMISTAS
unidades, pois semelhante política pode ter reações desfavoráveis sobre
o investimento em outras direções.
Os fatores que se seguem (segundo Kahn) são os que, provavelmente, numa comunidade moderna, devem ser levados em consideração
em virtude da sua importância (embora os dois primeiros não se tornem
completamente inteligíveis antes que se chegue ao Livro Quarto):
(i) O método de financiar a política e o aumento de capital de
giro exigido pelo emprego adicional e a alta de preços que o acompanha
podem ter por efeito elevar a taxa de juros e retardar assim o investimento em outros setores, caso a autoridade monetária não tome providências em contrário, enquanto, ao mesmo tempo, a elevação dos
custos dos bens de capital reduz a sua eficiência marginal para o indivíduo que investe, sendo necessária uma baixa efetiva na taxa de
juros para compensar esse efeito.
(ii) Dada a psicologia confusa que freqüentemente prevalece, o
programa do Governo pode, através de seus efeitos sobre a “confiança”,
aumentar a preferência pela liquidez ou diminuir a eficiência marginal
do capital, o que também contribui para retardar outros investimentos
se não houver medidas que o contrabalancem.
(iii) Num sistema aberto, que mantém relações comerciais com
o exterior, parte do multiplicador do investimento suplementar beneficiará o emprego em países estrangeiros, visto que certa porção do
consumo adicional reduzirá o saldo favorável do balanço externo do
nosso país, de modo que, se considerarmos apenas o efeito sobre o
emprego doméstico, como distinto do emprego mundial, temos de reduzir a cifra do multiplicador. Por outro lado, as perdas dessa natureza
podem ser mais ou menos compensadas pelas repercussões favoráveis
devidas à ação do multiplicador nos países estrangeiros que aumentam
a sua atividade econômica.
Além disso, se considerarmos modificações substanciais, temos
de levar em conta uma mudança progressiva na propensão marginal
a consumir e, portanto, no multiplicador, à medida que o acréscimo
na margem se desloca gradualmente. A propensão marginal a consumir
não é constante para todos os níveis de emprego, e é provável que,
em geral, tenda a diminuir quando o emprego aumenta, ou seja, quando
a renda real cresce, a comunidade só desejará consumir uma parte
gradualmente decrescente da mesma.
Além da ação da regra geral que acabamos de mencionar, outros
fatores poderão ainda fazer variar a propensão marginal a consumir
e, portanto, o multiplicador; e parece que estes outros fatores, comumente, contribuem mais para acentuar do que para atenuar o efeito
da regra geral. Pois, em primeiro lugar, o aumento do emprego tende
138
KEYNES
por efeito dos rendimentos decrescentes em períodos curtos a aumentar
a proporção da renda agregada destinada aos empresários, cuja propensão marginal a consumir é, provavelmente, inferior à média para
o conjunto da comunidade. Em segundo lugar, o desemprego se manifesta, geralmente, associado a uma poupança negativa em certos setores
privados ou públicos, porque os desempregados podem estar vivendo
tanto das suas economias pessoais como das de seus amigos, como
ainda do auxílio público parcialmente financiado por empréstimos; com
o resultado de que o reemprego diminuirá aos poucos estas formas
específicas de poupança negativa, reduzindo, portanto, a propensão
marginal a consumir mais rapidamente do que o faria um acréscimo
igual da renda real da comunidade obtido em circunstâncias diferentes.
De qualquer maneira, o multiplicador será provavelmente maior
para um pequeno incremento líquido do investimento do que para um
grande, de modo que, quando se têm em vista mudanças substanciais,
devemos guiar-nos pelo valor médio do multiplicador, tomando como
base o valor médio da propensão marginal a consumir na amplitude
de variação em causa.
Kahn examinou o resultado quantitativo provável dos fatores desta natureza em certos casos hipotéticos especiais. Porém não é, evidentemente, possível generalizar muito. Pode-se dizer apenas que, por
exemplo, numa comunidade moderna típica, compondo um sistema fechado e no qual o consumo dos desempregados é pago por transferências
do consumo de outros consumidores, a tendência será, provavelmente,
de consumir não muito menos de 80% de qualquer incremento da renda
real, de modo que o multiplicador, levando em conta as compensações,
talvez não se mostre muito inferior a 5. Todavia, num país em que o
comércio exterior representa, digamos, 20% do consumo e onde os desempregados recebem, por meio de empréstimos ou seu equivalente,
até 50% de seu consumo normal quando empregados, o multiplicador
pode descer até o ponto de corresponder a 2 ou 3 vezes o volume de
emprego proporcionado por um investimento novo. Por isso, num país
onde o comércio externo desempenha um papel importante e no qual
o auxílio aos desempregados é financiado em larga escala por empréstimos (como sucedeu, por exemplo, na Grã-Bretanha em 1931), a flutuação do emprego que acompanha certa variação do investimento é
bem menos violenta do que num país onde esses fatores são menos
importantes (como nos Estados Unidos em 1932).89
Entretanto, é pelo princípio geral do multiplicador que se deve
explicar como as flutuações no montante do investimento, comparativamente pequenas em proporção à renda nacional, podem gerar alte89
Cf., entretanto, p. 141, uma estimativa norte-americana.
139
OS ECONOMISTAS
rações no emprego e na renda agregada de amplitude muito maior
que elas próprias.
IV
Até agora, o raciocínio vem tomando como base uma alteração
do investimento agregado prevista com bastante antecipação para que
as indústrias de bens de consumo progridam, pari passu, juntamente
com as indústrias de investimento, sem maior transtorno para o preço
dos bens de consumo que o derivado de um aumento na quantidade
produzida, em condições de rendimento decrescente.
Todavia, precisamos, em geral, levar em conta o caso em que a
iniciativa provenha de um aumento não inteiramente previsto na produção dos bens de capital. É evidente que uma iniciativa destas só
produz todos os seus efeitos sobre o emprego depois de transcorrido
certo lapso de tempo. Tenho observado, entretanto, na discussão que
este fato evidente dá, muitas vezes, origem a alguma confusão entre
a teoria lógica do multiplicador, cuja aplicação se verifica continuamente, sem atraso, em todos os instantes, e as conseqüências de uma
expansão nas indústrias de bens de capital que só atua gradualmente,
com atraso e após certo intervalo.
A relação entre estes dois fatores pode ser esclarecida observando,
em primeiro lugar, que uma expansão imprevista das indústrias de
bens de capital não se produz instantaneamente por um acréscimo de
igual importância no montante agregado do investimento, apenas ocasiona um aumento gradual desse montante; e, em segundo lugar, que
pode criar uma divergência temporária entre a propensão marginal a
consumir e o seu valor normal, verificando-se, entretanto, um gradual
retorno à sua posição original.
Assim sendo, uma expansão nas indústrias de bens de capital
determina uma série de aumentos no investimento agregado, que se
apresentam em períodos sucessivos num certo intervalo de tempo, e
uma série de valores da propensão marginal a consumir durante esses
períodos sucessivos que difere tanto do que teriam sido esses valores
se a dita expansão houvesse sido prevista, como do que serão quando
a comunidade chegar a estabilizar-se num novo e firme nível de investimento agregado. Porém, em cada período, a teoria do multiplicador
continua sendo válida no sentido de que o incremento da demanda
agregada é igual ao produto do acréscimo do investimento agregado e
do multiplicador determinado pela propensão marginal a consumir.
A explicação dessas duas ordens de fatos surge com maior clareza
quando se considera o caso extremo em que o aumento de emprego
nas indústrias dedicadas à produção de bens de capital é de tal maneira
imprevisto que a princípio não se verifica aumento algum na produção
de bens de consumo. Neste caso, os esforços dos que foram recentemente
empregados nas indústrias de bens de capital para consumir certa
140
KEYNES
proporção das suas rendas farão subir os preços dos bens de consumo
até que se alcance um equilíbrio temporário entre a oferta e a procura,
causado, em parte, pelo adiamento do consumo provocado pela elevação
dos preços, em parte pela redistribuição de renda favorável às classes
que poupam devido ao aumento de seus lucros gerado pelos preços
altos e, em parte, pela depleção dos estoques causada pela elevação
dos preços. Na medida em que o equilíbrio se restabelece pelo adiamento
do consumo, apresenta-se uma redução temporária da propensão marginal a consumir, isto é, do próprio multiplicador e, na medida em que
haja uma depleção dos estoques, o acréscimo do investimento agregado
permanece durante certo tempo inferior ao acréscimo do investimento
realizado nas indústrias de bens de capital — isto é, o valor a ser
multiplicado não aumenta na proporção do total do investimento feito
nas indústrias de bens de capital. Entretanto, as indústrias de bens
de consumo vão-se, com o passar do tempo, adaptando por si mesmas
à nova demanda, de modo que, quando se realiza o consumo antes
adiado, a propensão marginal a consumir sobe temporariamente além
do seu nível normal, para compensar a baixa anterior e, eventualmente,
retorna a seu nível normal, enquanto a reconstituição dos estoques
faz com que o acréscimo do investimento agregado seja temporariamente superior ao do investimento nas indústrias de bens de capital
(tendo temporariamente o mesmo efeito o incremento do capital circulante correspondente ao aumento da produção).
O fato de que uma mudança imprevista só exerce o seu pleno
efeito sobre o emprego após certo lapso de tempo tem importância em
determinados casos; intervém, especialmente, na análise do ciclo econômico (da maneira que indiquei em minha obra Treatise on Money).
Todavia, não afeta de modo algum o alcance da teoria do multiplicador,
tal como foi exposta neste capítulo; nem lhe retira a sua utilidade
como indicador do aumento total do emprego que se pode esperar de
uma expansão das indústrias produtoras de bens de capital. Mais do
que isso, salvo condições em que as indústrias de consumo já estejam
perto da sua capacidade total, de tal modo que um aumento da produção
exige outro aumento correspondente do equipamento e não simplesmente um emprego mais intensivo, não há razão para supor que deva
decorrer mais de um curto intervalo antes que o emprego nas indústrias
de bens de consumo progrida pari passu com o das indústrias de bens
de capital, com o multiplicador atuando perto da sua cifra normal.
V
Vimos que, quanto maior for a propensão marginal a consumir,
maior será o multiplicador e, por conseqüência, maior distúrbio causará
sobre o emprego uma variação do investimento. Isso parece conduzirnos à conclusão paradoxal de que uma comunidade pobre, poupando
apenas uma parte muito pequena de suas rendas, está mais exposta
141
OS ECONOMISTAS
a flutuações violentas do que uma comunidade rica, na qual a poupança
represente uma proporção maior da renda e, portanto, o multiplicador
seja maior.
Esta conclusão, no entanto, não levaria em conta a diferença existente entre os efeitos da propensão marginal a consumir e os da propensão
média a consumir, pois, enquanto uma alta propensão marginal a consumir
implica um efeito proporcionalmente maior, como resultado de certa percentagem de variação no investimento, o efeito absoluto será, todavia,
menor se a propensão média a consumir for, também, alta. Isso pode ser
ilustrado através do exemplo numérico apresentado a seguir.
Suponhamos que a propensão a consumir de uma comunidade
seja tal que, desde que sua renda real não exceda a produção obtida
pelo trabalho de 5 milhões de homens com o equipamento de capital
que possui, ela consuma integralmente a dita renda; que a produção
resultante do emprego dos primeiros 100 mil homens adicionais seja
consumida à razão de 99%, a dos 100 mil seguintes à razão de 98%,
a dos 100 mil que vêm em terceiro lugar à razão de 97% e assim por
diante; e que a cifra de 10 milhões de homens represente o pleno
emprego. Deduz-se daqui que, quando 5 000 000 + n × 100 000 estiverem
100
n(n + 1)
empregados, o multiplicador na margem será
e que
por
n
2(50 + n)
cento da renda nacional serão investidos.
Deste modo, quando 5,2 milhões estão empregados, o multiplicador é muito alto, isto é, igual a 50, mas o investimento representa
apenas uma parte insignificante da renda corrente, ou seja, 0,06%,
com o resultado de que, se o investimento diminui em grande escala,
digamos, em dois terços, o emprego só baixará até 5,1 milhões, o que
representa aproximadamente 2%. Por outro lado, quando estiverem
empregados 9 milhões de homens, o multiplicador será relativamente
baixo, igual a 2,5, porém o investimento representará, agora, uma parte
substancial da renda corrente, ou seja, 9%, com o resultado de que,
se o investimento diminui de dois terços, o emprego baixará a 6,9
milhões, isto é, 19%. No limite em que o investimento caia a zero o
emprego baixará em cerca de 4% no primeiro caso, enquanto, no segundo caso, baixará a 44%.90
No exemplo anterior, a mais pobre das duas comunidades comparadas é mais pobre por motivo de subemprego. Porém o mesmo raciocínio se aplica, mediante uma adaptação fácil, caso a pobreza se
deva à inferioridade da habilitação profissional, da técnica ou do equipamento. Conseqüentemente, embora o multiplicador seja maior numa
90
O volume de investimento acima mediu-se pelo número de homens empregados em realizá-lo.
Desse modo, se os rendimentos por unidade de emprego decrescem à medida que o emprego
aumenta, o que é o dobro do montante da inversão na escala anterior será menos do dobro
na escala física (supondo que ela exista).
142
KEYNES
comunidade pobre, o efeito das variações do investimento sobre o emprego será muito maior numa comunidade rica, supondo que nesta o
investimento corrente representa uma proporção muito mais elevada
da produção corrente.91
É evidente, pelas observações anteriores, que o emprego de certo
número de homens em obras públicas produzirá (nas hipóteses consideradas) sobre o emprego agregado um efeito muito maior, quando o
desemprego for severo, do que mais tarde, quando o pleno emprego
estiver prestes a ser alcançado. No exemplo apresentado, se no momento
em que o emprego desceu a 5,2 milhões se empregarem nas obras
públicas mais 100 mil homens, o emprego total subirá a 6,4 milhões.
Mas, se o emprego já é de 9 milhões, quando se usarem mais 100 mil
homens nos mesmos trabalhos, o emprego total apenas subirá a 9,2
milhões. Assim, em tempos de desemprego rigoroso, as obras públicas,
ainda que de duvidosa utilidade, podem ser altamente compensadoras,
mesmo que apenas pelo menor custo dos gastos de assistência, desde
que se possa admitir que a parte poupada da renda seja menor quanto
mais intenso for o desemprego; porém a validade desta proposição torna-se cada vez mais contestável à medida que nos aproximamos do
pleno emprego. Além disso, se for correta a nossa hipótese de que a
propensão marginal a consumir diminui constantemente à medida que
nos aproximamos do pleno emprego, deduz-se que se torna cada vez
mais difícil alcançar novos aumentos do emprego através de investimentos crescentes.
Não seria difícil compor um gráfico da propensão marginal a
consumir em cada etapa do ciclo econômico com as estatísticas (supondo
que estivessem disponíveis) da renda agregada e do investimento agregado em datas sucessivas. No momento, contudo, as nossas estatísticas
não são bastante exatas (ou compiladas com esse objetivo específico)
para nos permitirem mais do que estimativas aproximadas. As melhores para esta finalidade, das quais tenho conhecimento, são as cifras
apresentadas por Kuznets, relativas aos Estados Unidos (já mencionadas na página 123), embora bastante incompletas. Tomadas juntamente com os cálculos da renda nacional, indicam, sem que se leve
91
De modo mais geral, a relação entre a variação proporcional na demanda total e a ocorrida
no investimento é
143
OS ECONOMISTAS
em conta os seus méritos, tanto uma cifra menor como mais estável
para o multiplicador de investimento do que eu esperaria. Se tomarmos
anos isolados, o resultado é ainda mais incongruente. Se os juntarmos,
porém, aos pares, o multiplicador parece ter sido inferior a 3 e, provavelmente, bastante estável ao redor de 2,5. Isto sugere uma propensão marginal a consumir não maior do que 60 a 70%, cifra perfeitamente
admissível para o período de expansão, mas surpreendentemente pequena e, no meu entender, pouco verossímil em período de crise. Talvez
isto se explique pelo extremado conservadorismo da política financeira
das empresas americanas, mesmo durante a crise. Por outras palavras,
se houver uma enorme queda de investimento devido à ausência de
trabalhos de reparação de substituição, e se for constituída uma reserva
financeira para compensar este desajuste, o efeito será impedir o crescimento que teria ocorrido na propensão marginal a consumir, crescimento esse que, de outra maneira, teria acontecido. Parece-me que
este fator talvez tenha desempenhado um papel importante no agravamento da recente crise nos Estados Unidos. Aliás, é possível que as
estatísticas exagerem, de certo modo, o declínio do investimento, que em
geral se avalia em mais de 75% entre 1929 e 1932, ao passo que a queda
da formação líquida do capital foi de mais de 95%; uma ligeira diferença
nestas estimativas pode modificar substancialmente o multiplicador.
VI
Quando existe desemprego involuntário, a desutilidade marginal
do trabalho é, necessariamente, menor que a utilidade do produto marginal. Na realidade, pode ser muito menor, pois certa quantidade de
trabalho, para um homem que esteve muito tempo desempregado, em
vez de desutilidade, pode ter utilidade positiva. Admitindo isto, o raciocínio anterior demonstra como os gastos “inúteis” provenientes de
empréstimos92 podem, apesar disso, enriquecer no fim de contas a comunidade. A construção de pirâmides, os terremotos e até as guerras
podem contribuir para aumentar a riqueza, se a educação dos nossos
estadistas nos princípios da economia clássica for um empecilho a uma
solução melhor.
É curioso ver como o bom senso popular, em seus esforços para
fugir a conclusões absurdas, pôde chegar a preferir as formas e gastos
92
É muitas vezes conveniente usar a expressão “despesas com empréstimos” para designar
tanto o investimento público financiado por empréstimos de indivíduos, como qualquer
outro gasto público corrente coberto pelo mesmo meio. Estritamente falando, este último
deveria ser considerado uma poupança negativa, mas a política oficial nesta matéria não
obedece a motivos psicológicos análogos aos que governam a poupança privada. A expressão
“despesas com empréstimos” é, por isso, conveniente para designar o produto líquido dos
empréstimos contraídos pelas autoridades públicas, seja em conta de capital ou em conta
para cobrir um déficit orçamentário. A primeira dessas formas de despesas de empréstimos
atua no sentido de aumentar o investimento e a segunda, de elevar a propensão a consumir.
144
KEYNES
de empréstimos totalmente “inúteis” às que apenas o são parcialmente,
e que, por não serem completamente desprovidas de utilidade, tendem
a ser julgadas à luz de princípios estritamente “econômicos”. Por exemplo, o auxílio aos desempregados, financiado por empréstimo, é mais
facilmente aceito que financiamento de melhorias a um custo inferior
à taxa de juros corrente, e a solução de abrir buracos no chão, conhecida
pelo nome de mineração de ouro, que não acrescenta nada à riqueza
real do mundo e ainda supõe a desutilidade do trabalho, é a mais
aceitável de todas.
Se o Tesouro se dispusesse a encher garrafas usadas com papelmoeda, as enterrasse a uma profundidade conveniente em minas de
carvão abandonadas que logo fossem cobertas com o lixo da cidade e
deixasse à iniciativa privada, de acordo com os bem experimentados
princípios do laissez-faire, a tarefa de desenterrar novamente as notas
(naturalmente obtendo o direito de fazê-lo por meio de concessões sobre
o terreno onde estão enterradas as notas), o desemprego poderia desaparecer e, com a ajuda das repercussões, é provável que a renda
real da comunidade, bem como a sua riqueza em capital, fossem sensivelmente mais altas do que, na realidade, o são. Claro está que seria
mais ajuizado construir casas ou algo semelhante; mas se tanto se
opõem dificuldades políticas e práticas, o recurso citado não deixa de
ser preferível a nada.
Entre este expediente e o da exploração das minas de ouro do
mundo real, a analogia é completa. Nos períodos em que o ouro é
encontrado a profundidades convenientes, a experiência ensina que a
riqueza real do mundo aumenta rapidamente; e quando ele só é encontrável em pequenas quantidades, a riqueza permanece estável ou
mesmo diminui. Desse modo, as minas de ouro são do mais alto valor
e importância para a civilização. Da mesma forma que as guerras têm
sido a única forma de gastos com empresários em grande escala que
os estadistas acharam justificável, a extração de ouro é o único pretexto
para abrir buracos no chão que os banqueiros consideram uma atitude
financeira saudável, e cada uma destas atividades representou o seu
papel no progresso — pelo fato de não se encontrar uma solução melhor.
Um detalhe a ser assinalado é a tendência do preço de o ouro subir
em termos de mão-de-obra e de materiais durante as depressões, ajudando a eventual recuperação, porque aumenta a profundidade da mineração e diminui a qualidade do minério capaz de ser custeável.
Além do efeito provável da crescente oferta de ouro sobre a taxa
de juros, há dois motivos para que a extração de ouro seja uma forma
altamente recomendável de investimento, se não pudermos aumentar
o emprego por meios que, ao mesmo tempo, elevem os nossos estoques
de riqueza útil. Em primeiro lugar, em virtude da atração especulativa
dessa espécie de investimento, há a tendência de o realizar sem levar
muito em conta a taxa de juros vigente. Em segundo lugar, o seu
145
OS ECONOMISTAS
resultado, ou seja, o aumento do estoque de ouro, não tem, como em
outros casos de investimento, o efeito de lhe reduzir a utilidade marginal. Desde que o valor de uma casa depende de sua utilidade, cada
casa que se construa tende a reduzir a renda provável que se pode
obter das futuras construções e, portanto, diminui o atrativo de futuros
investimentos similares, a não ser que a taxa de juros baixe pari passu.
A extração do ouro não apresenta o mesmo inconveniente, e só pode sobrevir um impedimento através de uma alta taxa de salários medida em
ouro, o que é pouco provável acontecer, a não ser que o emprego se tenha
tornado substancialmente maior. Além disso, em virtude das reservas
constituídas a título do custo de uso e do custo suplementar, como no
caso de riquezas menos duráveis, não há um efeito reverso posterior.
O antigo Egito tinha a dupla vantagem, que sem dúvida explica
a sua fabulosa riqueza, de possuir duas espécies de atividades: a construção de pirâmides e a extração de metais preciosos, cujos frutos, pelo
fato de não servirem às necessidades do homem pelo seu consumo,
não se aviltavam por serem abundantes. A Idade Média edificou catedrais e entoou cânticos. Duas pirâmides, duas missas de réquiem
valem duas vezes mais que uma — o que, porém, não é verdade tratando-se de duas estradas de ferro que ligam Londres a York. Destarte,
assim nos mostramos tão razoáveis e nos educamos de modo tão semelhante aos financistas prudentes, meditando bem antes de aumentar
as cargas “financeiras” das futuras gerações pela edificação das casas,
onde se pode viver, que já nos não é tão fácil escapar aos inconvenientes
do desemprego. Temos de aceitar esse fato como o resultado inevitável
de aplicar à conduta do Estado as máximas concebidas para “enriquecer” um indivíduo, permitindo-lhe acumular direitos a satisfações que
ele não tenciona exercer em qualquer época determinada.
146
LIVRO QUARTO
O INCENTIVO A INVESTIR
CAPÍTULO 11
A Eficiência Marginal do Capital
I
Quando um indivíduo obtém um investimento ou um bem de
capital, adquire o direito ao fluxo de rendas futuras que espera obter
da venda de seus produtos, enquanto durar esse capital, feita a dedução
das despesas correntes necessárias à obtenção dos ditos produtos. Convém chamar a essa série de anuidades Q1, Q2... Qn renda esperada do
investimento.
Em contraste com a renda esperada do investimento, temos o
preço de oferta do bem de capital, querendo dizer com esta expressão
não o preço de mercado ao qual pode comprar-se efetivamente no momento um bem desse tipo, mas o preço que bastaria, exatamente, para
induzir um fabricante a produzir uma nova unidade suplementar desse
capital, isto é, aquilo a que, por vezes, se chama custo de reposição.
A relação entre a renda esperada de um bem de capital e seu preço
de oferta ou custo de reposição, isto é, a relação entre a renda esperada
de uma unidade adicional daquele tipo de capital e seu custo de produção, dá-nos a eficiência marginal do capital desse tipo. Mais precisamente, defino a eficiência marginal do capital como sendo a taxa de
desconto que tornaria o valor presente do fluxo de anuidades das rendas
esperadas desse capital, durante toda a sua existência, exatamente
igual ao seu preço de oferta. Isto nos dá as eficiências marginais dos
diferentes tipos de bens de capital. A mais alta destas eficiências marginais pode, então, ser considerada a eficiência marginal do capital
em geral.
O leitor notará que a eficiência marginal do capital é definida
aqui em termos da expectativa da renda e do preço de oferta corrente
do bem de capital. Ela depende da taxa de retorno que se espera obter
do dinheiro investido num bem recentemente produzido; e não do re149
OS ECONOMISTAS
sultado histórico obtido por um investimento em relação a seu custo
original, quando examinado retrospectivamente ao fim de sua vida.
Quando o investimento, em dado tipo de capital, aumenta durante
certo período, a eficiência marginal desse capital diminui à medida
que o investimento aumenta, em parte, porque a renda prospectiva
baixará conforme suba a oferta desse tipo de capital e, em parte, porque
a pressão sobre as fábricas produtoras daquele dado tipo de capital
causará, normalmente, uma elevação de seu preço de oferta; sendo
que o segundo destes fatores é, geralmente, o mais importante para
estabelecer o equilíbrio no curto prazo, embora quanto mais longo for
o período que se considere maior importância adquire o primeiro fator.
Podemos, assim, criar para cada tipo de capital uma escala mostrando
a proporção em que deverá aumentar o investimento nesse capital
durante o período, para que a sua eficiência marginal baixe para determinado nível. Podemos, depois, agregar essas escalas de todos os
diferentes tipos de capital, de modo que se obtenha outra escala que
relacione a taxa de investimento agregado com a correspondente eficiência marginal do capital em geral que aquela taxa de investimento
estabelecerá.
Chamaremos a isto de curva da demanda por investimento ou,
alternativamente, a curva da eficiência marginal do capital.
Torna-se, portanto, evidente que a taxa efetiva de investimento
corrente tende a aumentar até o ponto em que não haja mais nenhuma
classe de bem de capital cuja eficiência marginal exceda a taxa de
juros corrente. Em outras palavras o investimento vai variar até aquele
ponto da curva de demanda de investimento em que a eficiência marginal do capital em geral é igual à taxa de juros do mercado.93
Esta idéia pode, também, ser expressa da maneira que segue.
Se Qr for o retorno esperado de um ativo no tempo r, e dr for o valor
presente de 1 libra diferido por r anos à taxa corrente de juros,
ΣQrdr é o preço de demanda do investimento; e este será efetuado até o
ponto em que ΣQrdr se torne igual ao preço da oferta do investimento na
forma como foi definido antes. Se, por outro lado, ΣQrdr for menor que o
preço de oferta, não haverá investimento corrente no bem considerado.
Segue-se que o incentivo para investir depende, em parte, da
curva de demanda por investimento e, em parte, da taxa de juros. Só
no final do Livro Quarto será possível ter uma visão global dos fatores
que determinam a taxa de investimento em sua real complexidade.
Contudo, peço ao leitor tomar nota, desde já, de que nem o conhecimento
93
Para maior simplicidade de exposição, omiti o fato de que estamos tratando com uma
complexidade de taxas de juros e de descontos correspondentes aos diferentes períodos que
devem transcorrer antes que surjam os diversos retornos esperados dos ativos, porém, não
é difícil reformular o argumento a fim de cobrir esse ponto.
150
KEYNES
do retorno esperado de um ativo nem o conhecimento da sua eficiência
marginal nos permitem deduzir a taxa de juros ou o valor presente
desse ativo. Temos de determinar a taxa de juros em alguma outra
fonte, e só então poderemos avaliar o bem, “capitalizando” a sua renda
prospectiva.
II
Como se relaciona a definição anterior da eficiência marginal do
capital com a linguagem corrente? A Produtividade, a Renda, a Eficiência ou a Utilidade Marginais do capital são termos familiares que
temos empregado com freqüência. Não é fácil, porém, encontrar na
literatura econômica uma exposição clara do sentido que os economistas
lhes têm, geralmente, querido atribuir.
Há pelo menos três ambigüidades a esclarecer. A primeira dessas
ambigüidades é a de saber se o que nos interessa é o incremento da
produção física por unidade de tempo que resulta do emprego suplementar de uma unidade física de capital, ou o incremento em valor
que resulta do emprego adicional de uma unidade de valor de capital.
No primeiro caso, a definição da unidade física de capital causa dificuldades que me parecem ao mesmo tempo insolúveis e desnecessárias.
Naturalmente, pode-se dizer que dez trabalhadores colherão mais trigo
numa área determinada se puderem recorrer ao uso de certas máquinas
adicionais, mas não vejo meio algum de reduzir esta idéia a uma expressão aritmética inteligível que não traga consigo a noção de valor.
Contudo, numerosas discussões sobre este tema parecem referir-se,
principalmente, à produtividade física do capital, embora os autores
não logrem fazer-se claros.
Em segundo lugar, vem a questão de saber se a eficiência marginal do capital é uma quantidade absoluta ou uma proporção. Os
contextos em que ela aparece e o costume de a tratar como se ela
tivesse a mesma dimensão que a taxa de juros parecem requerer que
ela seja uma proporção. Todavia, não é geralmente indicado claramente
quais são os termos desta proporção.
Resta, por fim, uma distinção cuja negligência tem sido a causa
principal de confusão e equívocos entre o incremento de valor que se
pode obter usando uma quantidade adicional de capital na situação
existente, e a série de incrementos que se espera obter através de todo
o período de utilização do bem de capital adicional; isto é, a distinção
entre Q1 e a série complexa Q1, Q2,...Qr,... Este aspecto envolve toda
a questão do papel das expectativas na teoria econômica. A maioria
das discussões sobre a eficiência marginal do capital parece desconsiderar os outros termos da série, excetuando-se Q1. Tal posição, porém,
só poderia justificar-se numa teoria estática em que todos os valores
de Q fossem iguais. A teoria usual da distribuição, na qual se supõe
que o capital obtém no presente valor igual à sua produtividade mar151
OS ECONOMISTAS
ginal (num sentido ou no outro), só é válida numa situação estacionária.
A renda agregada corrente do capital não tem relação direta com a
sua eficiência marginal, ao passo que a sua renda corrente na margem
de produção (isto é, retorno do capital que entra no preço de oferta
da produção) é o seu custo marginal de uso, que também não tem
relação imediata com a sua eficiência marginal.
Há, como já disse anteriormente, uma evidente falta de esclarecimento sobre o assunto. Ao mesmo tempo, estou convencido de que
a definição que apresentei acima se aproxima bastante da acepção que
Marshall deu ao termo. A expressão utilizada por Marshall é “eficiência
marginal líquida” de um fator de produção: ou, alternativamente, a
“utilidade marginal do capital”. O que segue é um resumo das passagens
mais relevantes que pude encontrar em sua obra Principles (6ª ed.,
pp. 519-520). Reuni algumas sentenças que não são contíguas no livro
para destacar a essência de seu pensamento.
“Em certa fábrica, podem-se empregar 100 libras esterlinas
adicionais de maquinário de modo que não acarrete nenhum outro
gasto suplementar, e acrescentar 3 libras anuais de valor à produção líquida dessa fábrica, feitas as deduções correspondentes
ao seu uso e desgaste. Se os investidores de capital aplicarem
esse montante em qualquer uso que apresente perspectivas de
lucro alto, e se, uma vez feito o investimento e encontrado o
equilíbrio, ainda compensar o emprego desse maquinário, podemos deduzir que a taxa anual de juros é de 3%. Os exemplos
desta espécie somente indicam, porém, parte da influência das
grandes causas que governam o valor. Não se pode, sem raciocinar
em círculo vicioso, servir-se deles para construir uma teoria da
taxa de juros ou mesmo uma teoria dos salários... Suponhamos
que a taxa de juros de certos papéis absolutamente garantidos
seja de 3% ao ano, e que a indústria chapeleira absorva o capital
de 1 milhão de libras. Isto significa que a indústria de chapéus,
até a quantia de 1 milhão de libras, está em condições de tirar
do capital um lucro suficiente para pagar pela sua utilização o
juro líquido de 3% ao ano, em vez de prescindir dele. Pode haver
maquinário de que a indústria se negue a prescindir se a taxa
de juros for de 20% ao ano. Se a taxa houvesse sido de 10%,
mais maquinário teria sido empregado; se fosse de 6%, mais ainda; mais ainda se fosse de 4; e, finalmente, sendo de 3% utiliza
maquinário ainda em maior quantidade. Quando esse volume
de maquinário é empregado, a sua eficiência marginal, i. é, a
utilidade desse maquinário, que exatamente vale a pena usar,
mede-se por 3%.”
É evidente, pelo que foi visto acima, que Marshall estava perfeitamente ciente do fato de que nos envolvemos num círculo vicioso
152
KEYNES
quando tentamos determinar, por semelhante raciocínio, o valor efetivo
da taxa de juros.94 Neste trecho parece aceitar o ponto de vista antes
exposto, segundo o qual a taxa de juros determina o montante que o
investimento novo tende a alcançar, dada a curva da eficiência marginal
do capital. Se a taxa de juros for de 3%, significa isto que ninguém
pagará 100 libras por uma máquina, a não ser que espere acrescentar
3 libras à sua produção anual líquida, depois deduzidos os custos de
uso e de depreciação. No capítulo 14, porém, veremos que Marshall
foi menos cauteloso em outros pontos — embora recuasse quando o
raciocínio o levava a um terreno incerto.
Embora não lhe chame “eficiência marginal do capital”, o Professor Irving Fisher deu, na sua Theory of Interest (1930), uma definição
daquilo que denomina “a taxa de rendimento em relação ao custo”,
definição essa idêntica à minha. “A taxa de rendimento em relação ao
custo”, diz ele,95 “é a taxa que, usada para medir o valor presente de
todos os custos e de todos os rendimentos, torna essas duas quantidades
iguais”. O professor Fisher explica que a expansão dos investimentos
em qualquer sentido dependerá de uma comparação entre a taxa de
rendimento em relação ao custo e à taxa de juros. Para induzir investimentos novos “a taxa de rendimento em relação ao custo deve ser
superior à taxa de juros”.96 “Esta nova grandeza (ou fator) representa,
em nosso estudo, o papel principal do lado referente às oportunidades de
investimento da teoria do juro.”97 Portanto, o professor Fisher usa a sua
“taxa de rendimento em relação ao custo” no mesmo sentido e com o
mesmo objetivo que eu empreguei “a eficiência marginal do capital”.
III
A confusão mais importante quanto à importância e ao significado
da eficiência marginal do capital advém do fato de não se ter compreendido que ela depende também da renda esperada do capital e
não apenas da sua renda corrente. Isso pode ser melhor ilustrado indicando-se o efeito sobre a eficiência marginal do capital que tem a
expectativa de modificações no custo prospectivo de produção, quer se
esperem essas mudanças como resultado de alterações no custo do
trabalho, isto é, na taxa de salário, quer de invenções e técnicas novas.
A produção obtida com o equipamento fabricado hoje terá de competir,
enquanto durar, com a do equipamento fabricado mais tarde, talvez a
um custo menor em trabalho, talvez com uma técnica melhor que possibilite vender sua produção a preços menores e a aumente em quan94
95
96
97
Mas não estaria ele enganado ao supor que a teoria da produtividade marginal dos salários
é igualmente um círculo vicioso?
Op. cit., p. 168.
Op. cit., p. 159.
Op. cit., p. 155.
153
OS ECONOMISTAS
tidade até que seu preço tenha descido ao mínimo satisfatório. Além
disso, o lucro do empresário (em termos monetários) advindo do equipamento velho ou novo será reduzido se todo o produto vier a ser
produzido de modo mais barato. À medida que tais desenvolvimentos
pareçam prováveis, ou mesmo apenas possíveis, a eficiência marginal
do capital produzido no presente diminui apropriadamente.
Este é o fator através do qual a expectativa de modificações no
valor da moeda influi sobre o volume da produção presente. A expectativa de uma baixa no valor da moeda estimula o investimento e, em
conseqüência, o emprego em geral, porque eleva a curva da eficiência
marginal do capital, isto é, a escala da demanda de investimentos; a
expectativa de uma alta no valor da moeda produz, ao contrário, efeito
depressivo, porque reduz a escala da eficiência marginal do capital.
Esta é a verdade implícita na teoria do professor Irving Fisher,
originalmente chamada Appreciation and Interest (Valorização e Juro),
ou seja, a distinção entre a taxa nominal e a taxa real de juros, pela
qual a segunda se iguala à primeira depois de devidamente corrigida
para atender às variações no valor da moeda. É difícil encontrar um
sentido na teoria assim apresentada, pois não está claro se a mudança
no valor da moeda está ou não sendo suposta como esperada. Não há
como escapar do dilema de que, se a mudança não é prevista, nenhum
efeito terá sobre os negócios correntes, ao passo que, se for prevista,
os preços das mercadorias se ajustarão tão depressa e de tal maneira
que as vantagens de reter moeda e mercadorias se igualam novamente,
e será tarde demais para que os detentores de moeda possam ganhar
ou sofrer uma alteração na taxa de juros que compense a variação
esperada no valor do dinheiro emprestado no decorrer da duração do
empréstimo. Tampouco o professor Pigou conseguiu escapar desse dilema através do expediente de supor que a variação esperada no valor
da moeda é prevista por um grupo de pessoas e não por outro.
O erro consiste em supor que as variações esperadas no valor
da moeda atuam diretamente sobre a taxa de juros, em vez de fazê-lo
sobre a eficiência marginal de determinado volume de capital. Os preços
dos bens existentes sempre se ajustarão às mudanças nas expectativas
concernentes ao valor esperado da moeda. A importância de tais mudanças nas expectativas reside nos seus efeitos sobre a rapidez de se
produzir novos bens, através da sua reação sobre a eficiência marginal
do capital. A expectativa da elevação dos preços tem um efeito estimulante não porque faça subir a taxa de juros (o que seria um modo
paradoxal de estimular a produção — à medida que a taxa de juros
sobe, o estímulo é neutralizado na mesma extensão), mas porque eleva
a eficiência marginal de determinado volume de capital. Se a taxa de
juros subisse pari passu com a eficiência marginal do capital, a expectativa da alta de preços não teria efeitos estimulantes, pois o estímulo
à produção depende do aumento da eficiência marginal de certo volume
154
KEYNES
de capital relativamente à taxa de juros. Haveria, decerto, vantagem
em refazer a teoria do professor Fisher em termos de uma “taxa real
de juros”, definida como sendo a taxa de juros que, subseqüente a uma
variação no estado da expectativa quanto ao valor futuro da moeda,
devesse prevalecer de modo que essa variação não exercesse nenhuma
influência sobre a produção corrente.98
Convém notar que a expectativa de uma queda futura na taxa
de juros terá por efeito fazer baixar a escala da eficiência marginal
do capital, pois significa que a produção resultante do equipamento
criado hoje terá de competir, durante parte de sua vida, com a produção
proveniente de equipamento a que bastará uma retribuição menor.
Esta expectativa não terá grande efeito depressivo, pois as expectativas
que se fazem relativamente ao complexo das taxas de juros para diferentes prazos que prevalecerão no futuro se refletirão, em parte, no
complexo das taxas de juros que prevalecem hoje. Não obstante, poderá
verificar-se certo efeito depressivo, pois pode ser que no período final
da vida do equipamento fabricado hoje, a produção obtida por seu
intermédio tenha de concorrer com a produção de um equipamento
muito mais novo, ao qual é bastante uma retribuição menor, em virtude
de taxa de juros menor que prevalece nos períodos seguintes ao término
da duração do equipamento produzido hoje.
É importante compreender a dependência que há entre a eficiência marginal de determinado volume de capital e as variações na expectativa, pois é principalmente esta dependência que torna a eficiência
marginal do capital sujeita a certas flutuações violentas que explicam
o ciclo econômico. No capítulo 22, veremos que a alternância da expansão
e da depressão pode ser descrita e analisada em termos das flutuações
da eficiência marginal do capital relativamente à taxa de juros.
IV
Dois tipos de riscos comumente não diferenciados, mas que devem
ser distinguidos, afetam o volume do investimento. O primeiro é o
risco do empresário ou o risco do tomador do empréstimo e surge das
dúvidas que o mesmo tem quanto à probabilidade de conseguir, realmente, a retribuição que espera. Quando alguém aventura o próprio
dinheiro, esse é o único risco que é relevante.
Mas quando existe um sistema de conceder empréstimos e de
tomar emprestado, e com isso pretendo designar a concessão de créditos
protegidos por certa margem de garantia real ou pessoal, aparece um
segundo tipo de risco a que podemos chamar risco do emprestador.
Este pode dever-se ou a uma contingência moral, isto é, falta voluntária
98
Cf. o artigo de ROBERTSON, “Industrial Fluctuations and the Natural Rate of Interest”.
In: Economic Journal. Dezembro de 1934.
155
OS ECONOMISTAS
ou qualquer outro meio, talvez lícito, para fugir ao cumprimento da
obrigação, ou à possível insuficiência da margem de segurança, isto é,
não-cumprimento involuntário causado por uma expectativa malograda. Pode-se acrescentar um terceiro motivo de risco, ou seja, a possibilidade de uma variação desfavorável no valor do padrão monetário,
tornando o empréstimo em dinheiro menos seguro, à medida da depreciação, do que um ativo real, embora todo ou a maior parte deste
risco já deveria ter-se refletido, e, portanto, sido incorporado, nos preços
dos bens reais duráveis.
Sucede que o primeiro tipo de risco é, em certo sentido, um custo
real, apesar de ser suscetível de diminuição, pela média de sua distribuição, ou por efeito de uma exatidão maior nas previsões. O segundo,
pelo contrário, é uma pura adição ao custo do investimento, que não
existiria se quem empresta e quem toma empestado fossem a mesma
pessoa. Além disso, supõe, em parte, a duplicação de uma parcela do
risco do empresário, o qual é adicionado duas vezes à taxa de juros
pura, que é comparada à renda mínima esperada, que induz a investir.
Se uma empresa for arriscada, a pessoa que toma emprestado necessitará de uma margem mais ampla entre sua expectativa quanto ao
retorno e a taxa de juros à qual lhe parece vantajoso contrair a dívida,
ao passo que justamente a mesma razão levará a pessoa que empresta
a exigir uma margem maior entre a sua remuneração e a taxa de
juros que basta para induzi-lo a emprestar (salvo se o poder e a riqueza
do devedor forem tão grandes que lhe permitam oferecer uma margem
excepcional de garantia). A esperança de um resultado muito favorável,
que pode compensar o risco na idéia do tomador do empréstimo, não
é adequada para tranqüilizar o mutuante.
Esta dupla precaução com uma parcela do risco não recebeu, que
eu saiba, até agora, a sua devida importância; porém, em certos casos,
pode adquirir relevância. Em período de expansão, a opinião correta
sobre a magnitude de ambos os riscos, o do tomador do empréstimo e
o do emprestador, pode representar uma subestimativa anormal e perigosamente baixa.
V
A escala da eficiência marginal do capital é de fundamental importância, por ser sobretudo através deste fator (muito mais do que
pela taxa de juros) que a expectativa do futuro influi sobre o presente.
O erro de considerar a eficiência marginal do capital principalmente
em termos do rendimento corrente do equipamento de capital, o que
só seria correto numa economia estática onde nenhuma mudança futura
pudesse influir sobre o presente, teve como resultado a ruptura do elo
teórico entre o hoje e o amanhã. Mesmo a taxa de juros é, virtual156
KEYNES
mente,99 um fenômeno corrente; se reduzirmos a eficiência marginal
do capital à mesma condição, renunciamos a levar em consideração,
diretamente, a influência do futuro na análise do equilíbrio presente.
O fato de que as hipóteses da situação estática estão, quase sempre, subjacentes na teoria econômica contemporânea conduz a uma
grande dose de irrealismo. A introdução, porém, dos conceitos de custo
de uso e da eficiência marginal do capital, conforme se definiram antes,
terá o efeito, acho eu, de trazê-la de volta à realidade, reduzindo ao
mínimo o grau de indispensável adaptação.
É a existência de um equipamento durável que liga a economia
futura à economia presente. É, portanto, consoante com e em concordância
a nossos princípios gerais de pensamento que a expectativa sobre o futuro
deva afetar o presente por intermédio do preço de demanda por equipamento durável.
99
Porém, não completamente, pois a taxa de juros reflete, em parte, a incerteza do futuro.
Além disso, a relação entre as taxas de juros para diferentes prazos depende das expectativas.
157
CAPÍTULO 12
O Estado da Expectativa a Longo Prazo
I
Vimos, no capítulo anterior, que o volume de investimento depende da relação entre a taxa de juros e a curva da eficiência marginal
do capital correspondente aos diferentes volumes de investimento corrente, ao passo que a eficiência marginal do capital depende da relação
entre o preço de oferta de um ativo de capital e a sua renda esperada.
No presente capítulo examinaremos, mais detalhadamente, alguns dos
fatores que determinam a renda esperada de um ativo.
As considerações sobre as quais se baseiam as expectativas de
rendas esperadas são, em parte, fatos existentes que se pode supor
sejam conhecidos mais ou menos com certeza e, em parte, eventos
futuros que podem ser previstos com um maior ou menor grau de
confiança. Entre os primeiros, destaca-se o volume existente dos vários
tipos de bens de capital e os ativos de capital em geral, bem como a
intensidade da procura atual dos consumidores no tocante a artigos
que requerem, para que sua produção seja eficiente, uma assistência
maior de capital. Entre os segundos, figuram as mudanças do tipo e
da quantidade do estoque dos bens de capital e as preferências dos
consumidores, a intensidade da procura efetiva nos diversos períodos
da vida do investimento considerado e, por fim, as variações da taxa
de salário em termos nominais que podem ocorrer durante o respectivo
período. Podemos resumir o estado da expectativa psicológica resultante
dos segundos fatores na expressão estado da expectativa a longo prazo,
salientando-se que deve ser feita a distinção da expectativa a curto
prazo, com base na qual os produtores fazem a estimativa do que
poderão obter pelo produto acabado, no caso de decidirem iniciar sua
produção hoje, com as instalações existentes e que examinamos no
capítulo 5.
159
OS ECONOMISTAS
II
Seria insensato, na formação de nossas expectativas, atribuir
grande importância a tópicos que para nós são muito incertos.100 É,
portanto, razoável que nos deixemos guiar, em grande parte, pelos
fatos que merecem nossa confiança, mesmo se sua relevância for menos
decisiva para os resultados esperados do que outros fatos a respeito
dos quais o nosso conhecimento é vago e limitado. Por essa razão, os
fatos atuais desempenham um papel que, em certo sentido, podemos
julgar desproporcional na formação de nossas expectativas a longo prazo, sendo que o nosso método habitual consiste em considerar a situação
atual e depois projetá-la no futuro, modificando-a apenas na medida
em que tenhamos razões mais ou menos definidas para esperarmos
uma mudança.
O estado da expectativa a longo prazo, que serve de base para
as nossas decisões, não depende, portanto, exclusivamente do prognóstico mais provável que possamos formular. Depende, também, da confiança com a qual fazemos este prognóstico — na medida em que ponderamos a probabilidade de o nosso melhor prognóstico revelar-se inteiramente falso. Se esperarmos grandes mudanças, mas não tivermos
certeza quanto à forma precisa com que tais mudanças possam ocorrer,
nosso grau de confiança será, então, fraco.
O estado de confiança, que é o termo comumente empregado,
constitui uma matéria à qual os homens práticos dedicam a mais cuidadosa e desvelada atenção. Todavia, os economistas não analisaram
esta matéria com o devido cuidado e se limitaram, no mais das vezes,
a discuti-la em termos gerais. Em particular, não se demonstrou com
clareza que sua relevância relativamente aos problemas econômicos
decorre da considerável influência que exerce sobre a curva da eficiência
marginal do capital. Não se trata de dois fatores distintos exercendo
influência sobre o fluxo de investimento, ou seja, a escala de eficiência
marginal do capital e o estado de confiança. O estado de confiança é
relevante pelo fato de ser um dos principais fatores que determinam
essa escala, a qual é idêntica à curva da demanda de investimento.
Entretanto, não há muito para se falar, a priori, a respeito do
estado de confiança. Nossas conclusões devem fundamentar-se, principalmente, na observação prática dos mercados e da psicologia dos
negócios. Esta é a razão pela qual a digressão que se segue está colocada
em um nível diferente de abstração relativamente à maior parte do
presente livro.
Para simplificar a exposição, na discussão que se segue sobre o
100 Quando utilizo “muito incertos” não quero dizer a mesma coisa que “muito improváveis”.
Cf. minha obra Treatise on Probability [JMK, v. VIII]. Cap. 6, “The Weight of Arguments”.
160
KEYNES
estado de confiança suporemos que não há nenhuma variação da taxa
de juros; discorreremos, nas seções seguintes, como se as variações dos
valores de investimento fossem provenientes, exclusivamente, de mudanças nas expectativas de suas rendas esperadas e jamais das variações da taxa de juros sobre cuja base estas rendas prováveis são capitalizadas. É, entretanto, fácil sobrepor o efeito das variações da taxa
de juros ao efeito das variações do estado de confiança.
III
O fato de maior importância é a extrema precariedade da base
do conhecimento sobre o qual temos que fazer os nossos cálculos das
rendas esperadas. O nosso conhecimento dos fatores que regularão a
renda de um investimento alguns anos mais tarde é, em geral, muito
limitado e, com freqüência, desprezível. Se falarmos com franqueza,
temos de admitir que as bases do nosso conhecimento para calcular a
renda provável dentro de dez anos de uma estrada de ferro, uma mina
de cobre, uma fábrica de tecidos, a aceitação de um produto farmacêutico, um navio transatlântico ou um imóvel no centro comercial de
Londres pouco significam e, às vezes, a nada levam. De fato, aqueles
que tentam, com seriedade, fazer um cálculo desta natureza constituem
uma pequena minoria, cuja conduta não chega a influenciar o mercado.
Em outros tempos, quando as empresas pertenciam, quase todas,
aos que as tinham fundado ou aos seus amigos e sócios, o investimento
dependia da existência de um número suficiente de indivíduos de temperamento entusiástico e de impulsos construtivos que empreendessem
negócios como uma maneira de viver, sem realmente tomar como base
os cálculos precisos de lucros prováveis. Os negócios eram, em parte,
uma loteria, embora o resultado final fosse, predominantemente, determinado pelo fato de serem as aptidões e o temperamento dos dirigentes superiores ou inferiores à média. Uns fracassariam, outros seriam bem-sucedidos. Mas, mesmo após o acontecimento, ninguém ficava
sabendo se a média dos resultados, em relação às somas investidas,
era superior, igual ou inferior à taxa de juros prevalecente; contudo,
se excluirmos a exploração dos recursos naturais e a dos monopólios,
é provável que a média efetiva dos resultados dos investimentos, mesmo
em períodos de progresso e prosperidade, tenha frustrado as esperanças
que inspiraram tal acontecimento. Os homens de negócio fazem um
jogo que é uma mescla de habilidade e de sorte, cujos resultados médios
são desconhecidos pelos jogadores que dele participam. Se a natureza
humana não sentisse a tentação de arriscar a sorte, nem de sentir a
satisfação (excluindo-se o lucro) de construir uma fábrica, uma estrada
de ferro, de explorar uma mina ou uma fazenda, provavelmente não
haveria muitos investimentos como mero resultado de cálculos frios.
Todavia, as decisões de investir em negócios privados do tipo
antigo eram, em grande parte, irrevogáveis não só para a comunidade
161
OS ECONOMISTAS
em geral, como também para os indivíduos. Com a separação entre a
propriedade e a gestão que prevalece atualmente e com o desenvolvimento de mercados financeiros organizados, surgiu um novo fator de
grande importância que, às vezes, facilita o investimento, mas que, às
vezes, contribui sobremaneira para agravar a instabilidade do sistema.
Na ausência de bolsas de valores não há motivo para se procurar, com
freqüência, reavaliar os investimentos que fazemos. Mas a bolsa de
valores reavalia, todos os dias, os investimentos e estas reavaliações
proporcionam a oportunidade freqüente a cada indivíduo (embora isto
não ocorra para a comunidade como um todo) de rever suas aplicações.
É como se um agricultor, tendo examinado seu barômetro após o café
da manhã, pudesse decidir retirar seu capital da atividade agrícola
entre as dez e as onze da manhã, para reconsiderar se deveria investi-lo
mais tarde, durante a semana. Todavia, as reavaliações diárias da
bolsa de valores, embora se destinem, principalmente, a facilitar a
transferência de investimentos já realizados entre indivíduos, exercem,
inevitavelmente, uma influência decisiva sobre o montante do investimento corrente. Isso porque não há nenhum sentido em se criar uma
empresa nova a um custo maior quando se pode adquirir uma empresa
similar existente por um preço menor, ao passo que há uma indução
para se aplicarem recursos em um novo projeto que possa parecer
exigir uma soma exorbitante, desde que esse empreendimento possa
ser liquidado na bolsa de valores com um lucro imediato.101 Destarte,
certas categorias de investimento são reguladas pela expectativa média
dos que negociam na bolsa de valores, tal como se manifesta no preço
das ações, em vez de expectativas genuínas do empresário profissional.102 Como se realizam, então, na prática, estas reavaliações dos investimentos existentes que ocorrem todos os dias, mesmo todas as horas, e que são de suma importância?
IV
Na prática, concordamos, geralmente, em recorrer a um método
que é, na verdade, uma convenção. A essência desta convenção — embora ela nem sempre funcione de uma forma tão simples — reside em
101 Em minha obra Treatise on Money (v. II, p. 195) [JMK, v. VI, p. 174], observei que, quando
as ações de uma empresa são cotadas muito alto, de modo que essa mesma empresa possa
aumentar seu capital emitindo novas ações em condições favoráveis, os resultados daí decorrentes são os mesmos que se ela conseguisse obter empréstimos a uma taxa reduzida de juros.
Agora, eu descreveria este fato dizendo que uma cotação alta para as ações existentes supõe
um aumento na eficiência marginal do tipo correspondente de capital e, portanto, tem o mesmo
efeito que uma diminuição na taxa de juros (uma vez que o investimento depende de uma
comparação entre a eficiência marginal do capital e a taxa de juros).
102 Isto não se aplica, naturalmente, ao tipo de empresas que não podem ser facilmente cotadas
na bolsa de valores e para as quais tampouco existam instrumentos de negociação próximos
a esses papéis que estamos discutindo. As categorias que se enquadram nessas exceções
eram anteriormente numerosas. Todavia, sua importância relativamente ao valor total do
novo investimento está diminuindo rapidamente.
162
KEYNES
se supor que a situação existente dos negócios continuará por tempo
indefinido, a não ser que tenhamos razões concretas para esperar uma
mudança. Isto não quer dizer que, na realidade, acreditemos na duração
indefinida do estado atual dos negócios. A vasta experiência ensina
que tal hipótese é muito improvável. Os resultados reais de um investimento, no decorrer de vários anos, raras vezes coincidem com as
previsões originais. Também não podemos racionalizar a nossa atitude
argumentando que para um homem em estado de ignorância os erros
em qualquer sentido são igualmente prováveis e que, portanto, subsiste
uma esperança estatística baseada em probabilidades iguais. Isso porque podemos facilmente demonstrar que a hipótese de probabilidades
aritmeticamente iguais, baseada em um estado de ignorância, conduz
a absurdos. Efetivamente, estamos supondo que a avaliação do mercado
existente, seja qual for a maneira por que a ela se chegou, é singularmente correta em relação ao nosso conhecimento atual dos fatos
que influirão sobre a renda do investimento, e só mudará na proporção
em que variar o dito conhecimento, embora no plano filosófico essa
avaliação não possa ser univocamente correta, uma vez que o nosso
conhecimento atual não nos fornece as bases suficientes para uma
esperança matematicamente calculada. De fato, nas avaliações do mercado intervém toda a espécie de considerações que são de modo algum
relevantes para a renda esperada.
Entretanto, o método convencional de cálculo acima indicado será
compatível com um considerável grau de continuidade e estabilidade em
nossos negócios, enquanto pudermos confiar na continuação do raciocínio.
Se existem mercados organizados de investimento e desde que
possamos confiar na continuação do argumento o investidor pode, legitimamente, encorajar-se com a idéia de que não corre outro risco
senão aquele de uma variação efetiva nas condições do futuro imediato,
sobre cuja probabilidade pode tentar formar uma opinião pessoal e
que não é provável seja cotada em alto nível. Na suposição de que o
raciocínio subsista, estas mudanças são as únicas que podem afetar o
valor do seu investimento e ele não terá de perder o sono pelo simples
fato de não ter nenhuma idéia do valor que o seu investimento terá
dez anos mais tarde. Desse modo, o investimento torna-se razoavelmente “seguro” para o investidor individual em períodos curtos e, por
conseqüência, para uma sucessão de tais períodos, por mais numerosos
que sejam, desde que ele possa razoavelmente confiar na validade do
raciocínio e, portanto, tenha a oportunidade de rever suas decisões e
modificar o investimento antes que haja tempo suficiente para que
ocorram grandes alterações. Assim, os investimentos que são “fixos”
para a comunidade tornam-se “líquidos” para o indivíduo.
Estou certo de que os nossos principais mercados de investimento
se desenvolveram baseados em procedimentos parecidos. Todavia, não
163
OS ECONOMISTAS
é de se surpreender que um argumento, em certos aspectos tão arbitrário, apresente seus pontos fracos. É a sua precariedade que cria
uma parte considerável do problema contemporâneo de obtenção de
um volume suficiente de investimentos.
V
Podem ser mencionados, brevemente, alguns dos fatores que agravam essa precariedade.
(1) Como resultado do aumento gradual da proporção que representam no investimento agregado de capital da comunidade as ações
possuídas por pessoas que não dirigem nem têm conhecimento especial
das circunstâncias, reais ou esperadas, dos negócios em questão, há
uma séria redução do elemento de real conhecimento na avaliação
desses investimentos feita pelos que os possuem ou pelos que tencionam
adquiri-los.
(2) As flutuações de curto prazo dos lucros nos investimentos
existentes, embora sejam manifestamente efêmeras e desprovidas de
significação, tendem a exercer sobre o mercado uma influência excessiva
e mesmo absurda. Diz-se, por exemplo, que as ações das empresas
norte-americanas que fabricam gelo podem ser vendidas a um preço
mais elevado no verão, quando os seus lucros são, sazonalmente, elevados, do que no inverno, quando ninguém quer gelo. A ocorrência de
feriados bancários mais prolongados pode aumentar o valor de mercado
do sistema ferroviário britânico em vários milhões de libras.
(3) Uma avaliação convencional, fruto da psicologia de massa de
grande número de indivíduos ignorantes, está sujeita a modificações
violentas em conseqüência de repentinas mudanças na opinião suscitada por certos fatores que na realidade pouco significam para a renda
provável, já que essa avaliação carece de raízes profundas que permitam
sua sustentação. Em períodos anormais em particular, quando a hipótese de uma continuação indefinida do estado atual dos negócios é
menos plausível do que usualmente, mesmo que não existam motivos
concretos para prever determinada mudança, o mercado estará sujeito
a ondas de sentimentos otimistas ou pessimistas, que são pouco razoáveis e ainda assim legítimos na ausência de uma base sólida para
cálculos satisfatórios.
(4) Há, porém, uma característica especial que merece a nossa
atenção. Talvez se tenha suposto que a concorrência entre os profissionais competentes, dotados de julgamento mais seguro e de conhecimentos mais amplos do que o investidor privado médio, corrigiria os
devaneios do indivíduo ignorante e à mercê de sua própria iniciativa.
164
KEYNES
Sucede, porém, que as energias e as habilidades do investidor profissional e do especulador estão principalmente aplicadas de outra maneira. Com efeito, a maioria deles dedica-se não a fazer previsões abalizadas a longo prazo sobre a renda provável de um investimento por
toda sua vida, mas em prever mudanças de curto prazo com certa
antecedência em relação ao público em geral. Não se preocupam com
o que realmente significa um valor de investimento para o indivíduo
que o comprou “para guardar”, mas com o valor que lhe atribuirá o
mercado dentro de três meses ou um ano sob a influência da psicologia
de massas. Ademais, esta conduta não é o resultado de um propensão
mal direcionada, mas a conseqüência inevitável de um mercado financeiro organizado segundo as normas descritas. Na verdade, seria insensato pagar 25 por um investimento cuja renda esperada, supõe-se,
justifica um valor de 30 se, por outro lado, se acredita que o mercado
o avaliará em 20, três meses depois.
Dessa maneira, o investidor profissional sente-se forçado a estar
alerta para antecipar essas variações iminentes nas notícias ou na
atmosfera que, como demonstra a experiência, são as que exercem
maior influência sobre a psicologia coletiva do mercado. Este é o resultado inevitável dos mercados financeiros organizados em torno da
chamada “liquidez”. Entre as máximas da finança ortodoxa, seguramente nenhuma é mais anti-social que o fetiche da liquidez, a doutrina
que diz ser uma das virtudes positivas das instituições investidoras
concentrar seus recursos na posse de valores “líquidos”. Ela ignora que
não existe algo como a liquidez do investimento para a comunidade
como um todo. A finalidade social do investimento bem orientado deveria ser domínio das forças obscuras do tempo e da ignorância que
rodeiam o nosso futuro. O objetivo real e secreto dos investimentos
mais habilmente efetuados em nossos dias é “sair disparado na frente”
como se diz coloquialmente, estimular a multidão e transferir adiante
a moeda falsa ou em depreciação.
Esta luta de esperteza para prever com alguns meses de antecedência as bases da avaliação convencional, muito mais do que a
renda provável de um investimento durante anos, nem sequer exige
que haja idiotas no público para encher a pança dos profissionais: a
partida pode ser jogada entre estes mesmos. Também não é necessário
que alguns continuem acreditando, ingenuamente, que a base convencional de avaliação tenha qualquer validez real a longo prazo. Trata-se,
por assim dizer, de brincadeiras como o jogo do anel, a cabra-cega, as
cadeiras musicais. É preciso passar o anel ao vizinho antes de o jogo
acabar, agarrar o outro para ser por este substituído, encontrar uma
cadeira vaga antes que a música pare. Estes passatempos podem constituir agradáveis distrações e despertar muito entusiasmo, embora todos os participantes saibam que é a cabra-cega que está dando voltas
a esmo ou que, quando a música pára, alguém ficará sem assento.
165
OS ECONOMISTAS
Para variar um pouco de metáfora, o investimento por parte de
profissionais pode ser comparado aos concursos organizados pelos jornais, onde os participantes têm de escolher os seis rostos mais belos
entre uma centena de fotografias, ganhando o prêmio o competidor
cuja seleção corresponda, mais aproximadamente, à média das preferências dos competidores em conjunto; assim, cada concorrente deverá
escolher não os rostos que ele próprio considere mais bonitos, mas os
que lhe parecem mais próprios a reunir as preferências dos outros
concorrentes, os quais encaram o problema do mesmo ponto de vista.
Não se trata de escolher os rostos que, no entender de cada um, são
realmente os mais lindos, nem mesmo aqueles que a opinião geral
considere realmente como tais. Alcançamos o terceiro grau, no qual
empregamos a nossa inteligência em antecipar o que a opinião geral
espera que seja a opinião geral. E há pessoas, segundo creio, que vão
até o quarto e o quinto grau, ou mais longe ainda.
Talvez o leitor observe que, durante um período bastante longo,
um indivíduo inteligente e indiferente ao passatempo da moda pode
realizar grandes lucros à custa de outros jogadores se persistir fazendo
investimentos de acordo com as suas mais perfeitas expectativas a
longo prazo. A isto convém responder, desde logo, que existem, na
verdade, pessoas com este tipo de mentalidade séria e que, de fato,
para um mercado de investimento haverá uma enorme diferença, dependendo da influência que essas pessoas exerçam sobre a opinião dos
jogadores. Mas devemos acrescentar que diversos fatores afetam a predominância de tais pessoas nos modernos mercados de capital. O investimento baseado nas previsões autênticas a longo prazo é hoje tão
difícil que mal pode ser posto em prática. Os que tentarem fazê-lo
poderão estar certos de passar dias de trabalho muito intenso e de
correr riscos muito maiores que os que tentam adivinhar as reações
do público melhor que o próprio público; e, dada igual inteligência,
eles podem cometer erros muito mais desastrosos. Não há evidência
clara a demonstrar que a política de investimento socialmente mais
vantajosa coincida com a mais lucrativa. É preciso mais inteligência
para derrotar as forças do tempo e da nossa ignorância sobre o futuro
do que para sair na frente. Além disso, a vida não é bastante longa
para essa tarefa; a natureza humana exige sucessos imediatos, há um
deleite especial em ganhar dinheiro rapidamente e os lucros remotos
são descontados pelo homem médio a taxas muito elevadas. O jogo
dos investidores profissionais é intoleravelmente fastidioso e demasiado
exigente para quem não tenha absolutamente o instinto de jogador;
quem o tem há de pagar o correspondente tributo por essa inclinação.
Mais ainda, o investidor que se proponha a ignorar as flutuações de
muito curto prazo do mercado necessita maiores recursos para a sua
segurança e não deve operar em tão larga escala, se é que opera em
alguma, com dinheiro emprestado — uma razão a mais para que, dada
166
KEYNES
a igualdade de inteligência e de recursos, lhe seja mais vantajoso dedicar-se ao passatempo. Finalmente, o investidor a longo prazo é aquele
que melhor serve o interesse público e é o que, na prática, incorre em
maior crítica, ao passo que os fundos de investimento são manejados
por comissões ou bancos,103 pois, em essência, sua conduta é excêntrica,
inconvencional e temerária aos olhos da opinião média. Se obtém êxito,
isso apenas confirmará a crença geral na sua temeridade; se, no final
de contas, sofre reveses momentâneos, pouco serão os que dele se compadecerão. A sabedoria universal indica ser melhor para a reputação
fracassar junto com o mercado do que vencer contra ele.
(5) Até agora tivemos em vista principalmente o estado de confiança do próprio especulador ou investidor especulativo e talvez pareça
que tenhamos suposto, implicitamente, que, se ele está satisfeito com
suas próprias perspectivas, tem acesso ilimitado ao dinheiro à taxa de
juro do mercado. Tal não é, evidentemente, o caso. Por isso devemos
considerar também outro aspecto do estado de confiança, ou seja, o
grau de confiança que as instituições de crédito concedem às pessoas
que nelas procuram empréstimos, e que, às vezes, se denominam condições de crédito. Uma baixa violenta no preço das ações, que produz
um efeito desastroso sobre a eficiência marginal do capital, pode ser
provocada pelo enfraquecimento seja da confiança especulativa seja
das condições de crédito. Mas enquanto o debilitamento de qualquer
dos dois fatores é suficiente para determinar uma queda violenta, a
recuperação exige que ambos sejam restaurados, pois, conquanto o enfraquecimento do crédito seja bastante para levar a uma crise, o seu
fortalecimento, embora uma condição necessária da recuperação, não
é condição suficiente.
VI
Estas considerações não deveriam sair do campo da análise econômica. Contudo convém colocá-las em sua devida perspectiva. Se me
é permitido aplicar o termo especulação à atividade que consiste em
prever a psicologia do mercado e o termo empreendimento à que consiste
em prever a renda provável dos bens durante toda sua existência, de
modo algum se pode dizer que a especulação sempre prevaleça sobre
o empreendimento. À medida que progride a organização dos mercados
de investimento, o risco de um predomínio da especulação, entretanto,
aumenta. Num dos maiores mercados de investimento do mundo, a
103 A prática geralmente considerada prudente, que leva as companhias que administram fundos
de investimento ou as companhias de seguros a calcular, com freqüência, não apenas a
renda de sua carteira de investimento, mas também a valorização de seu capital no mercado,
pode igualmente levar a atribuir importância excessiva às flutuações a curto prazo desse
mesmo mercado.
167
OS ECONOMISTAS
saber, o de Nova York, a influência da especulação (no sentido da
palavra acima exposto) é enorme. Mesmo fora do campo das finanças,
a tendência dos americanos é atribuir um interesse excessivo na descoberta do que a opinião julga ser a opinião média e este pender nacional
encontra seu castigo na Bolsa de Valores. Diz-se ser raro um americano
investir, como o fazem ainda muitos ingleses, “para obter uma renda”,
e que somente na expectativa de um gancho de capital está disposto
a adquirir um título. Isto é apenas outra maneira de dizer que, quando
um americano compra um investimento, está colocando suas esperanças
não tanto em sua renda provável, mas em sua mudança favorável nas
bases convencionais de avaliação, ou seja, que ele é, o sentido dado
acima, um especulador. Os especuladores podem não causar dano quando são apenas bolhas num fluxo constante de empreendimento; mas
a situação torna-se séria quando o empreendimento se converte em
bolhas no turbilhão especulativo. Quando o desenvolvimento do capital
em um país se converte em subproduto das atividades de um cassino,
o trabalho tende a ser malfeito. A medida do êxito obtido por Wall
Street, considerada uma instituição cuja finalidade social precípua é
conduzir os novos investimentos pelos canais mais produtivos em termos de rendimento futuro, não pode ser apontada como um dos mais
brilhantes triunfos do capitalismo do tipo laissez-faire — o que não é
de surpreender, se é verdade, como penso, que os mais brilhantes cérebros de Wall Street se orientam, de fato, para um fim diferente.
Estas tendências são uma conseqüência quase inevitável do êxito
de se terem organizado os mercados de investimentos “líquidos”. Admite-se, em geral, que, no próprio interesse do público, o acesso a
cassinos deve ser difícil e dispendioso. E, talvez o mesmo deveria acontecer no caso das Bolsas de Valores. O fato de que os pecados da Bolsa
de Valores de Londres tenham sido menores do que os de Wall Street
talvez não se deva tanto a diferenças nos temperamentos nacionais
como à circunstância de que, para o inglês mediano, Throgmorton Street
é inacessível e muito dispendiosa comparada com Wall Street, para o
mesmo tipo de norte-americano. A proporção dos “jogadores”, as altas
comissões de corretagem e as pesadas taxas sobre transferências que
se pagam ao Tesouro, gastos que acompanham todas as transações na
Bolsa de Valores de Londres, reduzem a liquidez do mercado (embora
a prática das liquidações quinzenais opere em sentido inverso) o suficiente para eliminar grande parte das operações características de Wall
Street.104 A criação de um elevado imposto sobre as transferências
para todas as transações talvez fosse a mais salutar das medidas ca104 Diz-se que, quando Wall Street está em período ativo, pelo menos metade das compras e
vendas de títulos de investimento se realiza com a intenção, por parte do especulador, de
se desfazer desses títulos no mesmo dia. Isto se aplica também, com freqüência, às bolsas
de mercadorias.
168
KEYNES
pazes de atenuar, nos Estados Unidos, o predomínio da especulação
sobre o empreendimento.
O espetáculo dos mercados financeiros modernos levou-me, algumas vezes, a concluir que, se as operações de compra de um investimento fossem tornadas definitivas e irrevogáveis, à maneira do casamento, salvo em caso de morte ou por outro motivo grave, os males
da nossa época seriam, com grande utilidade, aliviados. Isso obrigaria
os investidores a dirigir sua atenção apenas para as perspectivas a
longo prazo. Basta, porém, um momento de reflexão para compreender
que semelhante método nos leva a um dilema e nos mostra que, se a
liquidez do mercado financeiro às vezes dificulta um novo investimento,
em compensação facilita-o com mais freqüência; isso porque o fato de
cada investidor individualmente considerado ter a ilusão de que participa de um negócio “líquido” (embora isso não possa ser verdadeiro
para todos os investidores coletivamente) acalma-lhe os nervos e anima-o muito mais a correr o risco. Se as aquisições individuais de valores
de investimento perdessem sua liquidez, daí poderiam resultar sérias
dificuldades para os investimentos novos sempre que se oferecessem
aos indivíduos outros meios de conservar suas economias. Aqui jaz o
dilema. Na medida em que um indivíduo possa empregar sua riqueza
entesourando ou emprestando dinheiro, a alternativa de adquirir bens
reais de capital não seria bastante atraente (sobretudo para a pessoa
que não maneja esses bens e pouco sabe a respeito deles), exceto organizando mercados onde esses bens possam converter-se facilmente
em dinheiro.
O único remédio radical para as crises de confiança que afligem
a vida econômica do mundo moderno seria restringir a escolha do indivíduo à única alternativa de consumir a sua renda, ou servir-se dele
para encomendar a produção de bens específicos de capital, que, embora
com evidência precária, se lhe afiguram o investimento mais interessante ao seu alcance. Talvez, em certos momentos, quando se visse,
mais do que de costume, assoberbado por dúvidas a respeito do futuro,
a perplexidade o levasse a consumir mais e a realizar menos investimentos novos, mas isto evitaria as repercussões desastrosas, cumulativas e de amplo alcance, oriundas do fato de poder abster-se de gastar
a sua renda de uma ou de outra forma.
Os que vinham insistindo nos perigos sociais resultantes do entesouramento da moeda tinham em vista, naturalmente, considerações
análogas a estas. Contudo, não deram a devida atenção à possibilidade
de que o fenômeno pode ocorrer sem modificação alguma, ou pelo menos
sem uma variação apreciável, no entesouramento da moeda.
VII
Além da causa devida à especulação, a instabilidade econômica
encontra outra causa, inerente à natureza humana, no fato de que
169
OS ECONOMISTAS
grande parte das nossas atividades positivas depende mais do otimismo
espontâneo do que de uma expectativa matemática, seja moral, hedonista ou econômica. Provavelmente a maior parte das nossas decisões
de fazer algo positivo, cujo efeito final necessita de certo prazo para
se produzir, deva ser considerada a manifestação do nosso entusiasmo
— como um instinto espontâneo de agir, em vez de não fazer nada —,
e não o resultado de uma média ponderada de lucros quantitativos
multiplicados pelas probabilidades quantitativas. O empreendedor procura convencer a si próprio de que a principal força motriz da sua
atividade reside nas afirmações de seu propósito, por mais ingênuas
e sinceras que possam ser. Basta que o empreendimento seja um pouco
maior que uma expedição ao Pólo Sul para ser baseado no cálculo
exato dos lucros futuros. Dessa maneira, ao se arrefecer o entusiasmo,
e ao vacilar o otimismo espontâneo, ficamos na dependência apenas
da previsão matemática e aí o empreendimento desfalece e morre —
embora o temor da perda seja tão desprovido de base lógica como eram
antes as esperanças de ganhar.
Pode-se afirmar, sem receio, que a empresa que depende de esperanças futuras beneficia a comunidade como um todo. A iniciativa
individual, porém, somente será adequada quando a previsão razoável
for secundada e sustentada pelo dinamismo, de tal maneira que a
idéia dos prejuízos finais, que freqüentemente vence os pioneiros, como
a experiência prova tanto a nós quanto a eles, é repelida do mesmo
modo que o homem saudável repele a probabilidade de sua morte.
Isto significa, infelizmente, que não só as crises e as depressões
têm a sua intensidade agravada, como que a prosperidade econômica
depende, excessivamente, de um clima político e social que satisfaça
ao tipo médio do homem de negócios. Quando o temor de um governo
trabalhista ou de New Deal deprime a empresa, esta situação não é,
necessariamente, conseqüência de previsões ou de manobras com finalidades políticas; é o simples resultado de um transtorno no delicado
equilíbrio do otimismo espontâneo. Ao calcular as perspectivas que se
oferecem ao investimento devemos levar em conta os nervos e a histeria,
além das digestões e das reações às condições climáticas das pessoas
de cuja atividade espontânea ele depende principalmente.
Não devemos concluir daí que tudo depende de ondas de psicologia
irracional. Pelo contrário, o estado de expectativa a longo prazo é, no
mais das vezes, estável e, mesmo quando não o seja, os outros fatores
exercem seus efeitos compensatórios. O que apenas desejamos lembrar
é que as decisões humanas que envolvem o futuro, sejam elas pessoais,
políticas ou econômicas, não podem depender da estrita expectativa
matemática, uma vez que as bases para realizar semelhantes cálculos
não existem e que o nosso impulso inato para a atividade é que faz
girar as engrenagens, sendo que a nossa inteligência faz o melhor
possível para escolher o melhor que pode haver entre as diversas al170
KEYNES
ternativas, calculando sempre que se pode, mas retraindo-se, muitas
vezes, diante do capricho, do sentimento ou do azar.
VIII
Há, além disso, outros fatores importantes que tendem a atenuar,
na prática, os efeitos da nossa ignorância do futuro. Em virtude do
mecanismo do juro composto e da probabilidade de obsolescência com
o correr do tempo, existem numerosos investimentos individuais cuja
renda provável está legitimamente dominada pelos rendimentos num
futuro comparativamente próximo. No caso da principal categoria de
investimentos a prazo muito longo, ou seja, a construção, o risco pode
ser, freqüentemente, transferido do investidor para o inquilino, ou pelo
menos pode ser repartido entre ambos por meio de contratos a longo
prazo, ficando o risco compensado na mente do inquilino pela continuidade e segurança de seu direito de inquilinato. No caso de outra
classe importante de investimento a longo prazo, as empresas de serviços públicos, uma grande proporção da renda provável está praticamente garantida pelos privilégios de monopólio e pelo direito de aumentar as tarifas na medida necessária para manter certa margem
estipulada. Há, finalmente, uma categoria crescente de investimentos
empreendida em sociedade ou garantida pelas autoridades públicas,
claramente influenciada pela presunção geral de haver vantagens sociais prováveis no investimento, seja qual for seu resultado comercial
dentro de uma larga margem e sem procurar saber se a esperança
matemática da renda será pelo menos igual à taxa corrente de juros
— embora a taxa que a autoridade pública tenha de pagar possa ainda
desempenhar um papel decisivo na determinação do volume das operações de investimento a que ela pode-se engajar.
Assim, após haver plenamente assinalado a importância da influência das mudanças a curto prazo no estado das expectativas a
longo prazo, independentemente das variações na taxa de juros, ainda
devemos voltar-nos a essa última, que exerce, de qualquer modo, em
circunstâncias normais, grande influência, embora não decisiva, sobre
o fluxo de investimento. Só a experiência, contudo, pode mostrar até
que ponto a administração da taxa de juros é capaz de estimular,
continuamente, um fluxo de investimento adequado.
Da minha parte sou, presentemente, algo cético quanto ao êxito
de uma política meramente monetária orientada no sentido de exercer
influência sobre a taxa de juros. Encontrando-se o Estado em situação
de poder calcular a eficiência marginal dos bens de capital a longo
prazo e com base nos interesses gerais da comunidade, espero vê-lo
assumir uma responsabilidade cada vez maior na organização direta
dos investimentos, ainda mais considerando-se que, provavelmente, as
flutuações na estimativa do mercado da eficiência marginal dos diversos
tipos de capital, calculada na forma descrita antes, serão demasiado
grandes para que se possa compensá-las por meio de mudanças viáveis
na taxa de juros.
171
CAPÍTULO 13
A Teoria Geral da Taxa de Juros
I
Mostramos no capítulo 11 que, embora certas forças façam subir
ou descer a taxa de investimento de modo que iguale a eficiência marginal do capital à taxa de juros, a eficiência marginal do capital, em
si, é um conceito diferente da taxa de juros corrente. Pode-se dizer
que a curva da eficiência marginal do capital governa as condições em
que se procuram fundos disponíveis para novos investimentos, enquanto a taxa de juros governa os termos em que esses fundos são corretamente oferecidos. Para complementar a nossa teoria, precisamos,
portanto, saber o que determina a taxa de juros.
No capítulo 14 e em seu Apêndice, consideraremos as respostas
que até agora foram dadas a esta pergunta. Em termos gerais, verificaremos que elas condicionam a taxa de juros à interação entre a
curva da eficiência marginal do capital e a propensão psicológica a
poupar. A taxa de juros seria o fator de equilíbrio que estabelece a
igualdade entre, de um lado, a demanda de poupança resultante do
investimento novo que pode ser realizado a determinada taxa de juros
e, de outro lado, a oferta de poupança, suprida essa taxa pela propensão
psicológica da comunidade a poupar. Todavia, esta teoria vem abaixo
tão logo se perceba ser impossível deduzir a taxa de juros a partir do
conhecimento destes dois fatores.
Qual será, portanto, a nossa própria resposta a esta pergunta?
II
Para efetivar plenamente suas preferências psicológicas temporais, um indivíduo depara-se com dois conjuntos de decisões a serem
tomadas. A primeira relaciona-se com aquele aspecto de preferência
temporal que denominei propensão a consumir, fator que, sob a influência dos diversos motivos expostos no Livro Terceiro, determina
173
OS ECONOMISTAS
que parte de sua renda cada indivíduo consumirá e que parte reservará
sob alguma forma de comando sobre o consumo futuro.
Uma vez tomada esta decisão, porém, outra o espera, a saber,
em que forma conservará o poder de comando sobre o consumo futuro,
quer de sua renda corrente, quer de sua poupança anterior. Deseja
conservá-lo sob a forma líquida imediata (isto é, em dinheiro ou seu
equivalente)? Ou está disposto a alienar esse poder aquisitivo imediato
por um período específico ou indeterminado, deixando à situação futura
do mercado a fixação das condições em que pode, se necessário, converter o poder de comando postergado sobre bens específicos em poder
aquisitivo imediato sobre bens em geral? Em outras palavras, qual é
o grau de sua preferência pela liquidez, onde a preferência pela liquidez
do indivíduo é representada por uma escala do volume dos seus recursos
medidos em termos monetários ou em unidades de salário, que deseja
conservar em forma de moeda em diferentes circunstâncias?
Veremos que, nas teorias aceitas, o erro consistiu em querer deduzir a taxa de juros do primeiro destes dois elementos da preferência
psicológica temporal, negligenciando o segundo; é esta omissão que
devemos procurar reparar.
Deveria ser óbvio que a taxa de juros não pode ser um rendimento
da poupança ou da espera como tal. Quando alguém acumula suas
economias sob a forma de dinheiro líquido, não ganha juro, embora
economize tanto quanto antes. Pelo contrário, a simples definição da
taxa de juros diz-nos, literalmente, que ela é a recompensa da renúncia
à liquidez por um período determinado, pois a taxa de juros não é,
em si, outra coisa senão o inverso da relação existente entre uma soma
de dinheiro e o que se pode obter desistindo, por um período determinado,105 do poder de comando da moeda em troca de uma dívida.106
Desse modo, sendo a taxa de juros, a qualquer momento, a recompensa da renúncia à liquidez, é uma medida de relutância dos que
possuem dinheiro alienar o seu direito de dispor do mesmo. A taxa de
juros não é o “preço” que equilibra a demanda de recursos para investir
105 Para uma discussão geral, ao contrário dos problemas concretos em que o período de débito
é expressamente especificado, é conveniente que a taxa de juros signifique o complexo das
várias taxas correntes para os diferentes períodos, isto é, para dívidas de maturações
diferentes.
106 Sem distorcer esta definição, podemos traçar a linha divisória entre “dinheiro” e “débito”
em qualquer ponto que melhor convier ao estudo de determinado problema. Podemos, por
exemplo, considerar moeda qualquer comando sobre o poder geral de compra do qual o
possuidor não aliena por um período superior a três meses, e “débito” o que se pode recuperar
em períodos mais longos. Em vez de três meses, podemos também estabelecer um mês,
três dias ou três horas ou outro período; ou podemos excluir da moeda tudo que não seja
moeda legal corrente. É muitas vezes conveniente na prática incluir como moeda os depósitos
a prazo nos bancos e, ocasionalmente, mesmo certos instrumentos de crédito, como, por
exemplo, as Letras do Tesouro. De modo geral, adotarei a mesma suposição apresentada
em minha obra Treatise on Money, em que foi dito que a moeda compreende os depósitos
bancários.
174
KEYNES
e a propensão de abster-se do consumo imediato. É o “preço” mediante
o qual o desejo de manter a riqueza em forma líquida se concilia com
a quantidade de moeda disponível. Isso implica que, se a taxa de juros
fosse menor, isto é, se a recompensa da renúncia à liquidez se reduzisse,
o montante agregado de moeda que o público desejaria conservar excederia a oferta disponível e que, se a taxa de juros se elevasse, haveria
um excedente de moeda que ninguém estaria disposto a reter. Se esta
explicação for correta, a quantidade de moeda é outro fator que, aliado
à preferência pela liquidez, determina a taxa corrente de juros em
certas circunstâncias. A preferência pela liquidez é uma potencialidade
ou tendência funcional que fixa a quantidade de moeda que o público
reterá quando a taxa de juros for dada; resulta daí que r é a taxa de
juros, M a quantidade de moeda e L a função da preferência pela
liquidez, teremos M = L(r). Isto mostra onde e como a quantidade de
moeda entra no esquema econômico.
A esta altura, contudo, é necessário que voltemos atrás e examinemos
por que existe o que se denomina preferência pela liquidez. Para este
fim, convirá usar a velha distinção entre o uso da moeda para as transações
comerciais correntes e seu uso como reserva de riqueza. No que concerne
ao primeiro destes usos, é evidente que vale a pena sacrificar, até certo
ponto, alguma quantidade de juro pela conveniência da liquidez. Porém,
dado que a taxa de juros nunca é negativa, por que alguém preferiria
guardar sua riqueza de forma que renda pouco, ou nenhum juro, a conservá-la de outra que renda algum (supondo, naturalmente, neste estágio
que o risco de perda é igual tanto para um depósito bancário quanto para
uma obrigação)? A explicação integral deste fato é complexa e só poderá
ser dada no capítulo 15. Há, todavia, uma condição necessária sem a qual
não poderia existir a preferência de liquidez pela moeda como meio de
conservação da riqueza.
Esta condição necessária é a existência de incerteza quanto ao
futuro da taxa de juros, isto é, quanto ao complexo de taxas para
vencimentos variáveis a prevalecer em datas futuras; pudéssemos, pois,
prever com certeza todas as taxas que iriam dominar no futuro, todas
as taxas vindouras poderiam ser inferidas das taxas presentes para as
dívidas de diversos vencimentos e estas se ajustariam ao valor conhecido das taxas futuras. Por exemplo, se 1dr é o valor, no presente ano
1, de 1 libra, diferidos r anos, e se sabe que ndr será o valor, no ano
n, de 1 libra diferidos r anos a partir daquela data, teremos: ndr =
d
1 n+ r
; de onde se deduz que a taxa a que uma dívida qualquer pode
1dn
ser convertida em dinheiro n anos mais tarde será determinada por
duas entre o complexo de taxas de juros correntes. Se a taxa corrente
for positiva para as dívidas de qualquer prazo, será sempre mais vantajoso adquirir uma dívida do que conservar a riqueza em forma de
dinheiro líquido.
175
OS ECONOMISTAS
Se, pelo contrário, a taxa futura for incerta, não mais podemos
inferir com segurança que, chegando o momento, ndr será efetivamente
d
1 n+ r
igual a
. Por isso, no caso concebível de poder produzir-se even1dn
tualmente uma necessidade de liquidez antes de expirarem os n anos,
há o risco de se incorrer em perda na aquisição de uma dívida a longo
prazo ao convertê-la, depois, em dinheiro, comparativamente a ter conservado o dinheiro enquanto tal. O lucro atuarial ou esperança matemática de ganho calculado na base das probabilidades existentes —
caso esse cálculo possa ser feito, o que é duvidoso — deve ser suficiente
para compensar o risco de reveses.
Há, além disso, outra razão para a preferência pela liquidez resultante da incerteza quanto ao futuro da taxa de juros, desde que
haja um mercado organizado para negociar com débitos. Cada qual
prevê o futuro a sua maneira e aquele que divergir da opinião dominante, tal como ela se manifesta nas cotações do mercado, pode ter
boas razões para conservar recursos líquidos com o fim de realizar um
lucro se estiver certo, ao comprovar no momento oportuno que as relações entre os 1dr estavam erradas.107
Este fenômeno tem muita analogia com o que já abordamos, com
certa amplitude, ao tratar da eficiência marginal do capital. Assim
como achamos que a eficiência marginal do capital não é determinada
pela “melhor” opinião e sim pela avaliação do mercado tal como ela
resulta da psicologia de massas, assim também as expectativas quanto
ao futuro da taxa de juros, fixada pela psicologia de massa, têm seus
reflexos na preferência pela liquidez; com o acréscimo, porém, de que
o indivíduo, para quem as futuras taxas de juros estarão acima daquelas
previstas pelo mercado, tem motivos para conservar em caixa dinheiro
líquido,108 ao passo que quem diverge do mercado em sentido oposto
terá motivos para pedir dinheiro emprestado a curto prazo, a fim de
adquirir débitos a prazo mais longo. O preço do mercado se fixará no
nível em que a venda dos “baixistas” se equilibrar com as compras
dos “altistas”.
As três divisões que acabamos de distinguir na preferência pela
liquidez podem ser definidas pelos motivos que as governam: (i) o motivo
transação, isto é, a necessidade de moeda para as operações correntes
de trocas pessoais e comerciais; (ii) o motivo precaução, ou seja, o
107 Este é o mesmo ponto que discuti em minha obra Treatise on Money, sob a designação
das duas opiniões e da posição em “alta” e em “baixa”.
108 Poder-se-ia supor, da mesma maneira, que, se um indivíduo achasse que o rendimento
provável dos investimentos fosse inferior ao previsto pelo mercado, teria razão suficiente
para conservar dinheiro. Mas não é esse o caso. Ele tem bons motivos para reter moeda
ou dívidas de preferência a ações; todavia, a aquisição de um título de dívida será uma
alternativa preferível à de guardar dinheiro, a não ser que ele julgue também que a taxa
futura de juros seja superior à que supõe o mercado.
176
KEYNES
desejo de segurança com relação ao equivalente do valor monetário
futuro de certa parte dos recursos totais; e (iii) o motivo especulação,
isto é, o propósito de obter lucros por saber melhor que o mercado o
que trará o futuro. Tal como quando discutimos a eficiência marginal
do capital, a questão de saber se é desejável ter um mercado organizado
para a negociação de débitos nos coloca diante de um dilema: na ausência de um mercado organizado, a preferência pela liquidez, devida
ao motivo de precaução, aumentaria muito, ao passo que a existência
de um mercado organizado proporcionaria a oportunidade de amplas flutuações da preferência pela liquidez, devida ao motivo de especulação.
Talvez se esclareça este raciocínio através do seguinte argumento:
supondo que a preferência pela liquidez devida ao motivo transação e
ao motivo precaução absorva uma quantidade de moeda que não seja
muito sensível à influência direta das alterações na taxa de juros, sem
levar em conta suas reações devidas ao aumento da renda, a quantidade
total de moeda, diminuída dessa quantidade, fica, assim, disponível
para satisfazer a preferência pela liquidez devido ao motivo especulação.
A taxa de juros e o preço das obrigações devem, então, fixar-se ao
nível em que a soma global, que certos indivíduos desejam conservar
líquida (porque nesse nível se sentem “baixistas” relativamente ao futuro das obrigações), seja exatamente igual à quantidade de moeda
disponível para atender às atividades do motivo de especulação. Destarte, cada aumento na quantidade de dinheiro deve aumentar o preço
das obrigações o suficiente para exceder as previsões de alguns “altistas”
e influir sobre eles para que as vendam e venham juntar-se ao grupo
dos “baixistas”. Não obstante, se houver uma procura insignificante
de moeda para satisfazer o motivo de especulação, exceto para um
curto período de transição, um aumento da quantidade de moeda deve
fazer baixar, quase imediatamente, a taxa de juros e no grau necessário
para elevar o nível de emprego e a unidade de salários na medida
suficiente para que a moeda adicional seja absorvida pelos motivos de
transação e de precaução.
Via de regra, podemos admitir que a curva da preferência pela
liquidez que relaciona a quantidade de moeda à taxa de juros é dada
por uma curva regular, a qual mostra que essa taxa vai decrescendo
à medida que a quantidade de moeda aumenta. Há diversas causas
que levam a esse resultado.
Em primeiro lugar, à medida que a taxa de juros baixa, é provável,
coeteris paribus, que a preferência pela liquidez, em virtude do motivo
de transação, absorva mais moeda. Se a queda da taxa de juros aumenta
a renda nacional, o volume de moeda que convém reservar para as
transações crescerá mais ou menos proporcionalmente com o aumento
da renda, enquanto, ao mesmo tempo, diminuirá o custo da conveniência de manter abundante a moeda, em termos dos juros perdidos. Resultados análogos serão produzidos se o aumento de emprego que segue
177
OS ECONOMISTAS
a uma baixa da taxa de juros determina uma alta dos salários, isto
é, uma alta no valor monetário da unidade de salários, a não ser que
a preferência pela liquidez seja medida em unidades de salário em
vez de unidades de moeda (que é conveniente em certos contextos).
Em segundo lugar, cada queda na taxa de juros pode, como acabamos
de ver, aumentar a quantidade de moeda que certos indivíduos desejam
conservar, porque seus pontos de vista quanto à futura taxa de juros
diferem dos do mercado.
No entanto, podem ocorrer determinadas circunstâncias em que
mesmo um acréscimo considerável da quantidade de moeda exercerá
uma influência comparativamente pequena sobre a taxa de juros. Esse
grande acréscimo pode ocasionar tal incerteza quanto ao futuro que a
preferência pela liquidez decorrente do motivo precaução pode ser fortalecida; por outro lado, é possível que haja uma opinião tão unânime
sobre a futura taxa de juros que uma ligeira variação nas taxas atuais
determine um movimento maciço em direção à busca da liquidez. É
interessante observar como a estabilidade do sistema e sua sensibilidade diante das variações na quantidade de moeda dependem a tal
ponto da existência de uma diversidade de opiniões sobre o que é incerto.
O melhor seria que conhecêssemos o futuro. Mas, não sendo este o
caso, se tivermos de controlar a atividade do sistema econômico através
da variação da quantidade de moeda, é importante que haja divergências de opinião. Assim sendo, este método de controle é mais precário
nos Estados Unidos, onde todos tendem a adotar a mesma opinião ao
mesmo tempo, do que na Inglaterra, onde as divergências de opinião
são mais comuns.
III
Introduzimos, assim, a moeda em nosso nexo causal e podemos ter
uma primeira idéia do modo como as variações na quantidade de moeda
intervêm no sistema econômico. Contudo, se nos vemos tentados a considerar a moeda como a bebida que estimula a atividade do sistema, não
nos esqueçamos que podem surgir muitos percalços entre a taça e os
lábios. Embora seja de esperar que, coeteris paribus, um aumento na
quantidade de moeda reduza a taxa de juros, isto não ocorrerá se a preferência do público pela liquidez aumentar mais que a quantidade de
moeda; e, conquanto se possa esperar que, coeteris paribus, uma baixa
na taxa de juros estimule o fluxo de investimento, isto não acontecerá se
a escala da eficiência marginal do capital cair mais rapidamente que a
taxa de juros; quando, enfim, se possa esperar que, coeteris paribus, um
aumento do fluxo de investimento faça aumentar o emprego, isso não se
produzirá se a propensão a consumir estiver em declínio. Finalmente, se
o emprego aumentar, os preços subirão numa proporção que depende, em
parte, da forma das funções da oferta e, em parte, da tendência da taxa
de salários subir em termos monetários. Quando a produção tiver au178
KEYNES
mentado e os preços subido o efeito que daí resultará sobre a preferência
pela liquidez será o de aumentar a quantidade de moeda necessária
para aumentar dada taxa de juros.
IV
Embora a preferência pela liquidez devida ao motivo especulação
corresponda ao que em minha obra Treatise on Money denominei “o estado
da baixa”, estes dois conceitos não são, de modo algum, idênticos. Esse
“baixismo” não foi definido naquela obra como a relação funcional entre a
taxa de juros (ou preços das dívidas) e a quantidade de moeda, mas entre
o preço de ativos e débitos, tomados em conjunto, e quantidade de moeda.
Este conceito, entretanto, envolve certa confusão entre os resultados decorrentes da variação na taxa de juros e aqueles oriundos da variação na
escala da eficiência marginal do capital — o que espero ter evitado aqui.
V
O conceito de entesouramento pode ser considerado uma primeira
aproximação do conceito de preferência pela liquidez. De fato, se substituíssemos “entesouramento” por “propensão a entesourar”, chegaríamos, substancialmente, ao mesmo resultado. Porém, quando por “entesouramento” queremos significar um aumento efetivo dos encaixes
líquidos, isto se configura como uma idéia incompleta — e que pode
causar sérios erros se formos levados a pensar em “entesouramento”
e “não entesouramento” como simples alternativas. A decisão de entesourar não é tomada de maneira absoluta ou sem levar em conta as
vantagens oferecidas pela renúncia à liquidez; essa decisão resulta do
equilíbrio de vantagens e temos, portanto, de saber o que há no outro
prato da balança. Ademais, é impossível que o montante real do entesouramento varie como resultado das decisões do público, desde que
consideremos o “entesouramento” como sendo o encaixe efetivo de moeda. O volume de entesouramento tem de ser igual à quantidade de
moeda (ou — segundo certas definições — à quantidade de moeda
menos o que se requer para satisfazer o motivo transação), e a quantidade de moeda não é determinada pelo público. A única coisa que a
propensão do público a entesourar pode conseguir é fixar a taxa de
juros que iguale o desejo global de entesourar ao encaixe disponível.
O hábito de não se dar a devida atenção à relação da taxa de juros
com o entesouramento pode explicar, em parte, a razão pela qual o
juro tem sido usualmente considerado uma recompensa por não gastar,
quando, na realidade, ele é a recompensa por não entesourar.
179
CAPÍTULO 14
A Teoria Clássica da Taxa de Juros
I
Que é a teoria clássica da taxa de juros? Trata-se da teoria que
serviu de base para a formação de todos nós e que, até recentemente,
todos nós aceitamos quase sem reservas. Mesmo assim, parece-me difícil
expô-la com precisão ou descobrir-lhe um enunciado explícito nos principais tratados da escola clássica moderna.109
É bastante claro, entretanto, que essa tradição considerou a taxa
de juros o fator que equilibra a demanda de investimentos com a oferta
para a poupança. O investimento representa a demanda por recursos
para investir, a poupança representa a oferta, e a taxa de juros é o
“preço” dos recursos investíveis que torna essas duas quantidades
iguais. Da mesma forma que o preço de uma mercadoria é fixado,
necessariamente, ao nível em que sua procura seja igual à oferta, a
taxa de juros se regula, necessariamente, sob a ação das forças do
mercado, no ponto em que o montante de investimento a essa taxa
seja igual ao montante de poupança à mesma taxa.
O raciocínio acima não é encontrado, nesses mesmos termos, nos
Principles de Marshall. Não obstante, parece ser esta a sua teoria, a
mesma em que também fui educado e que, por meu turno, ensinei a
outros por muitos anos. Tomemos, por exemplo, a seguinte passagem
dos Principles: “O juro, sendo o preço pago pelo uso do capital em
qualquer mercado, tende a um nível de equilíbrio tal que a procura
agregada de capital no dito mercado, a essa taxa de juros, é igual ao
estoque agregado, que nele se apresenta à mesma taxa”.110 Do mesmo
modo, em Nature and Necessity of Interest, o professor Cassel explica
que o investimento constitui a “procura da espera”, a poupança a “oferta
109 Ver no Apêndice a este capítulo um resumo do que foi possível encontrar.
110 Cf. p. 133, para uma análise complementar sobre esta passagem.
181
OS ECONOMISTAS
da espera”, e o juro é um “preço” que serve — isto está subentendido
— para tornar as duas quantidades iguais, mas também não encontrei
nenhum trecho para citar. No capítulo 6 de sua obra Distribution of
Wealth o professor Carver considera, claramente, o juro como o fator
que põe em equilíbrio a desutilidade marginal da espera com a produtividade marginal do capital.111 Sir Alfred Flux (Economic Principles,
p. 95) escreve:
“Se há verdade nas teses da nossa argumentação geral, tem-se
de admitir que se produz um ajuste automático entre a poupança
e as oportunidades de empregar o capital lucrativamente... A
poupança não terá ultrapassado a sua possibilidade de aplicação
útil..., enquanto a taxa de juros líquida for superior a zero”.
O professor Taussig (Principles, v. II, p. 29) traça uma curva da oferta
de poupança e uma curva da procura representando “a produtividade
decrescente de sucessivos volumes de capital”, tendo previamente estabelecido (p. 20) que “a taxa de juros se estabiliza num ponto em que
a produtividade marginal do capital é suficiente para fazer surgir o
volume de poupança”.112 Walras, no Apêndice I (III) de sua obra Éléments d’économie pure, onde se ocupa de “L’échange d’épargnes contre
capitaux neufs”, sustenta expressamente que correspondendo a cada
possível taxa de juros há uma soma que os indivíduos poupam e outra
que investirão em novos bens de capital; que estes dois agregados
tendem a igualar-se e que a taxa de juros é a variável que os iguala;
de tal modo que esta se fixa no nível em que a poupança, que representa
a oferta de capital novo, é igual à procura do mesmo. Diante disso,
ele se coloca, rigorosamente, dentro da tradição clássica.
Certamente, o homem prático — banqueiro, funcionário público
ou político —, educado na teoria tradicional e, também, o economista
profissional vivem na idéia de que sempre que um indivíduo realiza
um ato de poupança faz algo que, automaticamente, reduz a taxa de
juros e que essa baixa estimula, automaticamente, a criação de capital
e de que a baixa na taxa de juros tem lugar, precisamente, na proporção
que se necessita para estimular a produção de capital numa amplitude
111 A análise do prof. Carver sobre o juro é difícil de ser acompanhada 1) porque não esclarece
o sentido da “produtividade marginal do capital”, isto é, se se trata de quantidade de
produto marginal ou de valor do produto marginal e 2) porque não procura definir a
quantidade de capital.
112 Numa análise muito recente destes problemas (KNIGHT, Prof. F. H. “Capital, Time and
the Interest Rate”. In: Economica. Agosto de 1934), a qual inclui muitas observações profundas e interessantes sobre a natureza do capital e confirma a solidez da tradição marshalliana sobre a inutilidade da análise de Böhm-Bawerk, a teoria do juro é apresentada
de maneira precisa e conforme a tradição clássica. O equilíbrio no domínio da produção
de capital significa, segundo o prof. Knight, “uma taxa de juros tal que as poupanças
afluam ao mercado justamente a um ritmo ou velocidade iguais à sua absorção pelos
investimentos que produzem uma taxa de rendimento igual à paga pelo seu uso aos que
fazem poupança”.
182
KEYNES
igual ao aumento da poupança; e de que isto é, além do mais, um
fenômeno de ajustamento auto-regulador que opera sem necessidade
de nenhuma intervenção especial ou de cuidados maternais por parte
da autoridade monetária. De maneira idêntica — e esta é uma crença
ainda mais generalizada, mesmo hoje —, cada ato adicional de investimento fará, necessariamente, subir a taxa de juros, se não for compensado por uma mudança na disposição para poupar.
Ora, a análise dos capítulos anteriores evidencia que esta explicação da matéria deve ser errônea. Antes de remontar à origem da
divergência entre as duas opiniões, ocupemo-nos, em primeiro lugar,
dos seus pontos de concordância.
Ao contrário da escola neoclássica, que julga possível a desigualdade entre a poupança e o investimento, a escola clássica propriamente
dita admitiu o princípio de sua igualdade. Marshall, por exemplo, acreditava, com certeza, embora não o tenha dito expressamente, que a
poupança agregada e o investimento agregado são necessariamente
iguais. De fato, a maioria dos membros da escola clássica levou esta
crença demasiadamente longe, visto sustentar que todo ato individual
de aumento na poupança suscita, necessariamente, outro correspondente ato de aumento de investimento. No presente contexto, também
não há uma diferença substancial entre minha escala de eficiência
marginal do capital ou da escala da procura de investimento e a curva
da procura de capital como a consideravam alguns dos autores clássicos
antes citados. Quando chegamos à propensão a consumir e ao seu
corolário, a propensão a poupar, estamos mais próximos de uma diferença de opinião, pois os economistas clássicos enfatizaram o papel
representado pela taxa de juros nas variações da propensão a poupar.
Mas, presumivelmente, eles não desejariam negar que o nível de renda
exerce uma influência também importante sobre o total poupado; enquanto, da minha parte, não negaria que a taxa de juros possa, talvez,
influir (embora, aliás, não na forma que eles supõem) sobre a parte
poupada de dada renda. Todos estes pontos de concordância podem
ser resumidos numa proposição que a escola clássica aceitaria e eu
não contestaria, ou seja, que, se se supõe conhecido de antemão o nível
de renda, podemos inferir que a taxa corrente de juros deve estar no
ponto onde a curva da demanda por capital correspondente às diferentes
taxas intercepta a curva de oferta das quantidades poupadas dessa
renda a diferentes taxas de juros.
Mas este é o ponto em que um erro decisivo se insinua na teoria
clássica. Se a proposição anterior da escola clássica se limitasse a deduzir que, dadas a curva da procura de capital e a influência das
variações na taxa de juros sobre a disposição a poupar partindo de
determinados níveis de renda, a renda e a taxa de juros devem ter
uma correlação bastante singular, neste caso, nada haveria a opor.
Além disso, essa proposição levaria, naturalmente, a outra proposição
183
OS ECONOMISTAS
que contém uma verdade importante, ou seja, dadas a taxa de juros,
a curva da procura de capital e a influência dos juros sobre a disposição
a poupar de níveis de renda conhecidos, o nível de renda deve ser o
fator que iguala o montante poupado com o montante investido. A
teoria clássica, porém, não apenas ignora a influência das variações
do nível da renda, como ainda promove um erro formal.
Dessa forma, a teoria clássica, como provam as citações acima,
supõe que se pode proceder ao exame do efeito produzido sobre a taxa
de juros por um deslocamento da curva de demanda por capital (por
exemplo), sem contradizer ou modificar a hipótese relativa ao nível da
renda dado do qual vai fazer-se a poupança. Na teoria clássica da taxa
de juros as variáveis independentes são a curva da demanda por capital
e a influência da taxa de juros sobre a parte de dada renda que se
poupa; e, quando (por exemplo) a curva de demanda por capital se
desloca, a nova taxa de juros, de acordo com esta teoria, é dada pelo
ponto de interseção dessa nova curva com a que relaciona a taxa de
juros com os montantes que serão poupados dessa dada renda. A teoria
clássica da taxa de juros parece supor que se a curva de demanda por
capital se desloca ou a que liga a taxa com os montantes poupados de
dada renda se desloca ou se ambas se deslocam, a nova taxa de juros
será determinada pelo ponto de interseção das novas posições das duas
curvas. Mas essa é uma teoria absurda, pois a hipótese de que a renda
seja constante não é compatível com a de que estas duas curvas podem
deslocar-se, independentemente uma da outra. Se qualquer delas se
desloca, em geral, a renda varia também e, por conseqüência, todo o
esquema baseado na hipótese de cada renda se desintegra. A posição
só poderia ser salva por uma complicada hipótese que previsse uma
variação automática na unidade de salários, com efeito sobre a preferência pela liquidez de tal magnitude que bastasse exatamente para
estabelecer uma taxa de juros suficiente para compensar o suposto
deslocamento de modo que deixasse a produção no mesmo nível prévio.
De fato, não se encontra nos autores citados nenhuma sugestão sobre
a necessidade de semelhante hipótese, a qual, na melhor das circunstâncias, só seria possível tratando-se de um equilíbrio a longo
prazo, mas que não poderia servir de base a uma teoria de prazo
curto; entretanto, tampouco há razão para supor que ela tenha validez para o longo prazo. Na verdade, a teoria clássica não se manteve
alerta para a importância das variações do nível de renda ou para
a possibilidade de que este nível seja efetivamente uma função da
taxa de investimento.
Os argumentos acima podem ser ilustrados por meio do diagrama113 seguinte:
113 Este diagrama foi-me sugerido por R. F. Harrod. Cf. também um esquema, em parte
semelhante, de ROBERTSON, D. H. Economic Journal. Dezembro de 1934. p. 652.
184
KEYNES
Neste diagrama, o montante do investimento (ou da poupança)
I é medido verticalmente e a taxa de juros r horizontalmente. X1X1′ é
a primeira posição da curva da procura de investimento e X2X2′ é a
segunda posição desta curva. A curva Y1 relaciona os montantes poupados de uma renda Y1 com os vários níveis da taxa de juros, sendo
Y2, Y3 etc. as curvas correspondentes para níveis de renda Y2, Y3 etc.
Suponhamos que Y1 seja a curva Y compatível com uma taxa de juros
r1 e uma curva da procura de investimento X1X1′. Ora, se a curva da
procura de investimento se desloca de X1X1′ para X2X2, em geral a
renda se deslocará também. Entretanto, o diagrama acima não contém
dados suficientes para nos indicar qual será o novo valor; e, portanto,
não sabendo qual é a curva Y apropriada, não sabemos em que ponto
ela será cortada pela nova curva-demanda dos investimentos. Todavia,
se considerarmos o estado da preferência pela liquidez e a quantidade
de moeda e, conhecidos estes dois fatores, soubermos que a taxa de
juros é r2, então, toda a posição fica determinada. A curva Y que corta
X2X2′ no ponto situado na vertical acima de r2, a saber, a curva Y2,
será a curva apropriada. Desta forma, a curva X e as curvas Y nada
nos dizem sobre a taxa de juros. Apenas nos indicam qual será a
renda, sempre que por outros meios possamos determinar qual a taxa
de juros. Se não houver nenhuma alteração no estado da preferência
pela liquidez nem na quantidade de moeda, de modo que a taxa de
juros permaneça invariável, então a curva Y2′ que corta a nova curva
de demanda dos investimentos abaixo do ponto onde a curva Y1 cortava
a antiga curva da demanda será a curva Y apropriada e Y2’ será o
novo nível de renda.
Destarte, as funções utilizadas pela teoria clássica, a saber, as
185
OS ECONOMISTAS
respostas do investimento e da poupança de determinada renda às
variações na taxa de juros, não fornecem elementos suficientes para
uma teoria da taxa de juros; entretanto, poderiam ser utilizadas para
determinar o montante da renda, quando conhecida (por outros meios)
a taxa de juros e, alternativamente, caso o nível de renda tenha de
ser mantido em determinado montante (por exemplo, no nível correspondente ao pleno emprego), o qual será a taxa de juros.
O erro se origina em se considerar o juro como a recompensa da
espera como tal, em vez da recompensa pelo não-entesouramento; assim
como as taxas de retorno dos empréstimos ou dos investimentos que
implicam graus diversos de risco devem ser consideradas a recompensa
não da espera em si, mas da aceitação do risco. Sem dúvida, não existe
uma linha definida entre estas e as chamadas taxas de juros “puras”,
pois todas elas são a recompensa da aceitação de um risco ou incerteza
de qualquer natureza. Só no caso em que a moeda servisse apenas
para transações, e nunca fosse empregada como reserva de valor, uma
teoria diferente poderia ser apropriada.114
Há, entretanto, dois pontos conhecidos que poderiam, talvez, ter
advertido a escola clássica de que alguma coisa estava errada. Em
primeiro lugar, tem sido aceito, pelo menos desde a publicação de Nature and Necessity of Interest, do professor Cassel, que não é certo que
a parte poupada de dada renda aumente necessariamente quando sobe
a taxa de juros; ao passo que ninguém duvida que a curva da procura
de investimento baixe ao subir a taxa de juros. Se as curvas Y e X,
porém, vierem a baixar quando subir a taxa de juros, nada garante
que determinada curva Y cortará outra curva determinada X em um
ponto qualquer. Isto sugere que não podem ser as curvas Y e X, por
si sós, que determinam a taxa de juros.
Em segundo lugar, tem-se usualmente suposto que um aumento
na quantidade de moeda tende a reduzir a taxa de juros, pelo menos
num primeiro momento e em períodos curtos. Mas nenhuma razão se
deu ainda para que uma variação da quantidade de moeda afete a
curva de procura por investimentos ou a propensão a poupar parte de
uma renda dada. Desta forma, a escola clássica adotou duas teorias
da taxa de juros completamente diferentes, uma no volume I, que trata
da Teoria do Valor, e a outra no volume II, que trata da Teoria da
Moeda. Parece, aliás, não se ter perturbado com a contradição e, pelo
menos que eu saiba, não fez nenhum esforço para construir uma ponte
entre as duas teorias. Naturalmente, isso se refere à escola clássica
propriamente dita, pois foram as tentativas da escola neoclássica de
construir uma ponte que levaram à pior das confusões. Esta última
escola acabou chegando à conclusão de que deve haver duas fontes de
114 Cf. cap. 17, adiante.
186
KEYNES
oferta para se chegar à curva da procura de investimento: a saber, a
poupança propriamente dita, da qual se ocupa a escola clássica, mais
a soma que se torna disponível em conseqüência de qualquer aumento
na quantidade de moeda (sendo a oferta equilibrada por certas espécies
de imposições ou tributação sobre o público, chamados “poupança forçada” ou coisa semelhante). Isto leva à idéia de que existe uma taxa
de juros “natural” ou “neutra”115 ou “de equilíbrio”, ou seja, uma taxa
que iguala o investimento com a poupança efetiva no sentido clássico,
sem adição alguma à “poupança forçada”; e conduz, finalmente, supondo
que se esteja na trilha adequada desde o princípio, para a solução
mais evidente de todas, isto é, que se a quantidade de moeda pudesse
manter-se constante em qualquer circunstância, nenhuma dessas dificuldades se apresentaria, pois os males que se atribuem a um suposto
excesso dos investimentos sobre a poupança efetiva deixariam de ser
possíveis. Nesse instante, porém, entramos em águas profundas. “O
pato selvagem mergulhou até o fundo — o mais fundo que pôde chegar
— e agarrou-se firmemente à vegetação, às algas e ao lodo ali existentes;
seria necessário um cão extremamente hábil para mergulhar e trazê-lo
de volta à superfície.”
Destarte, a análise tradicional é defeituosa, porque não conseguiu
isolar corretamente as variáveis independentes do sistema. A poupança
e o investimento são as variáveis determinadas e não os determinantes
do sistema. São o produto gêmeo dos determinantes, quer dizer, da
propensão a consumir, da escala da eficiência marginal do capital e
da taxa de juros. Na verdade, estes determinantes são, por si só, complexos e cada um deles pode ser afetado pelas variações prováveis dos
outros, mas continuam independentes no sentido de que seus valores não
podem ser deduzidos uns dos outros. A análise tradicional compreendeu
que a poupança depende da renda, mas se esqueceu do fato de que esta
depende do investimento em tal relação que, quando o investimento varia,
a renda é forçada a variar no grau justamente necessário para fazer com
que a variação na poupança seja igual à do investimento.
De forma idêntica, essas teorias não lograram sucesso na tentativa de fazer com que a taxa de juros dependesse da “eficiência marginal
do capital”. É verdade que, em equilíbrio, a taxa de juros será igual
à eficiência marginal do capital, visto que será vantajoso aumentar
(ou diminuir) o volume corrente de investimento até que se atinja a
igualdade, mas fazer disso uma teoria da taxa de juros ou derivar daí
a taxa de juros é cair num círculo vicioso, como percebeu Marshall
quando estava a meio caminho de uma explicação da taxa de juros
baseada neste princípio.116 A “eficiência marginal do capital” depende,
115 A taxa de juros “neutra” dos economistas contemporâneos difere tanto da taxa “natural”
de Böhm-Bawerk quanto da taxa “natural” de Wicksell.
116 Ver o Apêndice a este capítulo.
187
OS ECONOMISTAS
pois, em parte, do volume corrente de investimento e para calcular
esse volume é necessário conhecer antes a taxa de juros. A conclusão
importante é que o fluxo de investimento se estende até que a eficiência
marginal do capital caia ao nível da taxa de juros e o que a escala da
eficiência marginal do capital nos indica não é taxa de juros, mas os
pontos até os quais o fluxo de novos investimentos tende a alcançar
quando a taxa de juros tem um valor dado.
O leitor perceberá, sem dificuldade, a importância teórica fundamental e o alcance prático considerável do problema que estamos
examinando. Os economistas quase sempre basearam seus conselhos
práticos na teoria de que, coeteris paribus, uma diminuição nos gastos
tenderá a fazer baixar a taxa de juros e um aumento do investimento
tenderá a fazê-la subir, porém, se o que estas duas quantidades determinam não é a taxa de juros, mas o volume agregado do emprego,
então, nossa visão sobre o funcionamento do sistema econômico nos
aparecerá profundamente modificada. Uma menor disposição para gastar será vista de uma perspectiva bastante diferente se, em vez de
considerá-la um fator que, coeteris paribus, aumenta o investimento,
for considerada um fator que, coeteris paribus, faz diminuir o emprego.
188
APÊNDICE
CAPÍTULO 14
AO
Apêndice Sobre a Taxa de Juros em “Principles of
Economics” de Marshall, em “Principles of Political
Economy” de Ricardo e em Outras Obras
I
Não há nenhum estudo sistemático sobre a taxa de juros nas
obras de Marshall, de Edgeworth e do professor Pigou — excetuando-se
obiter dicta aqui, ali e acolá. Além da passagem já citada anteriormente
(p. 103), a única indicação importante sobre a posição de Marshall a
respeito da taxa de juros encontra-se em sua obra Principles of Economics (6ª ed.), Livro VI, p. 534 e 593, cuja essência pode ser encontrada
nas citações seguintes:
“O juro, sendo pago pelo uso do capital em qualquer mercado,
tende a um nível de equilíbrio, no qual a procura agregada de
capital no dito mercado, a essa taxa de juros, é igual ao estoque
agregado,117 que nele se apresenta à mesma taxa. Se o mercado
que estamos considerando for pequeno — digamos, uma única
cidade ou um ramo de comércio isolado em um país em progresso
—, um aumento na sua procura de capital será logo compensado
pelo aumento da oferta proveniente de distritos ou ramos comerciais vizinhos. Porém, se considerarmos o mundo em conjunto,
ou pelo menos todo grande país, como um único mercado de capital, não poderemos pensar que uma variação na taxa de juros
117 Deve-se notar que Marshall emprega a palavra ”capital" e não “moeda”, bem como a palavra
“estoque” e não “empréstimo”; todavia, o juro é um pagamento pelo empréstimo de moeda
e “procura de capital” neste contexto deveria significar “procura de empréstimos de moeda
para comprar um estoque de bens de capital”. Mas a igualdade entre o estoque de bens
de capital ofertado e o volume demandado é criada pelo preço dos bens de capital e não
pela taxa de juros. O que a taxa de juros iguala, efetivamente, é a procura e a oferta de
empréstimos de moeda, isto é, de débitos.
189
OS ECONOMISTAS
altere rápida e amplamente a oferta agregada de capital. O fundo
geral de capital é o produto do trabalho e da espera; o trabalho
extra118 e a espera extra, para os quais uma alta na taxa de
juros seria um incentivo, não atingiriam grandes volumes num
prazo breve, comparados com o trabalho e a espera que originam
a totalidade do estoque existente de capital. Grande aumento da
procura de capital, em geral, é, pois, satisfeito durante certo tempo
menos por um incremento da oferta do que por uma alta na taxa
de juros,119 o que levará o capital a desviar-se, parcialmente, dos
usos em que a sua utilidade marginal seja menor. A alta na taxa
de juros só aumentará o estoque total de capital de forma lenta
e gradual" (p. 534).
“É necessário sempre repetir que a expressão ‘taxa de juros’
só é aplicável em sentido muito limitado aos antigos investimentos
de capital.120 Poderíamos, por exemplo, calcular que um capital
industrial de uns sete bilhões está investido nas diferentes atividades produtivas desse país a uma taxa de juros líquida de
cerca de 3%. Mas esta maneira de dizer, embora conveniente e
justificável em muitos casos, não é exata. O que se deveria dizer
é que, considerando a taxa de juros líquida sobre os investimentos
de capital novo em cada uma dessas atividades (isto é, sobre os
investimentos marginais) em torno de 3%, a renda agregada líquida produzida por todo o capital investido nas diversas atividades é de tal natureza que, capitalizada em 33 anos (ou seja,
118 Isso supõe que a renda não é constante, mas a maneira pela qual a alta taxa de juros
provoca o “trabalho extra” não é explicitada claramente. Dever-se-ia entender que uma
elevação da taxa de juros, pelo fato de tornar maiores os atrativos do trabalho, com o fim
de poupar, é para ser considerada uma forma de aumento dos salários reais, que induzirá
os fatores de produção a trabalharem por um salário menor? Tal é, penso eu, o modo de
ver de D. H. Robertson, num contexto semelhante. Certamente, “isto não significaria grande
coisa a curto prazo”; e seria temerário, para não dizer absurdo, querer explicar deste modo
as flutuações efetivas do investimento. A forma em que redigiria de novo a segunda metade
desta frase seria: “e se um aumento considerável na demanda de capital em geral, em
virtude de um deslocamento na curva da eficiência marginal do capital, não for compensado
por uma alta da taxa de juros, o aumento subseqüente do emprego e da renda, resultante
de um acréscimo na produção de bens de capital, levará a um montante de espera extra
que, medido em termos monetários, será exatamente igual ao valor do incremento efetivo
de capital e bastará, portanto, justamente para o satisfazer”.
119 Por que não por uma alta no preço de oferta dos bens de capital? Suponhamos, por exemplo,
que “o grande aumento na demanda de capital em geral” se deva a uma baixa na taxa de
juros. Sugeriria que a frase tivesse esta nova redação: “Portanto, na medida em que um
aumento considerável na procura de bens de capital não possa ser imediatamente satisfeito
por um aumento do estoque total, este aumento deverá ser contido, durante o tempo que
se fizer necessário, por uma elevação do preço de oferta dos bens de capital que baste para
conservar a eficiência marginal do capital em equilíbrio com a taxa de juros, sem que haja
alteração substancial no montante físico do investimento; enquanto isso (como sempre
acontece) os fatores de produção adaptados à produção de bens de capital serão usados
para elaborar aqueles bens cuja eficiência marginal seja maior nas novas condições”.
120 De fato, não se pode falar de tal coisa absolutamente. Podemos falar propriamente apenas
da taxa de juros sobre o dinheiro que foi tomado emprestado para a aquisição de investimentos de capital, novo ou velho (ou para qualquer outro objetivo).
190
KEYNES
à taxa de 3%), alcançaria o montante de uns sete bilhões de
libras, pois o valor do capital já investido para preparar a terra,
na construção de edifícios, de estradas de ferro ou de máquinas
é o valor agregado descontado, correspondente a suas futuras
rendas líquidas estimadas (ou quase-rendas); e se a sua renda
provável diminuísse, seu valor baixaria proporcionalmente e não
seria mais que o valor capitalizado dessa renda reduzida, depois
de levada em conta a depreciação” (p. 593).
Em sua obra Economics of Welfare (3ª ed.), p. 163, o professor
Pigou escreve:
“A natureza do serviço da ‘espera’ tem sido muito mal interpretada. Algumas vezes, foi feita a suposição de que consistia na
provisão de moeda, outras vezes, na provisão de tempo e, em
ambas as hipóteses, sustentou-se que ela em nada contribui para
o dividendo. Nenhuma destas suposições é correta. A ‘espera’
significa apenas adiar o consumo que uma pessoa tem o direito
de efetuar imediatamente, liberando assim os recursos, que poderiam ter sido destruídos, para tomar a forma de instrumentos
de produção...121 A unidade de ‘espera’ é, portanto, o uso de uma
quantidade determinada de recursos122 — por exemplo, mão-deobra ou maquinaria — durante certo tempo... Em termos mais
gerais, podemos dizer que a unidade de espera é uma unidade
de valor anual ou, na linguagem mais simples, embora menos
exata, do dr. Cassel, uma libra-ano... É preciso que se faça uma
advertência contra o ponto de vista generalizado de que o volume
de capital acumulado durante um ano seja, necessariamente,
igual ao montante das ‘poupanças’ feitas durante o mesmo. Tal
não é o caso, ainda que interpretemos a palavra ‘poupanças’ no
sentido de poupanças líquidas, eliminando assim a poupança de
um indivíduo emprestada a outro para aumentar seu consumo,
e ignorando as acumulações temporárias de direitos de haver
não exercidos, sob a forma de moeda bancária, pois muitas das
poupanças destinadas a se converterem em capital de fato não
cumprem o seu objetivo, desviadas que são para usos que representam um desperdício”.123
121 Esta formulação é ambígua, não nos diz se o adiamento do consumo tem, necessariamente,
este efeito ou se tem apenas por resultado liberar recursos que, conforme as circunstâncias,
ficarão em emprego ou servirão para investimentos.
122 E não, cumpre notar, a quantidade de dinheiro que o beneficiário do rendimento poderia
gastar, mas não gasta, em consumo; a remuneração da espera tem, portanto, o caráter não
de um juro, mas de uma quase-renda. Esta frase parece admitir, implicitamente, que os
recursos liberados são necessariamente usados. Qual será, pois, a remuneração da espera,
se os recursos liberados não forem utilizados?
123 Esta passagem não nos diz se as poupanças líquidas seriam iguais ou não ao incremento
do capital, caso não levássemos em conta os investimentos mal orientados, embora consi191
OS ECONOMISTAS
A única menção significante feita pelo professor Pigou a respeito
do que determina a taxa de juros se encontra, acho eu, em seu livro
Industrial Fluctuations (1ª ed.), p. 251-253, onde discute a tese de que
a taxa de juros, pelo fato de ser determinada pelas condições gerais
da oferta e da procura de capital físico, escapa ao controle dos bancos
ou do banco central. Em contradição a esta tese, apresenta o seguinte
argumento:
“Quando os banqueiros criam mais crédito para os homens de
negócios, efetuam em seu próprio interesse, conforme explicações
feitas no capítulo XIII da Parte Primeira,124 uma tributação forçada sobre os bens reais do público, aumentando assim o fluxo
corrente de capital real de que dispõem e ocasionando uma baixa
na taxa real de juros, tanto para o longo quanto para o curto
prazo. Em resumo, é certo que a taxa bancária do dinheiro está
ligada por um vínculo mecânico à taxa real de juros nos empréstimos a longo prazo, mas não é verdade que esta última seja
determinada por fatores que escapam completamente ao controle
dos bancos".
Meus breves comentários sobre as passagens acima foram feitos
nas notas de rodapé. A perplexidade que verifico nas idéias de Marshall
sobre o assunto reside, fundamentalmente, na introdução do conceito
de “juro”, o qual pertence a uma economia monetária, num tratado
que não leva em conta a moeda. O “juro”, na realidade, está fora de
contexto na obra Principles of Economics de Marshall — pertence a
outro ramo da matéria. O professor Pigou, de acordo com suas outras
hipóteses tácitas, leva-nos a concluir (em sua obra Economics of Welfare)
que a unidade de espera é a mesma que a unidade de investimento
corrente e que a remuneração de espera tem o caráter de uma quase-renda; praticamente quase nunca menciona o juro — e tem razão
em não o mencionar. Contudo, estes autores não estão tratando com
derássemos as “acumulações temporárias dos direitos de haver não exercidos sob forma de
moeda bancária”. Mas o prof. Pigou, em Industrial Fluctuations (p. 22), explica claramente
que tais acumulações não têm efeito sobre o que ele chama “poupança real”.
124 O texto a que o prof. Pigou se refere (op. cit., p. 129-134) expõe seu ponto de vista sobre
a medida em que a criação pelos bancos aumenta o fluxo de capital real disponível para
os empresários. Na verdade, procura deduzir ”do crédito flutuante concedido aos empresários
por meio de criação de crédito o capital flutuante que teria sido fornecido por outros meios
se os bancos não estivessem lá". Depois de feitas estas deduções, o raciocínio torna-se
bastante obscuro. Para começar, as pessoas que vivem de rendas (rentiers) têm uma renda
de 1 500, da qual consomem 500 e economizam 1 000; o ato de criação de crédito reduz-lhes
a renda a 1 300, da qual consomem 500 – x e economizam 800 + x; e x, conclui o prof.
Pigou, representa o aumento líquido de capital que ficou disponível em razão da criação
de crédito. Deve-se supor que a renda dos empresários é inflada pelo montante que eles
conseguem emprestado dos bancos (depois de feitas as deduções citadas? Ou aumenta pelo
valor 200, subtraído da renda dos rentiers?). Em qualquer das hipóteses, deve-se supor
que poupam o total desse valor? O investimento suplementar é igual aos créditos criados
menos as deduções? Ou é igual a x? Parece que o raciocínio acaba onde deveria começar.
192
KEYNES
uma economia não monetária (se é que existe tal coisa); admitem claramente que se utiliza a moeda e que existe um sistema bancário.
Igualmente, em Industrial Fluctuations, do professor Pigou (onde estuda sobretudo as flutuações da eficiência marginal do capital), ou em
sua Theory of Unemployment (que é, primordialmente, um estudo das
causas da variação no volume de emprego, na hipótese de que não
exista desemprego involuntário), a taxa de juros tampouco representa
um papel mais importante do que em sua obra Economics of Welfare.
II
A passagem seguinte, extraída da obra Principles of Political Economy (p. 511), contém o essencial da teoria de Ricardo sobre a taxa
de juros:
“O juro do dinheiro não é regulado pela taxa à qual o banco
emprestará, seja ela de 5, 3 ou 2%, mas pela taxa de lucro que
se pode obter do emprego do capital, a qual é inteiramente independente da quantidade ou do valor do dinheiro. Ainda que o
Banco empreste um milhão, dez milhões ou cem milhões, isso
não altera de modo permanente a taxa de juros do mercado,
senão apenas o valor da moeda assim emitida. Em certo caso,
poder-se-ia necessitar de dez ou vinte vezes mais dinheiro do
que em outro para explorar o mesmo negócio. Os pedidos de
empréstimos bancários dependem, portanto, da relação entre a
taxa de lucro que se pode conseguir com seu emprego e aquela
à qual o Banco está disposto a emprestá-los. Se esta última for
menor que a taxa de juros do mercado, não haverá dinheiro bastante que não possa ser emprestado; se for maior, apenas os
esbanjadores e os pródigos estarão dispostos a tomá-lo”.
Isto é tão claro que oferece um ponto de partida para uma melhor
discussão das afirmações dos autores subseqüentes, os quais, sem realmente se afastarem da essência da doutrina ricardiana, se sentem,
entretanto, constrangidos a ponto de procurarem refúgio em colocações
nebulosas. Decerto, o que foi dito, como sempre acontece quando se
trata de Ricardo, tem de ser interpretado como uma doutrina de longo
prazo, com ênfase sobre a palavra “permanente” inserida no meio da
passagem; e é interessante considerar as hipóteses necessárias para
validar esta teoria.
Uma vez mais, a hipótese que se aplica é a hipótese clássica de
que há sempre pleno emprego: desse modo, supondo a inexistência de
mudanças na curva de oferta de trabalho em termos de produto, há
apenas um nível possível de emprego no equilíbrio a longo prazo. Nesta
hipótese, e com a usual condição de coeteris paribus, isto é, de que
não haja nas propensões ou expectativas psicológicas nenhuma outra
mudança além daquelas decorrentes de uma alteração na quantidade
193
OS ECONOMISTAS
de moeda, a teoria ricardiana é válida, no sentido de que, com base
nessas hipóteses, resta apenas uma taxa de juros compatível com o
pleno emprego a longo prazo. Ricardo e seus sucessores não deram a
devida importância ao fato de que, mesmo a longo prazo, o nível de
emprego não é necessariamente pleno, podendo alcançar níveis diversos
e que a cada política bancária corresponde um nível de emprego diferente a longo prazo; em conseqüência, pode haver, a longo prazo, diversas posições de equilíbrio correspondentes às diversas políticas de
juros suscetíveis de serem adotadas pela autoridade monetária.
Se Ricardo houvesse restringido a apresentação de seu argumento
à sua aplicação apenas às variações da quantidade de moeda criada
pela autoridade monetária, teria ainda sido correto, admitindo a hipótese de que os salários nominais fossem flexíveis. Em outros termos,
se Ricardo houvesse sustentado que a taxa de juros não sofreria alteração permanente, embora a autoridade monetária fixasse em dez milhões ou em cem milhões a quantidade de moeda, a sua conclusão
seria válida. Mas, se por política da autoridade monetária queremos
significar, também, os termos em que essa autoridade aumentará ou
diminuirá a quantidade de moeda, isto é, a taxa de juros à qual, seja
por mudança no volume dos descontos seja por operações de mercado
aberto, ela aumentará ou reduzirá suas disponibilidades — que é expressamente o que Ricardo está dizendo na citação acima —, então
deixa de ser exato que a política monetária seja ineficaz ou que apenas
uma única política seja compatível com o equilíbrio a longo prazo,
embora, no caso extremo em que se supõe uma baixa ilimitada nos
salários nominais em face do desemprego involuntário, em razão da
inútil concorrência entre os trabalhadores desocupados, haja apenas
duas posições possíveis a longo prazo — pleno emprego e nível de
emprego correspondente à taxa de juros em que a preferência pela
liquidez se torna absoluta (caso este volume de emprego seja inferior
ao pleno emprego). Admitindo salários nominais flexíveis, a quantidade
de moeda como tal é, com efeito, ineficaz a longo prazo; mas os termos
em que a autoridade monetária modifica essa quantidade intervêm no
esquema econômico como determinante real.
Vale a pena acrescentar que as últimas frases da citação sugerem
que Ricardo não levou em conta as possíveis modificações na eficiência
marginal do capital de acordo com o montante investido. Mas isto pode
ser interpretado como um novo exemplo da sua maior coerência lógica,
comparada à dos seus sucessores. Se tomarmos como dados o volume
de emprego e das tendências psicológicas da comunidade, só pode, de
fato, haver uma taxa possível de acumulação de capital. Ricardo oferece-nos a suprema realização intelectual, inatingível por espíritos menos privilegiados, de adotar um mundo hipotético distante da experiência, como se fora o próprio mundo da experiência, e, em seguida,
de nele viver consistentemente. No caso da maior parte dos seus su194
KEYNES
cessores, é impossível evitar a interferência do “bom senso”, que causa
prejuízos à coerência lógica.
III
O professor von Mises propôs uma teoria peculiar da taxa de
juros, a qual foi adotada pelo professor Hayek e também, creio eu,
pelo professor Robbins. Segundo esta teoria, poder-se-iam identificar
as variações da taxa de juros com as dos níveis de preços relativos
dos bens de consumo e dos bens de capital.125 O meio de chegar a esta
conclusão não ficou claro. Mas o raciocínio parece desenvolver-se da
seguinte maneira: através de uma simplificação um tanto drástica, a
eficiência marginal do capital é considerada como medida pela relação
entre os preços de oferta dos novos bens de consumo e por preços de
oferta dos novos bens de produção.126 Em seguida, esta relação é identificada com a taxa de juros. Chama-se a atenção para o fato de que
uma baixa na taxa de juros é favorável ao investimento. Ergo, uma
baixa na relação entre os preços dos bens de consumo e os bens de
produção é favorável ao investimento.
Por este meio, cria-se um elo entre o incremento da poupança
de um indivíduo e do investimento agregado, pois é sabido que o aumento da poupança individual faz baixar o preço dos bens de consumo
e, possivelmente, em proporção bem maior que o dos bens de produção;
portanto, isto significa, de acordo com o raciocínio precedente, uma
redução da taxa de juros que estimulará o investimento. Torna-se,
portanto, evidente que uma diminuição da eficiência marginal de certos
bens de capital específicos e, em conseqüência, uma baixa da curva
da eficiência marginal do capital em geral produzem um efeito exatamente oposto ao que presume o raciocínio anterior, pois o investimento
é estimulado quer por uma alta da curva da eficiência marginal quer
por uma baixa da taxa de juros. Por haver confundido a eficiência
marginal do capital com a taxa de juros, o professor von Mises e seus
discípulos chegaram a conclusões exatamente contrárias e erradas. Um
bom exemplo de confusão desta espécie é o seguinte trecho do professor
Alvin Hansen:127
“Alguns economistas sugeriram que uma redução dos gastos
teria como resultado líquido um nível de preços dos bens de consumo inferior ao que existiria em outras condições e que, em
125 The Theory of Money and Credit. p. 339 et pas., particularmente p. 363.
126 Num equilíbrio de longo prazo, poder-se-iam conceber hipóteses especiais em que este raciocínio seria exato, mas, quando os preços em questão são os que prevalecem em período
de crise, é errado supor, a título de simplificação, que o empresário faz suas previsões como
se esses preços devessem ser permanentes. Além disso, se o fizer, os preços de bens de
produção existentes baixariam na mesma proporção que os preços dos bens de consumo.
127 Economic Reconstruction. p. 233.
195
OS ECONOMISTAS
conseqüência, o estímulo para o investimento em capital fixo tenderia a reduzir-se. Este ponto de vista é, contudo, incorreto e
baseia-se numa confusão entre os efeitos que exercem respectivamente sobre a formação do capital: (1) da alta ou baixa do
preço dos bens de consumo e (2) das variações da taxa de juros.
É verdade que, em conseqüência da redução dos gastos e do aumento da poupança, os preços dos bens de consumo baixaram
em relação aos dos bens de produção. Mas isto significa, na realidade, uma taxa de juros menor e uma taxa de juros menor
provoca uma expansão do investimento de capital em áreas onde
não seria lucrativo se as taxas fossem mais elevadas”.
196
CAPÍTULO 15
Os Incentivos Psicológicos e Empresariais para a Liquidez
I
Cumpre-nos, agora, analisar mais detalhadamente os motivos
da preferência pela liquidez que apresentamos, de forma introdutória,
no capítulo 13. O assunto é substancialmente idêntico ao que, por
vezes, tem sido estudado sob a designação de demanda de moeda. Isto
se relaciona, também, de forma íntima, com aquilo que se tem chamado
a velocidade-renda da moeda, pois a velocidade-renda da moeda mede
simplesmente a proporção de renda que o público deseja conservar em
forma de moeda, de tal modo que um aumento na velocidade-renda
da moeda pode ser sintoma de uma redução na preferência pela liquidez.
Todavia, não é a mesma coisa, uma vez que é em relação ao seu enfoque
acumulado de poupança em vez de em relação à sua renda que o
indivíduo pode exercer sua escolha entre a liquidez e a iliquidez. E,
de qualquer maneira, a expressão “velocidade-renda da moeda” tem
implícita a sugestão enganosa de assumir que a procura da moeda em
conjunto seja proporcional ou tenha determinada relação com a renda;
ora, conforme veremos, esta suposição só deverá aplicar-se a uma parte
dos encaixes líquidos do público; como resultado disso não leva em
conta o papel desempenhado pela taxa de juros.
Em minha obra Treatise on Money estudei a demanda total da
moeda sob três designações: depósitos de renda, depósitos para negócios
e depósitos de poupança, e parece-me desnecessário repetir aqui a análise do capítulo 3 dessa obra. O dinheiro guardado para cada um destes
três motivos constitui, no entanto, um fundo único, que o seu detentor
não precisa dividir em três compartimentos estanques, pois eles podem
não ser nitidamente separados, nem mesmo em sua mente, e certa
soma pode ser reservada primordialmente para um fim e, secundariamente, para outro. Destarte, podemos — de forma idêntica e, talvez,
melhor — considerar a demanda agregada da moeda do indivíduo, em
197
OS ECONOMISTAS
determinadas circunstâncias, como uma decisão única, para a qual
concorrem vários motivos diferentes.
Ao analisar estes motivos, é, apesar de tudo, conveniente classificá-los, como foi feito anteriormente, em categorias, a primeira das
quais corresponde, em linhas gerais, aos depósitos de renda e aos depósitos para negócios, e as duas últimas aos depósitos de poupança.
Já os apresentei sucintamente, no capítulo 13, sob as designações de
motivo-transação, que pode ainda subdividir-se em motivo-renda e motivos-negócios, motivo-precaução e motivo-especulação.
(i) O motivo-renda. Uma das razões para conservar recursos líquidos é garantir a transição entre o recebimento e o desembolso da
renda. A força deste motivo para induzir uma decisão de conservar
um montante agregado de moeda dependerá, principalmente, do montante da renda e da duração normal do intervalo entre o seu recebimento e o seu desembolso. O conceito de velocidade-renda da moeda
é estritamente apropriado apenas a este contexto.
(ii) Os motivos-negócios. Da mesma maneira, os recursos líquidos
são conservados para assegurar o intervalo entre o momento em que
começam as despesas e o do recebimento do produto das vendas, incluindo-se sob este título os recursos líquidos que conservam os empresários para garantir o intervalo entre a compra e a realização. A
intensidade desta demanda dependerá, principalmente, do valor da
produção corrente (e, portanto, do rendimento corrente) e do número
de mãos através das quais passa essa produção.
(iii) O motivo-precaução. Entre outros motivos para conservar
recursos líquidos, destacam-se os de atender às contingências inesperadas e às oportunidades imprevistas de realizar compras vantajosas
e os de conservar um ativo de valor fixo em termos monetários para
honrar uma obrigação estipulada em dinheiro.
A força desses três tipos de motivos dependerá, em parte, do
custo e da segurança dos métodos para obter dinheiro em caso de
necessidade, por meio de alguma forma de empréstimo temporário,
especialmente retiradas a descoberto ou o seu equivalente, pois não
há necessidade de conservar dinheiro ocioso para assegurar os intervalos se se pode obtê-lo sem dificuldade no momento oportuno. Sua
força dependerá, também, do que podemos denominar o custo relativo
da retenção de recursos líquidos. Se os recursos líquidos só podem ser
retidos mediante o sacrifício da compra de um bem lucrativo, esta
circunstância aumenta o custo relativo de sua retenção e, portanto,
debilita o motivo para guardar certo montante de recursos líquidos.
Se os depósitos auferem juros ou se se evitam despesas bancárias conservando o dinheiro, isso diminui o custo e reforça o motivo. Este fator,
198
KEYNES
contudo, pode ser de importância secundária, salvo em caso de grandes
alterações no custo da retenção de recursos líquidos.
(iv) Resta o motivo-especulação. Ele requer um estudo mais detalhado que os outros, tanto pelo fato de ser menos compreendido,
como por ser especialmente importante para transmitir os efeitos de
uma variação na quantidade de moeda.
Em circunstâncias normais, o volume de moeda necessário para
satisfazer os dois motivos, transação e precaução, é principalmente o
resultado da atividade geral do sistema econômico e do nível da renda
nacional em termos monetários. Todavia, a administração monetária
(ou, em sua ausência, as mudanças fortuitas que podem advir da quantidade de moeda) faz sentir seu efeito sobre o sistema econômico por
sua influência sobre o motivo-especulação. Isso porque a demanda de
moeda para satisfazer os motivos anteriores é, em geral, insensível a
qualquer influência que não a de uma alteração efetiva na atividade
econômica geral e no nível da renda, ao passo que a experiência mostra
que a demanda de moeda para satisfazer o motivo-especulação varia
de modo contínuo sob o efeito de uma alteração gradual na taxa de
juros, isto é, há uma curva contínua relacionando as variações na demanda de moeda para satisfazer o motivo-especulação com as que ocorrem na taxa de juros, devidas às variações no preço dos títulos e às
dívidas de vencimentos diversos.
De fato, se assim não fosse, as operações de mercado aberto seriam
impraticáveis. Eu disse que a experiência indica a relação constante
há pouco mencionada porque de fato o sistema bancário está sempre
apto, em circunstâncias normais, a comprar (ou vender) títulos e obrigações em troca de moeda, oferecendo por eles um preço de mercado
modestamente maior (ou menor); e quanto maior for a quantidade de
recursos líquidos que os bancos desejam criar (ou cancelar) pela compra
(ou venda) de títulos e dívidas, maior deverá ser a baixa (ou alta) na
taxa de juros. Entretanto, quando as operações de mercado aberto (como
nos Estados Unidos em 1933-1934) se limitam à compra de títulos de
vencimento muito próximo, o seu efeito pode, evidentemente, limitar-se
à simples taxa de juros a prazo muito curto e provocar apenas ligeira
reação sobre as taxas de juros a longo prazo, que são muito mais
importantes.
Ao tratar do motivo de especulação, convém distinguir, entre as
variações da taxa de juros, as que se devem a mudanças na oferta de
moeda disponível para satisfazer esse motivo, sem que haja ocorrido
alteração alguma na função de liquidez, e as que têm como causa
principal as mudanças nas expectativas que afetam diretamente essa
função. As operações de mercado aberto podem, sem dúvida, influir
sobre a taxa de juros de ambas as maneiras, quer alterando o volume
de moeda, quer dando origem a novas expectativas relativamente à
199
OS ECONOMISTAS
política futura do banco central ou do governo. As mudanças próprias
da função de liquidez, resultantes de modificações nas informações que
provocam revisão das previsões, são freqüentemente descontínuas e
engendram descontinuidades correspondentes nas variações da taxa
de juros. Decerto, só haverá lugar para uma atividade maior de negócios
no mercado de títulos na medida em que a variação de informações
for interpretada de modo diferente pelos diferentes indivíduos ou afete
os interesses individuais de maneira desigual. Quando uma mudança
no noticiário afeta a opinião e as necessidades de cada um de forma
precisamente idêntica, a taxa de juros (tal como é indicada pelos preços
de títulos e dívidas) se ajustará imediatamente à nova situação sem
necessidade de quaisquer transações de mercado.
Assim sendo, no caso mais simples em que todos os indivíduos
têm opiniões e interesses semelhantes, uma alteração nas circunstâncias ou nas expectativas não ocasionará nenhum deslocamento de moeda; apenas modificará a taxa de juros no grau necessário para contrabalançar o desejo que, no nível anterior de juro, cada indivíduo sentia
no sentido de ajustar suas reservas líquidas às circunstâncias ou expectativas novas, e, desde que todos mudem, no mesmo grau, suas idéias
quanto à taxa que os induzam a alterar suas reservas líquidas, não resultará transação alguma. A cada conjunto de circunstâncias e de expectativas corresponderá uma taxa de juros apropriada e nunca se verificarão
suspeitas de alguém modificar suas reservas líquidas habituais.
De modo geral, entretanto, uma alteração nas circunstâncias ou
expectativas provocará um reajuste nas reservas líquidas individuais
— desde que, de fato, uma mudança influa nas idéias dos diferentes
indivíduos de modo diverso, devido, em parte, às diferenças de meio
ambiente e ao motivo que os levou a guardar dinheiro e, em parte, às
diferenças de conhecimento e interpretação da nova situação. Desse
modo, a nova posição de equilíbrio da taxa de juros estará associada
a uma redistribuição da retenção dos recursos líquidos. Todavia, o que
mais nos interessa é a mudança na taxa de juros e não a redistribuição
dos recursos líquidos. Esta última é devida apenas a diferenças eventuais entre os indivíduos ao passo que o fenômeno essencial é o que
ocorre no caso mais simples. Mais do que isso, mesmo no caso geral,
a variação da taxa de juros é, comumente, o efeito mais importante
da reação a uma mudança nas informações. O movimento nos preços
dos títulos e obrigações está, como costumam dizer os jornais, “fora
de qualquer proporção com a atividade dos negócios” — e é natural
que assim o seja, tendo-se em vista que as reações dos diversos indivíduos às informações são muito mais similares do que dessemelhantes.
II
Embora o montante de recursos líquidos que um indivíduo resolve
conservar para satisfazer os motivos de transações e de precaução não
200
KEYNES
seja inteiramente independente do que ele conserva para satisfazer o
motivo de especulação, podemos considerar, como uma abordagem inicial válida, estas duas categorias de recursos líquidos como sendo, em
grande parte, independentes uma da outra. Conseqüentemente, para
facilitar nossa análise apresentada a seguir, desdobraremos o problema
deste ponto de vista.
Sejam M1 o montante de recursos líquidos conservado para satisfazer o motivo-transação e o motivo-precaução e M2 o montante conservado para satisfazer o motivo-especulação. Correspondendo a estes
dois compartimentos de recursos líquidos temos, então, duas funções
de liquidez L1 e L2. L1 depende, principalmente, do nível de renda,
enquanto L2 depende da relação entre a taxa corrente de juros e o
estado das expectativas. Portanto,
M = M1 + M2 = L1 (Y) + L2 (r),
onde L1 é a função de liquidez correspondente à renda Y, que determina M1, e L2 a função de liquidez em relação à taxa de juros
r, que determina M2. Isto leva à confusão de que há três questões
a investigar: (i) a relação entre as variações de M e as de Y e r,
(ii) os fatores que determinam a forma de L1; (iii) os fatores que
determinam a forma de L2.
(i) A relação entre as variações de M e as de Y e r depende, na
primeira instância, da maneira como ocorrem as variações de M. Suponhamos que M consista em moedas de ouro e que só possa variar
em conseqüência de um incremento de renda nas atividades de mineração de ouro pertencente ao sistema econômico que está sendo examinado. Neste caso, as variações de M estão, na primeira instância,
diretamente associadas às de Y, em se considerando que o novo ouro
se acrescenta à renda de alguém. A situação é exatamente a mesma
quando as variações de M são devidas a emissões de papel-moeda
feitas pelo Governo para atender a suas despesas correntes; neste caso,
também, o novo dinheiro se acrescenta à renda de alguém. O novo
nível de renda, entretanto, não permanecerá suficientemente alto para
que as necessidades de M1 absorvam todo o aumento de M; e uma
parte do dinheiro procurará saída na compra de títulos ou de outros
bens até que r tenha baixado, de modo que provoque uma alta no
montante de M2 e, ao mesmo tempo, estimule um aumento de Y a tal
ponto que o novo dinheiro seja absorvido quer por M2 quer por M1, o
que corresponde ao aumento de Y ocasionado pela baixa de r. Este
caso torna-se, assim, aproximadamente igual ao outro, em que o novo
dinheiro só pode ser emitido, na primeira instância, por meio de um
afrouxamento das condições de crédito por parte do sistema bancário,
de modo que induza alguém a vender aos bancos um título ou letra
em troca de nova moeda.
201
OS ECONOMISTAS
Estaremos, portanto, bem fundamentados se tomarmos o último
caso como típico. Pode-se admitir que uma variação de M conduza a
uma variação em r, e uma variação em r conduza a novo equilíbrio,
em parte, por alterar M2 e, em parte, por modificar Y e conseqüentemente, M1. Na posição de equilíbrio, a divisão do incremento de recursos
líquidos entre M1 e M2 dependerá da reação do investimento a uma
baixa na taxa de juros e da renda a um acréscimo do investimento.128
Desde que Y depende, em parte, de r, segue que determinada variação
em M terá de ocasionar uma variação suficiente em r para que a soma
das variações resultantes de M1 e M2 seja igual à variação dada de M.
(ii) Nem sempre ficou claro se a velocidade-renda da moeda é
definida como a proporção entre Y e M ou como a proporção entre Y
e M1. Proponho, contudo, tomá-la neste último sentido. Assim sendo,
se V for a velocidade-renda da moeda, teremos,
L1 (Y) =
Y
= M1 .
V
Não há, naturalmente, nenhuma razão para supor que V seja
constante. Seu valor dependerá do caráter da organização bancária e
industrial, dos hábitos sociais, da distribuição da renda entre as diferentes classes e do custo real de conservar dinheiro ocioso. Não obstante
isso, se tivermos um prazo curto em mente e se pudermos admitir que
não haverá mudança substancial em nenhum destes fatores, poderemos
considerar V quase constante.
(iii) Resta, finalmente, a questão da relação entre M2 e r. Vimos,
no capítulo 13, que a incerteza das futuras variações na taxa de juros
é a única explicação inteligível da preferência pela liquidez L2, que
justifica a conservação de recursos líquidos M2. Segue-se, daí, que,
entre certo montante e certa taxa de juros r não haverá relação quantitativa definida; o que importa não é o nível absoluto de r, mas o seu
grau de divergência quanto ao que se considera um nível razoavelmente
seguro de r, levando em conta os cálculos de probabilidade a que se
recorre. Existem, entretanto, duas razões para crer que, em certo estado
de expectativa, uma baixa de r estará associada a um aumento de M2.
Em primeiro lugar, se o nível de r, que a opinião geral considera seguro,
permanece invariável, cada baixa de r diminui a taxa do mercado relativamente ao nível considerado “seguro” e, portanto, aumenta os riscos
de liquidez; em segundo lugar, cada baixa de r reduz os lucros correntes
provenientes da iliquidez, que está disponível como uma espécie de
128 Temos de postergar para o Livro Quinto a questão de saber o que determina o caráter do
novo equilíbrio.
202
KEYNES
prêmio de seguro para compensar o risco de perda de capital, em quantidade igual à diferença entre os quadrados da taxa antiga de juros e
da nova. Por exemplo, se a taxa de juros nas dívidas a longo prazo
for de 4%, é preferível que se sacrifique a liquidez, a não ser que um
balanço da probabilidade faça temer uma alta da taxa de juros a longo
prazo superior a 4% do seu valor por ano, isto é, superior a 0,16% ao
ano. Entretanto, se a taxa de juros for de 2%, o rendimento corrente
apenas compensará uma alta eventual do juro de 0,04% ao ano. É
este, de fato, o principal obstáculo para uma baixa muito acentuada
da taxa de juros. A não ser que possam existir razões para crer que
a experiência futura seja muito diferente da passada, uma taxa de
juros a longo prazo de, digamos, 2% deixa mais a temer de que a
esperar e, ao mesmo tempo, oferece um rendimento corrente que é
apenas suficiente para compensar um ligeiro temor.
É, portanto, evidente que a taxa de juros é um fenômeno basicamente psicológico. Veremos, de fato, no Livro Quinto que ela não
poderá manter-se em equilíbrio em um nível inferior ao que corresponde
ao pleno emprego, porque nesse nível se produzirá um estado de inflação
real, em que M1 absorverá quantidades sempre crescentes de dinheiro.
Porém, num nível que esteja acima do correspondente ao pleno emprego, a taxa de juros a longo prazo dependerá não apenas da política
corrente da autoridade monetária, mas também das expectativas do
mercado no que se refere à sua política futura. A autoridade monetária
controla, com facilidade, a taxa de juros a curto prazo, não só pelo
fato de não ser difícil criar a convicção de que sua política não mudará
sensivelmente em um futuro muito próximo, como também em virtude
de a possível perda ser pequena, quando comparada com o rendimento
corrente (a não ser que este chegue a ponto de ser quase nulo). Mas
a taxa a longo prazo pode mostrar-se mais recalcitrante no momento
em que caia a um nível que, com base na experiência passada e nas
expectativas correntes da política monetária futura, a opinião abalizada
considera “inseguro”. Por exemplo, em um país ligado a um padrão-ouro
internacional, uma taxa de juros inferior à prevalecente em qualquer
outra parte será vista com justificável desconfiança; mesmo assim, uma
taxa de juros interna elevada à paridade com a mais alta (a mais alta
depois de considerados os riscos) existente nos outros países pertencentes ao sistema internacional pode estar muito acima do nível compatível com o pleno emprego interno.
Assim sendo, uma política monetária que a opinião pública considere experimental em sua natureza e facilmente sujeita a mudanças
pode falhar no seu objetivo de reduzir consideravelmente a taxa de
juros a longo prazo, porque M2 pode levar a um aumento quase sem
limite em resposta a uma redução de r abaixo de certa cifra. A mesma
política, por outro lado, pode ser facilmente bem-sucedida se a opinião
pública julgá-la razoável e compatível com o interesse público, baseada
203
OS ECONOMISTAS
em convicção sólida e promovida por uma autoridade que não corra
risco de ser suplantada.
Talvez fosse mais exato dizer que a taxa de juros seja um fenômeno altamente convencional do que basicamente psicológico, pois o
seu valor observado depende sobremaneira do valor futuro que se lhe
prevê. Qualquer taxa de juros aceita com suficiente convicção como
provavelmente duradoura será duradoura; sujeita, naturalmente, em
uma sociedade em mudança a flutuações originadas por diversos motivos, em torno do nível normal esperado. Em particular, quando M1
aumenta mais depressa que M, a taxa de juros subirá e vice-versa.
Mas pode flutuar durante décadas ao redor de um nível cronicamente
elevado demais para permitir o pleno emprego — particularmente se
prevalecer a opinião de que o ajuste da taxa de juros se faz de maneira
automática, se se julgar que o nível estabelecido pela convenção tenha
suas raízes em bases objetivas, muito mais firmes que a convenção,
uma vez que de modo algum está associada na mente do público ou das
autoridades a idéia de não ser possível alcançar um nível ótimo de emprego,
com a existência de uma gama inadequada de taxas de juros.
Já devem ser bastante evidentes para o leitor as dificuldades
que se antepõem ao propósito de manter uma demanda efetiva de
nível suficientemente alto para garantir o pleno emprego, resultantes
da associação de uma taxa de juros a longo prazo convencional e bastante estável com uma eficiência marginal do capital inconstante e
altamente instável.
Se quisermos tirar proveito de reflexões mais animadoras, temos
de procurá-lo convictos de que a convenção nem sempre oferecerá muita
resistência a uma lógica contundente e a um firme propósito da autoridade monetária. A opinião pública é suscetível de acostumar-se
com bastante rapidez a uma baixa moderada da taxa de juros e, conseqüentemente, podem modificar-se as expectativas convencionais
quanto ao futuro, preparando-se, assim, o caminho para um novo movimento — até certo ponto. A baixa da taxa de juros a longo prazo na
Grã-Bretanha após ter sido abandonado o padrão-ouro fornece um
exemplo interessante desse fato: os movimentos mais amplos realizaram-se por meio de uma série de saltos descontínuos, na medida em
que a função de liquidez do público, que se acostumara às sucessivas
reduções, ficou apta a responder a certos novos incentivos do noticiário
ou da política das autoridades.
III
Podemos resumir a proposição acima estabelecendo que, em qualquer estado de expectativa, há na mente do público certa inclinação
para conservar dinheiro líquido em quantidade superior à que requer
o motivo de transação ou o motivo de precaução, que se traduzirá em
detenção efetiva de moeda, dependendo dos termos em que a autoridade
204
KEYNES
monetária se acha disposta a criar recursos líquidos. É esta potencialidade que resume a função de liquidez L2.
A cada montante da quantidade de moeda criada pela autoridade
monetária corresponderá, portanto, coeteris paribus, determinada taxa
de juros ou, mais estritamente, determinado complexo de taxas de
juros para as dívidas de diversos vencimentos. A mesma proposição,
entretanto, aplica-se para qualquer outro fator do sistema econômico
isoladamente considerado. Assim sendo, esta análise só será útil e
significativa quando houver alguma relação particularmente direta ou
objetiva entre as variações na quantidade de moeda e as que se verifiquem na taxa de juros. A razão que nos leva a supor a existência
de tal relação especial é inspirada pelo fato de que, falando em termos
gerais, o sistema bancário e a autoridade monetária negociam com
dinheiro e dívidas e não com valores ou bens de consumo.
Se a autoridade monetária estivesse disposta a operar em termos
especificados nos dois sentidos com dívidas de qualquer vencimento e,
mais ainda, se estivesse disposta a operar com dívidas de riscos variáveis, a relação entre o complexo das taxas de juros e a quantidade
de moeda seria direta. O complexo das taxas de juros exprimiria, apenas, os termos em que o sistema bancário estivesse disposto a adquirir
ou ceder as dívidas; e a quantidade de dinheiro seria igual ao montante
que pudesse encontrar retenção na posse de indivíduos que — consideradas todas as circunstâncias relevantes — preferissem o controle
de recursos líquidos a cedê-los em troca de dívidas, nas condições indicadas pela taxa de juros do mercado. A melhoria prática mais importante que talvez se pudesse introduzir na técnica de administração
monetária seria a substituição da taxa de desconto única para os títulos
a curto prazo, por uma oferta complexa do banco central de comprar
e vender a preços fixados os títulos e papéis de primeira linha de
qualquer prazo.
Hoje, entretanto, na prática real, como os preços das dívidas,
conforme fixados pelo sistema bancário, são “efetivos” nos mercados,
querendo dizer com isso que são esses preços que governam o preço
corrente de mercado, a magnitude deles varia segundo as características
dos diversos sistemas. Às vezes ela é mais efetiva num sentido que
noutro, significando isso que o sistema bancário pode comprometer-se
a comprar dívidas a certo preço, mas não necessariamente a vendê-las
por um montante que represente apenas uma comissão de corretagem,
embora não haja nenhuma razão para impedir que o preço se torne
efetivo nos dois sentidos com a ajuda de operações de mercado aberto.
Existe, também, uma exceção importante que surge do fato de a autoridade monetária não estar, por via de regra, disposta a negociar,
com a mesma facilidade, dívidas de qualquer vencimento. A autoridade
monetária geralmente tende, na prática, a concentrar sua atividade
nas dívidas a curto prazo, e a deixar o preço das obrigações de longo
205
OS ECONOMISTAS
prazo sob a influência tardia e imperfeita das reações provenientes do
preço das dívidas de curto prazo — embora, também aqui, não haja
motivo algum que a obrigue a agir desta maneira. Nas circunstâncias
em que estas exceções intervêm, a relação direta entre a taxa de juros
e a quantidade de dinheiro sofre modificações. Na Grã-Bretanha, parece
que o campo de controle deliberado vai alargando-se. Mas cada vez
que se aplica a presente teoria a casos particulares, convém levar em
conta as características especiais do método realmente empregado pela
autoridade monetária. Se a autoridade monetária negocia apenas com
dívidas a curto prazo, deve-se examinar que influências exercem o
preço corrente e o preço prospectivo dos títulos de curto prazo sobre
as dívidas de vencimentos mais prolongados.
Diante disso, há certas limitações na capacidade da autoridade
monetária no sentido de estabelecer certo complexo de taxas de juros
para dívidas de diferentes prazos e riscos, que podem resumir-se da
seguinte maneira:
(1) Há limites que a própria autoridade se impõe aplicando restrições a suas operações de modo que negocie apenas com dívidas de
um tipo particular.
(2) Há a possibilidade, por motivos expostos anteriormente, de
que, tão logo a taxa de juros haja baixado a certo nível, a preferência
pela liquidez se torne virtualmente absoluta, no sentido de que todos
prefiram manter recursos líquidos a conservar uma dívida que rende
uma taxa de juros tão baixa. Nesse caso, a autoridade monetária teria
perdido o controle efetivo sobre a taxa de juros. Mas, conquanto este
caso extremo possa vir a ter importância prática no futuro, não conheço
ainda nenhum exemplo do mesmo. De fato, considerando a relutância
da maioria das autoridades monetárias em operar destemidamente
com dívidas a longo prazo, não se ofereceram muitas oportunidades
para fazer uma prova semelhante. Ademais, se tal situação se apresentasse, significaria que a própria autoridade pública poderia obter
empréstimos em escala limitada do sistema bancário a uma taxa de
juros nominal.
(3) Os exemplos mais notáveis de um colapso completo da estabilidade da taxa de juros, em virtude de nivelamento da função de
liquidez em uma direção ou em outra, ocorreram em circunstâncias
muito anormais. A Rússia e a Europa Central conheceram, depois da
guerra, uma crise ou fuga da moeda, durante a qual não se podia
induzir ninguém a conservar, de forma alguma, haveres em dinheiro
ou dívidas; mesmo uma taxa de juros elevada e crescente foi incapaz
de manter o ritmo da eficiência marginal do capital (especialmente em
206
KEYNES
se tratando de estoque de bens líquidos) sob a influência da previsão
de uma baixa ulterior maior no valor do dinheiro; enquanto isso, nos
Estados Unidos, em certos períodos de 1932, verificou-se uma crise de
natureza oposta — uma crise financeira ou de liquidação, quando foi
impossível convencer praticamente qualquer pessoa a desfazer-se dos
seus haveres líquidos, em qualquer condição razoável.
(4) Resta, finalmente, a dificuldade já examinada na seção IV do
capítulo 11, p. 53, que impede a taxa de juros efetiva de baixar além
de certa cifra, dificuldade esta que pode tornar-se séria numa época
de taxas de juros baixas, ou seja, os custos intermediários de estabelecer
o contato entre o mutuário e o mutuante final, bem como na margem
para risco, especialmente para o risco moral, que o mutuante exige
além da taxa de juros pura. Ao se verificar um declínio na taxa de
juros pura, não segue, como conseqüência natural, um declínio pari
passu das margens para despesas e riscos. Assim sendo, a taxa de
juros que há de pagar o mutuário típico pode baixar mais lentamente
que a taxa de juros pura e, conforme os métodos da organização bancária
e financeira existente, pode ser impossível trazê-la abaixo de certa
cifra mínima. Este fato adquire importância especial quando o risco
moral é calculado num valor apreciável, pois, quando o risco provém
de dúvidas que o mutuante vislumbra sobre a honestidade do mutuário,
este, que não tenciona ser desonesto, nada tem para compensar o encargo maior que daí lhe resulta. Esse mesmo fator é também importante
no caso dos empréstimos a curto prazo (por exemplo, os empréstimos
bancários), quando os custos de captação são elevados, pois um banco
pode ser obrigado a cobrar aos seus clientes de 1,5 a 2%, mesmo que
a taxa de juros pura seja nula para o mutuante.
IV
Antecipando aquilo que será objeto do capítulo 21, mais adiante,
talvez convenha indicar brevemente, a esta altura, a relação do que
foi dito acima com a teoria quantitativa da moeda.
Numa sociedade estática ou numa sociedade em que, por qualquer
outra razão, ninguém experimente nenhuma incerteza sobre as futuras
taxas de juros, a função de liquidez L2 ou a propensão a entesourar
(como poderíamos chamar-lhe) será sempre zero quando em equilíbrio.
Portanto, em estado de equilíbrio, M2 = O e M = M1; de modo que
qualquer variação em M fará com que a taxa de juros flutue até que
o rendimento alcance um nível no qual a variação M1 seja igual à que
se supõe que ocorre em M. Ora, sendo V a velocidade-renda da moeda,
tal como foi antes definida, e Y a renda agregada, temos M1V = Y.
Portanto, se é possível medir a quantidade Y e o preço P da produção
207
OS ECONOMISTAS
corrente, temos Y = OP e, portanto, MV = OP, relação que tem muita
analogia com a teoria quantitativa da moeda em sua forma tradicional.129
Para os propósitos do mundo real, uma grande falha da teoria
quantitativa é que ela não faz distinção entre as variações nos preços,
que são uma função das variações da produção, e as que provêm das
modificações na unidade de salário.130 Esta omissão talvez possa ser
explicada pelas hipóteses de que nunca há propensão a entesourar e
que há sempre pleno emprego, pois, neste caso, sendo O constante e
M2 igual a zero, segue-se, se também pudermos tomar V como constante,
que tanto a unidade de salários quanto o nível de preços são diretamente proporcionais à quantidade de moeda.
129 Se tivéssemos definido V não igual a Y/M1, mas igual a Y/M, naturalmente a teoria
quantitativa seria um truísmo que se mantém em qualquer circunstância, embora sem
nenhum significado.
130 Este ponto será desenvolvido mais amplamente no cap. 21.
208
CAPÍTULO 16
Observações Diversas Sobre a Natureza do Capital
I
Um ato de poupança individual significa — por assim dizer —
uma decisão de não jantar hoje, mas não implica, necessariamente, a
decisão de jantar ou de comprar um par de sapatos daqui a uma semana
ou um ano, ou de consumir uma coisa específica numa data especificada.
Assim sendo, produz um efeito depressivo sobre as atividades econômicas aplicadas na preparação do jantar de hoje, sem estimular as
que prepararam algum ato futuro de consumo. Não é uma substituição
da demanda de consumo presente por uma demanda de consumo futuro,
mas apenas uma diminuição líquida desta demanda. Além disso, a
expectativa de consumo futuro está de tal modo baseada no conhecimento do consumo presente que qualquer redução do último provavelmente deprimirá o primeiro, com o resultado de que esse ato de poupança não apenas fará baixar o preço dos bens de consumo, independentemente da eficiência marginal do capital existente, como também
pode enfraquecer esta última. Nesse caso pode reduzir a demanda de
investimento atual tanto quanto a demanda de consumo presente.
Se a poupança consistisse não apenas em abster-se de um consumo presente, mas também em fazer, simultaneamente, uma reserva
específica para um consumo posterior, o resultado poderia ser bem
diferente. Aumentaria, pois, em tal caso, a expectativa de tirar certo
rendimento do investimento, e os recursos liberados da disposição do
consumo presente poderiam ser utilizados na provisão do consumo futuro. Não que esses recursos o fossem, mesmo neste caso, numa escala
necessariamente igual ao montante dos recursos liberados, visto que
o intervalo desejado de espera poderia exigir um método de produção
tão desfavoravelmente “indireto” que a sua eficiência se tornasse bastante inferior à taxa de juros corrente; então, o efeito favorável ao
209
OS ECONOMISTAS
emprego determinado por uma encomenda para consumo futuro não
se manifestaria logo, senão numa data posterior, de tal modo que a
conseqüência imediata do ato de poupar continuaria sendo ainda adversa ao emprego. De qualquer maneira, uma decisão individual de
poupar não significa, de fato, emitir um pedido concreto para consumo
posterior, mas apenas o cancelamento de um pedido presente. Assim
sendo, admitindo-se que a expectativa de consumo seja a única raison
d’être do emprego, não há nenhum paradoxo na conclusão de que uma
diminuição na propensão a consumir tenha, coeteris paribus, um efeito
depressivo sobre o emprego.
A dificuldade surge do fato de que o ato de poupar supõe não
uma substituição do consumo presente por algum consumo adicional
específico, cuja preparação exija tanta atividade econômica quanto a
que se necessitaria para o consumo equivalente à soma poupada, mas
antes um desejo de “riqueza” como tal, isto é, a possibilidade de consumir um artigo indeterminado em uma data indeterminada. A idéia
absurda, embora quase universal, de que um ato de poupança individual
é tão favorável à procura efetiva quanto outro de consumo individual,
emana da falácia, muito mais plausível do que a conclusão dela derivada, de que o desejo de possuir mais riqueza, sendo mais ou menos
idêntico ao de fazer mais investimentos, deve, aumentando a procura
de investimento, estimular a produção respectiva; de onde segue que
a poupança individual favorece o investimento corrente à mesma medida que diminui o consumo atual.
É muito difícil eliminar esta falácia da mente dos homens. Ela
provém da suposição de que o proprietário de riqueza deseja um bem
de capital por si mesmo quando, na realidade, o que ele realmente
deseja é o seu rendimento provável. Ora, este rendimento provável
depende inteiramente da previsão da procura efetiva em relação às
futuras condições da oferta. Portanto, se um ato de poupança nada
faz por melhorar o rendimento provável, também em nada contribuirá
para estimular o investimento. Além disso, para que um indivíduo que
poupa possa atingir o seu fim, que é o de adquirir riqueza, não é
necessário que um novo bem de capital seja produzido para satisfazê-lo.
O mero ato de poupar realizado por um indivíduo, sendo bilateral,
como demonstramos antes, obriga outro indivíduo a transferir-lhe alguma riqueza, velha ou nova. Cada ato de poupança implica transferência “forçada” inevitável de riqueza a quem poupa, embora este, por
sua vez, possa sofrer as conseqüências da poupança dos outros. Essas
transferências de riqueza não requerem a criação de riqueza nova —
na realidade, como vimos, podem ser ativamente antagônicas. A criação
de riqueza nova depende inteiramente de que o seu rendimento provável
alcance o nível estabelecido para a taxa corrente de juros. O rendimento
provável do novo investimento marginal não aumenta pelo fato de que
210
KEYNES
alguém deseje aumentar sua riqueza, pois que ele depende da expectativa de procura de determinado bem em data determinada.
Não escapamos a esta conclusão argumentando que o possuidor
de riqueza deseja não um rendimento provável determinado, porém o
rendimento provável mais vantajoso entre os que lhe são oferecidos,
de maneira que um desejo maior de possuir riqueza reduz o rendimento
provável com que terão de confrontar-se os produtores de novos investimentos. Este raciocínio não considera, pois, o fato de que sempre se
pode opor uma alternativa à propriedade de bens reais de capital, ou
seja, a propriedade de dinheiro ou débitos; desse modo o rendimento
provável com que terão de contentar-se os produtores de investimentos
novos não pode baixar além do nível fixado para a taxa de juros corrente.
E a taxa de juros corrente depende, conforme vimos, não da intensidade
do desejo de possuir riqueza, mas da intensidade do desejo de conservá-la respectivamente em forma líquida ou ilíquida, aliada à magnitude
da oferta de riqueza, numa dessas formas em relação à sua oferta na
outra. Se o leitor se acha ainda perplexo, pergunte-se por que, permanecendo inalterada a quantidade de dinheiro, um novo ato de poupança
deveria diminuir a soma que se deseja conservar em forma líquida à
taxa existente de juros.
Examinaremos no próximo capítulo algumas dificuldades mais
sérias que podem apresentar-se quando tentamos aprofundar-nos nas
razões de como e por que isso ocorre.
II
Em vez de dizer do capital que ele é produtivo, é preferível dizer
que ele fornece no curso da sua existência um rendimento excedente
sobre seu custo original. A única razão, pois, pela qual um bem permite
uma expectativa de render, durante sua existência, serviços com um
valor agregado superior ao seu preço de oferta inicial deve-se ao fato
de que é escasso; e continua sendo escasso pela concorrência da taxa
de juros do dinheiro. À medida que o capital se torna menos escasso
o excedente de rendimento diminuirá sem que ele se torne por isso
menos produtivo — pelo menos no sentido físico.
Por isso, eu aceito a doutrina pré-clássica de que tudo é produzido
pelo trabalho; além da ajuda do que antes era chamado de arte e agora
se chama técnica, dos recursos naturais isentos de custos ou que custam
uma renda, conforme sua escassez ou abundância, e dos resultados do
trabalho anterior, incorporados aos bens patrimoniais, que auferem,
também, um preço variável segundo sua escassez ou abundância. É
preferível considerar o trabalho, incluindo, naturalmente, os serviços
pessoais do empresário e de seus colaboradores, como o único fator da
produção, operando dentro de um ambiente de técnica recursos naturais, equipamentos e procura efetiva. Isto explica, em parte, por que
pudemos tomar a unidade de trabalho como a única unidade física de
211
OS ECONOMISTAS
que necessitamos em nosso sistema econômico, à parte das unidades
de moeda e de tempo.
É verdade que certos processos longos e indiretos são fisicamente
eficientes, embora o mesmo aconteça com alguns processos curtos. Os
processos longos não derivam sua eficiência tendo como causa a sua
extensão. Alguns deles, provavelmente a maior parte, seriam fisicamente muito ineficientes em virtude das probabilidades de perdas e
de estragos causados pelo tempo.131 Para determinada força de trabalho
há um limite definido no tocante à quantidade de trabalho suscetível
de ser incorporado nos processos indiretos que pode ser usado vantajosamente. Fora de outras considerações, deve haver uma proporção
definida entre a quantidade de trabalho empregada em construir máquinas e a que será empregada em utilizá-las. A quantidade final de
valor obtido não aumenta indefinidamente em relação à quantidade
de trabalho empregado, na medida em que os processos adotados se
tornam cada vez mais indiretos, mesmo no caso de a sua eficiência
física continuar aumentando. Só no caso de o desejo de adiar o consumo
ser bastante intenso para criar uma situação em que o pleno emprego
exigisse um volume de investimento suficientemente grande para tornar negativa a eficiência marginal do capital seria vantajoso um processo pelo simples fato de ser demorado; nesse caso deveríamos adotar
os processos que são fisicamente ineficientes, desde que fossem bastante
longos para que o lucro proporcionado pelo adiamento equilibrasse a
sua eficiência. Acabaríamos encontrando-nos, de fato, numa situação
em que os processos curtos teriam de conservar-se bastante escassos
para que sua eficiência física compensasse a desvantagem da pronta
entrega do seu produto. Uma teoria correta, portanto, deve ser reversível, de modo que possa incluir os casos de eficiência marginal do
capital correspondentes a uma taxa de juros tanto positiva quanto
negativa, e, no meu entender, só a teoria da escassez, esboçada acima,
tem esta propriedade. Além disto, há inúmeras razões para que as
diversas espécies de serviços e facilidades sejam escassas e, portanto,
dispendiosas, relativamente à quantidade de trabalho que lhes está
incorporada. Por exemplo, os processos dos quais emana mau cheiro
implicam remuneração maior, pois de outro modo não se encontraria
gente para os executar. O mesmo sucede com os processos arriscados.
Entretanto, não delineamos uma teoria da produtividade com base em
processos dos quais emane mau cheiro ou que sejam arriscados. Em
resumo, nem todo o trabalho se realiza em circunstâncias igualmente
agradáveis, e as condições de equilíbrio exigem que os artigos produzidos em condições menos atraentes (caracterizadas pelo mau cheiro,
o risco ou o lapso de tempo) continuem bastante escassos para que se
131 Cf. a nota de Marshall sobre Böhm-Bawerk. Principles. p. 583.
212
KEYNES
lhes atribua um preço mais elevado. Se o transcurso de tempo se torna,
porém, uma circunstância agradável, o que pode muito bem ser o caso,
e já o é para muitos indivíduos, então, como disse antes, são os processos
curtos que devem continuar suficientemente escassos.
Dado o grau ótimo em que um processo possa ser indireto, escolheremos, naturalmente, os processos indiretos mais eficientes que
possamos encontrar para atingir o total requerido. Esse grau ótimo
em si mesmo deveria ser adequado para satisfazer, nas datas correspondentes, a parte da demanda dos consumidores cujo adiamento se
deseja. Em condições ótimas, o que se quer dizer é que a produção
deve ser organizada de maneira mais eficiente para que seja compatível
com a entrega nas datas em que se espera que a demanda dos consumidores se torne efetiva. Nada adianta produzir para entrega em
datas diferentes destas, ainda que a mudança das datas de entrega
pudesse aumentar a produção física — salvo se, por assim dizer, a
perspectiva de uma refeição mais abundante induzir o consumidor a
antecipar ou a retardar a hora de jantar. Se depois de ouvir todos os
pormenores sobre os pratos que pode obter marcando o jantar para
horas diferentes espera-se que o consumidor se decida pelas 8 horas,
compete ao cozinheiro preparar a melhor refeição que possa ser servida
a essa hora, sem levar em conta que às 7:30, 8 horas ou 8:30 poderia
ser o horário que mais lhe conviria se o tempo não fosse levado em
consideração, de um modo ou de outro, e se sua única tarefa consistisse
em preparar absolutamente o melhor jantar possível. Em certas fases
da sociedade, talvez pudéssemos obter refeições fisicamente melhores jantando mais tarde do que costumamos, mas é igualmente concebível que,
em outras fases, as conseguíssemos melhores fazendo-o mais cedo. Como
dissemos antes, nossa teoria é aplicável às duas contingências.
Se a taxa de juros fosse zero, haveria um intervalo ótimo para
qualquer artigo dado, entre a data média do início de sua fabricação
e a data de consumo, para o qual o custo em trabalho seria mínimo;
um processo de produção mais curto seria tecnicamente menos eficiente,
ao passo que um processo mais longo seria, também, menos eficiente,
em virtude das despesas de armazenagem e de deterioração. Contudo,
se a taxa estiver acima de zero, introduz-se um novo elemento de custo
que aumenta com a duração do processo; desse modo, o intervalo ótimo
se reduzirá e a fabricação corrente para entrega eventual do artigo
terá de ser diminuída até que o preço provável tenha subido o suficiente
para cobrir o aumento do custo — um custo que se elevará tanto pelos
encargos do juro quanto pela menor eficiência do método abreviado de
produção. Do contrário, se a taxa de juros cair abaixo de zero (admitindo
que isto seja tecnicamente possível), o inverso se verificará. Dada a
provável demanda dos consumidores, em vez de se iniciar a produção
corrente hoje, tem-se a alternativa de começá-la em data posterior.
Conseqüentemente, o início da produção corrente só se justificaria quan213
OS ECONOMISTAS
do seu baixo custo, em virtude de maior eficiência técnica ou de perspectivas de variações de preços, ao se produzir hoje ou em data posterior, for insuficiente para compensar o rendimento menor de juros
negativos. No caso da grande maioria dos artigos, seria de grande
ineficiência técnica o início de sua produção em uma época que se pode
considerar modestamente anterior ao seu provável consumo. Deste
modo, mesmo que a taxa de juros seja zero, há um limite estrito para
a proporção da demanda provável dos consumidores que convém começar a atender de antemão; e, se a taxa de juros sobe, a proporção
da demanda provável dos consumidores para a qual convém produzir
hoje restringe-se pari passu.
III
Vimos que, a longo prazo, o capital deve conservar-se suficientemente escasso para que a sua eficiência marginal seja pelo menos
igual à taxa de juros correspondentes à duração de sua existência, tal
como o determinam as condições psicológicas e institucionais. Que significaria isso para uma sociedade tão bem provida de capital, cuja
eficiência marginal fosse zero e se tornasse negativa em conseqüência
de um investimento suplementar, mesmo possuindo um sistema monetário em que o dinheiro “conserva” o seu valor, envolvendo apenas
despesas de armazenagem e conservação de pouca monta, de modo
que, na prática, o juro não possa ser negativo, e que em situação de
pleno emprego estivesse disposta a poupar?
Se, em tais circunstâncias, partimos da posição de pleno emprego,
os empresários terão, naturalmente, prejuízos se continuarem a oferecer
emprego em uma escala que utilize a totalidade do capital existente.
Em conseqüência o estoque de capital e o volume de emprego terão
de reduzir-se até que a comunidade se ache bastante pobre para que
a poupança agregada seja nula, neutralizando-se a poupança positiva
de certos indivíduos ou grupos pela poupança negativa de outros. Para
uma sociedade tal como a que acabamos de supor, a situação de equilíbrio em regime de laissez-faire será aquela em que o emprego seja
bastante baixo e o nível de vida suficientemente miserável para levar
as poupanças a zero. O mais provável é que haja um movimento cíclico
em redor desta posição de equilíbrio. Se persiste, pois, a incerteza a
respeito do futuro, a eficiência marginal do capital subirá ocasionalmente acima de zero, levando a uma “expansão”, e na “depressão”
seguinte o estoque de capital pode baixar durante certo tempo a um
nível inferior ao que determinaria, a longo prazo, uma eficiência marginal de zero. Supondo previsões corretas, o nível de equilíbrio do estoque de capital, ao qual corresponderá uma eficiência marginal de
zero será, naturalmente, inferior ao correspondente ao pleno emprego
da mão-de-obra disponível, pois o equipamento que corresponde a essa
proporção de desemprego será o que assegurar uma poupança nula.
214
KEYNES
A única outra posição de equilíbrio possível seria uma situação
em que um estoque de capital bastante elevado, para ter uma eficiência
marginal nula, representasse, também, uma quantidade de riqueza
suficiente para saciar por completo o desejo agregado do público de
atender ao futuro, mesmo em situação de pleno emprego, em circunstâncias tais que nenhuma bonificação em forma de juro pudesse ser
obtida. Contudo, seria uma coincidência improvável que a propensão
a poupar em condições de pleno emprego se satisfizesse justamente
no instante em que o estoque de capital atinge o montante que torna
nula a sua eficiência marginal. Por conseguinte, se esta possibilidade
mais favorável intervém, deve normalmente produzir-se não no momento exato em que a taxa de juro se anula, mas em algum momento
anterior, durante o declínio progressivo da taxa de juros.
Admitimos até agora um fator institucional que não permite taxa
de juros negativa, o que se caracteriza por moeda para a qual as despesas de conservação são muito pequenas. Existem, de fato, fatores
institucionais e fatores psicológicos que marcam limite muito acima
de zero para o declínio praticamente possível da taxa de juros. Em
especial, os custos de estabelecimento de contato entre os mutuários
e mutuantes e a incerteza quanto ao futuro da taxa de juros, que já
examinamos antes, fixam um limite mínimo que, nas circunstâncias
presentes, talvez não seja inferior a 2 ou 2,5% a longo prazo. Se isto
for exato, em breve poderá apresentar-se na prática a desagradável
possibilidade de um estoque crescente de riqueza, em condições que
impedem a taxa de juros de baixar mais em um regime de laissez-faire.
Além disso, se o mínimo abaixo do qual é praticamente impossível
fazer cair a taxa de juros estiver sensivelmente acima de zero, menor
é a probabilidade de que o desejo agregado de acumular riqueza se
sacie antes de a taxa de juros haver alcançado seu nível mínimo.
As experiências do pós-guerra da Grã-Bretanha e dos Estados
Unidos oferecem exemplos reais de como uma acumulação de riqueza
— tão grande que sua eficiência marginal tenha caído mais rapidamente
do que é possível à taxa de juros baixar diante dos fatores institucionais
e psicológicos prevalecentes — pode interferir, em condições principalmente de laissez-faire, com um volume de emprego razoável e com o
nível de vida que as condições técnicas de produção são capazes de
proporcionar.
Daí resulta que, se duas comunidades iguais dispõem da mesma
técnica, mas de diferentes estoques de capital, a comunidade que tem
menor estoque de capital poderá gozar, durante certo tempo, de um
nível de vida mais alto que a comunidade possuidora de maiores estoques; todavia, quando a comunidade mais pobre alcançar a mais rica
— o que é de se presumir que eventualmente aconteça — ambas conhecerão a sorte de Midas. Esta conclusão pessimista está, naturalmente, sujeita à hipótese de que a propensão a consumir e o fluxo de
215
OS ECONOMISTAS
investimento, em vez de serem deliberadamente controlados a bem do
interesse social, sejam, em grande parte, abandonados pela influência
do laissez-faire.
Se — por qualquer razão — a queda da taxa de juros não puder
ser tão rápida quanto a queda da eficiência marginal do capital determinada por uma acumulação correspondente ao que a comunidade
preferiria poupar a uma taxa de juros igual à eficiência marginal do
capital em situação de pleno emprego, então mesmo um desvio do
desejo de guardar riqueza para a aquisição de bens que, de fato, não
produzirão nenhum fruto econômico, aumentará o bem-estar econômico.
O dia em que a abundância de capital venha a interferir com a abundância da produção pode ser postergado à medida que os milionários
encontrem satisfação em edificar vastas mansões para nelas morarem
enquanto vivos e pirâmides para se recolherem depois de mortos, ou,
arrependidos de seus pecados, levantem catedrais e dotem mosteiros
ou missões no estrangeiro. “Cavar buracos no chão” à custa da poupança
não só aumentará o emprego, como também a renda nacional em bens
e serviços úteis. Contudo, não é razoável que uma comunidade sensata
concorde em depender de paliativos tão fortuitos e freqüentemente tão
extravagantes, quando já sabemos de que influências depende a demanda efetiva.
IV
Suponhamos que se tomem medidas para que a taxa de juros
seja compatível com o investimento que corresponde ao pleno emprego.
Suponhamos, ademais, que a ação do Estado intervenha como elemento
de equilíbrio para regular o crescimento do capital e impedir que ele
tenda para o seu ponto de saturação a uma velocidade capaz de impor
à geração presente uma redução excessiva de seu padrão de vida.
Dadas estas hipóteses, suponho que uma comunidade racionalmente dirigida e provida de recursos técnicos modernos, e cuja população não cresça rapidamente, seria capaz, no espaço de uma única
geração, de reduzir a eficiência marginal do capital a um nível de
equilíbrio próximo de zero, de tal modo que atingiríamos as condições
de uma comunidade quase estacionária, na qual as mudanças e os
progressos resultariam unicamente de modificações em técnicas, gostos,
população e instituições, vendendo-se os produtos do capital a um preço
em proporção ao trabalho etc. a eles incorporados, justamente com os
princípios que regem os preços dos bens de consumo nos quais os encargos de capital entram em proporção insignificante.
Se tenho razão em supor que é relativamente fácil tornar os bens
de capital tão abundantes que sua eficiência marginal seja zero, este
pode ser o caminho mais razoável para eliminar gradualmente a maioria das características repreensíveis do capitalismo. Um instante de
reflexão mostrará as enormes mudanças sociais que resultariam do
216
KEYNES
desaparecimento progressivo de uma taxa de rendimento sobre a riqueza acumulada. Qualquer pessoa poderia ainda acumular o rendimento de seu trabalho com a intenção de o gastar em data posterior.
Mas sua acumulação não cresceria. Ela estaria simplesmente na posição
do pai de Pope que, ao retirar-se dos negócios, levou um baú cheio de
guinéus para sua vila de Twickenham para atender às despesas domésticas na medida de suas necessidades.
Embora o rendeiro desaparecesse, continuaria, entretanto, havendo lugar para o empreendimento e para a habilidade na estimativa
dos rendimentos prováveis, suscetíveis das mais diferentes opiniões.
O que ficou dito refere-se, pois, em primeiro lugar, à pura taxa de
juros, independentemente de qualquer previsão para o risco e circunstâncias semelhantes, e não ao rendimento bruto dos valores patrimoniais, incluindo a retribuição referente ao risco. Destarte, a não ser
que a taxa de juros se mantivesse num nível negativo, haveria ainda
um rendimento positivo para o investimento sensato em determinados
valores patrimoniais apresentando certa probabilidade de lucro. Desde
que houvesse determinada relutância em correr riscos, haveria também
um rendimento líquido positivo do conjunto de tais valores durante
um período de tempo. Não é provável, porém, que, nessas circunstâncias,
houvesse tal avidez de obter uma renda dos investimentos duvidosos que,
em conjunto, seu rendimento líquido acabasse sendo negativo.
217
CAPÍTULO 17
As Propriedades Essenciais dos Juros e do Dinheiro
I
A taxa de juros sobre o dinheiro parece, portanto, representar
um papel especial na fixação de um limite ao volume de emprego,
visto marcar o nível que deve alcançar a eficiência marginal de um
bem de capital para que ele se torne objeto de nova produção. Que
isto deva ser assim é, à primeira vista, muito confuso. É natural que
se indague, então, qual é a peculiaridade que distingue o dinheiro de
outros valores patrimoniais, procurando determinar se apenas o dinheiro possui uma taxa de juros, bem como o que acontece numa economia
não monetária. Enquanto não tivermos encontrado respostas a estas questões, o sentido da nossa teoria não se tornará suficientemente claro.
A taxa monetária de juros — queremos chamar a atenção do
leitor — outra coisa não é que a percentagem de excedentes de uma
soma de dinheiro contratada para entrega futura, por exemplo, a um
ano de prazo, sobre o que podemos chamar o preço “spot” ou a vista
da dita soma contratada para entrega futura. Parece, portanto, que
para cada categoria de bens de capital deveria existir uma taxa análoga
à do juro sobre o dinheiro. Pois há uma quantidade definida de (por
exemplo) trigo para ser entregue dentro de um ano, que tem hoje o
mesmo valor de troca de 100 “quartos”132 de trigo para entrega imediata.
Se a primeira quantidade é de 105 “quartos”, podemos dizer que a
taxa de juros do trigo é de 5% ao ano, e se é 95 “quartos”, dizemos
que é menos de 5% ao ano. Assim, para cada bem durável temos uma
taxa de juros calculada em termos do próprio bem — uma taxa de
juros do trigo, uma taxa de juros do cobre, uma taxa de juros da
habitação, uma taxa de juros de uma usina siderúrgica.
132 No original consta a medida de volume quarter, que corresponde a 1/4 de tonelada.
(N. do R. T.)
219
OS ECONOMISTAS
A diferença entre os contratos “a termo” e “a vista”, relativos a
um bem como o trigo, que tem cotação no mercado, mantém uma relação
definida com a taxa de juros do trigo, mas, desde que o contrato a
termo é cotado em moeda para entrega futura e não em trigo para
entrega imediata, esta diferença também depende da taxa monetária
de juros. A relação exata é a seguinte:
Suponhamos que o preço do trigo para entrega imediata seja de
100 libras esterlinas por 100 “quartos”, e que o preço do trigo em
contrato “a termo” para entrega dentro de um ano seja de 107 libras
por 100 “quartos” e que a taxa monetária de juros seja de 5%; qual é
a taxa de juros do trigo? 100 libras comprarão hoje 105 para entrega
105
futura, e 105 libras para entrega futura comprarão
. 100 (= 98)
107
“quartos” nas mesmas condições. Por sua vez, 100 libras hoje comprarão
100 “quartos” de trigo para entrega imediata. Assim sendo, 100 “quartos”
de trigo para entrega imediata comprarão 98 “quartos” a termo. De onde
se conclui que a taxa de juros do trigo é menos de 2% ao ano.133
Segue-se não haver razão para que suas taxas de juros devam
ser iguais para bens diferentes — para que a taxa do trigo deva ser
igual à taxa de juros do cobre —, pois a relação entre os contratos “a
vista” e “a termo”, tal como as cotações de mercado, é notoriamente
diferente para diferentes bens. Isto, como verificaremos, nos levará à
trilha que procuramos. Pois pode suceder que seja a mais elevada das
taxas específicas de juro (como poderemos chamar-lhes) que estabeleça
o parâmetro (pois é a maior das taxas que a eficiência marginal de
um bem de capital tem de alcançar para este vir a ser o objeto de
nova produção); e talvez haja razões para que a taxa monetária de
juros seja freqüentemente a mais elevada (pois, como veremos, certas
forças que contribuem para reduzir as taxas de juros específicas de
outros bens não atuam no caso do dinheiro).
Pode-se acrescentar que, da mesma maneira que existem, para
cada momento, taxas de juros diferentes para as mercadorias, também
os cambistas estão familiarizados com o fato de que a taxa de juros
não é igual sequer para duas moedas diferentes, por exemplo a libra
e o dólar. Porque também aqui a diferença entre os contratos “a vista”
e “a termo” para uma moeda estrangeira em termos de libra esterlina,
varia, em geral, de uma moeda para outra.
Ora, cada uma dessas mercadorias-padrão nos oferece a mesma
facilidade que a moeda para medir a eficiência marginal do capital.
Podemos, com efeito, escolher a que quisermos, por exemplo, o trigo,
e calcular o valor-trigo dos rendimentos prováveis de qualquer bem
133 Esta relação foi assinalada pela primeira vez por Sraffa. Economic Journal. Março de
1932, p. 50.
220
KEYNES
de capital; a taxa de desconto que iguala o valor presente destas séries
de anuidades de trigo ao preço atual de oferta do bem em termos de
trigo nos dá, expressa em trigo, a eficiência marginal desse bem. Se
nenhuma variação é esperada no valor relativo dos dois padrões diferentes, a eficiência marginal de um bem de capital será a mesma em
qualquer de ambos que se meça, visto que o numerador e o denominador
da fração que a exprime variarão na mesma proporção. Todavia, se se
espera que um desses padrões mude de valor em relação ao outro, a
eficiência marginal de todos os bens de capital permanecerá a mesma
em qualquer um dos dois padrões usados para a medida. Para ilustrar
este raciocínio, tomemos o caso mais simples em que se espera que
um dos dois padrões, o trigo, suba de valor a um ritmo de a por cento
ao ano em termos de moeda; a eficiência marginal de um bem que se
exprime em moeda por x por cento será, então, x – a por cento em
termos de trigo. Uma vez que as eficiências marginais dos diversos
bens de capital se alterarão na mesma proporção, deduz-se que a ordem
das suas grandezas será igual, seja qual for o padrão escolhido.
Se houvesse uma mercadoria composta que se pudesse considerar
representativa no sentido estrito da palavra, poderíamos considerar
que a taxa de juros e a eficiência marginal do capital determinados
por meio dessa mercadoria seriam, em certo sentido, a taxa de juros
única e a eficiência marginal única do capital. Porém, isto levanta,
evidentemente, os mesmos obstáculos que a fixação de um padrão único
de valor.
Até agora, portanto, a taxa monetária de juros não apresenta
nenhuma singularidade, encontrando-se exatamente no mesmo pé
comparada com outras. Onde está, então, a peculiaridade da taxa
monetária de juro, onde reside a importância prática predominante
que lhe foi atribuída nos capítulos anteriores? Por que devem os
volumes da produção e do emprego depender mais estreitamente
da taxa monetária de juros do que da taxa de juros do trigo ou da
taxa de juros de moradias?
II
Consideremos quais serão, normalmente, as taxas de juros das
mercadorias no período (digamos) de um ano para os diferentes bens.
Desde que tomemos cada um dos bens como padrão, os rendimentos
de cada um devem considerar-se para este propósito como medidos em
termos de si mesmos.
Há três atributos que os diversos tipos de bens possuem em graus
diferentes, conforme a exposição feita em seguida:
(i) Alguns bens dão um rendimento ou produção q, medidos em
termos de si mesmos, para facilitarem algum processo de produção ou
prestarem serviços a um consumidor.
221
OS ECONOMISTAS
(ii) A maioria dos bens, excetuando o dinheiro, sofre desgaste ou
acarreta alguma despesa pelo simples correr do tempo (independentemente de qualquer alteração no seu valor relativo), sejam ou não utilizados em produzir rendimento; isto é, implicam um custo de manutenção c medidos em termos de si mesmos. Para o nosso objetivo presente, não importa saber exatamente onde colocaremos a linha de separação entre os custos que deduzimos antes de calcular q e os que
incluímos em c, visto que a seguir apenas nos ocuparemos de q – c.
(iii) Finalmente, o poder de dispor de um bem durante certo tempo
pode oferecer uma conveniência ou segurança potencial que não é igual
para os bens de natureza diferente, embora sejam do mesmo valor inicial.
Não há, por assim dizer, nenhum resultado em forma de produção no
fim do período considerado e, mesmo assim, trata-se de algo pelo qual as
pessoas estão dispostas a pagar um preço. Chamaremos prêmio de liquidez
l de certo bem ao montante (medido em termos de si mesmo) que as
pessoas estão dispostas a pagar pela conveniência ou segurança potenciais
proporcionadas pelo poder de dispor dele (excluindo o rendimento ou os
custos de manutenção que lhe são próprios).
Deduz-se que a retribuição total que se espera da propriedade
de um bem, durante certo período, é igual ao seu rendimento menos
o seu custo de manutenção mais o seu prêmio de liquidez, ou seja, a
q – c + l. Por outras palavras, q – c + l é a taxa de juros específica
de qualquer bem, onde q, c e l se medem em unidades de si mesmos
como padrão.
A característica fundamental do capital instrumental (por exemplo, uma máquina) ou do capital de consumo (por exemplo, uma casa)
é o fato de que seus rendimentos excedem, em geral, seu custo de
manutenção e de que seu prêmio de liquidez é, provavelmente, desprezível; a característica de um estoque de bens líquidos ou ainda de
um excedente de capital instrumental ou de consumo é ser gravada
por um custo de manutenção, expressa em unidades de si mesmo, que
nenhum rendimento compensa, sendo nesse caso geralmente desprezível também o prêmio de liquidez, sempre que os estoques ultrapassam
um nível moderado, embora suscetível de tornar-se apreciável em circunstâncias especiais; a característica da moeda, enfim, é ter um rendimento nulo, um custo de manutenção insignificante, porém um prêmio de liquidez substancial. Na verdade, os diferentes bens podem ter
graus diferentes de prêmio de liquidez e a moeda pode incorrer em
certo volume de custo de manutenção, por exemplo, o de custódia. É,
porém, uma diferença essencial entre a moeda e todos os demais bens
(ou a maioria) que, no caso da moeda, o seu prêmio de liquidez exceda
de muito o seu custo de manutenção, ao passo que no dos outros bens
seu custo de manutenção é muito maior que o prêmio de liquidez. Com
a finalidade de ilustrar o raciocínio, suponhamos que o rendimento
222
KEYNES
das casas seja q1 e o custo de manutenção, bem como o prêmio de
liquidez, sejam desprezíveis; que para o trigo o custo de manutenção
seja c2 e o rendimento e prêmio de liquidez insignificantes, e que para
a moeda o prêmio de liquidez seja l3 e o rendimento e o custo de
manutenção desprezíveis. Significa isto que q1 é a taxa de juros da
casa, – c2 a taxa de juros do trigo e l3 a taxa monetária de juros.
Para determinar as relações entre os rendimentos esperados dos
diferentes tipos de bens, compatíveis com o equilíbrio, precisamos também conhecer as variações que se esperam em seus valores relativos
durante o ano. Tomemos a moeda como padrão de medida (que para
este fim pode ser apenas uma moeda de conta, ou poderíamos, igualmente, tomar o trigo) e suponhamos que a percentagem de valorização
(ou depreciação) esperada das casas seja a1 e a do trigo a2. Chamamos
q1, – c2 e l3 às taxas de juros específicas das casas, do trigo e da moeda,
medidas em termos de si mesmas como padrão de valor, isto é, q1 é
a taxa de juros da casa medida em casas, – c2 é a taxa de juros do
trigo medida em trigo e l3 a taxa monetária de juros medida em dinheiro.
Também convirá chamar a1 + q1, a2 – c2 e l3, que representam as
mesmas quantidades reduzidas a moeda como padrão de valor, a taxa
monetária de juros da casa, a taxa monetária de juros do trigo e a
taxa monetária de juros sobre a moeda, respectivamente. Com esta
observação, é fácil ver que a demanda dos possuidores de riqueza se
orientará para as casas, para o trigo ou para a moeda, dependendo
de qual é o maior: a1 + q1, a2 – c2 ou l3. Assim sendo, em estado de
equilíbrio, o preço de demanda das casas e o do trigo em termos de
moeda serão tais que desaparecerá qualquer vantagem entre as alternativas; quer dizer, a1 + q1, a2 – c2 e l3 serão iguais. A escolha de
padrão de valor não altera esta conclusão, porque a substituição de
um padrão por outro modificará por igual todos os termos, ou seja,
numa quantidade idêntica à taxa de valorização (ou depreciação) que
se espera no novo padrão relativamente ao antigo.
Ora, os bens cujo preço normal de oferta é menor que o preço
da demanda serão agora objeto de nova produção, e esses serão os
bens que têm uma eficiência marginal maior (sobre a base do seu
preço normal de oferta) que a taxa de juros (sendo ambas as quantidades
medidas pelo mesmo padrão de valor, qualquer que este seja). À medida
que aumenta o estoque de bens cuja eficiência marginal era, a princípio,
pelo menos igual à taxa de juros, essa eficiência marginal tende a
baixar (pelas razões suficientemente claras já apresentadas). Chega
então o momento em que deixará de ser vantajoso continuar a produzi-los, a menos que a taxa de juros caia “pari passu”. Quando não
houver mais bem algum cuja eficiência marginal alcance a taxa de
juros, a produção de novos bens de capital será paralisada.
Suponhamos (como mera hipótese nesta altura do raciocínio) que
há certo bem (por exemplo, a moeda) cuja taxa de juros seja fixa ou
223
OS ECONOMISTAS
decline, à medida que sua produção aumenta, mais devagar que qualquer outra taxa de juros de mercadoria; como se equilibrará esta posição? Uma vez que a1 + q1, a2 – c2 e l3 são, necessariamente, iguais,
e uma vez que, por hipótese, l3 é fixa ou declina com mais lentidão
que q1 ou – c2, deduz-se que a1 e a2 tenderão a aumentar. Por outras
palavras, os preços normais correntes de quaisquer outros bens que
não a moeda tenderão a baixar relativamente às previsões dos preços
futuros. Conseqüentemente, se q1 e – c2 continuarem descendo, chegará
um momento em que não haverá vantagem em produzir qualquer desses bens, salvo se se espera uma alta de tal magnitude no custo de
produção em alguma data futura relativamente ao atual que baste
para cobrir os custos de manutenção do estoque produzido entre o
momento atual e a data provável do aumento de preço.
Parece agora que a nossa afirmação anterior de que a taxa monetária de juros marca um limite ao volume da produção não era estritamente correta. Deveríamos ter dito que a taxa de juros do bem,
que declina mais lentamente à medida que o estoque de bens em geral
aumenta, é a que, eventualmente, elimina a produção vantajosa de
cada um dos outros — salvo no caso mencionado de uma relação entre
os custos presentes e os custos prováveis de produção. À medida que
a produção aumenta, as taxas específicas de juros baixam a níveis nos
quais um bem após outro cai abaixo do que corresponde à produção
vantajosa, até que, finalmente, uma ou mais taxas específicas de juros
se fixam num nível superior à eficiência marginal de qualquer bem.
Se por moeda entendemos o padrão de valor, torna-se claro
não ser, necessariamente, a taxa de juros monetária que causa a
dificuldade. Para fugir às dificuldades não bastaria (como alguns
acreditaram) decretar simplesmente que o trigo ou as casas sejam
o padrão de valor em vez do ouro ou da libra esterlina. Pois agora
vemos que a existência de um bem qualquer continuará a provocar
as mesmas dificuldades caso a sua taxa de juros resista a baixar
quando a sua produção aumenta. Pode acontecer, por exemplo, que
o ouro continue a exercer uma influência dessa natureza num país
que adotou um padrão inconversível.
III
Portanto, ao atribuir uma significação especial à taxa monetária
de juros, supusemos, tacitamente, que o tipo de moeda a que estamos
acostumados tem algumas características especiais que tornam a sua
taxa específica de juros, expressa por meio de si mesma como padrão,
mais resistente à baixa, quando a produção aumenta, que as taxas
específicas de juros de qualquer outro bem expressas da mesma forma.
Será justificada esta suposição? No meu entender, a reflexão mostra
que as peculiaridades seguintes, que de ordinário caracterizam a moeda
tal como a conhecemos, são capazes de a justificar. Na medida em que
224
KEYNES
o padrão de valor estabelecido tenha estas peculiaridades, será válida
a proposição sumária de que a taxa monetária de juros é a importante.
(i) A primeira característica que leva à conclusão anterior é o
fato de ter a moeda, tanto a logo como a curto prazo, uma elasticidade
de produção igual a zero, ou pelo menos muito pequena, no que respeita
o poder da empresa privada como coisa distinta da autoridade monetária — querendo dizer por elasticidade de produção134 neste sentido
a resposta do volume de mão-de-obra dedicado a produzi-la diante de
um aumento na quantidade de trabalho que se pode obter com uma
unidade da mesma. Quer isto dizer que a moeda não se pode produzir
facilmente — os empresários não podem aplicar à vontade trabalho
para produzir dinheiro em quantidades crescentes à medida que o seu
preço sobe em termos de unidades de salários. No caso de uma moeda
inconvertível, esta condição satisfaz-se estritamente. No caso, porém,
de uma moeda de padrão-ouro também ainda sucede, de maneira aproximada, no sentido de que o máximo da quantidade de trabalho suplementar suscetível de ser empregado dessa forma é proporcionalmente muito pequeno, salvo, naturalmente, num país em que a mineração de ouro seja a indústria principal.
Ora, no caso dos bens cuja produção demonstre elasticidade, a
razão pela qual admitimos que a sua taxa específica de juros declina
decorre do fato de supormos que o seu estoque aumenta em conseqüência do maior volume da produção. No caso do dinheiro, entretanto
— adiando, por enquanto, o exame dos efeitos de uma redução na
unidade de salários ou de uma alta deliberada em sua oferta provocada
pela autoridade monetária —, a oferta é fixa. Assim, a característica
segundo a qual a moeda não pode produzir-se facilmente pelo trabalho
leva, imediatamente, a supor prima facie ser correto o ponto de vista
de que a sua taxa específica de juros será relativamente refratária à
baixa; ao passo que se a moeda pudesse ser cultivada como um cereal
ou fabricada como um automóvel, as depressões poderiam ser evitadas
ou atenuadas, porque se o preço de outros bens tendesse a baixar em
termos de moeda mais trabalho seria desviado para a produção de
dinheiro, como vemos ser o caso nos países de mineração de ouro,
embora para o mundo, em conjunto, o desvio máximo neste sentido
seja quase insignificante.
(ii) É evidente, no entanto, que não apenas a moeda satisfaz a
condição anterior, mas também todos os fatores puramente de renda,
cuja produção é completamente inelástica. Portanto, necessita-se uma
segunda condição para distinguir a moeda de outros elementos de renda.
134 Ver cap. 20.
225
OS ECONOMISTAS
A segunda differentia da moeda é que ela tem uma elasticidade
de substituição igual, ou quase igual, a zero, o que significa que, quando
o seu valor de troca sobe, não aparece nenhuma tendência para substituí-la por algum outro fator, a não ser talvez em proporção ínfima,
quando a moeda-mercadoria é também usada na manufatura ou nas
artes. Isto decorre da particularidade de a moeda ter uma utilidade
derivada apenas do seu valor de troca, de tal modo que ambos sobem
e descem pari passu; quando o seu valor de troca aumenta, não há,
portanto, como no caso de outros fatores de renda, motivo ou tendência
para substituí-la por qualquer outro fator.
Assim sendo, não apenas é impossível empregar mais mão-de-obra
na produção de moeda quando o seu preço em relação à mão-de-obra
sobe, como também a moeda constitui um poço sem fundo para o poder
de compra quando a sua demanda cresce, visto não haver — como no
caso de outros fatores de renda — um valor acima do qual essa demanda
é desviada para outras coisas.
A única restrição para esta situação vem da incerteza que a elevação do valor da moeda ocasiona com relação à sua própria duração,
caso em que a1 e a2 sobem, o que equivale a um aumento nas taxas
de juros monetários da mercadoria e é, portanto, um estímulo para a
produção de outros bens.
(iii) Em terceiro lugar, devemos considerar se estas conclusões
se alteram pelo fato de que, mesmo quando é impossível aumentar a
quantidade de moeda desviando mais trabalho para sua produção, não
se justifica a suposição de que sua oferta efetiva seja absolutamente
imutável. Em particular, uma redução da unidade de salários deixará
em liberdade os recursos de moeda circulante que se destinavam a
outros usos para a satisfação do motivo de liquidez; enquanto, além
disso, à medida que os valores monetários baixam, o estoque de moeda
manterá uma proporção mais elevada relativamente à riqueza total
da comunidade.
Não é possível negar que, por princípios puramente teóricos, esta
reação poderia levar a uma baixa adequada da taxa monetária de
juros. Todavia, por diversas razões que, tomadas em conjunto, têm
uma força decisiva, é muito provável que, numa economia do tipo a
que estamos acostumados, a taxa monetária de juros resista com freqüência a baixar adequadamente:
(a) Temos de levar em conta, em primeiro lugar, os efeitos que
uma baixa na unidade de salários produz sobre as eficiências marginais
dos outros bens em termos de moeda, pois é a diferença entre estas e
a taxa monetária de juros que nos interessa. Se o efeito da baixa na
unidade de salários for uma expectativa de alta posterior, o resultado
226
KEYNES
será completamente favorável. Se, pelo contrário, seu efeito for produzir
uma expectativa de nova baixa futura, a reação sobre a eficiência marginal do capital pode contrabalançar a baixa na taxa de juros.135
(b) O fato de serem os salários propensos à rigidez quando medidos
em moeda, sendo o salário nominal mais estável que o real, tende a
aumentar a propensão da unidade de salários a baixar em termos de
moeda. Ademais, se assim não fosse, a situação poderia ser antes pior
do que melhor, porque, se os salários nominais pudessem baixar com
facilidade, isso contribuiria, nas mais das vezes, para criar uma previsão de nova baixa com reações desfavoráveis para a eficiência marginal do capital. Além disso, se os salários fossem estipulados em qualquer outra mercadoria, por exemplo, em trigo, é improvável que continuassem sendo rígidos. É por causa das outras características da
moeda — especialmente as que a fazem líquida — que os salários,
quando estipulados em moeda, manifestam certa rigidez.136
(c) Em terceiro lugar, chegamos à consideração mais importante
neste contexto, ou seja, às características da moeda que satisfazem a
preferência pela liquidez. Pois em determinadas circunstâncias, que
aliás ocorrem com freqüência, elas farão com que a taxa de juros permaneça insensível, particularmente abaixo de certo nível,137 a um aumento mesmo substancial na quantidade de moeda proporcionalmente
às outras formas de riqueza. Por outras palavras, a baixa que um
acréscimo da quantidade de moeda determina no rendimento que o
dinheiro proporciona, em razão de sua liquidez, torna-se, além de certo
nível, insignificante em relação à baixa do rendimento dos outros tipos
de riqueza que acompanha um aumento comparável de sua quantidade.
A esse respeito, os baixos (ou insignificantes) custos de manutenção da moeda representam um papel essencial, pois, se os custos
de manutenção fossem apreciáveis, compensariam o efeito das previsões
sobre o valor do dinheiro em épocas futuras. A presteza com que o
público aumenta o seu estoque de moeda por efeito de um estímulo
relativamente pequeno deve-se ao fato de que as vantagens da liquidez
(real ou suposta) não têm compensação alguma em forma de custo de
manutenção no decorrer do tempo. No caso de uma mercadoria diferente
do dinheiro, um pequeno estoque da mesma pode oferecer algumas
vantagens para os que a utilizam. Mas mesmo quando um estoque
maior pudesse ter certo atrativo como reserva de riqueza possuindo
um valor estável, essa vantagem ficaria neutralizada pelos custos de
135 Esta questão será examinada mais detalhadamente no cap. 19.
136 Se os salários (e os contratos) fossem estipulados em trigo, pode ser que este adquirisse
uma parte do prêmio de liquidez do dinheiro; voltaremos ao assunto em (IV), a seguir.
137 Ver p. 76.
227
OS ECONOMISTAS
manutenção da dita riqueza, sob a forma de despesas de armazenagem,
desgaste etc. Portanto, além de certo nível, conservar um estoque maior
leva a um prejuízo certo.
Todavia, no caso da moeda, as coisas não se passam assim, como
vimos, e isso por diversas razões, como, por exemplo, aquelas que, no
entender do público, tornam o dinheiro “líquido” par excellence. Portanto, os reformadores que viram um remédio na criação de custos
artificiais de manutenção da moeda, através do expediente de obrigarem os meios de pagamento com curso legal a serem periodicamente
carimbados com uma taxa determinada, a fim de poderem conservar
a sua qualidade de moeda, estavam no caminho certo, e o valor prático
de suas proposições merece consideração.
O significado da taxa de juros monetária surge, portanto, da combinação de características que, sob a influência do motivo de liquidez,
faz com que a taxa possa ser mais ou menos insensível a uma mudança
na proporção que a quantidade de moeda guarda com outras formas
de riqueza medidas em dinheiro e que este tem (ou pode ter) elasticidades nulas (ou insignificantes) de produção, e que a moeda tem (ou
pode ter) elasticidades nulas ou insignificantes de substituição. A primeira condição significa que a demanda pode concentrar-se na moeda,
a seguinte que, quando isto ocorre, não se pode empregar trabalho
para produzir mais moeda, e a terceira, que é esta situação, seja qual
for a sua gravidade, não pode ser atenuada pela intervenção de outro
fator capaz, se suficientemente barato, de prestar os mesmos serviços
que a moeda. A única solução — fora das variações da eficiência marginal do capital — provém (enquanto a preferência pela liquidez se
mantenha constante) do aumento da quantidade da moeda ou — o
que vem a dar exatamente na mesma — de uma alta do valor da
moeda que permita a uma quantidade determinada prestar maiores
serviços monetários.
Assim sendo, um aumento da taxa monetária de juros retarda
a produção de riquezas em todos os ramos em que ela é elástica, sem
estimular a produção da moeda (que, por hipótese, é perfeitamente
inelástica). A taxa monetária de juros, determinando o nível de todas
as demais taxas de juros de mercadorias, refreia o investimento para
produzir essas mercadorias, sem poder estimular o investimento necessário para produzir moeda que, por hipótese, não pode ser produzida.
Além disso, em virtude da elasticidade da demanda de recursos líquidos
em termos de débitos, uma ligeira variação nas condições que regem
essa demanda pode não alterar muito a taxa monetária de juros, enquanto, por outro lado, dada a inelasticidade da produção da moeda,
também não é possível (fora da intervenção oficial) as forças naturais
fazerem baixar a taxa monetária de juros através de uma influência
sobre a oferta. No caso de uma mercadoria comum, a inelasticidade
da demanda de estoques líquidos da mesma permitiria que pequenas
228
KEYNES
variações dessa demanda se traduzissem por uma alta ou baixa imediata da taxa de juros, enquanto a elasticidade de sua oferta também
tenderia a impedir grande ágio das entregas presentes sobre as futuras.
Assim, se os outros bens fossem abandonados a si mesmos, as “forças
naturais”, isto é, as forças comuns do mercado, tenderiam a fazer baixar
as suas taxas de juros até que o pleno emprego produzisse nas mercadorias, em geral, a inelasticidade da oferta que supusemos como
uma característica normal da moeda. Desse modo, à falta de moeda e
— naturalmente devemos supô-lo também — de qualquer outra mercadoria com as características que atribuímos à moeda, as taxas de
juros só se equilibrariam em condições de pleno emprego.
Quer isso dizer que o desemprego aumenta porque as pessoas
querem a Lua; os homens não podem conseguir emprego quando o
objeto de seus desejos (isto é, o dinheiro) é uma coisa que não se
produz e cuja demanda não pode ser facilmente contida. O único remédio consiste em persuadir o público de que Lua e queijo verde são
praticamente a mesma coisa, e a fazer funcionar uma fábrica de queijo
verde (isto é, um banco central) sob o controle do poder público.
É interessante notar que a característica tradicionalmente considerada a que torna o ouro especialmente adequado para servir de
padrão de valor, a saber, a inelasticidade de sua oferta, vem a ser
juntamente a característica que é o ponto focal do problema.
Nossa conclusão pode ser enunciada na forma mais geral (dada
a propensão a consumir) da seguinte maneira. O volume do investimento não pode ser aumentado quando a mais alta das taxas de juros
específicas de todos os bens disponíveis, medidos por certo padrão, é
igual à mais alta das eficiências marginais de todos os bens, medida
pelo mesmo padrão.
Em condições de pleno emprego, esta condição satisfaz-se necessariamente. Mas ela também pode ser satisfeita antes que o pleno
emprego seja alcançado, caso haja algum bem cujas elasticidades de
produção e de substituição138 sejam nulas (ou relativamente pequenas),
e cuja taxa de juros decline, à medida que sua produção aumente mais
lentamente que as eficiências marginais de bens de capital medidas
em termos desse bem.
IV
Já vimos antes que não é suficiente uma mercadoria ser o padrão
de valor para que a taxa de juros dessa mercadoria seja significativa.
Todavia, é interessante considerar até que ponto as características da
moeda tal como a conhecemos, e que conferem à sua taxa de juros
uma importância significativa, estão ligadas ao fato de ser ela o padrão
138 Uma elasticidade zero é condição mais estrita do que a que necessariamente se requer.
229
OS ECONOMISTAS
em que habitualmente se estipulam as dívidas e os salários. O assunto
deve ser considerado sob dois aspectos.
Em primeiro lugar, o fato de serem os contratos fixos e de serem
os salários geralmente bastante estáveis, em termos de moeda, contribui sem dúvida em larga medida para que a moeda tenha um prêmio
de liquidez tão elevado. Há uma vantagem evidente em conservar bens
no mesmo padrão e que irão vencer os compromissos futuros e nele
esperar que o custo de vida permaneça relativamente estável. Ao mesmo
tempo, a expectativa de relativa estabilidade no custo monetário da
produção futura não se manteria com muita confiança se o padrão de
valor fosse um bem com grande elasticidade de produção. Além disso,
os baixos custos de manutenção da moeda contribuem tanto quanto a
importância do seu prêmio de liquidez para dar à sua taxa de juros
uma importância significativa. O que interessa, com efeito, é a diferença
entre o prêmio de liquidez e os custos de manutenção; e no caso da
maior parte dos bens que não sejam ouro, prata ou notas de banco,
os custos de manutenção são pelo menos tão elevados quanto o prêmio
de liquidez que geralmente acompanha o padrão em que são estipulados
os contratos e os salários, de tal modo que, mesmo se o prêmio de
liquidez que agora tem (por exemplo) a libra esterlina se transferisse
(por exemplo) para o trigo, seria ainda improvável que a taxa de juros
do trigo se elevasse acima de zero. Não obstante os contratos e salários
serem fixados em termos monetários, aumentar a importância da taxa
monetária de juros não bastaria, entretanto, por si só, para conferir
a essa taxa as características que lhe têm sido atribuídas.
O segundo ponto a considerar é mais sutil. A expectativa normal
de que o valor da produção seja mais estável em termos de moeda de
que em termos de qualquer outro bem não depende naturalmente do
fato de os salários serem estipulados em moeda, mas do fato de, em
termos de moeda, eles serem relativamente rígidos. Que sucederia,
então, se se presumisse que os salários fossem mais rígidos (isto é,
mais estáveis) em termos de uma ou mais mercadorias diferentes da
moeda, do que em termos da própria moeda? Tal expectativa exigiria
não apenas que os custos do bem em questão fossem relativamente
constantes em unidades de salários para uma escala de produção maior
ou menor, tanto no curto como no longo prazo, mas também que qualquer excedente sobre a demanda normal, ao preço de custo, pudesse
ser incluído no estoque sem despesas, isto é, o seu prêmio de liquidez
excederia os seus custos de manutenção (pois, de outro modo, quando
não há esperança de lucro mediante um preço mais alto, a manutenção
de um estoque tem de supor, necessariamente, um prejuízo). Se houver
um bem que satisfaça estas condições, nada impede, sem dúvida, que
ele se torne um rival da moeda. Assim sendo, não é logicamente im230
KEYNES
possível a existência de um bem em termos do qual o valor da produção
pareça ser mais estável do que em relação à moeda. Mas não parece
provável que exista tal bem.
Concluo, portanto, que o bem em função do qual se espera que
os salários sejam mais rígidos só pode ser um cuja elasticidade de
produção seja mínima e cujo excedente de custos de manutenção
sobre o prêmio de liquidez seja igualmente mínimo. Em outras palavras, a expectativa de rigidez relativa dos salários em termos de
moeda é um corolário do fato de o excedente do prêmio de liquidez
sobre os custos de manutenção ser maior para a moeda do que para
qualquer outro bem.
Vemos assim que as várias características que se combinam para
tornar significativa a taxa monetária de juros interagem de forma cumulativa. O fato de ter a moeda baixas elasticidades de produção e
substituição e baixos custos de manutenção tende a criar a expectativa
de certa estabilidade de salários expressos em moeda; essa expectativa
aumenta o prêmio de liquidez do dinheiro e evita a correlação excepcional entre a taxa monetária de juros e as eficiências marginais de
outros bens, que poderia, se existisse, privar esta taxa monetária de
juros de seu predomínio.
O professor Pigou (entre outros) costumava supor a existência
de uma presunção no sentido de que os salários reais são mais estáveis
que os nominais. Porém, isto só poderia ocorrer em virtude de outra
presunção em favor da estabilidade do emprego. Ademais, resta ainda
a dificuldade de que os bens de consumo salariais são gravados de
elevados custos de manutenção. Na verdade, se se tentasse estabilizar
os salários reais estipulando a remuneração do trabalho em bens de
consumo salariais, o único resultado seria uma violenta oscilação dos
preços monetários, pois qualquer ligeira flutuação da propensão a consumir e do incentivo a investir faria com que os preços nominais oscilassem violentamente entre zero e o infinito. Serem os salários nominais mais estáveis que os salários reais é uma condição para que o
sistema possua uma estabilidade intrínseca.
Atribuir aos salários reais uma estabilidade relativa é não apenas
cometer um erro de fato e de experiência, mas também um erro de
lógica, isto se supusermos que o sistema considerado é estável, no
sentido de que as pequenas variações na propensão a consumir e no
incentivo a investir não produzem efeitos violentos sobre os preços.
V
Como comentário ao que ficou dito, talvez seja útil insistir sobre
o fato, já assinalado, de que a “liquidez” e os “custos de manutenção”
são, ambos, questão de grau e que é unicamente na importância da
primeira em relação aos últimos que reside a peculiaridade da “moeda”.
231
OS ECONOMISTAS
Consideremos, por exemplo, uma economia na qual não há um
bem cujo prêmio de liquidez esteja sempre acima de seus “custos de
manutenção”; esta é a melhor definição que posso dar da chamada
economia “não monetária”. Quer dizer, não haveria nessa economia
senão determinados bens de consumo e determinados equipamentos
de capital, mais ou menos diferenciados, conforme a natureza dos bens
de consumo que num espaço de tempo mais ou menos longo produzem
ou ajudam a produzir; todos estes bens, ao contrário do dinheiro líquido,
caso se conservem em estoque, se deterioram ou supõem despesas de
um valor maior que o seu prêmio de liquidez.
Em semelhante economia, os equipamentos de capital se distinguem uns dos outros: (a) pela variedade dos bens de consumo em cuja
produção podem intervir; (b) pela estabilidade do valor de sua produção
(no sentido de que o valor do pão é mais estável através do tempo do
que o das novidades que logo passam de moda); e (c) pela rapidez com
que a riqueza que lhes está incorporada pode tornar-se “líquida”, ou
seja, pela rapidez com que criam bens cujo produto da venda pode ser
reincorporado, se se desejar, de forma inteiramente diferente.
Os proprietários de riqueza ponderarão a falta de “liquidez”, no
sentido anterior, dos diferentes equipamentos de capital, como meio
de conservar a riqueza, com o cálculo atuarial melhor possível dos
seus rendimentos prováveis, após considerar o risco. Observaremos que
o prêmio de liquidez se assemelha, em parte, ao prêmio de risco, porém
dele difere, em parte; a diferença corresponde à que existe entre os
melhores cálculos que possamos fazer das probabilidades e a confiança
com que o faremos.139 Quando tratamos, em capítulos anteriores, do
cálculo do rendimento esperado, não entramos em pormenores sobre
como era feito esse cálculo; e, para não complicar o raciocínio, não
distinguimos as diferenças de liquidez das diferenças de risco propriamente dito. É, contudo, evidente que, no cálculo da taxa de juros específica, devemos levá-las em conta.
É claro que não existe um padrão de “liquidez” absoluto, mas simplesmente uma escala de liquidez — um prêmio variável que se tem de
levar em conta, além do rendimento do uso e dos custos de manutenção,
ao calcular o atrativo de conservar diversas formas de riqueza. A noção
do que contribui para a “liquidez” é, em parte, vaga, modificando-se de
tempos em tempos e dependendo das práticas sociais e das instituições.
Existe, entretanto, na idéia dos proprietários de riqueza uma ordem de
preferência bem definida, na qual eles exprimem em qualquer tempo o
139 Ver a nota de rodapé da p. 158.
232
KEYNES
que pensam a respeito da liquidez, e não precisamos de mais nada
para a nossa análise do comportamento do sistema econômico.
Pode ser que em determinadas circunstâncias históricas os proprietários de riqueza tenham pensado que a posse de terra se caracterizava por um alto prêmio de liquidez, e, visto que a terra participava
com a moeda da particularidade de ter, em princípio, elasticidades de
produção e de substituição muito baixas,140 é concebível que tenha
havido na história ocasiões em que o desejo de possuir terra haja desempenhado o mesmo papel que a moeda em tempos recentes, no sentido de manter a taxa de juros num nível demasiado alto. É difícil
determinar esta influência quantitativamente, dada a falta de um preço
futuro para a terra, medido em unidades de si mesma, que seja estritamente comparável à taxa de juros de uma dívida monetária. Temos,
entretanto, um fator que em certas épocas desempenhou papel análogo,
representado pelas elevadas taxas de juros hipotecários.141 As altas
taxas de juros sobre hipotecas da terra, muitas vezes excedendo o
rendimento provável de sua cultura, constituem um aspecto comum
de muitas economias agrícolas. As leis sobre usura eram especialmente dirigidas contra as extorsões dessa natureza. E com razão,
pois, nas antigas organizações sociais, nas quais inexistiam as obrigações a longo prazo no sentido moderno, a concorrência de uma
elevada taxa de juros sobre hipotecas pode muito bem ter tido o
mesmo efeito em retardar o crescimento da riqueza procedente do
investimento corrente em ativos de capital recém-produzidos, tanto
quanto as altas taxas de juros sobre dívida de longo prazo o fizeram
nos tempos mais recentes.
O fato de ser o mundo tão pobre como é em bens de capital
acumulados, apesar da ininterrupta poupança individual durante vários milênios, não deve ser explicado, na minha opinião, pela tendência
da humanidade para a imprevidência, nem mesmo pelas destruições
das guerras, mas, antes, pelos prêmios de liquidez que outrora tinha
a propriedade da terra e que agora tem a moeda. Neste ponto, a minha
140 O atributo de “liquidez” não é, de maneira alguma, independente destas duas características.
Pois, se a oferta de um bem pode ser facilmente aumentada ou se o desejo de que ele é
objeto pode facilmente ser desviado por uma variação no seu preço relativo, não é provável
que esse bem goze do atributo de “liquidez” na idéia dos possuidores de riqueza. O próprio
dinheiro não tarda a perder o atributo de “liquidez” quando se esperam fortes variações
na sua oferta.
141 É evidente que uma hipoteca e seu juro se estipulam em termos monetários. Porém, o fato
de o devedor de hipoteca gozar da faculdade de entregar a terra para saldar sua dívida —
e assim tem de fazer se não conseguir oportunamente o dinheiro — fez com que o sistema
de hipotecas se aproximasse de um contrato de terra para entrega futura contra terra para
entrega imediata. Tem havido vendas de terras aos arrendatários contra hipotecas efetuadas
por eles, que, de fato, se aproximaram muito das transações desta natureza.
233
OS ECONOMISTAS
opinião diverge da doutrina antiga, tal como Marshall a exprimiu com
dogmatismo incomum em sua obra Principles of Economics, p. 581:
“Todos sabem que a acumulação de riqueza é refreada, e
que a taxa de juros se sustenta em virtude da preferência que
a maior parte da humanidade tem pelas satisfações imediatas
sobre as diferidas, ou, em outras palavras, pela sua relutância
em ‘esperar’”.
VI
Em minha obra Treatise on Money defini o que pretendia ser
uma taxa de juros de natureza única, a que chamei taxa natural de
juros — isto é, aquela que na terminologia de meu Treatise mantinha
a igualdade entre o montante da poupança (segundo a definição ali
adotada) e o montante do investimento. Pensei assim desenvolver e
esclarecer a noção de “taxa natural de juros” de Wicksell que, segundo
ele, era a que conservaria a estabilidade de certo nível de preços não
muito bem definida.
Tinha eu, contudo, ignorado o fato de que, segundo esta definição,
há em cada sociedade uma taxa de juros diferente para cada volume
teórico de emprego hipotético. E para ele a mesma é “natural” no sentido
de que o sistema estará em equilíbrio com esse nível de taxa de juros
e esse volume de emprego. Foi, portanto, um erro falar da taxa natural
de juros ou sugerir que a anterior definição lhe daria um valor único
independentemente do volume de emprego. Eu não compreendera então
que, em certas circunstâncias, o sistema pode estar em equilíbrio abaixo
do pleno emprego.
Agora já não sou da opinião de que o conceito de uma taxa
“natural” de juros, que antes me pareceu uma idéia das mais promissoras, possa trazer à nossa análise uma contribuição verdadeiramente útil ou importante. Ela é simplesmente a taxa que manterá
o status quo; e, em geral, não temos interesse predominante no
status quo como tal.
Se existe taxa de juros única e importante, tem de ser aquela a
que poderíamos chamar neutra,142 isto é, a taxa natural no sentido
anterior que é consistente com o pleno emprego, dados os outros parâmetros do sistema, aliás, talvez fosse preferível designá-la pelo nome
de taxa ótima.
A taxa neutra de juros pode definir-se mais rigorosamente como
142 Esta definição não corresponde a nenhuma das diversas definições de moeda neutra dadas
por autores modernos, embora haja talvez certa relação com o objetivo que esses autores
têm em mente.
234
KEYNES
sendo a que prevalece em equilíbrio quando a produção e o emprego
são tais que a elasticidade do emprego, como um todo, é zero.143
O que ficou dito nos dá, mais uma vez, a resposta à questão de
qual hipótese é necessário admitir, tacitamente, para que a teoria clássica de juros tenha um sentido. Essa teoria supõe que a taxa real é
sempre igual à neutra, no sentido em que acabamos de defini-la, ou,
reciprocamente, que a taxa real de juros é sempre igual à que manterá
o emprego em certo nível especificado e constante. Se a teoria tradicional for assim interpretada, pouco ou nada há em suas conclusões
práticas com que deixaremos de estar de acordo. A teoria clássica supõe
que a autoridade bancária ou as forças naturais levam a taxa juros
do mercado a satisfazer uma ou outra das condições anteriores, e investiga as leis que governam, nesta hipótese, a aplicação e a remuneração dos recursos produtivos da comunidade. Com essa limitação, o
volume da produção depende, unicamente, do nível constante de emprego que se supõe, aliado à técnica e ao equipamento atuais; e ficamos
devidamente protegidos no mundo ricardiano.
143 Cf. cap. 20.
235
CAPÍTULO 18
Novo Enunciado da Teoria Geral do Emprego
I
Chegamos ao momento de reunir todos os fios do nosso raciocínio.
Para começar, poderia ser útil indicar quais elementos do sistema econômico tomamos, habitualmente, como dados, quais são as variáveis
independentes do nosso sistema e quais as dependentes.
Tomamos como dados a capacidade e a quantidade de mão-de-obra
disponível, a qualidade e quantidade do equipamento disponível, o estado da técnica, o grau de concorrência, os gostos e hábitos dos consumidores, a desutilidade das diferentes intensidades de trabalho e
das atividades de supervisão e organização, bem como a estrutura social, incluindo as forças que determinam a distribuição da renda nacional, não compreendidas em nossas variáveis citadas mais adiante.
Isso não significa que suponhamos constantes tais fatores, mas simplesmente que, neste instante e neste contexto, nos abstemos de analisar ou mesmo de levar em consideração as conseqüências das suas
variações.
Nossas variáveis independentes são, em primeiro lugar, a propensão a consumir, a escala da eficiência marginal do capital e a taxa
de juros, embora, como já vimos, estas variações sejam suscetíveis de
maior análise.
Nossas variáveis dependentes são o volume de emprego e a renda
nacional (ou dividendo nacional) medida em unidade de salários.
Os fatores que tomamos como dados influem sobre as nossas
variáveis independentes, mas não as determinam completamente. Por
exemplo, a escala da eficiência marginal do capital depende, em parte,
do volume de equipamento existente, que é um dos fatores dados, mas
também, em parte, das expectativas a longo prazo, que não se pode
inferir dos fatores dados. Há, porém, outros elementos tão completa237
OS ECONOMISTAS
mente determinados pelos fatores já conhecidos que podemos tratar
estes elementos derivados como se também fossem dados. Por exemplo,
os fatores dados permitem saber qual o montante da renda nacional,
medido em unidades de salário, que corresponderá a qualquer volume
de emprego, de maneira que, dentro da estrutura econômica que consideramos dada, a renda nacional depende do volume de emprego, isto
é, da quantidade de esforço atual consagrado à produção, no sentido
de que há uma correlação única entre os dois.144 Dos fatores dados
podemos, além disso, deduzir a forma das funções da oferta agregada
que compreendem as condições físicas da oferta para os diferentes tipos
de produtos, quer dizer, o volume de emprego que se dedicará à produção correspondente a dado nível qualquer da demanda efetiva, medida em unidades de salários. Finalmente nos dão a função da oferta
de mão-de-obra (ou esforço), indicando, inter alia, em que ponto a função
do emprego145 deixará de ser elástica.
A escala da eficiência marginal do capital depende, contudo, em
parte, dos fatores dados e, em parte, do rendimento provável dos bens
de capital de diferentes espécies, ao passo que a taxa de juros é parcialmente governada pelo estado da preferência pela liquidez (isto é,
pela função de liquidez) e também pela quantidade de moeda medida
em unidades de salários. Assim, podemos em alguns casos considerar
variáveis independentes finais (1) os três fatores psicológicos fundamentais, a saber, a propensão psicológica a consumir, a atitude psicológica relativa à liquidez e a expectativa psicológica do rendimento
futuro dos bens de capital; (2) a unidade de salários, tal como é determinada pelos acordos celebrados entre patrões e operários; e (3) a
quantidade de moeda tal como é determinada pela ação do banco
central, de maneira que, se tomarmos como dados os fatores antes
especificados, estas variáveis determinam a renda (ou dividendo)
nacional e o volume de emprego. Mas elas são, também, suscetíveis
de análise ulterior e não constituem os nossos últimos elementos
mínimos independentes.
A divisão das determinantes do sistema econômico nos dois grupos
de fatores dados e das variáveis independentes é, de um ponto de vista
absoluto, completamente arbitrária. Ela deve basear-se apenas na experiência, de modo que corresponda, por um lado, aos fatores cujas
variações parecem ser tão lentas ou tão pouco importantes que apenas
tenham pequena e, comparativamente, desprezível influência a curto
prazo em nosso quaesitum; e, por outro lado, aos fatores cujas variações
exercem, na prática, uma influência dominante em nosso quaesitum.
144 Deixamos de lado, neste ponto, certas dificuldades que surgem quando as funções de emprego
dos diferentes produtos têm curvaturas desiguais ao redor do nível de emprego relevante.
Ver cap. 20.
145 Definida no cap. 20.
238
KEYNES
O nosso objetivo presente é descobrir o que, em dado sistema econômico,
determina em um momento preciso a renda nacional e (o que vem a
ser quase a mesma coisa) o volume de emprego que lhe corresponde,
o que significa, num estudo tão complexo como o da economia, onde
não é possível esperar generalizações completamente exatas, descobrir
os fatores cujas variações determinam principalmente o nosso quaesitum. Nossa tarefa final poderia consistir em selecionar as variáveis
que a autoridade central pode controlar ou dirigir deliberadamente no
tipo de sistema em que realmente vivemos.
II
Tentemos, agora, resumir o raciocínio dos capítulos anteriores,
tomando os fatores na ordem inversa àquela em que foram introduzidos.
Existe um incentivo para aumentar o fluxo de investimentos novos até um ponto em que a alta do preço de oferta de cada espécie de
bem de capital seja suficiente, dado o seu rendimento provável, para
fazer cair a eficiência marginal do capital em geral até as proximidades
da taxa de juros. Isso significa que as condições físicas da oferta nas
indústrias de bens de capital, o estado da confiança quanto ao rendimento provável, a atitude psicológica relativa à liquidez e a quantidade
de moeda (calculada de preferência em termos de unidades de salários)
determinam, em conjunto, o fluxo de investimentos novos.
No entanto, um aumento (ou diminuição) do fluxo de investimentos acompanha-se, necessariamente, de um aumento (ou diminuição)
do fluxo de consumo, pois o comportamento do público é, em geral, de
tal natureza que só presta a alargar (ou estreitar) a lacuna que separa
seu rendimento e seu consumo se o rendimento for, por sua vez, aumentado ou diminuído. Isso significa que as variações do fluxo de consumo estão, em geral, na mesma direção (embora de grandeza menor)
que as variações do fluxo de rendimento. A relação entre um incremento
de consumo e o incremento na poupança a que ele está associado é
determinada pela propensão marginal a consumir. A relação, assim
determinada, entre um incremento do investimento e o incremento
correspondente à renda agregada, ambos medidos em unidades de salários, é dada pelo multiplicador de investimento.
Finalmente, se supusermos (como primeira aproximação) que o
multiplicador de emprego é igual ao multiplicador de investimento,
podemos, aplicando-o ao incremento (ou ao decrescimento) que os fatores anteriormente indicados provocam no fluxo de investimento, inferir dele o incremento do emprego.
Um incremento (ou decrescimento) do emprego pode, contudo,
fazer subir (ou baixar) a curva da preferência pela liquidez, existindo
três maneiras de aumentar a demanda da moeda, a saber: pelo fato
de que o valor da produção sobe quando o emprego aumenta, mesmo
que a unidade de salários e os preços (em unidades de salários) não
239
OS ECONOMISTAS
mudem; pelo fato de que a própria unidade de salários tende a subir
à medida que o emprego melhora, e pelo fato de que o aumento da
produção é acompanhado por uma alta de preços (em termos da unidade
de salários), devida ao aumento dos custos em prazo curto.
A posição de equilíbrio será, portanto, afetada por estas repercussões e também por outras. Além disso, não há um só dos elementos
anteriores que não esteja sujeito a variar sem prévio aviso e, às vezes,
substancialmente. Como conseqüência, a extrema complexidade do curso real dos acontecimentos. Em todo caso, estes parecem ser os fatores
que é conveniente e útil isolar. Quando examinamos um problema
concreto de acordo com o esquema anterior, achamo-lo mais fácil de
manejar, e a nossa intuição prática (que pode levar em conta um conjunto de fatos mais pormenorizados do que é possível tratar segundo
princípios gerais) se exercerá sobre um material menos inabordável.
III
O que ficou dito é um resumo da Teoria Geral. Os fenômenos
reais do sistema econômico, porém, estão também coloridos por certas
características especiais de propensão a consumir, da escala da eficiência marginal do capital e da taxa de juros, sobre as quais podemos
generalizar com segurança, a partir da experiência, mas que não são,
logicamente, necessárias.
Em especial, é uma das características essenciais do sistema econômico em que vivemos não ser ele violentamente instável, mesmo
estando sujeito a severas flutuações no que concerne à produção e ao
emprego. Na verdade ele parece apto a permanecer em condições crônicas de atividade subnormal durante um tempo considerável sem tendência marcada para a recuperação ou o colapso completo. Ademais,
a evidência prova que o pleno emprego, ou mesmo o aproximadamente
pleno, é uma situação tão rara quanto efêmera. As flutuações podem
começar de repente, mas parecem atenuar-se antes de chegar a grandes
extremos, e o nosso destino é a situação intermediária, não propriamente desesperada e tampouco satisfatória. Foi no fato de que as flutuações tendem a atenuar-se por si mesmas antes de alcançarem limites
extremos e de, eventualmente, se inverterem que se baseou a teoria
dos ciclos econômicos de fase regular. O mesmo se aplica aos preços
que, em resposta a uma causa inicial de perturbação, se mostram aptos
a encontrar um nível em que podem permanecer relativamente estáveis
por certo tempo.
Ora, como estes fatos da experiência não são deduzidos por necessidade lógica, deve-se admitir que eles, por sua natureza, produzem
estes resultados em virtude das tendências psicológicas e das circunstâncias do mundo moderno. Será, portanto, útil começar examinando
quais são as tendências psicológicas que, por hipótese, tornam um sistema estável, e depois verificar se é plausível, levando em conta os
240
KEYNES
nossos conhecimentos gerais da natureza humana contemporânea, atribuí-las ao mundo em que vivemos.
Segundo a análise precedente, as condições de estabilidade próprias para explicar os resultados observados são as seguintes:
(i) A propensão marginal a consumir é tal que, quando a produção
de determinada comunidade aumenta (ou diminui) porque se aplica
mais (ou menos) mão-de-obra ao seu equipamento de capital, o multiplicador que relaciona os dois aumentos é superior à unidade, mas
não muito grande.
(ii) Quando se produz uma variação no rendimento provável do
capital ou na taxa de juros, a curva da eficiência marginal do capital
deverá ser tal que a variação do novo investimento não fique em grande
desproporção com a mudança no primeiro, isto é, as variações moderadas no rendimento provável do capital ou na taxa de juros não devem
ser associadas a variações muito grandes de fluxo de investimento.
(iii) Quando o volume de emprego varia, os salários nominais
tendem a variar na mesma direção, mas não de forma muito desproporcionada, isto é, as variações moderadas no emprego não se acompanham de grandes alterações nos salários nominais. Esta é uma condição da estabilidade dos preços ao invés do emprego.
(iv) Podemos acrescentar uma quarta condição que não se relaciona tanto com a estabilidade do sistema como com a tendência de
as flutuações, em certo sentido, se inverterem no devido tempo; tal
condição é a de que um fluxo de investimento, superior (ou inferior)
ao que prevalecia, começa a reagir desfavoravelmente (ou favoravelmente) sobre a eficiência marginal do capital se se prolongar por um
período que, medido em anos, não seja muito longo.
(i) Nossa primeira condição de estabilidade (a de que o multiplicador, embora superior à unidade, não é muito elevado) é perfeitamente
plausível se considerada uma característica psicológica da natureza
humana. À medida que a renda aumenta, as necessidades não satisfeitas tornam-se menos prementes e a margem sobre o nível de vida
estabelecido aumenta; quando a renda real diminui, verifica-se o contrário. É, portanto, natural — ao menos para o termo médio da comunidade — que, em caso de aumento de emprego, o consumo corrente
se amplie, porém em menor proporção que o incremento absoluto da
renda real, e que, em caso de diminuição do emprego, ele decline,
embora não tanto quanto a baixa absoluta do rendimento real. Além
disso, o que é certo para a maioria dos indivíduos provavelmente também o será para os governos, especialmente numa época em que o
241
OS ECONOMISTAS
aumento progressivo do desemprego obriga, geralmente, o Estado a
fornecer ajuda com recursos emprestados.
Quer esta lei psicológica, a priori, pareça ou não plausível ao
leitor, o fato é que a realidade seria bastante diferente se tal lei não
fosse válida. Nesse caso, um acréscimo do investimento, por menor
que fosse, desencadearia um aumento cumulativo da demanda efetiva
até que se alcançasse uma situação de pleno emprego, ao passo que
uma diminuição do investimento provocaria uma queda cumulativa da
demanda efetiva até que ninguém mais tivesse emprego. Não obstante
isso, a experiência prova que nos encontramos, geralmente, em posição
intermediária. Não é impossível haver uma área onde, de fato, reine
a instabilidade; mas, se assim o é, será provavelmente em estreitos
limites, além dos quais e em qualquer direção a nossa lei psicológica
é, incontestavelmente, válida. Além disso, é evidente também que o
multiplicador, embora ultrapasse a unidade, não é, em circunstâncias
normais, excessivamente grande. Se o fosse, determinada variação no
fluxo de investimento implicaria grande modificação (apenas limitada
pelo emprego pleno ou nulo) no fluxo de consumo.
(ii) Enquanto a primeira condição nos garante que uma variação
moderada no fluxo de investimento não provocará outra variação indefinidamente grande na demanda de bens de consumo, nossa segunda
condição estabelece que uma variação moderada no rendimento provável dos bens de capital ou na taxa de juros não provocará uma
variação de grandeza indeterminada no fluxo de investimento. Este é
provavelmente o caso, devido ao custo crescente de uma produção mais
volumosa com o equipamento existente. Decerto, se partirmos de uma
posição em que existam grandes excedentes de recursos para a produção
de bens de capital, pode haver, dentro de certos limites, uma instabilidade considerável; o mesmo não sucederá, porém, se o excedente de
recursos for utilizado em grande escala. Além disso, esta condição marca
um limite à instabilidade resultante das rápidas variações do rendimento provável dos bens de capital, como acontece no caso de bruscas
flutuações da psicologia nos meios de negócios ou após invenções que
marcam época — talvez mais em direção ascendente que descendente.
(iii) Nossa terceira condição concorda com nossa experiência da
natureza humana. Embora a luta pelos salários nominais tenha por
fim essencial, como já assinalamos, manter um elevado salário relativo,
é provável que, à medida que o emprego aumenta, essa luta venha a
intensificar-se em cada caso individual: primeiro porque o operário se
beneficia nas negociações de uma posição mais favorável, e depois porque a reduzida utilidade marginal do seu salário e a melhoria de sua
margem financeira o tornam mais inclinado a correr riscos. Assim sendo, estas influências atuarão dentro de certos limites, e os trabalhadores
242
KEYNES
não procurarão um salário nominal muito maior quando o emprego
aumenta, ou preferirão suportar certo grau de desemprego a consentirem numa sensível redução dos salários.
Mas, outra vez, seja esta conclusão plausível ou não a priori, a
experiência mostra que deve haver uma lei psicológica deste tipo válida
na realidade. Isso porque, se a concorrência entre os trabalhadores
sem emprego conduzisse sempre a uma grande redução dos salários
nominais, o nível de preços estaria sujeito a uma violenta instabilidade.
Ademais, não poderia haver posição de equilíbrio estável, salvo em
condições compatíveis com o pleno emprego, desde o momento em que
a unidade de salários devesse baixar sem limite, até que o efeito da
abundância de dinheiro, em unidades de salários, sobre a taxa de juros
fosse suficiente para estabelecer um nível de pleno emprego. Em nenhum outro ponto poderia haver equilíbrio durável.146
(iv) Nossa quarta condição, que não é tanto de estabilidade como
de recessão e de recuperação alternadas, baseia-se, simplesmente, na
presunção de que os bens de capital datam de épocas diversas, gastam-se com o tempo e nem todos são muito duráveis; assim, se o fluxo
de investimento cai além de certo nível mínimo, basta certo lapso de
tempo (à falta de grandes flutuações em outros elementos) para determinar, na eficiência marginal do capital, uma alta bastante forte
para que se restabeleça o fluxo de investimento acima desse mínimo.
E, naturalmente, de modo similar, se os investimentos sobem a um
nível maior que antes, basta igualmente certo lapso de tempo para
determinar na eficiência marginal do capital uma baixa suficientemente
forte para provocar uma recessão, a não ser que mudanças compensadoras se produzam em outros fatores.
Por essa razão, é provável que mesmo aqueles graus de recuperação e de recessão que podem ocorrer dentro das limitações estabelecidas pelas nossas outras condições de estabilidade provoquem um
movimento de retrocesso, até que as mesmas forças de antes tornem
a inverter a direção, se persistirem por um lapso de tempo suficiente
e não forem contrariadas por variações nos outros elementos.
As nossas quatro condições tomadas em conjunto bastam, portanto, para explicar os aspectos salientes da nossa experiência real,
isto é, mostram que oscilamos, evitando os extremos mais graves das
flutuações no emprego e nos preços em ambas as direções, ao redor
de uma posição intermediária, sensivelmente abaixo do pleno emprego
e sensivelmente acima do mínimo, já que uma queda abaixo deste
mínimo constitui um perigo de vida.
Não devemos, porém, concluir que a posição intermediária assim
146 Os efeitos das variações na unidade de salário serão tratados em detalhe no cap. 19.
243
OS ECONOMISTAS
determinada pelas tendências “naturais”, a saber, pelas tendências que
provavelmente persistirão à falta de medidas expressamente destinadas a corrigi-las, corresponda a uma situação inevitável. O predomínio
das condições anteriores é um fato observado no mundo, tanto no presente como no passado, mas não um princípio necessário que não possa
ser modificado.
244
LIVRO QUINTO
SALÁRIOS NOMINAIS E PREÇOS
CAPÍTULO 19
Variações nos Salários Nominais
I
Teria sido preferível examinar os efeitos das variações nos salários nominais em capítulo anterior, pois a teoria clássica tem o costume de basear numa pretensa fluidez dos salários nominais a suposta
aptidão do sistema econômico para se ajustar por si mesmo; e, quando
há rigidez, de atribuir a essa rigidez a responsabilidade pelos desajustamentos.
Era impossível, entretanto, fazer um estudo completo desta questão antes de ter exposto a nossa própria teoria, pois as conseqüências
de uma alteração nos salários nominais são complexas. Uma redução
dos salários é capaz, em determinadas circunstâncias, de estimular a
produção, tal como o supõe a teoria clássica. A diferença entre esta
teoria e a minha reside principalmente na matéria de análise, de modo
que não poderia expô-la claramente antes que o leitor estivesse familiarizado com meu método.
A explicação geralmente admitida é, no meu entender, muito
simples. Ela não depende das repercussões indiretas, como as que examinaremos em seguida. O argumento consiste simplesmente em que
uma redução nos salários nominais estimulará, coeteris paribus, a demanda ao fazer baixar o preço dos produtos acabados, aumentando,
portanto, a produção e o emprego até o ponto em que a redução que
os operários concordaram aceitar em seus salários nominais fique compensada justamente pela eficiência marginal decrescente do trabalho
à medida que aumenta a produção (de determinado equipamento).
Em sua forma mais rudimentar, isto equivale a supor que a
redução dos salários nominais não afetará a demanda. Há, talvez, alguns economistas que sustentam não haver razão para que a demanda
seja afetada, argüindo que a demanda agregada depende da quantidade
de moeda multiplicada pela velocidade-renda da mesma, e que não há
247
OS ECONOMISTAS
razão evidente para que uma redução dos salários nominais diminua
a quantidade de moeda ou a sua velocidade-renda. Poderão sustentar,
ainda, que a baixa dos salários aumenta necessariamente os lucros.
Parece-me mais normal, entretanto, convir que a redução dos salários
nominais pode ter algum efeito sobre a demanda agregada através da
queda que ocasiona no poder de compra de alguns trabalhadores, embora a demanda real de outros fatores, cujas rendas nominais não
foram reduzidas, se veja estimulada pela baixa de preços, e a demanda
agregada dos próprios trabalhadores aumente, com bastante probabilidade, como resultado do maior volume de emprego, a não ser que a
elasticidade da demanda de mão-de-obra, em resposta às modificações
nos salários nominais, seja inferior à unidade. Conseqüentemente,
quando o novo equilíbrio se estabelece, há mais emprego do que existiria
em outras condições, exceto, talvez, em alguns casos extremos que
carecem de realidade na prática.
Divirjo, fundamentalmente, deste tipo de análise, ou melhor, do
que parece estar por trás de observações como as anteriores, pois,
enquanto o que ficou dito representa muito bem, segundo creio, o espírito com que falam e escrevem muitos economistas, raras vezes o
raciocínio em que se baseiam foi exposto detalhadamente.
Parece, entretanto, provável que se tenha chegado a esse modo
de pensar da maneira que se segue. Em qualquer indústria, temos
uma curva da demanda do seu produto que relaciona as quantidades
disponíveis para a venda aos preços solicitados; temos uma série de
curvas de oferta indicando os preços que serão exigidos para a venda
de diferentes quantidades em cada base de custo; e a combinação destas
curvas permite obter uma nova que, supondo a invariabilidade dos
demais custos (exceto como conseqüência de uma mudança na produção), nos dá a curva da demanda de mão-de-obra na indústria, relacionando o volume de emprego com os diferentes níveis de salário,
sendo que a forma desta curva em cada um dos seus pontos fornece
a elasticidade da demanda de mão-de-obra. Transfere-se, então, este
conceito sem modificações substanciais para o conjunto da indústria,
e supõe-se, por analogia, que temos para a indústria inteira uma curva
da demanda de mão-de-obra relacionando o volume de emprego com
diferentes níveis de salários. Afirma-se que este argumento não se
altera essencialmente, quer se raciocine em termos de salários nominais
ou reais. Se pensamos em termos de salários nominais, temos, naturalmente, de fazer as correções correspondentes às variações no valor
da moeda; mas isso não altera a tendência geral do argumento, pois
decerto os preços não variam em proporção exata com as modificações
nos salários nominais.
Se é esta a base do raciocínio (e do contrário não sei qual possa
ser), trata-se, evidentemente, de algo falacioso. Para traçar, pois, a
curva da demanda em indústrias em particular, é indispensável adotar
248
KEYNES
certas hipóteses fixas quanto à forma das curvas da oferta e da procura
nas outras indústrias e quanto ao montante da demanda agregada
efetiva. Não é válido, portanto, aplicar o argumento à indústria em
conjunto, a não ser que lhe transfiramos também a nossa hipótese de
que a demanda efetiva agregada é fixa. Esta hipótese reduz, porém,
o argumento a um ignoratio elenchi. Ninguém pensaria, pois, em negar
a proposição de que uma redução dos salários nominais, acompanhada
de demanda efetiva agregada idêntica a níveis anteriores, é seguida
por um aumento de emprego; mas a questão que se propõe é justamente
saber se os salários nominais reduzidos serão ou não acompanhados
por uma demanda agregada efetiva que, medida em dinheiro, seja igual
à demanda anterior, ou pelo menos não tenha sofrido uma redução
plenamente proporcional à dos salários nominais (isto é, que seja um
tanto maior, quando medida em unidades de salários). Se não é permitido, porém, à teoria clássica estender suas conclusões, por analogia,
da indústria em particular à indústria em conjunto, ela é inteiramente
incapaz de responder que efeitos produzirá sobre o emprego uma baixa
dos salários nominais. Não há, pois, nenhum método de análise que
possibilite resolver o problema. Parece-me que a Theory of Unemployment do professor Pigou extrai da teoria clássica tudo quanto se pode
tirar dela, com o resultado de que o livro se converte numa demonstração surpreendente de que essa teoria nada tem para oferecer quando
aplicada ao problema de saber o que determina o volume real do emprego no agregado.147
II
Apliquemos, portanto, o próprio método de análise à solução do
problema. O método divide-se em duas questões. (1) Uma redução nos
salários nominais, coeteris paribus, tende a aumentar diretamente o
emprego, e com “coeteris paribus” se quer dizer que a propensão a
consumir, a curva da eficiência marginal do capital e a taxa de juros
são as mesmas que antes para a comunidade em conjunto? (2) De
maneira certa ou provável uma redução nos salários nominais tende
a afetar o emprego num sentido particular, através de suas repercussões
certas ou prováveis sobre esses três fatores?
Já respondemos à primeira pergunta em sentido negativo nos
capítulos anteriores. Demonstramos que o nível de emprego depende
unicamente do da demanda efetiva medida em unidades de salários,
e que sendo esta a soma do consumo provável e do investimento provável, não pode variar se a propensão a consumir, a curva da eficiência
marginal do capital e a taxa de juros permanecem constantes. Se, na
147 Num Apêndice ao presente capítulo será criticada em detalhe a Theory of Unemployment,
do prof. Pigou.
249
OS ECONOMISTAS
ausência de qualquer modificação nestes elementos, os empresários
aumentassem o volume de emprego, seus rendimentos seriam necessariamente inferiores ao preço da oferta.
Para refutar a conclusão sumária de que uma redução dos salários
nominais aumentaria o emprego “porque reduz o custo de produção”,
talvez seja útil seguir o curso dos acontecimentos na hipótese mais
adequada a este raciocínio, isto é, que os empresários esperam que a
redução dos salários nominais produza esse efeito. Sem dúvida, não é
improvável que o empresário individual, vendo diminuir seus próprios
custos, comece negligenciando efeitos sobre a demanda de seu produto
e atue baseado na hipótese de que será capaz de vender com lucro
uma produção maior que a de antes. Se os empresários em geral regularem sua atitude baseando-se nesta expectativa, conseguirão eles,
na realidade, aumentar os seus lucros? Somente se a propensão marginal a consumir da comunidade for igual à unidade, de modo que não
haja lacuna entre o incremento dos rendimentos e o incremento do
consumo; ou então se houver um aumento no investimento que corresponda à lacuna existente entre o incremento da renda e o incremento
do consumo, o que só acontecerá no caso de a curva das eficiências
marginais do capital ter aumentado relativamente à taxa de juros.
Desse modo, os resultados obtidos com o aumento de produção desanimarão os empresários, e o emprego voltará, outra vez, ao seu nível
anterior, salvo se a propensão marginal a consumir for igual à unidade
ou a redução dos salários nominais resultar num aumento da escala
das eficiências marginais do capital em relação à taxa de juros e, portanto, no montante do investimento. Se os empresários oferecem bastante emprego, admitindo-se que possam vender sua produção ao preço
previsto, para que, das rendas correspondentes a esse emprego, o público retire poupança superior ao investimento correspondente, os empresários arriscam-se a sofrer um prejuízo igual à diferença; este será
o caso, seja qual for o nível dos salários nominais. Na melhor das
hipóteses, a data do seu desapontamento apenas será retardada por
um intervalo de tempo no qual os seus próprios investimentos para
acréscimo do capital circulante estiverem preenchendo a lacuna.
Desse modo, a redução dos salários nominais não tenderá a aumentar o emprego durante muito tempo, a não ser pelas suas repercussões sobre a propensão da comunidade em conjunto a consumir,
sobre a curva da eficiência marginal do capital ou sobre a taxa de
juros. Não há outro método, para analisar as conseqüências de tal
redução, que o de acompanhar os seus possíveis efeitos sobre esses
três fatores.
Na prática, as repercussões mais importantes sobre estes fatores
parecem ser as seguintes:
(1) Uma redução dos salários nominais diminuirá, em certa me250
KEYNES
dida, os preços. Acarretará, portanto, certa redistribuição da renda
real (a) dos assalariados para outros fatores que entrem no custo primário marginal e cuja remuneração não tenha sido reduzida, e (b) dos
empresários para os rendeiros aos quais se garantiu certo rendimento
fixo em termos monetários.
Qual será o efeito dessa redistribuição sobre a propensão a consumir da comunidade em conjunto? A transferência de rendimento dos
que recebem salários para outros fatores de produção tenderá, provavelmente, a reduzir a propensão a consumir. O resultado da transferência dos empresários para os que vivem de renda é mais duvidoso.
Se os que vivem de renda, porém, representam, em conjunto, a parte
mais rica da comunidade e o grupo cujo nível de vida é menos flexível,
o efeito será também desfavorável. Só podemos conjecturar sobre qual
será o resultado líquido da soma destas considerações. Provavelmente
será mais adverso que favorável.
(2) Se nos referimos a um sistema não fechado, e se a redução
dos salários nominais for uma redução relativamente aos salários nominais no estrangeiro, quando ambos se convertem a uma unidade
comum, evidentemente a mudança será favorável ao investimento, visto
tender a melhorar o saldo da balança comercial. Isso implica, naturalmente, que a vantagem não seja anulada por alterações nas tarifas,
cotas etc. Se a crença tradicional na eficácia de uma redução de salários
nominais como meio de aumentar o emprego é mais firme na Grã-Bretanha do que nos Estados Unidos, isso se deve, provavelmente, ao fato
de este último país ser um sistema fechado em comparação com o
britânico.
(3) No caso de um sistema aberto, é provável que uma redução
dos salários nominais, embora aumente o saldo favorável da balança
comercial, piore os termos comerciais. Portanto, haverá uma redução
nos rendimentos, salvo no caso dos recém-empregados, o que pode influir no aumento da propensão a consumir.
(4) Se se espera que a baixa dos salários nominais seja uma
redução relativamente aos salários nominais no futuro, a mudança
será favorável ao investimento, porque, como vimos antes, aumentará a eficiência marginal do capital, ao mesmo tempo que, pela
mesma razão, poderá ser favorável ao consumo. Se, por outro lado,
a redução leva à expectativa ou, pelo menos, à séria possibilidade
de uma baixa posterior, terá justamente o efeito contrário, pois diminuirá a eficiência marginal do capital e provocará o adiamento
do investimento e do consumo.
(5) A redução da folha de salário, acompanhada por certa baixa
251
OS ECONOMISTAS
nos preços e nos rendimentos monetários em geral, diminuirá a necessidade de recursos líquidos para o pagamento de rendimentos e
para as transações; e, por conseqüência, fará baixar pro tanto a curva
da preferência pela liquidez da comunidade em conjunto. Coeteris paribus, isto reduzirá a taxa de juros e será favorável ao investimento.
Neste caso, o efeito da previsão, relativamente ao futuro, será de tendência oposta à que consideramos em (4). Se se espera, portanto, mais
tarde, um novo aumento dos salários e dos preços, a reação favorável
será muito menos acentuada no caso dos empréstimos a longo do que
nos a curto prazo. Além disso, se a redução dos salários diminui a
confiança no plano político por causa do descontentamento popular, o
aumento na preferência pela liquidez decorrente desta causa poderá
compensar a liberação de recursos líquidos da circulação ativa.
(6) Desde que uma redução especial dos salários nominais é sempre vantajosa para um empresário ou indústria, individualmente, uma
redução geral (embora os seus efeitos reais sejam diferentes) pode,
também, dar um tom otimista às idéias dos empresários, os quais, por
sua vez, podem romper o círculo vicioso dos cálculos indevidamente
pessimistas sobre a eficiência marginal do capital e regular as coisas
de modo que estas funcionem sobre bases mais normais de expectativa.
Por outro lado, se os trabalhadores cometerem o mesmo erro que seus
patrões sobre os efeitos de uma redução geral, as disputas trabalhistas
poderão anular esta circunstância favorável; eventualidade esta tanto
mais de temer pelo fato de não existir, via de regra, meio algum de
conseguir uma redução igual e simultânea dos salários nominais em
todas as indústrias e, portanto, cada trabalhador tem interesse em
opor-se a ela em seu caso particular. De fato, um movimento dos empregadores com vista a uma redução dos salários nominais pela revisão
dos contratos encontrará resistência muito maior que a baixa gradual
e automática dos salários reais como resultado da alta dos preços.
(7) Por outro lado, a influência deprimente que exerce sobre
os empresários a responsabilidade crescente das dívidas pode neutralizar, em parte, qualquer reação otimista proveniente da redução
dos salários. Na verdade, se a baixa dos salários e dos preços alcança
certa extensão, os empresários fortemente endividados podem chegar
logo ao estado de insolvência, com efeitos extremamente adversos
sobre o investimento. Ademais, as conseqüências de um nível inferior
de preços sobre a carga real da dívida nacional e, portanto, sobre
os impostos são de natureza a provocar nos meios de negócios um
profundo abalo da confiança.
A enumeração precedente não é uma lista completa das conseqüências que, no complexo mundo real, podem ser causadas por uma
252
KEYNES
redução dos salários. Entretanto, inclui, no meu entender, as comumente mais importantes.
Portanto, se limitarmos o nosso raciocínio ao caso de um sistema
fechado, e admitirmos que nada se pode esperar, a não ser simplesmente o contrário, das repercussões que a nova distribuição da renda
real produz sobre a propensão da comunidade a despender, a esperança
de que uma redução dos salários nominais possa atuar favoravelmente
sobre o emprego deve basear-se, principalmente, numa melhoria do
investimento devida a um aumento na eficiência marginal do capital
segundo (4), ou numa taxa menor de juros de acordo com (5). Examinaremos mais de perto estas duas possibilidades.
A contingência favorável de um aumento na eficiência marginal
do capital é aquela em que se julga que os salários nominais tenham
alcançado o seu limite inferior, de modo que as variações posteriores
tenham de ser em direção ascendente. A contingência mais desfavorável
é aquela em que os salários nominais descem lentamente e em que
cada redução diminui a confiança na probabilidade que têm os mesmos
de se manterem. Quando entramos num período de declínio da demanda
efetiva, uma baixa repentina e substancial dos salários nominais, levando-os a um nível tão ínfimo que ninguém pudesse acreditar na sua
continuidade indefinida, seria o acontecimento mais favorável para restaurar a demanda efetiva. Mas isso só poderia ser realizado por uma
decisão administrativa, e dificilmente seria possível num regime de
livre discussão dos salários. Por outro lado, seria muito mais vantajoso
que os salários fossem rigidamente fixados e julgados isentos de variações importantes do que a ocorrência de períodos de depressão acompanhados de uma tendência progressiva para a baixa dos salários nominais, com a esperança de que cada nova redução moderada nos salários traduzisse um aumento de, digamos, 1% no volume de desemprego. Supondo, por exemplo, que se espera uma baixa de, digamos,
2% nos salários durante o ano seguinte, essa previsão determinará
um efeito mais ou menos equivalente ao de uma alta de 2% no juro
pagável por um empréstimo de igual duração. As mesmas observações
aplicam-se mutatis mutandis a um período de expansão.
Segue que, com as práticas e as instituições existentes no mundo
contemporâneo, é mais conveniente abandonar uma política de salários
nominais rígidos do que uma política flexível, que se adapte gradualmente às variações do desemprego, isto é, no que se refere à eficiência
marginal do capital. Mas não se alterará esta conclusão quando tratarmos a taxa de juros?
Por isso, é sobre o efeito que um nível decrescente de preços e
salários provoca na demanda de dinheiro que devem basear o peso de
sua argumentação os que acreditam na capacidade do sistema econômico de ajustar-se automaticamente, embora não me conste que o tenham feito jamais. Se a quantidade de moeda é por si mesma função
253
OS ECONOMISTAS
do nível de salários e preços, não há, de fato, nada a esperar neste
sentido. Porém, se a quantidade de moeda for virtualmente fixa, é
evidente que, por meio de uma redução adequada dos salários, a quantidade de moeda medida em unidades de salários pode ser aumentada
indefinidamente, e que o seu montante, em proporção aos rendimentos
em geral, pode ser grandemente aumentado, dependendo o limite desse
aumento da proporção que o custo dos salários conserva com o custo
primário marginal e da reação de outros elementos do custo primário
marginal relativamente à baixa na unidade de salários.
Podemos, portanto, ao menos teoricamente produzir os mesmos
efeitos sobre a taxa de juros, reduzindo os salários sem alterar a quantidade de moeda e aumentando a quantidade de moeda sem alterar o
nível dos salários. Daí, deduz-se que as reduções dos salários, como
método de assegurar o pleno emprego, estão sujeitas às mesmas limitações que o método para aumentar a quantidade de moeda. As mesmas
razões antes mencionadas, que limitam a eficácia dos aumentos na
quantidade de dinheiro como meio de elevar o investimento à cifra
ótima, aplicam-se, mutatis mutandis, às reduções de salários. Assim
como um acréscimo moderado na quantidade de moeda pode exercer
uma influência inadequada sobre a taxa de juros a longo prazo, um
aumento excessivo pode neutralizar, pelos seus efeitos perturbadores
sobre a confiança, as outras vantagens que apresenta; do mesmo modo,
uma redução moderada nos salários nominais pode revelar-se pouco
eficaz, enquanto a redução exagerada, supondo que fosse exeqüível,
poderia destruir a confiança.
Não há, portanto, motivo para crer que uma política flexível de
salários possa manter um estado permanente de pleno emprego, nem
como pensar que uma política monetária de mercado aberto possa atingir, sozinha, este resultado. Tais meios não são suficientes para conferir
ao sistema econômico a propriedade de se ajustar por si mesmo.
Se, na realidade, os trabalhadores pudessem intervir (e assim o
fizessem) sempre que o emprego fosse inferior ao nível pleno, para
reduzir por uma ação combinada as suas demandas de moeda, no ponto
em que a abundância de dinheiro relativamente à unidade de salários
bastasse para fazer baixar a taxa de juros a um nível compatível com
o pleno emprego, a administração da política monetária estaria, de
fato, nas mãos dos sindicatos operários, com vista ao pleno emprego,
e não nas do sistema bancário.
Embora uma política flexível de salários e uma política monetária
flexível venham a constituir, analiticamente, a mesma coisa, visto que
ambas são meios de alterar a quantidade de moeda medida em unidades
de salários, não é menos verdade que, a outros respeitos, haja diferenças
fundamentais entre as mesmas. Gostaria de recordar brevemente ao
leitor as três considerações principais.
254
KEYNES
(i) Exceto numa comunidade socializada onde a política salarial
é fixada por decreto, não há meio algum de assegurar reduções uniformes de salários para todas as categorias de mão-de-obra. O resultado
só pode ser conseguido por uma série de mudanças graduais e irregulares, que nenhum critério de justiça social ou de conveniência econômica justifica, e que, provavelmente, só se completam depois de lutas
desastrosas e nocivas, nas quais os que se acham em posição mais
fraca para negociar padecem em comparação com os outros. Por outro
lado, a modificação da quantidade de dinheiro já está na alçada da
minoria dos governos, que a realizam por meio da política de mercado
aberto ou medidas análogas. Considerando a natureza humana e nossas
instituições, somente uma pessoa insensata preferiria uma política de
salários flexíveis a uma política monetária elástica, a não ser que pudesse invocar a favor da primeira vantagens impossíveis de serem
obtidas com a segunda. Além disso, em igualdade de condições em outros
aspectos, um método comparativamente fácil de aplicar deveria ser preferível a outro sem dúvida mais difícil, a ponto de ser impraticável.
(ii) Quando os salários nominais permanecem constantes, os preços só podem variar (exceção feita, por exemplo, aos preços “dirigidos”
ou aos de monopólio, que são determinados por outros fatores além
do custo marginal) por motivo da diminuição da produtividade marginal
do equipamento que acompanha o aumento da produção. Assim, manter-se-á a maior eqüidade exeqüível entre a mão-de-obra e os fatores
cuja remuneração nominal fixa é garantida por contrato, ou seja, os
que vivem de rendas e as pessoas que têm ordenados fixos nos quadros
permanentes das empresas, das instituições ou do Estado. Para que
as classes sociais importantes tenham remuneração nominal que permaneça fixa em qualquer caso, a justiça e a conveniência social ficam
mais bem servidas se a remuneração de todos os fatores for, de certo
modo, inflexível em termos de dinheiro. Levando-se em conta os grandes
grupos de rendas que são comparativamente inflexíveis em termos
nominais, apenas uma pessoa injusta pode preferir uma política flexível
de salários a outra flexível da moeda, a não ser que a primeira ofereça
vantagens que não se podem obter na segunda.
(iii) O método para aumentar a quantidade de dinheiro em unidades
de salários, através da redução da unidade dos mesmos, eleva proporcionalmente a carga dos débitos, ao passo que o mesmo resultado pelo aumento da quantidade de moeda, sem mudar a unidade de salários, causa
o efeito oposto. Considerando a carga excessiva de muitos tipos de débitos,
somente uma pessoa inexperiente pode preferir o primeiro.
(iv) Se para conseguir uma queda da taxa de juros for preciso
reduzir o nível de salários, existirá, pelas razões expostas antes, um
255
OS ECONOMISTAS
duplo empecilho à eficiência marginal do capital e um duplo motivo
para adiar os investimentos, retardando, assim, a recuperação.
III
Daí se deduz que, se a mão-de-obra respondesse à diminuição
gradual do emprego, oferecendo seus serviços por um salário nominal
gradualmente baixo, não resultaria disso, como regra geral, nenhuma
diminuição dos salários reais, que aliás poderiam aumentar, por meio
de sua influência adversa sobre o volume de produção. O efeito principal
de semelhante política seria causar grande instabilidade de preços,
talvez violenta o bastante para tornar fúteis os cálculos empresariais
em uma economia funcionando como aquela em que vivemos. Supor
que a política de salários flexíveis seja um atributo normal e correlato
de um sistema baseado, em seu conjunto, no princípio de laissez-faire
é o oposto à verdade. Apenas em uma sociedade altamente autoritária,
capaz de impor mudanças súbitas, substanciais e completas, poderia
funcionar com êxito uma política de salários flexíveis. Pode-se imaginá-la operando na Itália, na Alemanha ou na Rússia, mas não na
França, nos Estados Unidos ou na Grã-Bretanha.
Se, como na Austrália, fosse feita a tentativa de fixar, por via
legislativa, os salários reais, haveria, então, certo volume de emprego
correspondente ao nível dos mesmos; e o volume efetivo de emprego,
num sistema fechado, oscilaria violentamente entre esse nível e a ausência total de emprego, conforme o investimento fosse superior ou
inferior ao montante compatível com o dito volume, ao passo que os
preços se achariam em equilíbrio instável quando o investimento alcançasse o nível crítico, tendendo para zero quando este se encontrasse
abaixo do dito nível, e subindo até o infinito quando ele estivesse acima.
O elemento de estabilidade, se acaso existisse, teria de ser encontrado
no fato de as forças que governam a quantidade de moeda estarem
determinadas de tal modo que sempre houvesse algum nível de salários
nominais no qual a quantidade de moeda fosse a necessária para criar
uma relação entre a taxa de juros e a eficiência marginal do capital
requerida para manter o investimento no nível crítico. Nesta circunstância, o emprego seria, então, constante (no nível adequado para o
salário real legal) e os salários nominais e os preços oscilariam rapidamente na medida justa para manter esta taxa de investimento na
cifra conveniente. No caso concreto da Austrália a solução foi encontrada, em parte, é claro, na inevitável incapacidade da legislação para
atingir os seus fins, mas, em parte, também, no fato de que a Austrália
não é um sistema fechado, de modo que o nível dos salários nominais
era, por si mesmo, uma determinante do investimento externo e, conseqüentemente, do investimento total, enquanto a relação de intercâmbio exercia uma influência importante sobre os salários reais.
À luz destas considerações, sou agora de opinião que a manu256
KEYNES
tenção de um nível geral estável de salários nominais é, resumindo
todas as considerações, a política mais aconselhável para um sistema
fechado; a mesma conclusão permanece válida para um sistema aberto,
desde que o equilíbrio com o resto do mundo possa ser assegurado
pelas flutuações do câmbio. A existência de certo grau de flexibilidade
dos salários em determinadas indústrias tem suas vantagens, desde
que sirva para facilitar a transferência de mão-de-obra das indústrias
que se encontram em decadência relativa para as que estão relativamente progredindo. O nível geral dos salários nominais, porém, deve
ser mantido tão estável quanto possível, pelo menos em períodos curtos.
Esta política terá como resultado um grau conveniente de estabilidade no nível dos preços — maior estabilidade, em todo caso, do
que com uma política de salários flexíveis. Excetuando-se os preços
“dirigidos” ou os de monopólio, o nível de preços só se modificará em
períodos curtos à medida que as variações do emprego afetem os custos
primários marginais; já nos períodos longos, só variará em conseqüência
da baixa do custo de produção devida a novas técnicas e a equipamentos
novos ou ampliados.
É verdade que, se apesar de tudo ocorrerem grandes flutuações
no emprego, elas serão acompanhadas de substanciais variações no
nível dos preços. Estas flutuações, como disse, serão, porém, menos
importantes do que uma política de salários flexíveis.
Assim sendo, com uma política rígida de salários, a estabilidade
dos preços está ligada, em períodos curtos, à ausência de flutuações
no emprego. Por outro lado, no que concerne aos períodos longos, ainda
nos resta escolher entre uma política de salários estáveis, permitindo
aos preços que baixem lentamente com o progresso da técnica e do
equipamento, e uma política de preços estáveis, deixando os salários
subir lentamente. Em linhas gerais, prefiro a segunda alternativa, porque é mais fácil conservar o nível real de emprego dentro de determinada escala de pleno emprego, com esperança de maiores salários no
futuro do que com a expectativa de salários menores, e também em
virtude das vantagens sociais de alívio gradual das dívidas, da maior
facilidade nos deslocamentos de mão-de-obra das indústrias que declinam para as que progridem, e do estímulo psicológico que ordinariamente resulta de uma tendência moderada a subir dos salários nominais. Mas isso não envolve nenhum princípio essencial, e me faria ir
além de meu presente objetivo, para expor, em detalhe, argumentos
em ambos os sentidos.
257
APÊNDICE
AO
CAPÍTULO 19
A “ Theory of Unemployment” do Professor Pigou
Em sua Theory of Unemployment o professor Pigou faz o volume de emprego depender de dois fatores fundamentais, a saber:
(1) as taxas de salários reais estipulados pelos trabalhadores; e (2)
a forma da Função da Demanda Real de Mão-de-obra. As partes
centrais de seu livro procuram determinar a forma desta função. A
circunstância de que os trabalhadores estipulam, de fato, os seus
salários, não em termos reais, mas nominais, não é ignorada, mas
admite-se, com efeito, que a taxa efetiva de salários nominais, dividida pelo preço dos bens de consumo salariais, pode servir de
medida à taxa real que se procura.
As equações que, como ele diz, “constituem o ponto de partida
do estudo” da Função da Demanda Real de Mão-de-obra são dadas na
página 90 de sua Theory of Unemployment, mas como as hipóteses
tácitas que regem a aplicação de sua análise desaparecem quase no
princípio da sua argumentação, farei um resumo da matéria por ele
tratada até o ponto crucial.
O professor Pigou divide as indústrias em duas categorias, a
saber: as que “produzem os bens de consumo salariais para uso no
país, bem como os bens exportáveis cuja venda no exterior cria direitos
sobre bens de consumo salariais no exterior”, e as “outras” indústrias,
a que convém chamar, respectivamente, indústrias que produzem bens
de consumo salariais e indústrias que produzem bens não destinados
ao consumo salarial. Ele supõe que x homens estão empregados nas
primeiras e y homens nas segundas. Chama F(x) ao valor dos bens de
consumo salariais produzidos pelos x homens e F′(x) à taxa geral de
salários. Isto, embora ele não se detenha a mencioná-lo, equivale a
supor que o custo marginal do salário é igual ao custo primário marginal.148 Além disso, supõe que x + y = φ (x), isto é, que o número de
148 A origem da prática errônea de igualar o custo marginal do salário ao custo primário
259
OS ECONOMISTAS
homens empregados nas indústrias de bens de consumo salariais é
função do emprego total. Em seguida, mostra que a elasticidade da
demanda real agregada de mão-de-obra (que nos dá a forma do nosso
quaesitum, ou seja, a Função da Demanda Real de Mão-de-obra) pode
escrever-se
Er =
φ′ (x)
F′ (x)
.
.
φ (x)
F′′ (x)
No que respeita à notação, não há diferença significativa entre
esta e as minhas próprias formas de expressão. Na medida em que
possamos identificar os bens de consumo salariais do professor Pigou
com os meus bens de consumo, e os seus “outros bens” com os meus
F (x)
, o valor da
bens de investimento, deduz-se que, sendo o seu
F′ (x)
produção das indústrias de bens de consumo salariais medido em unidades de salários é o mesmo que o meu Cω. Além disto, sua função
φ (sujeita à identificação dos bens de consumo salariais com os bens
de consumo) é uma função daquilo a que chamei antes o multiplicador
do emprego k′. Porque
∆x = k′∆y,
de maneira que
φ′ (x) = 1 +
1
.
k′
Destarte, “a elasticidade da demanda real agregada de mão-deobra” do professor Pigou é uma estrutura semelhante a algumas das
minhas, dependendo, em parte, das condições físicas e técnicas da indústria (na forma dada pela sua função F) e, em parte, da propensão
marginal vem talvez de uma ambigüidade no sentido de custo marginal do salário. Podemos
dar-lhe o significado tanto do custo de uma unidade adicional de produção, quando não é
gravada por nenhum outro custo adicional além dos custos dos salários, como de custo
adicional dos salários, que implica a produção de uma unidade adicional de riqueza, quando
realizada nas condições mais econômicas, com a ajuda do equipamento existente ou de
outros fatores não empregados. No primeiro caso, não podemos combinar com a mão-de-obra
adicional a menor intervenção adicional do empresário, do capital circulante ou de qualquer
coisa diferente do trabalho que se acrescentaria ao custo; nem sequer podemos permitir a
essa mão-de-obra que desgaste o equipamento mais depressa do que o faria um menor
contingente de trabalho. Visto que excluímos do custo primário marginal qualquer elemento
de custo alheio ao trabalho, segue-se, naturalmente, que o custo marginal dos salários e
o custo primário marginal são iguais. As conclusões de uma análise baseada nesta premissa,
porém, quase não têm aplicação, visto que, na prática, a hipótese básica raramente se
realiza, pois não somos bastante insensatos, na prática, para recusar associar ao trabalho
adicional quantidades apropriadas de outros fatores, na medida em que se encontrem
disponíveis, e a hipótese só se aplica, portanto, se supusermos que todos os fatores, excluindo-se o trabalho, já estão empregados ao máximo.
260
KEYNES
a consumir os bens de consumo salariais (na forma dada pela sua
função φ); sempre com a condição de que os limitemos ao caso especial
de que o custo marginal do trabalho seja igual ao custo primário
marginal.
Para determinar o volume de emprego, o professor Pigou combina,
então, uma função de oferta de mão-de-obra com sua “demanda real
de mão-de-obra”. Supõe que isso seja uma função do salário real e
nada mais, pois como também já supôs que o salário real é função do
número de homens x, empregados nas indústrias que produzem bens
de consumo salariais, isto equivale a supor que a oferta total de mãode-obra, no nível existente de salários reais, é função de x e de nada
mais. Isso quer dizer que n = χ (x), onde n é a oferta de mão-de-obra
disponível a um salário real de F′ (x).
Assim, livre de qualquer complicação, a análise do professor Pigou
equivale a uma tentativa de encontrar o volume efetivo de emprego
por meio das equações
x + y = φ (x)
e
n = χ (x).
Aqui há, porém, três incógnitas e apenas duas equações. Parece
claro que ele contornou esta dificuldade considerando n = x + y. Isto
supõe, naturalmente, que há desemprego involuntário no sentido estrito
da palavra, isto é, que a mão-de-obra disponível ao salário real existente
está toda empregada. Neste caso, x tem o valor que satisfaz a equação
φ (x) = χ (x)
e quando achamos, assim, que o valor de x é igual a (digamos) n1, y
deve ser igual a χ(n1) – n1, e o emprego total n é igual a χ(n1).
Vale a pena determo-nos um momento para considerar o que
isto significa. Quer dizer que se a função da oferta de mão-de-obra se
modifica, ficando disponível mais trabalho a dado salário real (de modo
que n1 + dn1 seja agora o valor de x que satisfaz a equação
φ (x) = χ (x) , a demanda pela produção das indústrias de bens não
destinados ao consumo salarial será tal que o emprego nessas indústrias
haverá de subir justamente o necessário para manter a igualdade entre
φ (n1 + dn1) e χ (n1 + dn1). A única alternativa que resta para que o
emprego agregado varie é através de uma mudança na propensão a
comprar respectivamente bens de consumo de assalariados e bens não
destinados ao consumo de assalariados, de modo que haja um aumento
de y acompanhado de uma diminuição maior de x.
261
OS ECONOMISTAS
A suposição de que n = x + y significa, naturalmente, que a
mão-de-obra está sempre em condições de poder determinar o seu próprio salário real. Portanto, a suposição de que a mão-de-obra está em
condições de determinar o seu próprio salário real significa que a demanda pela produção das indústrias que produzem bens não destinados
ao consumo de assalariados obedece às leis anteriores. Em outras palavras, supõe-se que a taxa de juros sempre se ajusta por si mesma
à curva da eficiência marginal do capital de modo que mantenha o
pleno emprego. Sem esta suposição do professor Pigou a análise demonstra e não mais oferece meios de determinar qual será o volume
de emprego. É realmente estranho que o professor Pigou tenha imaginado poder apresentar uma teoria do desemprego que não faz nenhuma alusão às variações no montante do investimento (isto é, às
variações do emprego nas indústrias de bens não destinados ao consumo
de assalariados) e que não provém de mudanças na função de oferta
da mão-de-obra, mas de modificações (por exemplo) na taxa de juros
ou no estado da confiança.
O título de Theory of Unemployment é, conseqüentemente, um
tanto impróprio. Na realidade, o livro não trata desta questão. É
um estudo sobre qual será o volume de emprego, dada a função de
oferta de mão-de-obra, quando se acham satisfeitas as condições de
pleno emprego. A finalidade do conceito de elasticidade da demanda
real agregada de mão-de-obra é mostrar em que proporção subirá
ou baixará o pleno emprego em face de certo deslocamento na função
de oferta de mão-de-obra. Ou — alternativamente e, talvez, mais
precisamente — podemos considerar esta obra uma investigação não
causal das relações funcionais determinadas do nível de salários
reais que corresponderá a qualquer volume dado de emprego. Ela
não é, porém, capaz de nos dizer o que determina o volume efetivo
do emprego; e não tem relação direta com o problema do desemprego
involuntário.
Se o professor Pigou negasse, como talvez o fizesse, a possibilidade
do desemprego involuntário no sentido que anteriormente o defini, seria
assim mesmo difícil ver como poderia ser aplicada sua análise, pois,
abstendo-se de discutir o que determina a relação entre x e y, isto é,
entre o emprego nas indústrias de bens de consumo de assalariados
e o emprego nas demais indústrias, respectivamente, ele comete ainda
uma omissão irreparável.
Além disso, ele admite que, em certos limites, os trabalhadores
freqüentemente estipulam a sua remuneração, não em salários reais
dados, mas em salários nominais. Neste caso, a função da oferta de
mão-de-obra já não é apenas função de F′(x), mas também do preço
nominal dos bens de consumo de assalariados, com a conseqüência de
262
KEYNES
que a análise prévia se desmorona e passa a intervir um fator novo,
sem que exista uma equação nova para atender a esta incógnita suplementar. Não seria possível ilustrar melhor os perigos de um método
pseudomatemático que só pode progredir fazendo que tudo seja função
de uma única variável e supondo que todas as diferenciais desapareçam.
Não teria sentido, pois, admitir mais tarde que, de fato, existem outras
variáveis e, apesar disso, prosseguir no raciocínio sem retificar o que
foi escrito até então. Desse modo, se (dentro de certos limites) os trabalhadores estipulam a sua remuneração em salários nominais, o número de dados é, ainda, insuficiente, mesmo supondo que n = x + y,
salvo se os fatores que determinam o preço nominal dos bens de consumo de assalariados sejam conhecidos, porque o preço nominal dos
bens de consumo de assalariados dependerá do volume agregado de
emprego. Conseqüentemente, não podemos saber qual será o volume
agregado de emprego enquanto não conhecermos o preço nominal dos
bens de consumo de assalariados, e não podemos saber qual será o
preço nominal dos bens de consumo de assalariados enquanto não conhecermos o volume agregado do emprego. Falta, como disse, uma
equação. Todavia, é uma suposição provisória da rigidez dos salários
nominais, em vez dos salários reais, que faz a nossa teoria mais se
aproximar da realidade. Por exemplo, na Grã-Bretanha, apesar da desordem, da incerteza e das amplas flutuações dos preços que marcaram
a década de 1924-1934, os salários nominais apenas variaram dentro
de um limite de 6 por cento, enquanto os salários reais variaram em
mais de 20 por cento. Uma teoria não pode pretender-se geral desde
que não seja aplicável ao caso (ou dentro dos limites) em que os
salários nominais sejam fixos, bem como a qualquer outro caso. Os
políticos têm direito de queixar-se de que os salários deveriam ser
altamente flexíveis, porém um teórico deve estar preparado para
tratar indiferentemente todas as situações que se apresentarem.
Uma teoria científica não pode pretender que os fatos se ajustem
a suas próprias hipóteses.
Quando o professor Pigou chega a examinar expressamente as
conseqüências de uma redução dos salários nominais, mais uma vez
se torna manifesto, no meu entender, que os dados introduzidos são
insuficientes para obter uma solução definitiva. Ele começa por rejeitar
o argumento (op. cit., p. 101) de que se o custo primário marginal é
igual ao custo marginal do salário, os rendimentos dos não assalariados
alterar-se-ão, quando os salários nominais se reduzirem, na mesma
proporção que os dos assalariados, baseando-se em que isto só é válido
se o volume de emprego permanecer invariável — o que é precisamente
o ponto em discussão. Mas na página seguinte (op. cit., p. 102), ele
próprio comete o erro ao supor que “no princípio nada aconteceu ao
263
OS ECONOMISTAS
rendimento nominal dos não assalariados”, o que, como ele próprio
acaba de mostrar, só é válido se o volume de emprego não permanecer
invariável — que é precisamente o que se discute. De fato, o problema
não admite nenhuma solução enquanto não se introduzirem outros
fatores entre os dados que consideramos.
O fato de que a mão-de-obra estipula determinado salário nominal
e não dado salário real (contanto que o salário real não desça além
de certo limite) afeta a análise de um modo que se pode também mostrar, assinalando a hipótese fundamental, segundo a qual uma quantidade maior de trabalho só se oferece em troca de um salário real
mais alto, que quase todo o raciocínio desmorona. O professor Pigou
rejeita, por exemplo, a teoria do multiplicador (op. cit., p. 75), supondo
que se conheça a taxa de salários reais, isto é, supondo que, alcançando
o pleno emprego, não haverá oferta de mão-de-obra adicional a um
salário real menor. Dentro dessa hipótese, o seu argumento é, sem
dúvida, correto. Nessa passagem, porém, o professor Pigou está criticando uma proposição relativa à política prática; é exagero afirmar
que, num momento em que as estatísticas de desemprego excediam
na Grã-Bretanha a cifra de 2 milhões (isto é, quando havia 2 milhões
de homens dispostos a trabalhar ao salário nominal existente), qualquer
elevação no custo de vida, por moderada que fosse, em relação ao
salário nominal, ocasionaria a retirada do mercado de trabalho de uma
quantidade de mão-de-obra superior à equivalente a esses 2 milhões
de homens.
Importa enfatizar que todo o livro do professor Pigou se baseia
na hipótese de que qualquer elevação no custo de vida, por mais moderada que seja, em relação ao salário nominal, ocasionará a retirada
do mercado de trabalho de um número de trabalhadores maior que o
de todos os desempregados existentes.
Além disso, o professor Pigou não nota nesta passagem (op. cit.,
p. 75) que o argumento que opõe ao emprego “secundário”, como resultado de obras públicas, é igualmente contrário, nas mesmas hipóteses, ao aumento do emprego “primário” com a mesma política, pois
se a taxa de salários reais em vigor nas indústrias de bens de consumo
salariais for dada, nenhum aumento se torna possível — exceto, naturalmente, se os não assalariados reduzirem seu consumo de bens
salariais, porque as pessoas que entraram recentemente no emprego
primário decerto aumentarão seu consumo de bens salariais, o qual
reduzirá o salário real e, conseqüentemente (segundo sua hipótese),
levará a retirar-se do mercado mão-de-obra antes empregada. Não obstante, o professor Pigou aceita, aparentemente, a possibilidade de aumento do emprego primário. A linha que separa o emprego primário
264
KEYNES
do secundário parece ser o ponto crítico psicológico em que o seu bom
senso deixa de prevalecer em face da sua má teoria.
A divergência de conclusões a que conduzem as diferenças anteriores de hipóteses e de raciocínio evidencia-se nesta importante passagem em que o professor Pigou resume seu ponto de vista: “Com uma
concorrência perfeitamente livre entre os trabalhadores, e a mão-deobra perfeitamente móvel, a natureza da relação (isto é, entre os tipos
de salários reais estipulados pela mão-de-obra e a função da demanda
de trabalho) será das mais simples. Haverá sempre uma forte tendência
no sentido de que as taxas de salários conservem uma relação tal com
a demanda que todos estejam empregados. Portanto, em condições estáveis, todos estarão realmente empregados. Isto significa que o desemprego, existente em qualquer momento, se deve unicamente a que
as condições da demanda variam de maneira contínua e que as resistências friccionais impedem a realização imediata dos ajustamentos
correspondentes aos salários”.149
Ele concluiu (op. cit., p. 253) que o desemprego se deve, sobretudo,
a uma política de salários que não consegue adaptar-se suficientemente
às modificações da demanda real de mão-de-obra.
Conseqüentemente, o professor Pigou acha que, a longo prazo, o
desemprego pode ser remediado por meio de ajustes salariais,150 enquanto eu sustento que o salário real (sujeito apenas a um limite fixado
pela desutilidade marginal do emprego) não é determinado primordialmente pelos “ajustes salariais” (embora estes possam intervir), mas
pelas outras forças do sistema, algumas das quais (especialmente a
relação entre a curva da eficiência marginal do capital e a taxa de
juros) o professor Pigou não incluiu, se estiver correta a minha maneira
de pensar, no seu esquema formal.
Finalmente, quando o professor Pigou chega à “Causação do Desemprego”, fala, na verdade, tanto quanto eu de flutuações no estado
da demanda, porém ele identifica o estado da demanda com a Função
Real da Demanda de Mão-de-obra, esquecendo quão estreita é a sua
definição desta última. Por definição, a Função Real da Demanda de
Mão-de-obra depende, conforme vimos antes, exclusivamente de dois
fatores, a saber: (1) a relação existente em dado meio entre o número
total de homens empregados e o número dos que devem ser empregados
nas indústrias de bens de consumo de assalariados para lhes fornecer
o que consomem; e (2) o estado da produtividade marginal nas indústrias de bens de consumo de assalariados. Contudo, na Parte V de sua
Theory of Unemployment, ele atribui um papel importante às flutuações
da “demanda real de mão-de-obra”. A “demanda real de mão-de-obra”
149 Op. cit., p. 252.
150 Não há nenhuma alusão ou sugestão ao fato de que este ajuste se realize por meio das
relações sobre a taxa de juros.
265
OS ECONOMISTAS
é considerada um fator capaz de variar amplamente a curto prazo (op.
cit., Parte Quinta, cap. VI-XII), e parece sugerir que as oscilações na
“demanda real de mão-de-obra” são, combinadas com a falta de sensibilidade da política de salários às oscilações da demanda real de
mão-de-obra, responsáveis em grande parte pelo ciclo comercial. À primeira vista, tudo isto parecerá ao leitor razoável e familiar, pois a não
ser que ele retorne à definição, as “flutuações na demanda real de
mão-de-obra” lhe trarão à mente o mesmo gênero de idéias que eu
desejo provocar com as “flutuações no estado da demanda agregada”.
Se voltarmos à definição da “demanda real de mão-de-obra”, tudo isto
perde a sua lógica, pois acabamos descobrindo que não há nada no
mundo menos sujeito a oscilações pronunciadas a curto prazo do que
este fator.
A “demanda real de mão-de-obra” do professor Pigou depende,
por definição, apenas de F(x), que representa as condições físicas da
produção de bens de consumo de assalariados, e de φ (x), que representa
a relação funcional entre o emprego nas indústrias que produzem bens
de consumo de assalariados e o emprego total correspondente a qualquer nível dado do último. É difícil ver uma razão pela qual alguma
destas duas funções devesse mudar, a não ser gradualmente, em períodos longos. Não há certamente motivo algum para crer que elas
possam flutuar durante um ciclo comercial. Pois F(x) só pode mudar
com lentidão, e num sentido favorável, se a comunidade realiza progressos técnicos; ao passo que φ (x) permanecerá estável, a não ser que
imaginemos uma repentina manifestação de frugalidade nas classes
operárias ou, mais geralmente, um brusco deslocamento na propensão
a consumir. Eu esperaria, portanto, que a demanda real de mão-de-obra
permanecesse virtualmente igual durante todo um ciclo comercial. Repito que o professor Pigou omitiu completamente em sua análise o
fator instável, a saber, as flutuações na escala do investimento, que,
no mais das vezes, não são a causa do fenômeno das flutuações no
emprego.
Critiquei, de maneira detalhada, a teoria do desemprego do professor Pigou, não porque ela me pareça mais criticável que outras
teorias dos economistas clássicos, mas porque representa o único esforço
que conheço para expor a teoria clássica do desemprego de modo preciso.
Por esta razão, achei ser meu dever dirigir minhas objeções contra
esta teoria, na exposição mais audaz que dela ainda se fez.
266
CAPÍTULO 20
A Função de Emprego151
I
No capítulo 3 (p. 59), definimos a função da oferta agregada
Z = φ (N), que liga o emprego N ao preço da oferta agregada da produção
correspondente. A função de emprego apenas difere da função de oferta
agregada pelo fato de que é, praticamente, a sua função inversa e se
exprime em unidades de salário; sendo o objetivo da função de emprego
relacionar o volume da demanda efetiva, medida em unidades de salário, que compete a determinada empresa ou indústria, ou a uma
indústria inteira, com o volume de emprego cuja produção tenha um
preço de oferta comparável com o volume de demanda efetiva. Assim
sendo, se um montante de demanda efetiva Dwr, medido em unidade
de salários, orientado para uma firma ou indústria, faz surgir nessa
firma ou nessa indústria um volume de emprego Nr, a função de emprego será dada por Nr = Fr (Dwr). Ou, de modo mais geral, se nos for
permitido supor que a cada montante Dwr da demanda efetiva total
corresponde um único valor de Dw, a função de emprego será dada por
Nr = Fr (Dw). O que quer dizer que Nr homens estarão empregados na
indústria r quando a demanda efetiva for Dw.
Exporemos, neste capítulo, certas propriedades da função de emprego. Mas, seja qual for o interesse que essas possam ter, há duas
razões pelas quais a substituição da função de emprego pela curva
convencional de oferta concorda com os métodos e finalidades deste
livro. Em primeiro lugar, expressa os fatos relevantes em termos das
unidades a que decidimos restringir-nos, sem introduzir nenhuma das
que têm um caráter quantitativo duvidoso. Em segundo lugar, presta-se
melhor que a curva habitual da oferta ao estudo dos problemas relativos
151 Os que (com razão) não têm inclinação para a álgebra poderão omitir a primeira parte
deste capítulo sem perder muita coisa.
267
OS ECONOMISTAS
à indústria e à produção como um todo, distinguindo-os dos de uma
indústria ou firma isolada em meio determinado — pelas razões
que seguem.
A curva habitual da demanda de dado bem é traçada com base
em suposições sobre os rendimentos do público em geral, e tem de ser
corrigida sempre que esses rendimentos variam. Da mesma forma, a
curva habitual da oferta de determinado bem é traçada com base em
suposições sobre o volume da produção da indústria inteira, e está
sujeita a modificações quando o montante agregado da indústria varia.
Portanto, quando examinamos a reação das indústrias individuais às
variações do emprego agregado, encontramo-nos necessariamente em
presença, não de uma única curva de demanda para cada indústria
conjugada com uma única curva de oferta, mas de um conjunto de
curvas pertencentes a duas famílias, correspondendo, cada qual, à hipótese de certo volume de emprego agregado. No caso da função de
emprego, todavia, é mais fácil obter uma função que reflita para a
indústria em conjunto as variações globais do emprego.
Suponhamos (para começar) que a propensão a consumir se acha
determinada, assim como os outros elementos que, no capítulo 18, demos por conhecidos, e que estamos examinando as modificações no
emprego resultantes das mudanças na taxa de investimento. De acordo
com esta hipótese, para cada nível de demanda efetiva, em termos de
unidades de salários, haverá um volume agregado de emprego, e esta
demanda efetiva vai-se dividir em determinadas proporções entre o
consumo e o investimento. Além disso, cada nível de demanda efetiva
corresponderá a certa distribuição da renda. É razoável, portanto, supor
também que a determinado montante da demanda efetiva corresponde
uma distribuição singular da mesma entre as diversas indústrias.
Isso nos permite determinar que volume de emprego corresponderá em cada indústria, a cada volume dado de emprego agregado. O
que quer dizer que nos dá o volume de emprego em cada indústria
particular correspondente a cada nível da demanda efetiva agregada,
medida em unidades de salários, de modo que fiquem satisfeitas as
condições da segunda forma da função de emprego para a indústria
antes indicada, a saber, Nr = Fr (Dw). Temos assim a vantagem, nestas
condições, de que as funções individuais de emprego são aditivas, no
sentido de que a função de emprego para a indústria em conjunto,
correspondente a certo nível de demanda efetiva, é igual à soma das
funções de emprego para cada indústria em separado, isto é,
F(Dw) = N = ΣNr = ΣFr (Dw).
Em seguida, definamos a elasticidade do emprego. A elasticidade
do emprego para determinada indústria é
268
KEYNES
eer =
dNr
dDwr
.
Dwr
Nr
,
visto que mede a reação do número de unidades de trabalho empregadas
nessa indústria às variações do número de unidades de salário que se
espera serem gastas na compra de sua produção. Representamos a
elasticidade do emprego para a indústria em seu conjunto por
ee =
Dw
dN
.
.
N
dDw
Caso pudéssemos encontrar algum método suficientemente satisfatório para medir a produção, seria útil também definir o que poderia
chamar-se a elasticidade da produção, que dá a medida do coeficiente
da produção em qualquer indústria quando se dirige para ela uma
demanda efetiva medida em unidades de salários mais elevada, a saber,
eor =
dOr
dDwr
.
Dwr
Or
.
Se pudéssemos supor que o preço fosse igual ao custo primário
marginal, teríamos então
∆Dwr =
1
∆Pr
1 – eor
onde Pr representa o lucro esperado.152 Segue-se disso que se eor = O,
152 Com efeito, se pwr for o preço previsto de uma unidade de produção, expresso em unidades
de salários,
269
OS ECONOMISTAS
isto é, se a produção da indústria for perfeitamente inelástica, prevê-se
que a alta total da demanda efetiva (medida em unidades de salários)
caberá inteiramente ao empresário como lucro, isto é, ∆Dwr = ∆Pr ; ao
passo que se eor = 1, isto é, se a elasticidade de produção for igual à
unidade, prevê-se que nenhum suplemento de lucro resultará do aumento da demanda efetiva, sendo ele totalmente absorvido pelos elementos que entram no custo primário marginal.
Ademais, se a produção de uma indústria for função φ (Nr) da
mão-de-obra empregada nela, teremos153
1 – eor
eer
= –
Nrφ′′(Nr)
2
pwr φ′ (Nr)
,
onde pwr é o preço previsto de uma unidade de produção expressa em
unidades de salários. Deste modo, a condição eor = 1 significa que
φ′′ (Nr) = O, isto é, que há retornos constantes em resposta ao crescimento do emprego.
Ora, na medida em que a teoria clássica supõe que os salários
reais são sempre iguais à desutilidade marginal do trabalho e que
esta aumenta ao mesmo tempo que o emprego, de maneira que a
oferta de mão-de-obra diminui, coeteris paribus, quando os salários
reais baixam, equivale a supor-se que, na prática, é impossível aumentar a despesa em termos de unidade de salários. Se isso fosse
verdade, o conceito de elasticidade do emprego não teria um campo
de aplicação. Além disso, neste caso, seria impossível aumentar o
emprego elevando a despesa em termos monetários, porque os salários nominais subiriam proporcionalmente ao acréscimo da despesa
monetária e em definitivo não haveria nenhum aumento de despesa,
medida em unidades de salários, nem, por conseqüência, aumento
de emprego. Porém, se a hipótese clássica não for válida, será possível aumentar o emprego fazendo subir as despesas em termos
monetários até que os salários reais tenham baixado de modo que
153 Pois, desde que Dwr = pwrOr, temos
270
KEYNES
se igualem à desutilidade marginal do trabalho, ponto em que, por
definição, haverá pleno emprego.
Convencionalmente, está claro, eor terá um valor intermediário
entre zero e a unidade. A extensão em que subirão os preços (em
termos de unidades de salários), isto é, a extensão em que os salários
reais baixam quando aumentam as despesas monetárias, depende, portanto, da elasticidade que a produção apresente em resposta às despesas
em termos de unidades de salários.
Consideremos que a elasticidade do preço previsto pwr em resdpwr
Dwr
.
,
posta às variações na demanda efetiva Dwr, a saber,
dDwr
pwr
seja escrita e′pr .
Uma vez que Or.pwr = Dwr, teremos
dOr
dDwr
.
Dwr
Or
+
dpwr
dDwr
.
Dwr
pwr
= 1
ou
e′pr + eor = 1.
O que equivale a dizer que a soma das elasticidades do preço e
da produção como resposta às mudanças na demanda efetiva (medidas
em unidades de salários) é igual à unidade. A variação da demanda
efetiva é absorvida pelas variações que provoca em parte no nível e
em parte no preço da produção, de acordo com esta lei.
Se considerarmos a indústria em conjunto e estivermos dispostos
a admitir a existência de uma unidade permitindo medir a produção
global, o mesmo tipo de raciocínio se aplica de maneira que
e′p + eo = 1, onde as elasticidades sem o sufixo r se referem ao conjunto
da indústria.
Meçamos, agora, os valores em moeda e não mais em unidades
de salários, e apliquemos, neste caso, as nossas conclusões relativas à
indústria em conjunto.
Se W representa o salário nominal de uma unidade de trabalho
e p o preço esperado de uma unidade da produção total em termos
 Ddp 
nominais, podemos designar por ep =
 a elasticidade dos preços
 pdD 
nominais em resposta às variações da demanda efetiva medida em
 DdW 
termos nominais, e por ew =
 a elasticidade dos salários nominais
 WdD 
em resposta às variações da demanda efetiva medida em termos nominais. Então, facilmente se demonstra que
271
OS ECONOMISTAS
ep = 1 = eo (1 – ew).154
Esta equação, como veremos no próximo capítulo, constitui o primeiro passo para uma forma geral da teoria quantitativa da moeda.
Se eo = 0 ou se ew = 1, a produção permanecerá invariável e os preços
subirão na mesma proporção que a demanda efetiva em termos monetários. De outro modo, subirão em proporção menor.
II
Voltemos à função do emprego. Supusemos, nas exposições precedentes, que a cada nível de demanda efetiva agregada corresponde
uma única distribuição dessa demanda entre os produtos de cada indústria individual. Ora, quando o montante da despesa agregada varia,
a despesa correspondente aos produtos de uma indústria individual
não variará, em geral, na mesma proporção, em parte porque os indivíduos não aumentarão proporcionalmente as somas que destinam à
compra dos produtos de cada indústria, à medida que sobem as suas
rendas, e em parte porque os preços dos diferentes bens reagirão, em
diferentes graus, às variações da despesa de que são objeto.
Disso se deduz que a hipótese de que as variações do emprego
dependem unicamente das variações da demanda efetiva (medida em
unidade de salário), e na qual até agora baseamos o nosso raciocínio,
não passa de uma primeira aproximação, admitindo que haja mais de
um modo de gastar um aumento de rendas. A maneira que supomos
para a distribuição prevista de um acréscimo de demanda agregada
entre os diferentes bens pode influir consideravelmente sobre o volume
154 Visto que p = pw.W e D = Dw.W, temos
272
KEYNES
do emprego. Se, por exemplo, a demanda suplementar for em grande
parte dirigida para as indústrias com alta elasticidade de emprego, o
aumento agregado de emprego será maior do que se o mesmo se orientar
para as indústrias que oferecem pouca elasticidade de emprego.
Do mesmo modo, o emprego pode baixar sem que tenha ocorrido
nenhuma mudança na demanda agregada, se a orientação da demanda
se modificar em proveito das indústrias com elasticidade relativamente
baixa de emprego.
Estas considerações são particularmente importantes quando nos
ocupamos dos fenômenos a curto prazo, no sentido de variações no
montante ou na direção da demanda que não foram previstas com
certa antecipação. A produção de certos bens leva tempo, de modo que
é praticamente impossível aumentar a sua oferta com rapidez. Assim,
se a demanda adicional se encaminha para eles sem prévio aviso, sua
produção evidenciará uma baixa elasticidade de emprego, embora possa
acontecer que, se houver aviso com bastante antecedência, sua elasticidade de emprego se aproxime da unidade.
É a esse respeito que a idéia de um período de produção parece
ter maior importância. Preferiria dizer155 que, se um produto tem um
período de produção n, será necessário dar aviso das variações em sua
demanda com antecipação de n unidades de tempo para que ele tenha
a elasticidade máxima de emprego. Evidentemente, os bens de consumo,
considerados em conjunto, têm o mais longo período de produção, visto
serem a etapa final de todo o processo produtivo. Em conseqüência
disso, se a expansão da demanda efetiva tiver, por causa primeira,
um aumento do consumo, a elasticidade inicial do emprego estará mais
abaixo do seu nível eventual de equilíbrio do que se esse impulso proviesse de um acréscimo no investimento. Além do mais, se a demanda
adicional se dirige aos produtos que têm elasticidade relativamente
baixa de emprego, uma proporção maior dessa demanda irá aumentar
as rendas dos empresários, e outra proporção menor irá aumentar a
dos que recebem salários e outros fatores que entram no custo primário,
com o resultado de que as repercussões poderão então mostrar-se um
pouco menos favoráveis à despesa, visto que é provável que os empresários economizem uma parte maior de sua renda suplementar do que
a que economizariam os assalariados. Entretanto, a diferença entre os
dois casos não deve ser exagerada, pois as reações em ambos serão
em grande parte as mesmas.156
Por mais cedo que ocorra a antecipação com que se avisam os
empresários de uma provável alteração na demanda, não é possível
que a elasticidade inicial de emprego, em conseqüência de dado acrés155 Esta definição não é idêntica à usual, mas parece-me conter o que a idéia tem de importante.
156 Um tratamento mais detalhado desta questão pode ser encontrado em minha obra Treatise
on Money [JMK, v. V]. Livro Quarto.
273
OS ECONOMISTAS
cimo no investimento, seja da mesma grandeza do seu valor eventual
de equilíbrio, a não ser que haja excedentes de estoques e de capacidade
produtiva em cada etapa da produção. Por outro lado, a exaustão do
excesso de estoque terá efeito compensador sobre o montante do investimento adicional. Se admitirmos que haja algum excedente inicial
em todos os setores, a elasticidade inicial de emprego pode aproximar-se
da unidade; em seguida, quando os estoques se tiverem esgotado, porém
antes que surja um aumento adequado da oferta nas primeiras etapas
da produção, a elasticidade declinará, tendendo de novo para a unidade,
quando nos aproximarmos da nova posição de equilíbrio. Isto está sujeito, no entanto, a certas limitações, na medida em que houver fatores
de renda que absorvam mais despesa quando aumenta o emprego, ou
se a taxa de juros subir. Por essas razões, é impossível uma estabilidade
perfeita de preços numa economia sujeita a mudanças, salvo, todavia,
se houver algum mecanismo especial que determine flutuações temporárias na propensão a consumir exatamente na amplitude desejada.
Mas a instabilidade dos preços originada desta maneira não conduz à
espécie de estímulo de lucro que possa ocasionar um excesso de capacidade, pois os lucros imprevistos irão em sua totalidade para as mãos
dos empresários que possuam mercadorias numa etapa relativamente
adiantada de produção, e o empresário que não possui recursos especializados do tipo adequado não tem meio algum de atrair para si o
dito lucro. Por esse motivo, a inevitável instabilidade dos preços em
razão de mudanças não pode influir nas ações dos empresários, senão
apenas encaminhar uma riqueza de facto inesperada para as mãos dos
mais felizes (mutatis mutandis quando a suposta mudança ocorre em
sentido contrário). Esse fato tem sido, no meu entender, ignorado em
certas recentes controvérsias sobre as modalidades práticas de uma
política de estabilização dos preços. É verdade que numa sociedade
propensa a mudar, tal política não alcançaria êxito completo. Porém não
segue disso que todo o pequeno desvio transitório relativo à estabilidade
de preços ocasione, necessariamente, um desequilíbrio cumulativo.
III
Demonstramos que, quando a demanda efetiva é deficiente, existe
subemprego de mão-de-obra, no sentido de que há homens desempregados dispostos a trabalhar por um salário real menor que o existente.
Conseqüentemente, à medida que a demanda efetiva aumenta, o emprego sobe, embora a um salário real igual ou menor que o existente,
até o momento em que não haja excedente de mão-de-obra disponível
ao salário real então em vigor, isto é, até que não haja mais homens
(ou horas de trabalho) disponíveis, salvo se (a partir desse ponto) os
salários nominais subirem mais depressa que os preços. O problema
seguinte é considerar o que acontecerá se, atingido este ponto, a despesa
continuar a crescer.
274
KEYNES
Até este ponto, a diminuição de renda que acompanhava o aumento da mão-de-obra aplicada a certo equipamento de capital foi neutralizada pela aquiescência da mão-de-obra em ver reduzido seu salário
real. Mas para além deste ponto, uma unidade de trabalho exigiria o
estímulo do equivalente de uma quantidade maior de produto, enquanto
o emprego de uma unidade suplementar de mão-de-obra resulta numa
quantidade menor de produto. As condições de equilíbrio estrito exigem,
portanto, que os salários e os preços e também, conseqüentemente, os
lucros, subam todos na mesma proporção da despesa, sem que a posição
“real”, incluindo o volume da produção e do emprego, sofra a menor
alteração em qualquer sentido. Isso significa que chegamos a uma situação na qual a teoria quantitativa da moeda em sua forma rudimentar (interpretando a “velocidade” como “velocidade-renda”) satisfaz-se plenamente, porque a produção fica inalterada e os preços sobem
na medida exatamente proporcional a MV.
Todavia, essa conclusão oferece certas limitações práticas, as
quais devem ser consideradas quando aplicadas a um caso real:
(1) Ao menos por certo tempo, os preços crescentes, pelas ilusões que criam nos empresários, podem levá-los a aumentar o emprego além do nível que eleva ao máximo os seus lucros individuais
medidos em termos do produto, pois eles estão de tal modo acostumados a ver no aumento do volume de vendas, em termos monetários, o sinal de um desenvolvimento da produção, que podem continuar a considerá-lo assim quando essa política já deixou de lhes
convir na realidade, isto é, que podem subestimar o custo marginal
de uso no novo ambiente de preços.
(2) Uma vez que parte do lucro que o empresário é obrigado a
ceder ao rentier157 é fixa em termos de moeda, a alta de preços, mesmo
quando não acompanhada por qualquer mudança na produção, provoca,
em benefício do empresário e em detrimento dos que vivem de renda,
uma distribuição de renda que pode afetar a propensão a consumir.
Este, contudo, não é um processo que apenas se manifesta quando se
alcançou o pleno emprego; desenvolve-se de maneira regular durante
o período de aumento de despesa. Se o rentier for menos inclinado a
gastar que o empresário, a diminuição gradual do rendimento real
daquele significa que o pleno emprego exigirá um aumento da quantidade de moeda e uma redução menor da taxa de juros do que na
hipótese contrária. Uma vez alcançado o pleno emprego, uma nova
alta de preços significará, caso a primeira hipótese continue válida,
que a taxa de juros terá de elevar-se um pouco para evitar que os
157 O termo inglês rentier significa o agente que vive de rendas. Não existe uma tradução em
português expressa numa única palavra.
275
OS ECONOMISTAS
preços continuem subindo indefinidamente, e que o aumento relativo
da quantidade de moeda será inferior ao da despesa; ao passo que, se
a segunda hipótese prevalecer, se verificará o contrário. Pode acontecer
que, ao ir diminuindo o rendimento real do rentier, chegue o momento
em que se passe da primeira hipótese para a segunda, em conseqüência
do seu empobrecimento relativo; momento este que pode situar-se tanto
antes quanto depois de ter sido atingido o pleno emprego.
IV
Há, talvez, certo motivo de perplexidade na aparente assimetria
que se manifesta entre a inflação e a deflação. Enquanto uma deflação
da demanda efetiva abaixo do nível adequado para o pleno emprego
fará baixar o emprego e os preços, uma inflação da mesma acima desse
nível apenas afetará os preços. Contudo, esta assimetria reflete simplesmente o fato de que, enquanto a mão-de-obra está sempre em condições de se recusar a trabalhar numa escala correspondente a um
salário real inferior à desutilidade marginal desse volume de emprego,
não está em condições de reclamar que lhe ofereçam trabalho em quantidade suficiente para comportar um salário real que não exceda a
desutilidade marginal correspondente a esse volume de emprego.
276
CAPÍTULO 21
A Teoria dos Preços
I
Ocupando-se do que se chama teoria do valor, os economistas
acostumaram-se a ensinar que os preços são regidos pelas condições
da oferta e da procura; e, em particular, as variações no custo marginal
e a elasticidade da oferta em períodos curtos têm, neste aspecto, desempenhado um papel preponderante. Porém, quando em um volume
II ou, mais freqüentemente, em um tratado em separado, passam a
abordar a teoria da moeda e dos preços, não mais ouvimos falar desses
conceitos familiares e simples de compreender, e passamos para um
mundo onde os preços são governados pela quantidade de moeda, pela
sua velocidade-renda, pela velocidade de circulação em relação ao volume de transações, pelo entesouramento, pela poupança forçada, pela
inflação e pela deflação et hoc genus omne; nunca ou quase nunca se
tenta ligar essas expressões mais vagas aos nossos antigos conceitos
das elasticidades da oferta e da procura. Quando refletimos sobre as
teorias que nos foram ensinadas e tentamos dar-lhes uma forma racional, nas análises mais simples, parece que a elasticidade da oferta
deve ter chegado a zero e a procura parece ser proporcional à quantidade
de moeda, ao passo que, nos estudos mais elaborados, nos achamos
perdidos em um nevoeiro onde nada é claro e tudo é possível. A todos
nós já ocorreu encontrarmo-nos algumas vezes de um lado da lua e
outras vezes do lado oposto, sem sabermos que caminho os liga, restando-nos apenas os nossos passos e a nossa imaginação.
Um dos objetivos dos capítulos precedentes foi procurar evitar
esta dupla existência e restabelecer um estreito contato entre a teoria
dos preços em seu conjunto e a teoria do valor. A divisão da Economia
em teoria do valor e da distribuição de um lado e em teoria da moeda
do outro parece-me falsa. A dicotomia correta é, no meu modo de ver,
entre a teoria da indústria ou da empresa individual e das remune277
OS ECONOMISTAS
rações e distribuição de dada quantidade de recursos entre diversos
usos, de uma parte, e a teoria da produção e do emprego como um
todo, de outra. Enquanto nos limitarmos ao estudo da indústria ou
empresa individual, supondo que a quantidade agregada de recursos
é constante e, provisoriamente, que as condições de outras indústrias
ou empresas não mudaram, é verdade que não estaremos tratando
características da moeda. Mas no momento em que passarmos ao problema do que determina a produção e o emprego como um todo, torna-se
indispensável a teoria completa de uma economia monetária.
Talvez pudéssemos traçar uma linha divisória entre a teoria do
equilíbrio estacionário e do equilíbrio móvel — querendo designar com
o último a teoria de um sistema onde as variações de pontos de vista
sobre o futuro podem influir sobre a situação presente —, porque a
importância da moeda decorre essencialmente do fato de consistir ela
um elo entre o presente e o futuro. Podemos considerar que a distribuição
de recursos entre os diferentes usos será compatível com o equilíbrio
sob a influência dos motivos econômicos normais, em um mundo no
qual as nossas opiniões relativas ao futuro são estáveis e dignas de
confiança a respeito de tudo — talvez com outra divisão, para separar
uma economia imutável de outra sujeita a variar, mas na qual seria
previsto desde o começo. Ou talvez pudéssemos passar desta propedêutica simplificada aos problemas do mundo real, no qual as nossas
expectativas anteriores podem trazer-nos desapontamentos, e as nossas
esperanças no futuro afetar nossos atos presentes. Só após termos realizado esta transição é que deveríamos introduzir em nossos cálculos
as particularidades da moeda como um elo entre o presente e o futuro.
Mas, embora a teoria do equilíbrio móvel deva necessariamente ser
concebida em termos de uma economia monetária, permanece, mesmo
assim, uma teoria do valor e da distribuição, e não uma “teoria da
moeda” independente. A moeda, considerada em seus atributos mais
significativos, é sobretudo um processo sutil de ligar o presente ao
futuro, e sem ela nem sequer poderíamos iniciar o estudo dos efeitos
das expectativas mutáveis sobre as atividades correntes. Não há meios
para nos libertarmos da moeda, mesmo abolindo o ouro, a prata e os
meios legais de pagamento. Enquanto subsistir algum bem durável,
ele poderá possuir os atributos monetários158 e, conseqüentemente, dar
origem aos problemas característicos de uma economia monetária.
II
Em uma indústria específica, o seu nível de preços depende, em
parte, da taxa de remuneração dos fatores produtivos que entram no
custo marginal e, em parte, da escala de produção. Não há motivo
158 Cf. cap. 17.
278
KEYNES
algum para modificar essa conclusão quando passamos à indústria em
conjunto. O nível geral dos preços depende, em parte, da taxa de remuneração dos fatores produtivos que entram no custo marginal e, em
parte, da escala global da produção, isto é, do volume de emprego
(considerando conhecidos o equipamento e a técnica). É verdade que,
quando passamos à produção como um todo, o custo da mesma, para
qualquer indústria, depende parcialmente da produção das demais indústrias. A diferença principal que não temos levado em conta, porém,
é que as variações da demanda atuam ao mesmo tempo sobre os custos
e sobre o volume. É a partir desse aspecto que temos de introduzir
idéias completamente novas quando estudamos a demanda em conjunto
e não mais a de um produto isolado, supondo invariável a demanda
como um todo.
III
Se supusermos, a título de simplificação, que as formas de remuneração dos diversos fatores produtivos que entram no custo marginal variam todas na mesma proporção que a unidade de salários,
segue-se que o nível geral dos preços dependerá então (dados como
conhecidos o equipamento e a técnica), em parte, da unidade de salários,
e, em parte, do volume de emprego. Conseqüentemente, o efeito das
variações da quantidade de moeda sobre o nível de preços pode ser
considerado a resultante dos efeitos que exerce sobre a unidade de
salário e sobre o emprego.
Para tornar mais claras as idéias contidas nesta proposição, simplifiquemos ainda mais as nossas hipóteses e suponhamos: (1) que os
recursos de todos os desempregados sejam homogêneos e intercambiáveis no que concerne à sua eficiência para produzir o que se deseje, e
(2) que os fatores de produção que entram no custo marginal se contentem com o mesmo salário nominal enquanto houver um excedente
deles sem emprego. Nesse caso teremos rendimentos constantes e uma
unidade rígida de salários enquanto houver qualquer desemprego. Segue-se daí que, havendo desemprego, o aumento da quantidade de
moeda não terá nenhum efeito sobre os preços, e qualquer aumento
da quantidade de moeda na demanda efetiva se traduzirá por um aumento exatamente proporcional do emprego, ao passo que, tão logo se
alcance o pleno emprego, a unidade de salários e os preços subirão,
daí em diante, na medida exatamente proporcional ao aumento da
demanda efetiva. Assim sendo, se a oferta permanece perfeitamente
elástica enquanto subsiste o desemprego e torna-se perfeitamente inelástica tão logo o pleno emprego é alcançado, e, ainda, se a demanda
efetiva varia na mesma proporção que a quantidade de moeda, a teoria
quantitativa da moeda pode ser enunciada como segue: “Enquanto houver desemprego, o emprego variará proporcionalmente à quantidade
279
OS ECONOMISTAS
de moeda e, quando o pleno emprego é alcançado, os preços variarão
proporcionalmente à quantidade de moeda”.
Tendo, portanto, satisfeito a tradição, ao introduzirmos várias
hipóteses simplificadoras que nos permitem enunciar uma teoria quantitativa da moeda, examinemos agora as possíveis complicações que,
de fato, influirão sobre os acontecimentos:
(1) A demanda efetiva não variará em proporção exata à quantidade da moeda.
(2) Desde que os recursos não são homogêneos, haverá rendimentos decrescentes, e não constantes, à medida que o emprego aumente gradualmente.
(3) Desde que os recursos não são intercambiáveis, a oferta de
certos bens tornar-se-á inelástica, apesar de haver recursos desempregados disponíveis para a produção de outros bens.
(4) A taxa de salários tenderá a subir antes que o pleno emprego
seja alcançado.
(5) As remunerações dos fatores que entram no custo marginal
não variam todas na mesma proporção.
Precisamos, portanto, considerar em primeiro lugar o efeito das
variações na quantidade de moeda sobre o montante da demanda efetiva; como regra geral, o aumento da demanda efetiva traduz-se, em
parte, pelo aumento do emprego e, em parte, pela elevação do nível
dos preços. Nestas condições, os preços, em vez de permanecerem constantes quando existe desemprego e de aumentarem proporcionalmente
à quantidade de moeda quando se atinge o pleno emprego, sobem progressivamente à medida que o emprego aumenta. A teoria dos preços,
isto é, a análise da relação entre as variações na quantidade de moeda
e no nível dos preços, permitindo a determinação da elasticidade dos
preços em relação às variações da quantidade de moeda, girará, portanto, sobre os cinco fatores de complicação acima descritos.
Vamos examiná-los um de cada vez. Este procedimento, porém,
não deve levar-nos a supor que eles sejam independentes, no sentido
estrito da palavra. Por exemplo, a proporção em que se dividem os
efeitos de um aumento da demanda efetiva entre a alta produção e a
elevação dos preços pode influir na forma pela qual a quantidade de
moeda se relaciona com o montante da demanda efetiva, ou, ainda,
as diferenças nas proporções em que variam as remunerações dos di280
KEYNES
versos fatores podem influir sobre a relação entre a quantidade de
moeda e o montante da demanda efetiva. O objetivo da nossa análise
não é fornecer um mecanismo ou método de manipulação cega que nos
dê uma resposta infalível, mas dotar-nos de um método organizado e
ordenado de raciocinar sobre problemas concretos; depois de obtermos
uma conclusão provisória, teremos de voltar atrás e levar em conta,
da melhor maneira possível, as reações prováveis dos diversos fatores
entre si. Esta é a natureza do raciocínio econômico. Qualquer outra
maneira de aplicar os nossos princípios formais de raciocínio (sem os
quais, contudo, estaremos perdidos na floresta) nos levará ao erro. Os
métodos pseudomatemáticos, que dão a figuração simbólica de um sistema de análise econômica, como o que apresentaremos na seção VI
deste capítulo, têm o grave defeito de supor expressamente a independência rigorosa dos fatores que utilizam, e de perder sua coesão lógica
e autoridade quando esta hipótese é rejeitada; já no raciocínio comum,
onde não avançamos de olhos fechados, mas onde a todo momento
sabemos o que estamos fazendo e o que significam as palavras, podemos
conservar “no fundo da mente” as necessárias reservas e limitações,
bem como as correções que teremos de fazer depois, de uma maneira
pela qual não seria igualmente possível reter complicadas diferenciais
parciais “no verso” de algumas páginas de álgebra que supõem a nulidade de todas elas. Grande parte da recente economia “matemática”
não passa de um emaranhamento, tão impreciso quanto suas hipóteses iniciais, levando os autores a perder de vista, num labirinto
de símbolos pretensiosos e inúteis, as complexidades e interdependências do mundo real.
IV
(1) O efeito primário de uma variação na quantidade de moeda
sobre o montante da demanda efetiva resulta de sua influência sobre
a taxa de juros. Se esta fosse a única reação, o efeito quantitativo
poderia derivar-se dos três elementos seguintes — (a) a curva de preferência pela liquidez, que nos indica quanto a taxa de juros deve
baixar para que os novos meios monetários sejam absorvidos pelas
pessoas desejosas de conservá-los, (b) a curva da eficiência marginal,
que nos diz quanto aumentará o investimento em conseqüência de
certo declínio na taxa de juros, e (c) o multiplicador de investimento,
que nos informa de quanto subirá a demanda efetiva, em conjunto,
com um acréscimo dado do investimento.
Embora esta análise tenha o mérito de introduzir ordem e método
em nossa investigação, apresenta, contudo, uma simplicidade enganosa
se esquecermos que os três fatores (a), (b) e (c) são também parte
integrante dos elementos de complicação (2), (3), (4) e (5), que não
foram ainda examinados. A própria curva da preferência pela liquidez
depende, pois, de quanto da nova moeda é absorvido na circulação da
281
OS ECONOMISTAS
renda e de produtos industriais, que, por sua vez, dependem da proporção em que aumenta a demanda efetiva e da maneira como se
divide o aumento entre a alta de preços, a alta dos salários e o volume
de produção e de emprego. Além disso, a curva da eficiência marginal
depende, em parte, do efeito que as circunstâncias que acompanham
o aumento da quantidade de moeda exercem sobre as expectativas
quanto à futura situação monetária. Finalmente, o multiplicador será
influenciado pelo modo como se distribui a renda adicional resultante
do aumento da demanda efetiva entre as diferentes classes de consumidores. Naturalmente, esta lista não inclui todas as interações possíveis. Entretanto, se dispuséssemos de todos os fatos, teríamos suficientes equações simultâneas para obter um resultado determinado.
Haverá determinado volume de aumento no montante da demanda
efetiva que, considerados todos os fatores pertinentes, corresponderá
ao aumento da quantidade de moeda e ficará em equilíbrio com o
mesmo. Ademais, só em circunstâncias muito excepcionais acontece
que um aumento na quantidade de moeda seja acompanhado por uma
diminuição no montante da demanda efetiva.
A proporção entre o montante da demanda efetiva e a quantidade
de moeda corresponde muito de perto àquilo a que freqüentemente se
denomina a “velocidade-renda da moeda” — excetuando-se que a demanda efetiva corresponde à venda cuja expectativa motivou a produção, e não à renda efetivamente realizada, e, de outra parte, corresponderá à renda bruta e não à líquida. Mas a “velocidade-renda da
moeda” não passa, em si mesma, de uma expressão que nada explica.
Não há motivo algum para esperar que ela seja constante, pois ela
depende, como vimos na análise anterior, de muitos fatores variáveis
e complexos. O emprego desta expressão obscurece, no meu entender,
o caráter real da causação, e só tem provocado confusões.
(2) Como vimos anteriormente (p. 72), a distinção entre os rendimentos decrescentes e os rendimentos constantes depende, em parte,
do fato de os trabalhadores serem ou não remunerados em estrita
proporção a sua eficiência. Em caso afirmativo, teremos custos de trabalho constantes (em termos de unidades de salários) quando o emprego
aumenta. Porém, se o salário de certa classe de trabalhadores for uniforme, independentemente da eficiência dos indivíduos, verificamos que
o custo do trabalho subirá independentemente da eficiência do equipamento. Além disso, se o equipamento for homogêneo e certa parte
dele supuser um custo primário maior por unidade de produção, teremos
custos primários marginais crescentes, acima de qualquer aumento
resultante dos custos crescentes do trabalho.
Assim, o preço da oferta tem, conseqüentemente, tendência para
subir à medida que a produção obtida por meio de dado equipamento
aumenta. Assim sendo, o aumento da produção é acompanhado por
282
KEYNES
uma alta de preços, independentemente de qualquer variação na unidade de salários.
(3) No item (2) consideramos a possibilidade de a oferta não ser
inteiramente elástica. Se houver um equilíbrio perfeito nas respectivas
quantidades de recursos especializados não empregados, todos eles alcançarão, simultaneamente, o estado de pleno emprego. Mas, em geral,
a demanda de certos serviços e bens alcançará um nível além do qual
a oferta é, por algum tempo, inelástica, embora em outras áreas haja
ainda excedentes importantes de recursos sem emprego. Assim, aumentando a produção, chega-se sucessivamente a uma série de “estrangulamentos” nos quais a oferta de determinados bens deixa de ser
elástica, e seus preços têm de subir ao nível necessário, seja qual for
esse nível, para desviar a demanda para outras direções.
É provável que o nível geral de preços não suba muito, quando
a produção aumenta, enquanto houver disponíveis recursos eficientes
sem emprego em todas as categorias. Mas, tão logo a produção tenha
subido o necessário para alcançar a zona dos “estrangulamentos”, é
provável que se verifique uma alta acentuada nos preços de certas
mercadorias.
Entretanto, neste item, como no item (2), a elasticidade da oferta
depende, em parte, do transcurso do tempo. Se admitirmos um intervalo
suficiente para que o próprio volume de equipamento varie, eventualmente as elasticidades de oferta serão decididamente maiores. Nessas
condições, uma variação moderada da demanda efetiva, que se apresente em circunstâncias de amplo desemprego, pode traduzir-se principalmente pelo aumento do emprego e, em medida muito limitada,
pela alta de preços, ao passo que uma variação mais acentuada, que,
não sendo prevista, leva a certos “estrangulamentos” temporários, influi
mais sobre os preços e menos sobre o emprego, em maior proporção
no começo do que subseqüentemente.
(4) O fato de que a unidade de salários pode tender a subir antes
de alcançado o pleno emprego requer alguns comentários ou explicações.
Uma vez que cada grupo de trabalhadores tira vantagens, coeteris paribus, de uma alta de seus próprios salários, verifica-se naturalmente
uma pressão neste sentido da parte de todos os grupos, à qual os
empresários estarão mais dispostos a ceder quando estiverem fazendo
melhores negócios. É por essa razão que normalmente uma parte de
qualquer aumento na demanda efetiva se destina a satisfazer a tendência ascendente da unidade de salários.
Portanto, além do ponto crítico final do pleno emprego, no qual
um aumento da demanda efetiva expressa em moeda provoca uma
alta dos salários nominais inteiramente proporcional à alta de preços
dos bens de consumo salariais, existe uma sucessão de pontos semi283
OS ECONOMISTAS
críticos anteriores, nos quais um aumento da demanda efetiva tende
a elevar os salários nominais, embora não em proporção exata à elevação dos preços dos bens de consumo salariais; o mesmo ocorre no
caso de uma demanda efetiva decrescente. Na prática, a unidade de
salários não varia de maneira uniforme em termos monetários, em
resposta a cada pequena alteração na demanda efetiva; as reações são
descontínuas. Estes pontos de descontinuidade são determinados pela
psicologia dos trabalhadores e pela política dos patrões e dos sindicatos
trabalhistas. Em um sistema aberto, no qual significam uma mudança
em relação aos custos de salários em outros sistemas, e no ciclo de
negócios, onde (mesmo num sistema fechado) podem significar uma
variação relativamente aos custos de salários previstos para o futuro,
sua importância prática pode ser considerável. De certo ponto de vista,
estes pontos de descontinuidade, nos quais um aumento posterior da
demanda efetiva em termos de moeda pode ocasionar uma alta descontínua na unidade de salários, podem ser considerados estados de
semi-inflação apresentando certa analogia (embora muito imperfeita)
com a inflação absoluta (cf. p. 283), a qual resulta de um aumento da
demanda efetiva em circunstâncias de pleno emprego. Eles têm, além
disso, apreciável importância histórica. Não se prestam, porém, facilmente a generalizações teóricas.
(5) A nossa primeira simplificação consistiu em supor que as
remunerações dos diversos fatores que entram no custo marginal variam todas na mesma proporção. Mas, se fato, as taxas de remuneração
dos diferentes fatores, em termos monetários, apresentam graus variáveis de rigidez, e esses fatores podem também mostrar diferentes
elasticidades de oferta em resposta a variações nas remunerações monetárias oferecidas. Se não fosse isso, poderíamos dizer que o nível de
preços se compõe de dois fatores: a unidade de salários e o volume de
emprego.
Talvez o elemento mais importante no custo marginal, com probabilidades de variar em proporção diferente da unidade de salários,
e também de flutuar dentro de limites muito mais amplos, seja o custo
marginal de uso. Isso porque o custo marginal de uso pode subir acentuadamente quando o emprego começa a melhorar, já que (como é
provável que aconteça) o aumento da demanda efetiva provoca uma
rápida mudança nas expectativas prevalecentes com respeito à data
em que será necessário substituir o equipamento.
Embora para muitos fins seja bastante útil, como primeira aproximação, supor que as remunerações de todos os fatores que entram
no custo primário marginal variam na mesma proporção da unidade
de salários, talvez fosse melhor considerar uma média ponderada das
remunerações que entram no custo primário marginal, e a isto dar a
denominação de unidade de custos. A unidade de custos, ou, sujeita à
284
KEYNES
aproximação anterior, a unidade de salários, pode, assim, ser considerada o padrão essencial de valor; o nível de preços, dado o estado da
técnica e do equipamento, dependerá, em parte, da unidade de custos
e, em parte, da escala de produção, aumentando, quando assim varia
a produção, mais do que quando proporcional a qualquer alta na unidade de custos, de acordo com o princípio dos rendimentos decrescentes
em período curto. Temos pleno emprego quando a produção atinge o
nível em que o volume marginal produzido por uma unidade representativa dos fatores da produção baixa ao mínimo necessário para
que esses fatores se tornem disponíveis em número suficiente para o
produzir.
V
Quando um novo acréscimo no volume de demanda efetiva não
mais produz aumento na produção e se traduz apenas numa alta da
unidade de custos, em proporção exata ao aumento da demanda efetiva,
teremos alcançado um estado que se pode adequadamente qualificar
de verdadeira inflação. Até esse ponto, o efeito da expansão monetária
é apenas uma questão de grau, e não há ponto anterior em que possamos
traçar uma linha definida e declarar que um estado de inflação se
revelará. Cada aumento anterior na quantidade de moeda, à medida
que aumente a demanda efetiva, traduz-se, em parte, numa elevação
da unidade de custos e, em parte, num aumento da produção.
Parece, portanto, que certa assimetria se manifesta entre as duas
zonas separadas pelo ponto crítico em que se observa a verdadeira
inflação. Uma contração da demanda efetiva abaixo do ponto crítico
reduzirá o seu montante medido em unidades de custo, ao passo que
uma expansão da demanda efetiva acima desse nível não terá, em
geral, o efeito de aumentá-la em termos de unidades de custo. Esse
resultado decorre da hipótese de que os fatores da produção, e em
particular os trabalhadores, procuram resistir a uma redução nas suas
remunerações monetárias, e de que não há motivo correspondente para
opor a um aumento delas. Esta hipótese é, contudo, confirmada pelos
fatos, devido à circunstância de que uma variação que não tenha caráter
geral torna-se benéfica para os fatores específicos atingidos quando
opera em sentido ascendente, e prejudicial quando o faz no sentido
descendente.
Se, pelo contrário, os salários nominais baixassem ilimitadamente
sempre que houvesse uma tendência para um nível inferior ao do pleno
emprego, é certo que a assimetria desapareceria. Porém, neste caso,
não haveria abaixo do pleno emprego nenhuma posição de equilíbrio
possível até que a taxa de juros fosse incapaz de baixar mais ou os
salários chegassem a zero. De fato, precisamos ter algum fator cujo
valor expresso em moeda seja, se não fixo, pelo menos rígido, para dar
alguma estabilidade aos valores, num sistema monetário.
285
OS ECONOMISTAS
A opinião de que qualquer aumento na quantidade de moeda é inflacionário (a não ser que entendamos por inflacionário apenas uma alta
de preços) está ligada à hipótese subjacente da teoria clássica de que sempre
nos encontramos em circunstâncias tais que uma baixa das remunerações
reais dos fatores produtivos levará a uma redução de sua oferta.
VI
Com o auxílio das anotações apresentadas no capítulo 20, podemos, se quisermos, exprimir de forma simbólica a substância do que
ficou dito.
Escrevemos MV = D, onde M representa a quantidade de moeda,
V sua velocidade-renda (definição que se difere, por pequenos detalhes,
da indicada antes, relativamente à definição usual), e D a demanda
efetiva. Se, então, V for constante, para que os preços variem propor Ddp 
cionalmente à quantidade de moeda é necessário que ep = 
 seja
 pdD 
unitário. Esta condição é satisfeita (ver p. 270) se eo = 0 ou se ew = 1.
Esta condição significa que a unidade de salários, expressa em termos
DdW
de moeda, sobe proporcionalmente à demanda, visto que ew =
;
WdD
e a condição eo = 0 quer dizer que a produção não mais reage ao
DdO
aumento da demanda efetiva, visto que eo =
. Em ambos os casos
OdD
a produção permanecerá invariável.
Podemos, em seguida, examinar o caso em que a velocidade-renda
não é constante, introduzindo ainda uma nova elasticidade, a saber,
a elasticidade da demanda efetiva relativa às variações na quantidade
de moeda,
ed =
MdD
.
DdM
Isso nos dá
Mdp
= ep . ed onde ep = 1 – ee . eo (1 – ew) ;
pdM
de modo que
e = ed – (1 – ew) ed . ee eo
= ed(1 – ee eo + ee eo . ew)
 Mdp 
onde e sem sufixo =
 representa o vértice desta pirâmide e mede
 pdM 
a reação dos preços nominais às variações na quantidade de moeda.
286
KEYNES
Visto que esta última expressão nos dá a proporção em que variam
os preços em resposta à variação na quantidade de moeda, podemos
considerá-la uma expressão generalizada da teoria quantitativa da moeda. Pessoalmente, não dou muito valor a manipulações desta espécie;
e quero repetir a advertência feita anteriormente de que elas implicam
tantas hipóteses tácitas a respeito de quais variáveis se consideram
independentes (ignorando completamente as diferenciais parciais)
quantas se fazem no raciocínio comum, duvidando ao mesmo tempo
que elas nos levem mais longe do que o raciocínio comum. Talvez a
sua maior utilidade seja a de evidenciar a grande complexidade da
relação entre os preços e a quantidade de moeda, quando tentamos
dar-lhe uma expressão formal. Vale a pena, entretanto, chamar a atenção para os quatro termos ed, ew, ee e eo que governam o efeito das
variações da quantidade de moeda sobre os preços; ed representa os
fatores de liquidez que determinam a demanda de moeda em cada
situação; ew os elementos de trabalho (ou, mais exatamente, os que
entram no custo primário) que determinam a medida na qual os salários
nominais sobem quando o emprego aumenta; e, enfim, ee e eo os fatores
físicos que determinam a taxa dos rendimentos decrescentes quando
se associa mais emprego ao equipamento existente.
Se o público conserva uma proporção constante de seus rendimentos em moeda, ed = 1; se os salários nominais fossem fixos, ew =
0; se houver rendimentos constantes, de modo que o rendimento marginal iguale o rendimento médio, ee.eo = 1; e, se houver pleno emprego
da mão-de-obra ou do equipamento, ee.eo = 0.
Neste caso, e = 1 se ed = 1 e ew = 1; ou se ed = 1, ew = 0 e ee.eo
= 0; ou se ed = 1 e eo = 0. Existem, evidentemente, outros casos especiais
em que e = 1. Porém, em geral, e não iguala a unidade; e talvez não
haja inconveniente em fazer a generalização de que, segundo hipóteses
plausíveis relativas ao mundo real, e excluindo o caso de uma “fuga
do dinheiro” (no qual ed e ew alcançam um valor alto), e é, via de regra,
menor que a unidade.
VII
Até agora nos ocupamos principalmente da maneira como as variações na quantidade de moeda influem nos preços a curto prazo. Mas
não haverá, nos preços a longo prazo, uma relação mais simples?
Este é um problema que se relaciona mais com a generalização
histórica do que com a teoria pura. Se o estado da preferência pela
liquidez dá provas de certa tendência para a uniformidade a longo
prazo, é muito possível que haja uma relação indefinida entre a renda
nacional e a quantidade de moeda necessária para satisfazer a preferência pela liquidez, tomada como termo médio dos períodos de pessimismo e de otimismo em conjunto. Por exemplo, é possível que o
287
OS ECONOMISTAS
público não conserve em períodos longos e na forma de saldos ociosos
uma soma superior a certa proporção bastante estável da renda nacional, desde que a taxa de juros se mantenha superior a certo mínimo
psicológico, de tal modo que, se a quantidade de moeda que excede as
necessidades da circulação ativa ultrapassar esta proporção da renda
nacional, haverá uma tendência, mais cedo ou mais tarde, para a queda
da taxa de juros nas proximidades deste mínimo. A taxa de juros decrescente aumentará, então, coeteris paribus, a demanda efetiva, e a
crescente demanda efetiva alcançará um ou mais dos pontos semicríticos, nos quais a unidade de salários tenderá a mostrar uma alta
descontínua, com o efeito correspondente sobre os preços. As tendências
opostas manifestar-se-ão se a quantidade de moeda excedente estiver
em proporção anormal baixa com a renda nacional. Assim sendo, o
resultado líquido das flutuações será estabelecer, após certo tempo,
um nível médio compatível com a proporção estável que a psicologia
do público tende, mais cedo ou mais tarde, a restabelecer entre a quantidade de moeda e a renda nacional.
Estas tendências atuarão, provavelmente, com menos fricção no
sentido ascendente que no descendente. Se a quantidade de moeda
continuar sendo muito escassa por longo tempo, porém, a solução será
encontrada, normalmente, na mudança do padrão monetário ou do
sistema monetário que aumentará a quantidade de moeda, preferivelmente a uma compensação da unidade de salários que, conseqüentemente, aumentará a carga dos débitos. Desse modo, a direção dos movimentos de preços em períodos muito longos foi quase sempre ascendente. Isso porque, quando o dinheiro é relativamente abundante, a
unidade de salários sobe e, quando ele é relativamente escasso, sempre
se encontram meios de aumentar a quantidade efetiva da moeda.
Durante o século XIX, o acréscimo da população e das invenções,
a exploração de novas terras, o estado da confiança e a freqüência das
guerras (em média, digamos, a cada década), juntamente com a propensão a consumir, parecem ter sido suficientes para manter uma curva
da eficiência marginal do capital, que permite um nível médio de emprego bastante satisfatório para ser compatível com uma taxa de juros
suficientemente alta, a fim de ser psicologicamente aceitável pelos possuidores de riqueza. Há evidência de que, por um período de aproximadamente cento e cinqüenta anos, a taxa normal de juros a longo
prazo nos principais centros financeiros foi de cerca de 5% e a dos
títulos de primeira ordem oscilou entre 3 e 3,5%, e que essas taxas
de juros eram bastante módicas para suscitar um fluxo de investimento
compatível com um volume médio de emprego razoavelmente baixo.
Por vezes, a unidade de salários, porém com mais freqüência o padrão
monetário ou o sistema monetário (especialmente através do desenvolvimento da moeda bancária), ajustava-se para assegurar que a quantidade de moeda medida em termos de salários bastasse para satisfazer
288
KEYNES
a preferência normal pela liquidez, sem que as taxas de juros raramente
fossem inferiores às cifras normais indicadas antes. A tendência da
unidade de salários era, como de hábito, firmemente ascendente, mas
a eficiência do trabalho aumentava também. Nestas condições, o equilíbrio de forças era tal que permitia um grau razoável de estabilidade
nos preços; a média qüinqüenal mais elevada do índice de Sauerbeck,
entre 1820 e 1914, foi apenas 50% maior que a média mais baixa. Isto
não foi acidental. Com razão, atribuiu-se este fato ao equilíbrio de
forças numa época em que os grupos individuais de empregadores eram
bastante fortes para evitar que a taxa de salários subisse muito mais
depressa que a eficiência da produção, e numa época em que os sistemas
monetários eram, ao mesmo tempo, suficientemente fluidos e permanentes para assegurar uma oferta média de moeda, em termos de
unidades de salários, para permitir a manutenção da taxa média de
juros no nível mais baixo que os possuidores de riqueza pudessem
aceitar, levando em conta as suas preferências pela liquidez. O nível
médio de emprego era, sem dúvida, substancialmente inferior ao do
pleno emprego, mas não tão intoleravelmente abaixo do mesmo, a ponto
de provocar mudanças revolucionárias.
Hoje, e provavelmente no futuro, a curva da eficiência marginal
do capital está, por diversas razões, muito abaixo do que era no século
XIX. A agudeza e a peculiaridade de nossos problemas contemporâneos
emanam, portanto, do fato de que a taxa média de juros compatível
com um volume médio razoável de emprego pode ser inaceitável para
os possuidores de riqueza, de forma que seja impossível estabelecê-la
facilmente por meio de simples manipulações da quantidade de dinheiro. Enquanto se podia alcançar um nível tolerável de emprego durante
uma média de uma, duas ou três décadas, simplesmente garantindo
uma oferta adequada de moeda em unidades de salários, mesmo o
século XIX pôde encontrar soluções. Se este fosse o nosso único problema
na atualidade — se um grau suficiente de desvalorização fosse tudo
o que necessitamos —, certamente nós, também, encontraríamos, hoje,
uma solução.
Porém, o elemento mais estável e o mais difícil de modificar em
nossa economia contemporânea tem sido até agora, e poderá continuar
a sê-lo no futuro, a taxa mínima de juros aceitável pela maioria dos
possuidores de riqueza.159 Se um nível tolerável de emprego requer
uma taxa de juros muito inferior às taxas médias que prevaleceram
no século XIX, é muito duvidoso que o mesmo possa ser alcançado por
simples manipulações da quantidade de moeda. Da porcentagem de
lucro que a curva da eficiência marginal do capital permite ao mutuário
esperar ganhar, tem de deduzir-se (1) a despesa de pôr em contato os
159 Cf. a máxima do século XIX, citada por Bagehot, segundo a qual “John Bull é capaz de
suportar muitas coisas, mas é incapaz de suportar uma taxa de juros de 2%”.
289
OS ECONOMISTAS
mutuários e os mutuantes, (2) o imposto sobre a renda e os impostos
adicionais e (3) a margem que o mutuante exige para cobrir seu risco
e incerteza, antes de chegar ao rendimento líquido disponível para
induzir o possuidor de riqueza a sacrificar a sua liquidez. Em condições
de uma média tolerável de emprego, se este rendimento líquido resulta
infinitesimal, os métodos consagrados pelo tempo podem mostrar-se
ineficazes.
Para voltar ao nosso tópico imediato, a relação existente a longo
prazo entre a renda nacional e a quantidade de moeda dependerá das
preferências pela liquidez. E a estabilidade dos preços em período longo
dependerá da rapidez com que a unidade de salários (ou mais precisamente, a unidade de custos) tende a crescer comparativamente à
eficiência do sistema produtivo.
290
LIVRO SEXTO
BREVES NOTAS SUGERIDAS PELA TEORIA GERAL
CAPÍTULO 22
Notas Sobre o Ciclo Econômico
Visto que pensamos ter demonstrado nos capítulos anteriores o
que determina o volume de emprego em qualquer momento, deduz-se,
se estivermos certos, que a nossa teoria deve ser capaz de explicar o
fenômeno do ciclo econômico.
Quando examinamos em detalhe qualquer exemplo concreto do
ciclo econômico, constatamos a sua grande complexidade, e para a sua
explicação completa serão necessários todos os elementos de nossa análise. Verifica-se, em especial, que as flutuações na propensão a consumir, no estado da preferência pela liquidez e na eficiência marginal
do capital desempenham todas o seu papel. Sugiro, todavia, que o
caráter essencial do ciclo econômico e, sobretudo, a regularidade de
ocorrência e duração, que justificam a denominação ciclo, se devem
principalmente ao modo como flutua a eficiência marginal do capital.
Na minha maneira de ver, o ciclo econômico deve, de preferência, ser
considerado o resultado de uma variação cíclica na eficiência marginal
do capital, embora complicado e freqüentemente agravado por modificações que acompanham outras variáveis importantes do sistema econômico no curto prazo. O desenvolvimento desta tese exigiria antes
um livro que um capítulo, além de necessitar uma análise minuciosa
dos fatos; porém, as seguintes breves notas serão suficientes para indicar a linha de análise que sugere a nossa teoria anterior.
I
Por movimento cíclico queremos dizer que, quando o sistema evolui, por exemplo, em direção ascendente, as forças que o impelem para
cima adquirem inicialmente impulso e produzem efeitos cumulativos
de maneira recíproca, mas perdem gradualmente a sua potência até
que, em certo momento, tendem a ser substituídas pelas forças que
operam em sentido oposto e que, por sua vez, adquirem também intensidade durante certo tempo e fortalecem-se mutuamente, até que,
293
OS ECONOMISTAS
alcançado o máximo desenvolvimento, declinam e cedem lugar às forças
contrárias. Todavia, por movimento cíclico não queremos dizer simplesmente que essas tendências ascendentes e descendentes, uma vez
iniciadas, não persistam indefinidamente na mesma direção, mas que
acabam por inverter-se. Queremos dizer, também, que existe certo grau
reconhecível de regularidade na seqüência e duração dos movimentos
ascendentes e descendentes.
Contudo, para que a nossa explicação seja adequada, devemos
incluir outra característica do chamado ciclo econômico, ou seja, o fenômeno da crise — o fato de que a substituição de uma fase ascendente
por outra descendente geralmente ocorre de modo repentino e violento,
ao passo que, como regra, a transição de uma fase descendente para
uma fase ascendente não é tão repentina.
Qualquer flutuação no investimento, não compensada por uma
variação correspondente na propensão a consumir, resulta, necessariamente, numa flutuação no emprego. Portanto, dado que o fluxo de
investimento está sujeito a influências bastante complexas, é muito
improvável que todas as flutuações, tanto as do próprio investimento
como as da eficiência marginal do capital, sejam de caráter cíclico. Um
caso especial, a saber, o das flutuações associadas aos movimentos da
produção agrícola, será objeto de exame numa seção posterior deste
capítulo. Todavia, no caso dos ciclos econômicos típicos da economia
industrial do século XIX, considero que haja certas razões definidas
para que as flutuações na eficiência marginal do capital tenham tido
características cíclicas. Essas razões não são, em si mesmas, novas,
mesmo como explicações dos ciclos econômicos. Meu único propósito
aqui é relacioná-las com a teoria precedente.
II
Posso desenvolver melhor o que tenho a dizer começando pelas
últimas etapas da expansão e pelo começo da “crise”.
Vimos antes que a eficiência marginal do capital160 depende não
apenas da abundância ou da escassez existente de bens de capital e
do custo corrente da produção dos bens de capital, mas também das
expectativas correntes relativas ao futuro rendimento dos bens de capital. Conseqüentemente, no caso dos bens duráveis, é natural e razoável que as expectativas do futuro desempenhem um papel preponderante na determinação da escala em que se julguem recomendáveis
novos investimentos. Como vimos, porém, as bases para tais expectativas são muito precárias. Fundadas em indícios variáveis e incertos,
estão sujeitas a variações repentinas e violentas.
160 Quando o contexto não apresenta possibilidade de nenhum equívoco, é quase sempre mais
conveniente escrever “a eficiência marginal do capital” quando se quer apontar “a curva
da eficiência marginal do capital”.
294
KEYNES
Ora, para explicar a “crise”, temos enfatizado que a taxa de juros
tende a subir sob o efeito de maior demanda de moeda, tanto para fins
de transações como para fins especulativos. Algumas vezes este fator pode,
certamente, representar um papel de agravamento e talvez, ocasionalmente, de desencadeamento. Creio que a explicação mais normal, e por
vezes a essencial, da crise não é primordialmente uma alta taxa de juros,
mas um repentino colapso da eficiência marginal do capital.
As últimas etapas da expansão são caracterizadas por expectativas otimistas relativas ao rendimento futuro dos bens de capital suficientemente fortes para compensar a abundância crescente desses
bens, a alta de seus custos de produção e, provavelmente, também, a
alta taxa de juros. É próprio da natureza dos mercados financeiros
organizados, sob a influência de compradores em sua maioria ignorantes do que compram e de especuladores mais interessados nas previsões
da próxima mudança de opinião do mercado do que numa estimativa
racional do futuro rendimento dos bens de capital, que, quando a decepção advém a um desses mercados otimistas em demasia, e superabastecidos, as cotações desçam em movimento súbito e mesmo catastrófico.161 Além disso, o pessimismo e a incerteza a respeito do futuro
que acompanham um colapso da eficiência marginal do capital suscitam, naturalmente, um forte aumento da preferência pela liquidez e,
conseqüentemente, uma elevação da taxa de juros. Nestas condições,
o fato de a queda da eficiência marginal do capital ser freqüentemente
acompanhada por uma elevação da taxa de juros pode agravar seriamente o declínio do investimento. O essencial, porém, de tal estado
de coisas reside, não obstante, na queda da eficiência marginal do
capital, especialmente no caso das categorias de capital que, no curso
da fase anterior, mais contribuíram para os novos investimentos. A
preferência pela liquidez, exceto nas suas manifestações associadas ao
aumento da atividade comercial e da especulação, só começa a aumentar
após o desmoronamento da eficiência marginal do capital.
É isto que, de fato, torna a depressão tão intratável. Posteriormente, um declínio de taxa de juros será de grande auxílio para a
recuperação e, provavelmente, uma condição necessária da mesma,
mas, de momento, o colapso da eficiência marginal do capital pode ser
tão completo que nenhuma redução possível de taxa de juros baste
para o contrabalançar. Se a redução da taxa de juros constituísse por
si mesma um remédio efetivo, a recuperação poderia ser conseguida
num lapso de tempo relativamente curto, e por meios mais ou menos
diretamente sob controle da autoridade monetária. Isso, porém, não
161 Evidenciei (no cap. 12) que os investidores particulares raramente são diretamente responsáveis pelas inversões novas, embora os empresários que têm essa responsabilidade verifiquem ser financeiramente vantajoso e freqüentemente obrigatório conformarem-se com as
idéias do mercado, ainda que pessoalmente estejam mais bem informados.
295
OS ECONOMISTAS
costuma acontecer, não sendo fácil reanimar a eficiência marginal do
capital, tal como a determina a psicologia caprichosa e indisciplinada
do mundo dos negócios. É a volta da confiança, para empregar a linguagem comum, que se afigura tão difícil de controlar numa economia
de capitalismo individualista. Este é o aspecto da depressão que os
banqueiros e os homens de negócios insistem, com razão, em enfatizar,
e ao qual os economistas crentes na eficácia de um remédio “puramente
monetário” não dispensaram a atenção que merece.
Isto me faz alcançar o ponto a que quero chegar. A explicação
do elemento tempo no ciclo econômico, o fato de que em geral tem de
decorrer um lapso determinado de tempo antes que se inicie a recuperação, deve ser procurada nas influências que governam a recuperação da eficiência marginal do capital. Há razões dadas, primeiro,
pela extensão da vida útil dos bens duráveis em relação ao ritmo normal
de crescimento em certa época e, segundo, pelas despesas correntes
de conservação dos estoques excedentes, que explicam por que a duração
do movimento descendente deve ter uma magnitude que não é fortuita,
que não flutua entre, digamos, um ano agora, e dez anos a próxima
vez, mas antes evidencia determinada regularidade situada entre, digamos, três e cinco anos.
Voltemos ao que ocorre na crise. Enquanto a expansão continua,
a maioria dos novos investimentos oferece um rendimento corrente
que não é insatisfatório. A desilusão chega porque, de repente, surgem
dúvidas quanto à confiança que se pode ter no rendimento esperado,
talvez porque o rendimento atual dê sinais de baixa à medida que os
estoques de bens duráveis produzidos recentemente aumentem regularmente. Se se crê que os custos correntes de produção são mais elevados do que poderão vir a ser futuramente, esta será mais uma razão
para a baixa da eficiência marginal do capital. Uma vez surgida, a
dúvida propaga-se rapidamente. Assim, no começo da depressão, existe
provavelmente uma boa parte do capital que apresenta uma eficiência
marginal ínfima ou mesmo negativa, mas o intervalo de tempo que
deverá decorrer antes que a escassez do capital pelo uso, a deterioração
e a obsolescência se tornem bastante óbvias para aumentar a eficiência
marginal pode ser uma função relativamente estável da duração média
do capital numa época dada. Se as características da época mudam,
o intervalo de tempo-padrão variará. Se, por exemplo, passarmos de
um período de aumento a um período de declínio da população, a fase
característica do ciclo se prolongará. Mas temos, no que antecede, uma
razão substancial de por que existe uma relação definida ligando a
duração da depressão à extensão da vida útil dos bens duráveis e à
taxa normal de crescimento em época determinada.
O segundo dos fatores que conduzem a esta estabilidade de duração temporal se deve aos custos de conservação dos estoques excedentes, que forçam a sua absorção dentro de certo período, nem muito
296
KEYNES
curto nem muito longo. A repentina suspensão de novos investimentos
depois da crise levará, provavelmente, a uma acumulação de estoques
de produtos não acabados. O custo de conservação destes produtos
raramente é inferior a 10% ao ano. Seus preços devem, portanto, baixar
o bastante para causar uma restrição da produção que assegure a
reabsorção dos estoques excedentes num prazo de, digamos, três a
cinco anos. Ora, o processo de absorção dos estoques representa um
investimento negativo, que também contribui para diminuir o emprego,
e, chegando a seu termo, causa um considerável alívio.
Ademais, a redução do capital circulante, que necessariamente
acompanha o declínio da produção, é um novo fator, às vezes importante, de desinvestimento, e, quando a recessão se instalou, este fator
exerceu forte influência cumulativa no sentido da baixa. Nos primeiros
momentos de uma depressão típica verifica-se provavelmente um investimento no aumento dos estoques, que ajuda a compensar o desinvestimento no capital circulante; na fase seguinte pode haver um curto
período de desinvestimento, tanto em estoques como em capital circulante; depois que se alcançou o nível inferior da depressão aparece,
em geral, um desinvestimento suplementar nos estoques que equilibra
parcialmente os reinvestimentos no capital circulante; e, finalmente,
quando a recuperação tiver avançado bastante, ambos os fatores serão
simultaneamente favoráveis ao investimento. É neste cenário que convém examinar os efeitos adicionais devidos às flutuações do investimento em bens duráveis. Quando um declínio nesta espécie de investimento desencadeia uma flutuação cíclica, haverá poucas probabilidades de recuperação dos mesmos enquanto o ciclo não houver percorrido
parte de seu caminho.162
Infelizmente, uma queda substancial da eficiência marginal do
capital tende, também, a afetar negativamente a propensão a consumir,
pois provoca uma baixa considerável no valor do mercado de títulos.
Ora, esta baixa exerce uma influência depressiva sobre a classe de
pessoas que acompanham de perto os seus investimentos na bolsa de
valores, especialmente quando aplicam dinheiro emprestado. A disposição dessas pessoas para gastar talvez dependa mais das altas e baixas
no valor de seus investimentos do que do estado do fluxo de seus
rendimentos. Com um público de “mentalidade acionista” como o dos
Estados Unidos de hoje, um mercado de títulos em alta pode ser condição quase essencial para uma propensão a consumir satisfatória; e
esta circunstância, geralmente desconsiderada até há pouco, serve ob162 Certa parte da argumentação em minha obra Treatise on Money [JMK, v. V]. Livro Quarto,
gira em torno deste assunto.
297
OS ECONOMISTAS
viamente para agravar mais ainda o efeito depressivo de uma baixa
na eficiência marginal do capital.
Uma vez iniciada a recuperação, a maneira como ela se alimenta
em si mesma e se desenvolve cumulativamente é óbvia. Na fase descendente, porém, enquanto há por certo tempo excedentes de capital
fixo e de estoques de matérias-primas e há uma redução do capital
circulante, a curva da eficiência marginal do capital pode baixar tanto
que dificilmente é possível corrigi-la de modo que assegure um fluxo
satisfatório de novos investimentos por meio de qualquer redução exeqüível na taxa de juros. Assim sendo, com os mercados organizados e
influenciados do modo que se verifica atualmente, a estimativa que
faz o mercado da eficiência marginal do capital pode sofrer flutuações
de tão grande amplitude que dificilmente podem ser compensadas por
flutuações correspondentes na taxa de juros. Além do mais, conforme
vimos antes, as flutuações da Bolsa de Valores podem enfraquecer a
propensão a consumir justamente quando ela é mais necessária. Portanto, em condições de laissez-faire, talvez seja impossível evitar grandes flutuações no emprego sem uma profunda mudança na psicologia
do mercado de investimentos, mudança essa que não há razão para
esperar que ocorra. Em conclusão, acho que não se pode, com segurança,
abandonar à iniciativa privada o cuidado de regular o volume corrente
de investimento.
III
A análise anterior pode parecer de acordo com a maneira de ver
dos que pretendem que o sobreinvestimento seja a característica da
expansão, que a abstenção desse sobreinvestimento seja o único meio
de impedir a depressão subseqüente, e que, pelos motivos anteriores,
conquanto a depressão não possa ser evitada por uma baixa taxa de
juros, a expansão possa, não obstante, ser evitada por uma taxa de
juros elevada. Há, de fato, substância no argumento de que uma taxa
de juros elevada é muito mais eficaz contra o auge da expansão do
que uma taxa de juros baixa o é contra uma depressão.
Entretanto, deduzir estas conclusões do que ficou dito significaria
uma interpretação falsa de minha análise e, a meu ver, seria cometer
um grave erro. Isso porque o termo sobreinvestimento é ambíguo. Pode
aplicar-se aos investimentos destinados a desapontar as expectativas
que os incitaram ou para os quais não há lugar em períodos de intenso
desemprego, mas pode também aplicar-se a uma situação caracterizada
por tal abundância de capital que não haja investimento novo aparentemente capaz de, mesmo em condições de pleno emprego, render no
curso de sua duração mais do que o seu custo de reposição. É apenas
neste último estado de coisas que há sobreinvestimento, estritamente
298
KEYNES
falando, no sentido de que qualquer investimento posterior seria mero
desperdício de recursos.163 Além disso, mesmo que o sobreinvestimento
nesse sentido fosse uma característica normal da fase de auge da expansão, o remédio não consistiria em fazer incidir uma elevada taxa
de juros, que provavelmente desanimaria alguns investimentos úteis
e enfraqueceria ainda mais a propensão a consumir, mas em tomar
medidas enérgicas, como por exemplo uma nova distribuição dos rendimentos ou outra qualquer, a fim de estimular a propensão a consumir.
No entanto, segundo a minha análise, só no primeiro sentido
é que o sobreinvestimento pode ser considerado característica do
período de auge da expansão. A situação que estou indicando como
típica não é aquela em que o capital seja tão abundante que a comunidade em conjunto não possa razoavelmente empregar mais nenhum, mas aquela em que o investimento se efetua em condições
instáveis e efêmeras pelo fato de ser suscitado por expectativas destinadas a malograr.
Pode acontecer, naturalmente — e na realidade é provável que
assim seja —, que as ilusões da expansão levem a produzir certos tipos
de bens de capital em tamanha abundância que parte da produção
seja, independentemente de qualquer critério, um desperdício de recursos — o que às vezes se verifica, podemos acrescentar, mesmo quando não há expansão. Quer dizer, levam a um investimento mal orientado. Além disso, porém, uma característica essencial do auge da expansão é que os investimentos que terão um rendimento efetivo de,
digamos, 2% em condições de pleno emprego se realizam na esperança
de, digamos, 6% e são avaliados nesta base. Quando chega a desilusão,
esta expectativa é substituída por um “erro de pessimismo” inverso,
com o resultado de que se passa a esperar um rendimento negativo
dos investimentos que em situação de pleno emprego renderiam efetivamente 2%; o colapso resultante do investimento novo que daí resulta
leva então a um estado de desemprego no qual os investimentos, que
em situação de pleno emprego teriam rendido 2%, passam, de fato, a
render menos que nada. Chega-se a uma situação em que há escassez
de casas de moradia na qual, todavia, ninguém dispõe de meios para
viver nas casas que existem.
Assim, o remédio para o auge da expansão não é a alta, mas a
baixa da taxa de juros!164 Pois aquela pode fazer perdurar o chamado
auge da expansão. O verdadeiro remédio para o ciclo econômico não
163 Contudo, em certas hipóteses como a da distribuição no tempo da propensão a consumir,
os investimentos que dão um rendimento negativo poderiam ser vantajosos no sentido de
que, para a comunidade em conjunto, maximizariam a satisfação.
164 Ver adiante (p. 301) alguns argumentos que podem ser invocados em sentido contrário. Se
for inviável, pois, fazer grandes alterações nos nossos métodos presentes, eu concordaria
em que a elevação da taxa de juros durante uma fase de boom poderia ser, nas condições
assim concebidas, um mal menor.
299
OS ECONOMISTAS
consiste em evitar o auge das expansões e em manter assim uma
semidepressão permanente, mas em abolir as depressões e manter deste
modo permanentemente em um quasi-boom!
O auge da expansão que acaba por levar a uma crise resulta,
portanto, da combinação de uma taxa de juros, que num estado correto
de expectativa seria demasiadamente alta para permitir o pleno emprego, e de um estado enganoso de expectativa que, enquanto dura,
impede essa taxa de juros de ser, de fato, um obstáculo. O boom é
uma situação em que o excesso de otimismo triunfa sobre uma taxa
de juros que, julgada a sangue-frio, seria considerada alta demais.
Exceto durante a guerra, duvido que haja algum exemplo recente
de uma expansão bastante forte que tenha levado ao pleno emprego.
Nos Estados Unidos, o emprego foi muito satisfatório em 1928-29, julgando por padrões normais; mas não tive provas de nenhuma escassez
de mão-de-obra, a não ser, talvez, em certos grupos de trabalhadores
altamente especializados. Verificaram-se alguns “estrangulamentos”,
mas a produção em conjunto ainda apresentava capacidade para aumentos ulteriores. Também não houve sobreinvestimento no sentido
de que os equipamentos-padrão e de habitação fossem tão elevados
que todos, supondo que existisse pleno emprego, tivessem tudo que
desejassem à taxa necessária para cobrir o custo de reposição, sem
desconto para os juros, pelo tempo de duração da casa, e tampouco de
que os transportes, os serviços públicos e os melhoramentos agrícolas
tivessem alcançado um nível em que novos incrementos ao estoque
existente não pudessem razoavelmente esperar produzir rendimentos
sequer iguais a seu custo de reposição. Pelo contrário, seria absurdo
pretender que nos Estados Unidos, em 1929, tenha havido sobreinvestimento no sentido estrito da palavra. A verdadeira situação era de
natureza bem diferente. Os novos investimentos, durante os cinco anos
anteriores, tinham-se, na realidade, realizado em tão grande escala,
em conjunto, que o rendimento provável dos investimentos suplementares, analisado com frieza, estava decaindo rapidamente. Uma previsão correta teria deprimido a eficiência marginal do capital a um nível
sem precedentes de modo que o boom não poderia ter continuado em
bases firmes, exceto com uma taxa de juros a longo prazo muito baixa
e evitando investimentos mal dirigidos em determinados ramos com
risco de sobreexploração. De fato, a taxa de juros manteve-se elevada
o bastante para desanimar os novos investimentos, exceto naqueles
ramos particulares que estavam sob a influência do estímulo especulativo e que, conseqüentemente, corriam um perigo especial de serem
superexplorados; uma taxa de juros suficiente para resistir ao movimento especulativo teria, ao mesmo tempo, detido quaisquer novos
investimentos razoáveis. Nestas condições, a elevação da taxa de juros
como antídoto para a situação criada pela persistência de um fluxo
300
KEYNES
anormal de investimentos pertence à categoria dos remédios que curam
a doença matando o paciente.
É muito possível, na verdade, que a existência do emprego quase
pleno durante vários anos fosse acompanhada, em países tão ricos
como a Grã-Bretanha ou os Estados Unidos, por um fluxo de novos
investimentos, admitindo a propensão a consumir existente, tão intenso
que levasse eventualmente a um estado de pleno emprego no sentido
de não poder mais esperar de um novo incremento de bens duráveis
de qualquer tipo, segundo cálculos razoáveis, um rendimento agregado
bruto superior a seu custo de reposição. Além do mais, tal estado poderia
alcançar-se num futuro relativamente próximo — digamos, dentro de
vinte e cinco anos ou menos. Não se deve pensar que nego esta possibilidade quando afirmo jamais ter existido, sequer momentaneamente, uma situação de pleno investimento, no sentido estrito da palavra.
Aliás, ainda que as fases de expansão da época contemporânea
pudessem levar temporariamente a uma situação de pleno investimento
ou sobreinvestimento no sentido estrito, continuaria sendo absurdo considerar uma taxa de juros mais elevada como remédio adequado. E
isso porque nesse caso ficaria plenamente confirmada a hipótese dos
que atribuem a anomalia ao subconsumo. O remédio consistiria em
tomar várias medidas capazes de aumentar a propensão a consumir
através de uma redistribuição da renda ou de um processo semelhante
de modo que dado volume de emprego pudesse ser mantido com um
volume de investimento menor.
IV
Talvez convenha, no ponto a que chegamos, dizer umas palavras
sobre as importantes correntes de pensamento que sustentam, de maneiras diferentes, que a tendência crônica das sociedades contemporâneas para o subemprego deve ter sua causa procurada no subconsumo,
quer dizer, nos hábitos sociais e numa distribuição da riqueza que
resultam numa propensão a consumir demasiado baixa.
Nas condições atuais — ou, pelo menos, nas que prevaleceram
até há pouco —, em que o fluxo de investimento não é planejado nem
dirigido, antes se acha abandonado aos caprichos de uma eficiência
marginal do capital, que depende das opiniões pessoais de indivíduos
não conhecedores ou de especuladores, e à influência de uma taxa de
juros a longo prazo que raras vezes, ou nunca, baixa além de um nível
convencional, essas correntes de pensamento, como guias de política
prática, estão indubitavelmente certas. Em tais condições, pois, não
há outro meio capaz de levar o volume médio de emprego a um nível
mais favorável. Se é materialmente impraticável aumentar o investimento, torna-se evidente não haver outros meios de alcançar um nível
maior de emprego além do de aumentar o consumo.
Praticamente, a única diferença entre essas correntes de pensa301
OS ECONOMISTAS
mento e a minha é que num momento em que há ainda muitas vantagens sociais a esperar de um acréscimo do investimento, elas parecem
dar uma ênfase um tanto exagerada ao incremento do consumo. Teoricamente, entretanto, podemos criticá-las por desconsiderar o fato de
que há dois caminhos para aumentar a produção. Mesmo se tivéssemos
de decidir o que seria preferível: aumentar o capital mais lentamente
e concentrar esforços no aumento do consumo, deveríamos tomar essa
decisão com muita ponderação depois de considerar a outra alternativa.
Pessoalmente, vejo de bom alvitre as grandes vantagens sociais que adviriam do crescimento do estoque de capital suficiente para pôr fim à sua
escassez, mas isso é um julgamento prático e não um imperativo teórico.
Aliás, estou disposto a admitir que o mais prudente seria avançar
em ambas as frentes ao mesmo tempo. Embora procurando conseguir
um fluxo de investimento controlado socialmente com vista à baixa
progressiva da eficiência marginal do capital, estou disposto a apoiar,
ao mesmo tempo, toda sorte de medidas para aumentar a propensão
a consumir. Como é improvável que o pleno emprego possa ser mantido
com a propensão a consumir existente, façamos o que fizemos com
relação ao investimento. Há condições, portanto, para que ambas as
políticas funcionem juntas; promover o investimento e ao mesmo tempo
o consumo, não apenas até o nível que corresponderia ao acréscimo
do investimento com a propensão a consumir existente, mas também
a um nível ainda maior.
Se — empregando números redondos para ilustrar nosso raciocínio — o nível médio de produção atual fosse 15% inferior ao que
seria com o pleno emprego contínuo, e se 10% desta produção representassem o investimento líquido, e os restantes 90% o consumo — se
o investimento líquido tivesse de subir 50% para conseguir o pleno
emprego com a propensão a consumir existente, de modo que com esse
emprego a produção subisse de 100 para 115, o consumo de 90 para
100 e o investimento líquido de 10 para 15 —, poderíamos então propor-nos, talvez, modificar de tal maneira a propensão a consumir que,
com o pleno emprego, o consumo subisse de 90 para 103 e o investimento
líquido de 10 para 12.
V
Outra corrente de pensamento encontra a solução para o ciclo
econômico não no aumento do consumo ou do investimento, mas na
diminuição da oferta de mão-de-obra que procura emprego, isto é, alterando a distribuição do volume atual de emprego sem aumentar o
emprego nem a produção.
Isto me parece uma política prematura — muito mais claramente
que o plano de aumentar o consumo. Chega um momento em que todo
o indivíduo pondera as vantagens de um aumento de lazer com as de
um aumento de renda, mas parece claro que atualmente a grande
302
KEYNES
maioria dos indivíduos prefere um aumento de renda a um aumento
de lazer; e não vejo razões válidas para obrigar os que preferem mais
renda a gozarem de maior lazer.
VI
Pode parecer estranho que exista uma corrente de pensamento
que tenha como remédio para o ciclo econômico refrear o auge da expansão em suas primeiras manifestações por meio de uma elevação
da taxa de juros. O único argumento que pode legitimar semelhante
política é o que nos oferece D. H. Robertson, quando pretende dizer
que o pleno emprego é um ideal praticamente irrealizável e que, quando
muito, nos é lícito esperar um nível de emprego bem mais estável que
o atual e talvez ligeiramente superior à média.
Se excluirmos a possibilidade de uma reforma profunda da política
no que concerne tanto ao controle do investimento quanto ao da propensão a consumir, e supusermos, em linhas gerais, uma continuação
do estado de coisas existente, não me parecerá absurdo argumentar
que se conseguiria, em média, um estado mais favorável da expectativa
através de uma política bancária que destruísse sempre no embrião o
início de um período de auge da expansão por meio de uma taxa de
juros suficientemente alta para desencorajar o otimismo mal dirigido.
A desilusão quanto às expectativas, característica da depressão, pode
acarretar tanta perda e desperdício que o nível médio de investimentos
úteis poderia ser mais elevado se fosse aplicado algum método dissuasivo. É difícil assegurar se esta doutrina é ou não correta em suas
hipóteses, pois se trata de uma questão de apreciação prática em que
faltam os elementos de certeza. Talvez ela não considere as vantagens
sociais derivadas do aumento do consumo que acompanha até mesmo
os investimentos que se mostram totalmente mal orientados, tendo-se
em vista que tais investimentos podem ser mais vantajosos do que a
sua ausência total. Não obstante, a autoridade monetária mais lúcida
se encontraria em dificuldades diante de uma expansão como a da
América em 1929, não tendo outras armas além das que dispunha
naquele tempo o Sistema de Reserva Federal, e nenhuma das alternativas ao seu alcance lograria modificar muito os resultados. Seja
como for, semelhante opinião parece-me perigosa e inutilmente derrotista. Recomenda, ou pelo menos supõe, para a aceitação permanente,
demasiadas características que são imperfeitas no nosso sistema econômico atual.
O ponto de vista austero que preconiza a utilização de uma taxa
de juros elevada para deter imediatamente qualquer tendência de elevação apreciável no nível de emprego, digamos, além da média da
década anterior, apóia-se com mais freqüência em argumentos destituídos de outra base que não seja a confusão das idéias. Decorre, em
certos casos, da crença de que numa expansão o investimento tende
303
OS ECONOMISTAS
a ultrapassar a poupança e de que uma alta da taxa de juros restabelecerá o equilíbrio contrariando o investimento, por um lado, e estimulando a poupança, por outro lado. Isso supõe que a poupança e o
investimento podem ser desiguais e carece, portanto, de significação
enquanto estes termos não forem definidos nalgum sentido especial.
Ou sugere, algumas vezes, que o aumento da poupança que acompanha
o investimento crescente não é desejável nem justo, porque se acha,
via de regra, associado a uma alta de preços. Se assim fosse, porém,
qualquer elevação no nível prevalecente da produção e do emprego
deveria ser considerada indesejável, pois a alta de preços; não se deve
essencialmente ao acréscimo no investimento, mas ao fato de, no curto
prazo, o preço de oferta geralmente crescer ao aumentar a produção,
quer em razão do fato físico dos rendimentos decrescentes, quer porque
o custo unitário tende a subir em termos nominais quando a produção
aumenta. Se a situação se caracterizasse por um preço de oferta constante, não haveria, naturalmente, elevação de preços, não obstante
isso como nos outros casos, a poupança crescente acompanharia o acréscimo do investimento. É o incremento da produção que provoca o aumento da poupança; a alta de preços não passa de um subproduto
desse incremento, que também ocorre quando é a propensão a consumir
e não a poupança que aumenta. Nenhum interesse constituído legítimo
pode exigir que as compras se efetuem a preços baixos exclusivamente
porque a produção está baixa.
Supõe-se também que o mal seja devido ao fato de o aumento
do investimento ter tido origem numa baixa do juro provocada por um
aumento na quantidade de moeda. Ora, a taxa de juros preexistente
não apresenta nenhuma virtude intrínseca e tampouco ninguém é “forçado” a reter o novo dinheiro — ele é criado com o fim de satisfazer
a maior preferência pela liquidez correspondente à menor taxa de juros
ou ao maior volume de transações, e é retido pelos indivíduos que
preferem conservar dinheiro a emprestá-lo a uma taxa de juros mais
reduzida. Sugere-se, ainda, que uma expansão é caracterizada pelo
“consumo de capital”, o que provavelmente significa investimento líquido negativo, isto é, por uma excessiva propensão a consumir. A não
ser que se tenham confundido os fenômenos do ciclo econômico com
os da fuga ou recusa em reter dinheiro que se verificaram na Europa
durante os colapsos monetários posteriores à Guerra, os fatos indicam
exatamente o contrário. Além disso, mesmo que assim fosse, uma redução na taxa de juros seria um remédio mais plausível para as condições de subinvestimento do que a elevação dessa taxa. Não consigo
encontrar nenhum sentido nessas correntes de pensamento, salvo, talvez, admitindo a hipótese tácita de que a produção agregada seja incapaz de variar. Todavia, uma teoria que supõe uma produção constante
evidentemente não é de muita utilidade para explicar o ciclo econômico.
304
KEYNES
VII
Nos primeiros estudos sobre o ciclo econômico, especialmente nos
de Jevons, a explicação foi colocada nas flutuações agrícolas devidas
às estações, mais do que nos fenômenos da indústria. À luz da teoria
acima, esta explicação do problema parece bastante plausível, porque
mesmo na época atual as flutuações de um ano para outro dos estoques
de produtos agrícolas constituem uma das causas principais das variações do investimento corrente. Entretanto, na época em que Jevons
escreveu, e mais ainda durante o período a que se referem as suas
estatísticas, este fator prevaleceu de maneira considerável sobre todos
os demais.
A teoria de Jevons de que o ciclo econômico se deve, primordialmente, à abundância desigual das colheitas pode ser reexposta da maneira que segue. Quando a colheita é excepcionalmente farta em geral
faz-se uma adição importante ao estoque conservado para os anos futuros. Os resultados desta adição acrescentam-se à renda corrente dos
agricultores e são considerados por estes como uma renda enquanto
esse incremento não implica sangria nos gastos que os outros setores
da comunidade fazem, senão quando financiados pela poupança. Quer
isto dizer que o estoque suplementar é uma adição ao investimento
corrente. Esta conclusão não se invalida mesmo que os preços sofram
uma queda acentuada. De maneira semelhante, quando a colheita é
escassa, recorre-se aos estoques armazenados para atender ao consumo
corrente, de maneira que uma parte correspondente dos gastos que os
consumidores fazem de suas rendas não cria nenhum rendimento corrente para os agricultores. Quer isto dizer que o que se retira dos
estoques implica uma redução correspondente no investimento corrente.
Nestas condições, se o investimento nos outros ramos da produção for
constante, pode ser grande a diferença no investimento agregado entre
um ano em que haja uma adição substancial aos estoques e outro em
que haja uma redução substancial dos mesmos; e, numa comunidade
onde a agricultura seja a atividade predominante, este fator será incomparavelmente mais importante que as outras causas de variação
do investimento. É, portanto, natural que a reversão das fases ascendentes seja indicada por boas colheitas e a das descendentes pelas
colheitas más. O passo seguinte dessa teoria, segundo a qual existiriam
causas físicas que motivam um ciclo regular de boas e más colheitas,
é naturalmente assunto diferente que não nos cabe tratar aqui.
Segundo uma teoria proposta mais recentemente, seriam as más
colheitas e não as boas que estimulariam o comércio, porque incitam
a população a trabalhar por um salário real menor, ou porque se considera que uma mudança na distribuição da capacidade aquisitiva seja
favorável ao consumo. É desnecessário dizer que não são estas as teorias
305
OS ECONOMISTAS
a que recorro ao fazer a descrição anterior dos fenômenos das colheitas
como uma explicação do ciclo econômico.
As causas agrícolas das flutuações têm uma importância muito
menor no mundo moderno, e isso por duas razões. Em primeiro lugar,
a produção agrícola representa uma parcela muito pequena da produção
total. Em segundo lugar, o desenvolvimento de um mercado mundial
para a maior parte dos produtos agrícolas, que se abastece nos dois
hemisférios, faz com que, em média, se neutralizem os efeitos das boas
e das más estações, sendo a porcentagem de flutuação sobre o volume
das colheitas mundiais muito menor que a porcentagem de flutuação
correspondente às dos países individualmente. Nos tempos antigos,
porém, quando um país dependia principalmente de suas próprias colheitas, é difícil encontrar alguma causa de flutuação do investimento,
excetuando-se a guerra, que pudesse comparar-se em importância às
variações nos estoques de produtos agrícolas.
Ainda hoje é importante prestar maior atenção ao papel que representam as variações nos estoques de matérias-primas, tanto agrícolas como minerais, na determinação da taxa de investimento corrente.
Eu atribuiria a lenta marcha da recuperação de uma depressão, uma
vez alcançado o ponto de reversão, principalmente ao efeito deflacionário da baixa dos estoques redundantes aos seus volumes normais.
A princípio, a acumulação de estoques que marca o fim da expansão
modera a velocidade do colapso; mas temos de pagar mais tarde esse
alívio com a lentidão da marcha subseqüente da recuperação. Sucede,
às vezes, que a recuperação não se faça sentir de maneira apreciável
senão quando a reabsorção dos estoques tenha sido virtualmente concluída, pois um fluxo de investimento em outras direções, bastante
para produzir um movimento ascendente quando não haja desinvestimento atual nos estoques para neutralizá-lo, pode ser inteiramente
inadequado enquanto persistir esse desinvestimento.
Vimos, no meu entender, nas primeiras fases do New Deal americano, um exemplo notável deste fenômeno. Quando o Presidente Roosevelt encetou substanciais despesas cobertas por empréstimos, os estoques de todas as espécies — e notadamente os de produtos agrícolas
— alcançavam ainda um nível muito alto. O New Deal consistiu parcialmente num esforço enérgico para reduzir esses estoques por meio
de restrições à produção e por todos os outros meios. A redução dos
estoques a um nível normal era um processo necessário ou uma fase
que tinha de ser suportada, mas enquanto durou, a saber, por um ou
dois anos, significou substancial anulação dos gastos financiados com
empréstimos que ocorreram em outros tempos. Só quando essa fase
se completou, ficou aberto o caminho para sua recuperação substancial.
A experiência recente dos Estados Unidos da América proporcionou também bons exemplos do papel que as flutuações dos estoques
de produtos acabados ou não acabados — de “inventários”, como é
306
KEYNES
costume chamá-los agora — exercem na causação das oscilações menores que se sobrepõem ao movimento principal do ciclo econômico.
Os fabricantes, quando estabelecem a escala de produção segundo
o volume de consumo que prevêem para alguns meses mais tarde,
sujeitam-se a cometer pequenos erros de cálculo, geralmente no sentido de adiantar-se um pouco aos fatos. Quando eles descobrem o
erro, são obrigados, por algum tempo, a manter-se num nível de
produção inferior ao do consumo corrente, de modo que se produza
a absorção dos inventários excedentes; e a diferença de ritmo entre
adiantar-se um pouco e atrasar outra vez tem demonstrado influir
bastante no fluxo de investimento corrente para se destacar com
bastante nitidez no quadro das excelentes e completas estatísticas
de que agora dispõem os Estados Unidos.
307
CAPÍTULO 23
Notas Sobre o Mercantilismo, as Leis Contra a Usura, o
Dinheiro Carimbado e as Teorias do Subconsumo
I
Durante cerca de duzentos anos, tanto os teóricos da economia
como os homens de negócios foram unânimes em admitir que uma
balança comercial favorável tinha vantagens especiais, e uma balança
desfavorável constituía grave perigo sobretudo quando provocava a saída de metais preciosos. Nos últimos cem anos, porém, surgiu uma
séria divergência de opiniões. Na maioria dos países, quase todos os
estadistas e homens de bom senso, e mesmo na Grã-Bretanha, berço
da concepção oposta, quase a metade deles se manteve fiel à antiga
doutrina, ao passo que os teóricos da economia, em sua maioria, afirmam que as preocupações desta ordem carecem de fundamento, salvo
se adotarmos um ponto de vista muito limitado, visto o mecanismo do
comércio externo ser de ajuste automático e as tentativas para dirigi-lo
serem não apenas fúteis, mas também de natureza a empobrecerem
quem as pratica, por anularem as vantagens da divisão internacional
do trabalho. Será conveniente, de acordo com a tradição, chamar a
velha corrente de opinião de mercantilismo, e a mais recente de livrecomércio, embora estes termos devam interpretar-se com referência ao
contexto, pois cada um deles tem um sentido amplo e outro restrito.
Falando em termos gerais, os economistas modernos sustentam
não só que há, via de regra, um saldo positivo resultante da divisão
internacional do trabalho que se sobrepõe às vantagens que razoavelmente poderia reivindicar a escola mercantilista, mas também que o
raciocínio da escola mercantilista se fundamenta, do princípio ao fim,
numa confusão intelectual.
Marshall,165 por exemplo, embora nem todas as suas referências
165 Ver Industry and Trade. Apêndice D; Money, Credit and Commerce. p. 130; e Principles
of Economics. Apêndice I.
309
OS ECONOMISTAS
ao mercantilismo sejam adversas, abstém-se de examinar como tal a
sua teoria básica e nem sequer menciona os elementos de verdade que
nela podem ser encontrados, conforme examinaremos mais adiante.166
Da mesma forma, as concessões teóricas que os economistas partidários
do livre-comércio concordaram em fazer nas controvérsias contemporâneas sobre, por exemplo, o estímulo às indústrias nascentes ou a
melhoria dos termos do comércio não interessam à própria substância
do pensamento mercantilista. Durante as discussões fiscais do primeiro
quartel deste século, não recordo que nenhuma concessão jamais tenha
sido feita pelos economistas ao princípio de que a proteção pode aumentar o emprego num país. Talvez o mais justo seja citar como exemplo o que eu mesmo escrevi. Ainda em 1923, como discípulo fiel da
escola clássica que de modo algum punha em dúvida o que me havia
sido ensinado e tudo aceitava sem reserva sobre esta matéria, escrevi:
“Se há uma coisa que a Proteção não pode fazer é suprimir
o Desemprego... Existem em favor da Proteção alguns argumentos
baseados em vantagens possíveis, embora improváveis, para os
quais não há resposta fácil. Mas pretender que ela cure o Desemprego implica o sofisma Protecionista em sua forma mais
crua e grosseira”.167
Quanto à teoria mercantilista mais antiga, não se dispunha de
uma interpretação inteligente e fomos levados a acreditar que se tratava
de coisa praticamente sem nenhum sentido. Tal era o domínio soberano
e absoluto que exercia a escola clássica.
II
Desejo expor, em primeiro lugar, o que agora me parece haver
de verdade científica na doutrina mercantilista. Em seguida compararemos essa exposição com os argumentos efetivamente empregados pelos mercantilistas. Deve-se ter presente que as vantagens proclamadas
são confessadamente de caráter nacional e têm pouca probabilidade
de beneficiar o mundo em seu conjunto.
Quando uma nação está aumentando a sua riqueza com certa
rapidez, sucede que em regime de laissez-faire este feliz estado de
coisas pode ser interrompido por insuficiência de estímulo para novos
investimentos. Dados o meio social e político e as características nacionais que determinam a propensão a consumir, o bem-estar de uma
166 Sua opinião sobre os mercantilistas está bem resumida na nota à primeira edição de sua
obra Principles, p. 51: “Numerosos estudos foram dedicados, na Inglaterra e na Alemanha,
às idéias da Idade Média sobre as relações entre a moeda e a riqueza nacional. Em geral,
devem ser considerados confusos por falta de uma idéia clara das funções da moeda, mais
do que julgados falsos por serem baseados na hipótese explícita de que o aumento das
reservas de metais preciosos é a única coisa que pode aumentar a riqueza de uma nação”.
167 The Nation and the Athenaeum. 24 de novembro de 1923 [JMK, v. XVIII].
310
KEYNES
nação progressiva depende essencialmente, pelas razões já expostas,
da suficiência de tais estímulos. Estes podem ser encontrados tanto
nos investimentos internos quanto nos externos (incluindo nos últimos
a acumulação de metais preciosos), que, juntos, compõem o investimento
agregado. Se o volume de investimento agregado apenas obedece ao
motivo de lucro, a taxa de juros nacional é que acaba governando o
volume dos investimentos internos, enquanto o saldo credor da balança
comercial determina, necessariamente, o volume do investimento externo. Assim sendo, numa sociedade onde não exista possibilidade de
inversão direta sob a égide da autoridade pública, os objetivos econômicos que devem legitimamente preocupá-la são a taxa de juros interna
e o balanço do comércio exterior.
Ora, se a unidade de salários for relativamente estável e não
ficar sujeita a variações espontâneas de grande amplitude (condição
esta que quase sempre se satisfaz), se o estado da preferência pela
liquidez apresentar certa estabilidade no decorrer de suas flutuações
a curto prazo e se as práticas bancárias forem, também, bastante estáveis, a taxa de juros tenderá a depender do montante de metais
preciosos, medido em unidades de salários, disponível para satisfazer
o desejo de liquidez da comunidade. Ao mesmo tempo, numa era em
que os empréstimos substanciais no estrangeiro e a propriedade direta
dos bens situados no exterior são dificilmente praticáveis, as altas ou
baixas na quantidade de metais preciosos dependerão, principalmente,
do caráter favorável ou desfavorável da balança comercial.
Ocorre, assim, que a preocupação das autoridades por uma balança comercial favorável serviu a ambos os propósitos, e foi, além
disso, o único meio disponível de promovê-los. Numa época em que
essas autoridades não tinham controle direto sobre a taxa de juros
interna nem sobre os outros estímulos para o investimento nacional,
as medidas para aumentar o saldo favorável da balança comercial eram
o único meio direto de que dispunham para aumentar o investimento
externo; ao mesmo tempo, as entradas de metais preciosos resultantes
de uma balança comercial favorável eram os únicos meios indiretos de
reduzir a taxa de juros interna e aumentar assim o estímulo para
inversões dentro do país.
O êxito de tal política, entretanto, está sujeito a duas limitações
que não devem ser esquecidas. Se a taxa de juros interna descer tanto
que o volume de investimento seja suficientemente estimulado para
elevar o emprego para além do nível crítico no qual a unidade de
salários se eleva, o aumento do nível interior de custos começará a
exercer uma ação desfavorável sobre a balança de comércio externo,
de maneira que o esforço para melhorar esta balança terá ido longe
demais e se anulará a si mesmo. Por seu turno, se a diferença entre
a taxa de juros interna e externa for bastante grande para provocar
empréstimos externos desproporcionados com a balança favorável, pode
311
OS ECONOMISTAS
resultar daí um êxodo de metais preciosos suficiente para anular as
vantagens anteriormente obtidas. O risco de qualquer destas limitações
se tornar realidade, quando se trata de um país grande e de importância
internacional, com produção corrente de metais preciosos em escala
relativamente pequena, é devido ao fluxo de dinheiro para um país e
ao êxodo de dinheiro em outro; os efeitos adversos dos custos crescentes
e das taxas de juros decrescentes no mercado doméstico podem, portanto, acentuar-se (caso a política mercantilista seja amplamente executada) pelos custos decrescentes e as taxas de juros ascendentes no
exterior.
A história econômica da Espanha nos fins do século XV e durante
o século XVI fornece-nos o exemplo de um país cujo comércio externo
foi destruído pela elevação da taxa de salários resultante de uma excessiva abundância de metais preciosos. A Grã-Bretanha, nos anos do
século XX anteriores à Guerra, proporciona-nos o exemplo de um país
onde as excessivas facilidades concedidas aos empréstimos externos e
a compra de propriedades no estrangeiro impediram, freqüentemente,
a queda da taxa doméstica de juros necessária para assegurar o pleno
emprego no país. A história da Índia em todos os tempos fornece o
exemplo de um país empobrecido por uma preferência pela liquidez
motivada por uma paixão tão forte que, apesar de um afluxo enorme
e permanente de metais preciosos, a taxa de juros não pôde baixar a
um nível compatível com o crescimento da riqueza real.
Não obstante isso, se considerarmos uma sociedade com uma
unidade de salário mais ou menos estável e com características nacionais suficientes para determinar a propensão a consumir e a preferência
pela liquidez, e com um sistema monetário que relacione, de maneira
rígida, a quantidade de moeda com os estoques de metais preciosos,
a manutenção da prosperidade exige que as autoridades observem, de
muito perto, o estado da balança comercial, porque uma balança favorável, desde que não excessiva, pode ser um grande estímulo, ao
passo que uma balança desfavorável pode levar rapidamente a um
estado de depressão persistente.
Isto não significa que uma restrição máxima das importações
conduza a uma balança comercial mais favorável. Os primeiros mercantilistas enfatizaram muito este ponto, e muitas vezes chegaram a
opor as restrições comerciais porque com o tempo essas restrições viriam
a obstar uma balança favorável. Pode-se, sem dúvida, argumentar que
nas circunstâncias especiais em que se achava a Grã-Bretanha nos
meados do século XIX, a liberdade comercial quase absoluta era a
política mais adequada a levar a uma balança favorável. A experiência
contemporânea de restrições comerciais na Europa de pós-guerra oferece numerosos exemplos de impedimentos mal concebidos contra a
liberdade que, destinados a melhorar a balança favorável, produziram,
de fato, o resultado inverso.
312
KEYNES
Por estas e outras razões, o leitor não deve tirar conclusões prematuras relativamente à política prática a que conduz o nosso raciocínio. Há fortes presunções de caráter geral contra as restrições comerciais, a menos que elas possam ser justificadas por razões especiais.
As vantagens da divisão internacional do trabalho são reais e substanciais, apesar de a escola clássica as ter exagerado enormemente.
O fato de uma vantagem proporcionada a um país por uma balança
favorável acarretar um prejuízo igual causado a outro país (fato de
que os mercantilistas tinham plena consciência) não significa apenas
que se torna necessária uma grande moderação para que nenhum país
retenha um estoque de metais preciosos superior à sua parte legítima
e razoável, mas também que uma política imoderada pode desencadear
uma absurda competição internacional por uma balança favorável nociva para todos sem exceção.168 E, finalmente, a política de restrições
comerciais é um instrumento perigoso mesmo quando utilizado para
os seus objetivos ostensivos, visto que os interesses particulares, a
incompetência administrativa e a dificuldade intrínseca da tarefa podem desviá-la e levá-la a produzir resultados diretamente opostos aos
pretendidos.
Assim sendo, o peso de minha crítica é dirigido contra a inadequação das bases teóricas da doutrina do laissez-faire, que me foi ensinada e que eu ensinei durante muitos anos; contra a idéia de que a
taxa de juros e o volume de investimentos se ajustam automaticamente
ao nível ótimo, de modo que toda a preocupação com a balança comercial
seja uma perda de tempo, pois nós, professores de Economia, nos
tornamos culpados do presunçoso erro de considerar obsessão pueril
o que durante séculos foi o objetivo principal da arte prática de
governar.
Sob a influência desta teoria falha, a “City” de Londres gradualmente desenvolveu a técnica mais perigosa que se possa imaginar para
a manutenção do equilíbrio, ou seja, a de associar a técnica da taxa
bancária com uma paridade rígida do câmbio. Isto significou que o
objetivo de manter uma taxa interna de juros compatível com o pleno
emprego foi totalmente excluído. Em se considerando que não era possível, na prática, ignorar o balanço de pagamentos, forjou-se um meio
para o dirigir que em vez de preservar a taxa doméstica de juros o
abandonou à ação de forças cegas. Nos últimos anos os banqueiros de
Londres aprenderam muito e quase se pode ter certeza de que a técnica
da taxa bancária não será novamente usada na Grã-Bretanha para
proteger a balança externa, em circunstâncias em que seja possível
causar o desemprego no país.
168 O remédio constituído por uma taxa de salários elástica, permitindo combater a depressão
por uma baixa dos salários, apresenta, pela mesma razão, o inconveniente de só nos beneficiar
à custa de nossos vizinhos.
313
OS ECONOMISTAS
Considerada uma teoria da empresa individual e da distribuição
do produto resultante do emprego de um volume de recursos, a teoria
clássica forneceu ao pensamento econômico uma contribuição que não
se pode negar. É impossível ter idéias claras sobre este assunto sem
considerar teoria como parte do nosso mecanismo mental. Não quero
dar a impressão de que estou negando a mesma quando chamo a atenção para a omissão que ela cometeu ignorando a parte de verdade
contida nas teorias anteriores. Todavia, como contribuição para a arte
prática de governar, que se preocupa com o sistema econômico em
conjunto e tenta empregar ao máximo a totalidade dos recursos deste
sistema, os métodos dos pioneiros do pensamento econômico dos séculos
XVI e XVII podem ter captado certos fragmentos de sabedoria prática
que as abstrações irreais de Ricardo começaram por esquecer para
depois obliterar. Havia sabedoria em sua intensa preocupação de manter reduzida a taxa de juros por meio de leis de usura (às quais voltaremos para novas considerações mais adiante neste capítulo), defendendo o estoque doméstico de moeda e desestimulando a alta da taxa
de salários, assim como na sua predisposição para restaurar, como
único recurso, os estoques de moeda por meio da desvalorização, quando
se tinham tornado francamente deficientes graças a uma drenagem
irresistível para o exterior, à elevação da taxa de salários169 ou a qualquer outra coisa.
III
É possível que os primeiros precursores do pensamento econômico
tenham adotado suas máximas de sabedoria prática sem estar muito
cientes das bases teóricas em que elas repousavam. Examinemos, rapidamente, os motivos que eles deram, assim como o que recomendaram.
Isto nos é facilitado fazendo referência à grande obra do professor Heckscher sobre o Mercantilismo, na qual, pela primeira vez, as características
especiais do pensamento econômico durante dois séculos são colocadas ao
alcance do leitor comum de Economia. As citações que se seguem foram,
em sua maior parte, tiradas das páginas desse livro.170
(1) O pensamento mercantilista nunca supôs que houvesse uma
169 A experiência, que remonta pelo menos ao tempo de Sólon e que provavelmente poderia
recuar ainda a muitos séculos se dispuséssemos de estatísticas, indica-nos o que o conhecimento da natureza humana nos levaria a esperar, ou seja, que há uma tendência constante
da taxa de salários para a alta, através de longos períodos, que somente pode ser reduzida
em pleno declínio e dissolução das sociedades econômicas. Assim sendo, por motivos inteiramente independentes do progresso técnico e do aumento da população, é indispensável
que o estoque monetário aumente gradualmente.
170 Elas vão perfeitamente se adequar à minha proposição porque o próprio prof. Heckscher
e, em termos gerais, partidários da teoria clássica, simpatizam com as teorias mercantilistas
bem menos do que eu. Não há, portanto, risco algum de que a escolha das citações tenha
sido preconcebida, com o desejo de mostrar sua sabedoria.
314
KEYNES
tendência para o ajuste automático através do qual a taxa de juros se
fixasse ao nível apropriado. Pelo contrário, enfatizou que uma taxa
indevidamente alta era o maior obstáculo ao desenvolvimento da riqueza; e os mercantilistas haviam também compreendido que a taxa
de juros dependia da preferência pela liquidez e da quantidade de
moeda. Eles se empenharam, ao mesmo tempo, em diminuir a preferência pela liquidez e aumentar a quantidade de moeda, e muitos deles
declararam que a sua preocupação em aumentar a quantidade de moeda
era devida ao desejo de fazerem baixar a taxa de juros. O professor
Heckscher resume este aspecto de sua teoria da maneira seguinte:
“A posição dos mercantilistas mais perspicazes era neste ponto,
como em tantos outros, perfeitamente clara dentro de certos limites. Para eles, o dinheiro era — empregando a terminologia
atual — um fator de produção equiparado à terra, às vezes qualificado de riqueza ‘artificial’ para o distinguir da ‘natural’, e o
juro do capital era um pagamento pelo uso do dinheiro, semelhante à renda do solo. À medida que os mercantilistas se esforçavam por encontrar razões objetivas para a elevação da taxa
de juros — o que fizeram cada vez mais no decorrer desse período
— basearam essas razões no volume total da quantidade de moeda. Do abundante material disponível, apenas os exemplos mais
típicos serão escolhidos para demonstrar antes de mais nada
quanto essa idéia tinha raízes profundas e era alheia a qualquer
consideração prática.
“Ambos os protagonistas da polêmica que se deflagrou na Inglaterra a respeito da política monetária e do comércio das Índias
Orientais, no início da década de 1620, estavam plenamente de
acordo nesse ponto. Gerard Malynes afirmava, baseando-se numa
argumentação minuciosa, que ‘a abundância de dinheiro diminui
a usura dos preços e das taxas’ (Lex Mercatoria e Maintenance
of Free Trade, 1622). Seu truculento e pouco escrupuloso adversário, Edward Misselden, replicava que ‘o remédio para a Usura
pode residir na abundância de dinheiro’ (Free Trade or the Meanes
to make Trade Florish, do mesmo ano.) Entre os escritores notáveis meio século mais tarde, Child, onipotente dirigente e o
mais hábil advogado da Companhia das Índias Orientais, discutiu
(1688) a questão da medida em que a limitação legal da taxa de
juros, que ele reclamava com insistência, contribuiria para expulsar da Inglaterra ‘o dinheiro’ dos holandeses. Ele encontrou
o remédio para esta grave desvantagem no expediente mais fácil
da transferência dos títulos de dívida quando eram usados à
guisa de dinheiro, pois isso, dizia ele, ‘poderia certamente suprir
uma boa metade do numerário disponível utilizado no país’. Petty,
315
OS ECONOMISTAS
um outro autor, situado inteiramente à margem dos interesses
em conflito, achava-se de acordo com o resto dos autores para
explicar pelo aumento do estoque monetário a baixa ‘natural’ do
juro de 10 para 6% (Political Arithmetick, 1676) e para aconselhar
o empréstimo a juros como remédio adequado para um país com
excessiva abundância de ‘moeda corrente’ (Quantulumcumque
concerning Money, 1682).
“Esta maneira de pensar não era, como se poderia esperar,
restrita à Inglaterra. Alguns anos depois (1701 e 1706), os
negociantes e estadistas franceses, por exemplo, queixavam-se
da ‘escassez de moeda’ (disette des espèces) existente, como
sendo a causa da elevação da taxa de juros; e esforçavam-se
por fazer baixar essa taxa de usura aumentando a circulação
da moeda.”171
O grande Locke foi talvez o primeiro a expressar em termos
abstratos a relação existente entre a taxa de juros e a quantidade de
moeda, em sua controvérsia com Petty.172 Opunha-se à proposição de
Petty de uma taxa máxima de juros, sustentando que ela era tão impraticável como a de fixar uma renda máxima para a terra, em se
considerando que
“o Valor natural do Dinheiro, dada a sua aptidão para fornecer
uma Renda anual sob a forma de Juro, depende da relação entre
a quantidade global do Dinheiro circulante no Reino e o Comércio
total do Reino (isto é, a Venda total de todas as mercadorias)”.173
Locke explica que a moeda tem dois valores: (1) o valor de uso, que é
determinado pela taxa de juros “e nisto adquire a Natureza da Terra,
sendo o Rendimento de um chamado Renda e do outro Uso”,174 e (2)
o de troca, “e nisto adquire a Natureza de uma Mercadoria”, sendo
que seu valor de troca “depende unicamente da Abundância ou Escassez
de Moeda em proporção com a Abundância ou Escassez dos produtos
e não do que será Juro”. Destarte, Locke foi o pai de teorias quantitativas gêmeas. Em primeiro lugar, ele afirmou que a taxa de juros
depende da proporção entre a quantidade de moeda (levando em conta
a sua velocidade de circulação) e o valor total das transações. Em
segundo lugar, sustentou que o valor de troca da moeda dependia da
proporção entre a quantidade de moeda e o volume total de bens no
mercado. Porém — com um pé no mundo mercantilista e outro no
171 HECKSCHER. Mercantilism. v. II, pp. 200-201, de forma ligeiramente resumida.
172 Some Considerations of the Consequences of the Lowering of Interest and Raising the Value
of Money, 1692, porém, escrito alguns anos antes.
173 Ele acrescenta: “Não apenas da quantidade de moeda, como também da sua velocidade de
circulação”.
174 Sendo o termo “uso”, naturalmente, a velha forma inglesa para denominar o “juro”.
316
KEYNES
mundo clássico —,175 confundiu-se no que respeita à relação entre estas
duas proporções e desconsiderou completamente a possibilidade das
flutuações na preferência pela liquidez. Contudo, ele mostrou-se ávido
em explicar que a baixa da taxa de juros não tem nenhuma influência
direta sobre o nível dos preços e só os afeta “à medida que as Variações
do Juro Comercial provocam a entrada ou saída de Dinheiro ou Mercadorias, alterando assim, com o tempo, a Proporção antes existente
na Inglaterra”, isto é, se a redução da taxa de juros leva à exportação
de numerário ou a um aumento da produção. Porém, ele nunca chegou,
na minha opinião, a uma síntese genuína.176
A facilidade com que o pensamento mercantilista distinguia entre
a taxa de juros e a eficiência marginal do capital é ilustrada numa
passagem (publicada em 1621) que Locke cita de A Letter to a Friend
concerning Usury:
“O Juro elevado arruína o Comércio. As vantagens do Juro
são maiores que o Lucro do Comércio, o que leva os Comerciantes
ricos a retirar-se colocando seus Haveres a Juros, e os Comerciantes menores à Falência”.
Fortrey (England’s Interest and Improvement, 1663) oferece outro exemplo dessa importância afirmando que uma taxa de juros é um fator
de aumento de riqueza.
Os mercantilistas não ignoravam o fato de que, quando uma preferência excessiva pela liquidez desvia para o entesouramento o influxo
de metais preciosos, a vantagem para a taxa de juros desaparece. Em
alguns casos (por exemplo, Mun), o objetivo de reforçar o poder do
Estado levou-os, não obstante, a advogar a acumulação de um tesouro
governamental. Porém outros opuseram-se francamente a essa política:
“Schötter, por exemplo, empregava os argumentos habituais
175 Hume, alguns anos depois, tinha pé e meio no mundo clássico, pois introduziu entre os
economistas a prática de dar à posição de equilíbrio mais importância do que às situações
sempre cambiantes que a ela conduziam, embora ainda fosse bastante mercantilista para
não ignorar o fato de que a nossa existência real se encontra na transição: “É unicamente
neste intervalo ou situação intermediária entre a aquisição de moeda e uma alta de preços
que o aumento dos estoques de ouro e prata se mostra favorável à indústria. (...) Não
importa absolutamente à prosperidade interna de um Estado que o dinheiro exista em
maior ou menor quantidade. A boa política do magistrado consiste apenas em conservá-lo,
se for possível, ainda em aumento, porque é assim que se mantém o espírito empreendedor
da nação e se aumenta a atividade do trabalho no qual se encontram todo o poderio e
riqueza reais. Uma nação cujo dinheiro diminui é realmente neste momento mais fraca e
miserável do que outra que não possui mais dinheiro, mas que esteja em vias de aumentá-lo”.
(Ensaio On Money, 1752.)
176 Isto serve para mostrar o total esquecimento em que caiu a idéia mercantilista de que o
ouro significa juro sobre o dinheiro (idéia que agora se me afigura indubitavelmente correta),
conforme se expressou o prof. Heckscher, como bom economista clássico, resumindo sua
exposição da teoria de Locke: “O raciocínio de Locke seria irrefutável (...) se o juro fosse
sinônimo do preço do dinheiro emprestado, mas como não é assim, esse raciocínio é inteiramente irrelevante”. (Op. cit., v. II, p. 204.)
317
OS ECONOMISTAS
dos mercantilistas para pintar um sombrio quadro de como a
circulação dentro do país se veria defraudada de todo o dinheiro
em conseqüência de um incremento excessivo de tesouro do Estado (...) e estabelece, também, paralelo perfeitamente lógico entre
a acumulação de tesouros por parte dos mosteiros e a exportação
das sobras de metais preciosos, que eram, para ele, a pior coisa
que se pode imaginar. Davenant discorreu sobre a extrema pobreza de muitas nações orientais — que passam por ter mais
ouro e prata que qualquer outro lugar do mundo — com base
no fato de elas ‘suportarem que esses tesouros ficassem estagnados nas Arcas dos Príncipes’. (...) Sendo o entesouramento do
Estado considerado, na melhor das hipóteses, de utilidade duvidosa, e muitas vezes apresentado como um grave perigo, torna-se
evidente que o entesouramento privado era evitado como a peste.
Foi essa uma das tendências contra as quais numerosos autores
mercantilistas clamaram em altos brados, e não parece que tenha
havido uma única voz discordante”.177
(2) Os mercantilistas estavam cientes do erro que implica a baixa
de preços e do perigo de que uma concorrência exagerada venha a ser
nociva à relação de intercâmbio de um país. Por isso, Malynes escreveu
em sua obra Lex Mercatoria (1622):
“Não procureis, em detrimento da Comunidade, vender mais barato que os outros com o pretexto de aumentar o comércio; pois o
comércio não se desenvolve quando as mercadorias são muito baratas, porque a barateza resulta da módica procura e da escassez
de dinheiro que tornam as coisas baratas; pelo contrário, é quando
existe abundância de dinheiro que as mercadorias sendo procuradas
se tornam mais caras, que o comércio aumenta”.178
O professor Heckscher assim resume esta faceta do pensamento
mercantilista:
“Durante século e meio formulou-se repentinamente este ponto
de vista, dizendo que um país relativamente menos rico que os
outros países é obrigado a ‘vender barato e comprar caro’. (...)
“Esta atitude já se manifestava desde a edição original da
obra Discourse of the Common Weal, ou seja, nos meados do
século XVI, Hales dizia com efeito: ‘E mesmo que os estrangeiros
se limitassem a tomar apenas as nossas mercadorias em troca
das suas, que é que os impediria de fazer subir os preços das
outras coisas (o que significa, entre outras, as que nós lhes com177 HECKSCHER. Op. cit., v. II, pp. 210-211.
178 HECKSCHER. Op. cit., v. II, p. 228.
318
KEYNES
pramos), apesar da barateza das que lhes vendemos? E deste
modo continuaríamos sendo lesados e eles acabariam por sobrepujar-nos, vendendo caro o seu e comprando barato o nosso, e
conseqüentemente enriquecendo-se, enquanto nós nos empobrecemos. Por isso me parece preferível aumentar, como fazemos
agora, o preço das nossas mercadorias à medida que eles aumentam o preço das deles, embora alguns saiam perdendo, não seriam
tantos como aconteceria com outro método’. Neste ponto recebeu
a plena aprovação de seu editor algumas décadas mais tarde
(1581). No século XVII, esta mesma atitude ressurgiu sem apresentar nenhuma mudança no seu significado. Desta maneira, Malynes entendia que esta situação indesejável resultava do que
ele temia acima de tudo, a saber, a subestimação da troca inglesa
no estrangeiro. (...) Este mesmo conceito viu-se repetido continuamente. Em seu Verbum Sapienti (escrito em 1665 e publicado
em 1691), Petty opinava que os violentos esforços para aumentar
a quantidade de moeda só deixariam de ser necessários ‘quando
tivermos certamente mais dinheiro que os nossos Estados Vizinhos (por pequenos que sejam), tanto em proporção Aritmética
como em proporção Geométrica’. No período que decorreu entre
a preparação e a publicação desse livro, Coke declarou: ‘Se o
nosso Tesouro fosse maior que o das nossas Nações Vizinhas,
pouco me importa se tivéssemos uma quinta parte do Tesouro
que temos atualmente’. (1675)”.179
(3) Os mercantilistas deram origem à proposição que atribuía as
causas do desemprego ao “medo dos bens” e à escassez de dinheiro,
proposição esta que dois séculos depois os clássicos denunciaram como
sendo um absurdo:
“Um dos primeiros exemplos da aplicação do argumento do
desemprego para proibir as importações ocorreu em Florença no
ano de 1426. (...) A legislação inglesa nesta matéria remonta pelo
menos a 1455. (...) Um decreto francês quase contemporâneo dessa
de 1466, e que foi a base da indústria da seda em Lyon, tão
famoso mais tarde, oferece menos interesse por não ser dirigido
realmente contra mercadorias estrangeiras. Mas também nele se
mencionava a possibilidade de dar trabalho a dezenas de milhares
de homens e mulheres desempregados. Por aí se vê como nesse
tempo aquela idéia andava no ar. (...)
“Esta questão, como a maioria dos problemas econômicos e
sociais, foi pela primeira vez seriamente discutida na Inglaterra
179 HECKSCHER. Op. cit., v. II, p. 235.
319
OS ECONOMISTAS
nos meados do século XVI ou um pouco antes, nos reinados de
Henrique VIII e Eduardo VI. A tal respeito não podemos deixar
de mencionar uma série de escritos que parecem datar, no máximo, da década de 1530, e dois dos quais, pelo menos, são atribuídos a Clement Armstrong. (...) Neles, por exemplo, o tema é
assim formulado: ‘Em virtude da grande abundância de gêneros
e mercadorias introduzidos anualmente na Inglaterra, verificouse como causa não apenas a escassez da moeda como ainda a
ruína de todos os ofícios em que a grande massa do povo poderia
encontrar trabalho e tirar dele o dinheiro para pagar a comida
e a bebida em vez de ficar reduzida como hoje a viver na ociosidade, a mendigar e a roubar’.180
“O melhor exemplo que conheço de uma discussão tipicamente
mercantilista em torno desta situação é o debate relativo à escassez da moeda que se verificou na Câmara dos Comuns inglesa
em 1621, por ocasião de uma grave crise especialmente nas exportações de tecidos. A situação foi exposta com a maior clareza
por um dos membros mais influentes do Parlamento, Sir Edwin
Sandys. Ele declarou que os agricultores e artesãos atravessavam
uma situação difícil em quase toda a parte, que os teares estavam
parados por falta de dinheiro no país, e que os camponeses se
achavam na impossibilidade de cumprir seus contratos, ‘não (louvado seja Deus) por falta dos frutos da terra, mas por falta de
dinheiro’. O fato levou a minuciosas investigações no sentido de
averiguar para onde teria ido o dinheiro cuja escassez se fazia
sentir tão amarguradamente. Numerosos ataques foram dirigidos
às pessoas suspeitas de terem contribuído para a exportação dos
metais preciosos (saldo de exportação) ou para seu desaparecimento por meio de operações correspondentes dentro do país”.181
Os mercantilistas estavam cientes de que sua política, conforme
a expressão do professor Heckscher,
“matava dois coelhos com uma cajadada”. “De um lado, livrara-se
o país de um indesejável excedente de mercadorias, que se acreditava ser a causa do desemprego, e do outro, aumentava-se o
estoque de dinheiro existente”,182
o que resultava na vantagem de fazer baixar a taxa de juros.
É impossível estudar as idéias a que foram arrastados os mercantilistas pelas suas experiências concretas, sem perceber que a propensão a economizar apresenta uma tendência crônica, ao longo de
180 HECKSCHER. Op. cit., v. II, p. 122.
181 HECKSCHER. Op. cit., v. II, p. 223.
182 HECKSCHER. Op. cit., v. II, p. 178.
320
KEYNES
toda a história da humanidade, a ser maior que o incentivo a investir.
A fraqueza da propensão a investir tem sido, em todos os tempos, a
chave do problema econômico. É possível que hoje a explicação dessa
fraqueza esteja na importância dos capitais acumulados, ao passo que
antigamente os riscos e perigos de toda a espécie talvez tenham representado um papel mais importante. Porém, o resultado é o mesmo.
O desejo do indivíduo de aumentar sua fortuna pessoal, abstendo-se
de consumir, tem sido geralmente mais forte que a tendência do empresário para aumentar a riqueza nacional empregando mão-de-obra
na produção de bens duráveis.
(4) Os mercantilistas não tinham a menor ilusão a respeito do
caráter nacionalista de sua política e de sua tendência a promover a
guerra. Era a vantagem nacional e a força relativa que abertamente
procuravam.183
Podemos criticar-lhes a aparente indiferença com que aceitavam
esta conseqüência inevitável de um sistema monetário internacional.
Mas intelectualmente seu realismo é muito preferível às idéias confusas
dos contemporâneos que advogam um padrão-ouro internacional fixo
e o laissez-faire em matéria de crédito internacional, que acreditam ser
justamente estas políticas as mais favoráveis à manutenção da paz.
Porque, numa economia sujeita a contratos e costumes monetários
mais ou menos fixos por um período de tempo apreciável, na qual a
moeda em circulação e a taxa de juros interna dependem, principalmente, do balanço de pagamentos, como era o caso da Grã-Bretanha
antes da Guerra, as autoridades não dispõem de meios ortodoxos para
combater o desemprego no país, a não ser por um excesso de exportação
e uma importação de metal monetário à custa de seus vizinhos. Nunca
a história registrou método mais eficaz que o padrão-ouro internacional
(ou antigamente o da prata) para que um país obtenha alguma vantagem sobre seus vizinhos. Pois ele fez com que a prosperidade interna
dependesse diretamente do resultado de uma luta pela posse dos mercados e pela competição acirrada por metais preciosos. Quando, por
um feliz acaso, as novas provisões de ouro e prata eram comparativamente abundantes, a luta podia arrefecer-se um pouco. Mas com o
incremento da riqueza e a diminuição da propensão marginal a consumir, tendeu a ser cada vez mais destrutivo para ambos os lados. O
papel desempenhado pelos economistas ortodoxos, cujo senso comum
não bastou para equilibrar a sua lógica deficiente, foi desastroso até
183 "Inteiramente, o mercantilismo perseguia fins amplamente dinâmicos. Porém esta concepção
conjugava-se com uma idéia estática quanto à economia mundial em sua totalidade, pois
a isto se deve a criação do desacordo fundamental que motivou as intermináveis guerras
comerciais. (...) Tal foi o drama do mercantilismo. A Idade Média com seu ideal universal
estático e o laissez-faire com seu ideal universal dinâmico evitaram esta conseqüência."
(HECKSCHER. Op. cit., v. II, pp. 25-26.)
321
OS ECONOMISTAS
o fim. Pois quando alguns países, no seu cego esforço para encontrar
uma forma de evasão, renegaram as obrigações que, anteriormente,
impossibilitaram a existência de uma taxa de juros autônoma, esses
economistas ensinaram que a restauração das antigas algemas era o
primeiro passo necessário para a recuperação geral.
Na realidade, o oposto é que é verdadeiro. Uma política de
taxas de juros autônomas, isenta de qualquer preocupação internacional, e de um programa de investimentos domésticos com vista
ao nível máximo de emprego interno, é duplamente salutar no sentido de que nos ajuda ao mesmo tempo a nós e a nossos vizinhos.
E é a busca simultânea destas duas políticas em todos os países
que pode restaurar, internacionalmente, a estabilidade e a força
econômicas, quer as meçamos pelo nível de emprego interno quer
pelo volume de comércio internacional.184
IV
Os mercantilistas perceberam a existência do problema, porém não
foram capazes de levar a sua análise até o ponto de resolvê-lo. Mas a
escola clássica ignorou este problema, por ter introduzido em suas premissas condições incompatíveis com sua existência, cujo resultado foi o
afastamento das conclusões da teoria econômica e as do bom senso. A
extraordinária realização da teoria clássica foi sobrepor-se às crenças do
“homem natural”, e ao mesmo tempo estar equivocada. O professor Heckscher expressou-se sobre o assunto da seguinte maneira:
“O fato de as idéias subjacentes relativas à moeda e à sua
substância não terem variado desde as Cruzadas até o século
XVIII prova que estamos diante de idéias fortemente enraizadas.
Talvez mesmo essas idéias tenham persistido além do referido
período de quinhentos anos, embora com muito menos força que
a idéia do ‘medo às mercadorias’. (...) Excetuando o período do
laissez-faire, talvez nenhuma outra época tenha escapado a essas
idéias. Só a tenacidade verdadeiramente singular do laissez-faire
pôde sobrepujar, por algum tempo, as crenças do ‘homem natural’
nesse ponto.185
“Foi preciso todo o fanatismo doutrinário do laissez-faire para
eliminar a idéia do ‘medo às mercadorias’. (...) [que] é, na economia
monetária, a atitude mais compreensível do ‘homem natural’. O
Livre-comércio negava a existência de fatores que pareciam evidentes, e estava condenado ao descrédito na opinião do homem
184 A consistente apreciação desta verdade pelo International Labour Office, primeiro no tempo
de Albert Thomas e depois no de H. B. Butler, destacou-se de maneira notável entre as
declarações publicadas pelos numerosos organismos internacionais de pós-guerra.
185 HECKSCHER. Op. cit., v. II, pp. 176-177.
322
KEYNES
da rua a partir do momento em que o laissez-faire não mais fosse
capaz de manter os espíritos acorrentados à sua ideologia”.186
Recordo a mistura de irritação e de perplexidade que se apoderava
de Bonar Law perante os economistas, pelo fato de negarem o que era
óbvio. Ele se mostrava ávido por uma explicação. Recorre-se à analogia
entre o poder da escola clássica e o de certas religiões, pois é a maior
prova da força de uma idéia esconjurar a evidência do que introduzir
nas idéias comuns do homem o recôndito e o remoto.
V
Resta um assunto relacionado com isto, embora diferente, que
durante séculos, talvez mesmo por milênios, ilustrou a opinião tida
como certa e evidente de uma doutrina que a escola clássica repudiou
como pueril, mas que merece reabilitação e honras. Refiro-me à
doutrina de que a taxa de juros não se ajusta por si mesma ao nível
mais adequado ao ótimo social, antes tende constantemente a elevar-se demais, de tal modo que um governo prudente procura restringi-la pela legislação e pelo costume, e até mesmo invocando as
sanções da lei moral.
As disposições contra a usura encontram-se entre as práticas
econômicas mais antigas de que temos memória. Na Antiguidade e na
Idade Média, considerava-se a liquidação do estímulo para investir sob
o efeito de uma excessiva preferência pela liquidez como o maior dos
males, constituindo o principal obstáculo ao desenvolvimento da riqueza. O que era natural, já que certos riscos e azares da vida econômica
reduzem a eficiência marginal do capital, ao passo que outros reforçam
a preferência pela liquidez. Em um mundo que ninguém considerava
seguro, era quase inevitável que a taxa de juros, se não fosse reduzida
por todos os meios de que a sociedade dispunha, subisse demais para
tornar possível um atrativo adequado para investir.
Eu fui educado na crença de que a atitude da Igreja na Idade
Média para com a taxa de juros era inerentemente absurda e que os
sutis argumentos visando distinguir entre o rendimento dos empréstimos monetários e a renda dos investimentos ativos não passavam
de recursos jesuísticos para encontrar uma saída prática para uma
teoria insensata. Hoje, entretanto, esses argumentos parecem-me um
esforço intelectual honesto para conservar separado o que a teoria clássica misturou de modo inextrincavelmente confuso, a saber, a taxa de
juros e a eficiência marginal do capital. Agora vê-se claramente que
as indagações dos escolásticos se destinavam a encontrar uma fórmula
que permitisse à curva da eficiência marginal do capital ser elevada,
186 Op. cit., v. II, p. 335.
323
OS ECONOMISTAS
ao mesmo tempo que aplicavam os regulamentos, os costumes e a lei
moral para manter uma taxa de juros baixa.
O próprio Adam Smith mostrou-se enormemente moderado na
sua atitude com relação às leis contra a usura. Ele bem sabia que as
poupanças individuais podem ser absorvidas tanto pelos investimentos
como pelas dívidas, e que não há certeza de encontrar saída nos primeiros. Além disso, ele foi a favor de uma baixa da taxa de juros, pelo
fato de aumentar a possibilidade de uma saída para a poupança em
novos investimentos, em vez de encontrá-la nas dívidas; por essa razão,
numa passagem que lhe valeu ser severamente criticado por Bentham,187 recomenda uma aplicação moderada das leis contra a usura.188
Ademais, as críticas de Bentham incidiam, principalmente, sobre o
rigor excessivo com que a prudência escocesa de Adam Smith abordava
os “precursores” e sobre o fato de que uma taxa de juros máxima pouca
margem deixaria para remunerar os riscos legítimos e socialmente
recomendáveis. Bentham entendeu por precursores “todas as pessoas
que, perseguindo a riqueza ou mesmo qualquer outro objetivo, se esforçam, com a ajuda da riqueza, por abrir novos caminhos à invenção
(...) todas as pessoas que, seguindo qualquer dos seus propósitos, tentam
realizar o que pode ser chamado de aperfeiçoamento. (...) Trata-se, em
resumo, de toda a aplicação das forças humanas nas quais o engenho
tem de recorrer à ajuda da riqueza”. Naturalmente, Bentham protesta
com razão contra as leis que impedem correr os riscos legítimos. “Nestas
condições”, acrescenta Bentham, “nenhum homem prudente procurará
escolher entre os bons e os maus projetos porque não se envolverá em
projeto algum”.189
Pode-se perguntar se o que ficou dito corresponde exatamente à
idéia que Adam Smith quis dar ao termo. Ou será que estamos ouvindo
em Bentham (embora escrevendo em março de 1787 de “Crichoff in
White Russia”) a voz da Inglaterra do século XIX falando à do século
XVIII? Isso porque, única e exclusivamente, a exuberância que caracterizou a época culminante do atrativo para investir poderia esquecer
a possibilidade teórica de sua insuficiência.
VI
Convém mencionar, neste ponto, o estranho e injustificadamente
esquecido profeta Silvio Gesell (1862-1930), cuja obra contém centelhas
187 Em sua Letter to Adam Smith, em apêndice a sua Defence of Usury.
188 Wealth of Nations. Livro Segundo. Cap. IV.
189 Visto que comecei a citar Bentham neste contexto, devo recordar ao leitor sua melhor
passagem: “A carreira da arte, a grande senda por onde caminham os precursores, pode
considerar-se uma vasta e talvez limitada planície, toda coberta de abismos como aquele
pelo qual foi engolido Cúrsio. Cada um reclama que uma vítima humana nele se precipite
antes de fechar-se, mas, quando se fecha, é para não mais abrir, e deste modo grande
parte do caminho fica seguro para os que prosseguem”.
324
KEYNES
de profunda percepção e esteve a ponto de alcançar a essência do problema. Durante os anos do pós-guerra, seus admiradores me bombardearam com exemplares de seus livros; contudo, por causa de certos
defeitos palpáveis de argumentação, fui completamente incapaz de descobrir-lhes os méritos. Como freqüentemente acontece nos casos de
intuições imperfeitamente analisadas, seu significado só se me tornou
claro quando cheguei, por meus próprios meios, a minhas próprias
conclusões. Nesse intervalo pareceu-me, como a outros economistas
acadêmicos, que os seus esforços profundamente originais pouco maior
atenção mereciam que a obra de um demente. Como é provável que
poucos leitores deste livro tenham bastante consciência sobre a importância de Gesell, dedicar-lhe-ei um espaço que de outro modo pareceria
exagerado.
Gesell foi um próspero comerciante alemão190 de Buenos Aires
levado ao estudo dos problemas monetários pela crise dos últimos anos
da década de 1880, que na Argentina foi especialmente violenta; seu
primeiro trabalho, Die Reformation im Münzwesen als Brücke zum
socialen Staat, foi publicado em Buenos Aires em 1891. Suas idéias
fundamentais sobre a moeda foram publicadas em Buenos Aires no
mesmo ano com o título de Nervus Rerum, a que se seguiram muitos
livros e folhetos, até que ele se aposentou e foi para a Suíça em 1906
como homem de certas posses, capaz de dedicar as últimas décadas
de sua existência às duas ocupações mais agradáveis para quem não
precisa ganhar a vida: ser autor e agricultor experimental.
A primeira parte de sua obra básica foi publicada, em 1906, em
Les Hauts Geneveys, Suíça, com o título Die Verwirklichung des Rechtes
auf dem vollen Arbeitsertrag e a segunda, Die neue Lehre vom Zins,
em 1911, em Berlim. Ambas foram reunidas em um só volume, publicado em Berlim e na Suíça durante a Guerra (1916), tendo alcançado
seis edições em vida do autor com o título de Die natürliche Wirtschaftsordnung durch Freiland und Freigeld; a tradução inglesa (feita
por Philip Pye) recebeu o título The Natural Economic Order. Em abril
de 1919, Gesell participou do efêmero gabinete soviético da Baviera
como ministro da Fazenda, tendo sido posteriormente julgado por um
conselho de guerra. Passou seus últimos dez anos de vida em Berlim
e na Suíça entregue à propaganda. Gesell, atraindo para si o fervor
quase religioso que antes cercara Henry George, tornou-se o profeta
venerado de um culto com muitos milhares de discípulos em todo o
mundo. O primeiro congresso internacional da Freiland-Freigeld Bund
Suíça e alemã e de organizações análogas de muitos países celebrou-se
em Basiléia em 1923. Após sua morte, em 1930, grande parte do fervor
típico que suscitam doutrinas como as suas desviou-se para outros
190 Nascido perto da fronteira de Luxemburgo, de pai alemão e mãe francesa.
325
OS ECONOMISTAS
profetas (menos eminentes na minha opinião). O Dr. Büchi é o chefe
do movimento na Inglaterra, mas as publicações parecem provir de
San Antonio, Texas; sua maior força parece estar hoje nos Estados
Unidos, onde o professor Irving Fisher é o único entre os economistas
dos círculos acadêmicos que lhe reconheceu a importância.
Apesar da pompa profética com que o ornaram seus admiradores,
o livro mais importante de Gesell foi escrito em linguagem serena e
científica, embora esteja impregnado, do princípio ao fim, de uma devoção apaixonada e emotiva pela justiça social que alguns consideram
excessiva num cientista. A parte que deriva de Henry George191 que,
sem dúvida, muito contribuiu para a força do movimento é, em geral,
de interesse secundário. Pode-se dizer que o intuito do livro, como um
todo, é o estabelecimento de um socialismo antimarxista, uma reação
contra o laissez-faire empregando bases teóricas inteiramente diferentes
das de Marx, visto que mais se apóiam no repúdio do que na aceitação
das hipóteses clássicas, e a liberação da concorrência em vez de sua
abolição. Creio que o futuro terá mais a aprender do espírito de Gesell
que do de Marx. O leitor que consultar o prefácio de The Natural
Economic Order poderá apreciar o valor moral de Gesell. É nesse prefácio, no meu entender, que se pode encontrar a resposta ao marxismo.
A contribuição específica de Gesell para a teoria da moeda e do
juro é a seguinte: em primeiro lugar, ele distingue claramente a taxa
de juros da eficiência marginal do capital, e afirma ser a taxa de juros
a que marca um limite ao crescimento do capital real. Mostra, depois,
que a taxa de juros é um fenômeno puramente monetário; que a peculiaridade da moeda, da qual emana a importância da taxa monetária
de juros, reside no fato de sua posse, como meio de acumular riqueza,
impor a quem a tem despesas de manutenção desprezíveis; e que riquezas comportando despesas de manutenção apreciáveis, como os estoques de mercadorias, dão de fato um rendimento que se deve ao
padrão estabelecido pela moeda. Cita a comparativa estabilidade da
taxa de juros através dos tempos como prova de que ela não pode
depender de fatores puramente físicos, porque as variações destes últimos, de uma época para outra, devem ter sido incalculavelmente
maiores do que as observadas na taxa de juros; isso quer dizer (na
minha terminologia) que a taxa de juros, que depende de fatores psicológicos constantes, permaneceu estável, ao passo que os fatores mais
instáveis, que primordialmente atuam sobre a curva da eficiência marginal do capital, não fixaram aquela taxa, mas a proporção segundo
a qual a taxa de juros (mais ou menos) dada permite aumentar os
estoques de capital real.
Há, porém, um grande defeito na teoria de Gesell. Ele demonstra
191 Gesell diverge de George ao recomendar o pagamento de indenizações em caso de nacionalização da terra.
326
KEYNES
que é unicamente por existir uma taxa monetária de juros que se pode
obter um rendimento do empréstimo de estoques de mercadorias. Seu
diálogo entre Robinson Crusoé e um estrangeiro192 é uma excelente
parábola econômica — tão boa como qualquer das que se escreveram
— para evidenciar este ponto. Porém, tendo exposto as razões pelas
quais a taxa monetária de juros, ao contrário da maioria das taxas de
juros de mercadorias, não pode ser negativa, esquece por completo a
necessidade de explicar por que a taxa monetária de juros é positiva,
e não consegue demonstrar que não é o nível fixado pelo rendimento
do capital produtivo que governa a taxa monetária de juros (como
sustenta a escola clássica). Isso porque a noção de preferência pela
liquidez escapou-lhe. Ele formulou apenas pela metade uma teoria da
taxa de juros.
O caráter incompleto de sua teoria explica-se, sem dúvida, pelo
fato de sua obra ter sido ignorada pelos meios acadêmicos. Contudo,
ele aprofundou-a suficientemente para levá-la a uma recomendação
prática que talvez contenha a essência das soluções necessárias, embora
não aplicável na forma que ele propôs. Sustenta que o crescimento do
capital real é contido pela taxa monetária de juros, e que, se esse
obstáculo fosse eliminado, esse crescimento no mundo moderno seria
tão rápido que decerto justificaria uma taxa de juros igual a zero, se
não imediatamente, pelo menos num prazo relativamente curto. Desse
modo, a necessidade primordial consiste em reduzir a taxa monetária
de juros, e isso, conforme ele indicou, pode conseguir-se obrigando o
dinheiro a suportar despesas de manutenção iguais às que incidem
sobre outros estoques de bens improdutivos. Isto levou-o à famosa prescrição da “moeda carimbada”, a que está associado sobretudo o seu
nome, e que recebeu o beneplácito do professor Irving Fisher. De acordo
com sua proposta, as notas em circulação (e é claro que pelo menos
certas formas de moeda bancária deveriam ser submetidas a esse regime) somente conservariam o seu valor se fossem carimbadas todos
os meses, como um cartão de seguro, com estampilhas adquiridas em
repartições como as do correio. O custo dessas estampilhas seria fixado,
naturalmente, em dada cifra conveniente. De acordo com a minha teoria, esse prêmio deveria ser aproximadamente igual ao excedente da
taxa monetária de juros (excluindo-se as estampilhas) sobre a eficiência
marginal do capital correspondente ao fluxo de investimentos novos
compatível com o pleno emprego. O ônus sugerido por Gesell era de
1 por mil semanal, equivalente a 5,2% ao ano. Isso seria demasiado
alto nas condições atuais, mas a cifra correta, que deveria ser modificada de tempos a tempos, só se alcançaria por tentativas e erros.
A idéia em que se baseia a moeda carimbada é válida. É possível
192 The Natural Economic Order. p. 297 et seqs.
327
OS ECONOMISTAS
encontrar meios de aplicá-la em escala restrita. Ela, porém, apresenta
numerosas dificuldades que Gesell não considerou. Em particular, ele
não percebeu que o dinheiro não é o único bem com propriedade de
levar consigo um prêmio de liquidez, que apenas difere em grau de
muitos outros, tirando sua importância do fato de possuir um prêmio
de liquidez maior que qualquer outro. Destarte, se as notas em circulação viessem a ser isentas do dito prêmio de liquidez pelo sistema de
carimbo, diversos tipos de sucedâneos viriam tomar-lhes o lugar —
moeda bancária, títulos à vista, moeda estrangeira, pedras e metais
preciosos e assim por diante. Como disse antes, houve épocas em que,
sem dúvida, o desejo de possuir terra, independentemente de seu rendimento, contribuiu para manter elevada a taxa de juros — embora,
no sistema de Gesell, essa possibilidade fosse eliminada pela nacionalização da terra.
VII
As teorias que examinamos antes referem-se, em substância, ao
elemento constitutivo da demanda efetiva que depende da suficiência
do atrativo para investir. Não é novidade, entretanto, atribuir o desemprego à insuficiência do outro elemento, ou seja, à insuficiência da
propensão a consumir. Mas esta outra explicação dos males econômicos
atuais — igualmente impopulares com os economistas clássicos — representou um papel bem menos importante no pensamento dos séculos
XVI e XVII, e só adquiriu força em épocas relativamente recentes.
Embora as queixas contra o subconsumo fossem um aspecto bastante secundário do pensamento mercantilista, o professor Heckscher
cita numerosos exemplos do que chama a “arraigada crença na utilidade
do luxo e na nocividade da parcimônia. A parcimônia, de fato, era
considerada a causa do desemprego por duas razões: primeira, por se
julgar que a quantidade de moeda que não entrava na troca diminuía
a renda real e, segunda, por se achar que a poupança retirava dinheiro
de circulação”.193 Em 1598 Laffemas (Les Trésors et Richesses pour
Mettre l’Estat en Splendeur) combateu os adversários do uso de sedas
francesas, afirmando que os compradores de artigos de luxo franceses
proporcionavam aos pobres meios de subsistência, ao passo que os
avarentos os faziam morrer de miséria.194 Em 1662, Petty justificava
“as festas, os espetáculos de gala, os arcos do triunfo etc.”, alegando
que os seus custos entravam nos bolsos dos cervejeiros, padeiros, alfaiates, sapateiros e outros. Fortrey aprovava o “excesso de indumentária”. Von Schrötter (1686) atacou os regulamentos suntuários e declarou desejar que houvesse ainda mais fausto nas roupas e nos outros
193 HECKSCHER. Op. cit., v. II, p. 208.
194 Op. cit., v. II, p. 290.
328
KEYNES
elementos de ostentação. Barbon (1690) escreveu que a “Prodigalidade
é um vício prejudicial ao Homem, mas não aos negócios... a Avareza,
um Vício prejudicial tanto ao Homem como aos Negócios”.195 Em 1695,
Cary afirmou que, se toda gente gastasse mais, todos obteriam maiores
rendimentos e “poderiam viver com mais abundância”.196
Mas foi a Fable of the Bees de Bernard Mandeville que mais
contribuiu para vulgarizar a opinião de Barbon, sendo este livro declarado subversivo pelo grande júri de Middlesex, em 1723, e a sua
escandalosa reputação marca-lhe um lugar na história das ciências
morais. Registra-se que apenas um homem teve palavras de elogio a
seu respeito, ou seja, o dr. Johnson, o qual reconheceu que a obra,
longe de o estarrecer, “lhe abrira enormemente os olhos para a vida
real”. A natureza da malignidade do livro pode ser melhor apreciada
no resumo de Leslie Stephen no Dictionary of National Biography:
“Mandeville cometeu uma grande ofensa com este livro, no
qual um cínico sistema de moralidade se torna atraente por meio
de engenhosos paradoxos... Sua doutrina de que os gastos contribuem mais para a prosperidade do que a poupança coincidia
com muitos sofismas econômicos em curso nessa época e que
ainda não desapareceram inteiramente.197 Supondo, com os ascetas, que os desejos humanos são essencialmente maus e, portanto, dão origem a ‘vícios privados’, e admitindo a opinião comum
de que a riqueza é ‘um benefício público’, ele demonstrou facilmente que toda a civilização implica o desenvolvimento de propensões viciosas..."
O conteúdo da obra Fable of the Bees constitui um poema alegórico
— “Os Burburinhos da Colméia, ou os Velhacos transformados em
honestos” —, em que se descreve a espantosa situação de uma comunidade próspera, na qual repentinamente todos os cidadãos resolvem
renunciar à vida luxuosa e o Estado reduzir os armamentos no interesse
da Poupança:
“Agora não é mais questão de Honra considerar,
Para poder viver e dever, o que se tem gastar,
Librés à mostra nas lojas de penhor;
Carruagens a vil preço entregues sem pudor;
Vender cavalos e casas de campo é uma das saídas,
195 Op. cit., v. II, p. 291.
196 Op. cit., v. II, p. 209.
197 Em sua obra History of English Thought in the Eighteenth Century, Stephen escreveu (p.
297), falando do ”sofisma tornado célebre por Mandeville", que “a sua completa refutação
reside na doutrina — tão raramente entendida que a sua plena compreensão é, talvez, a
melhor prova para um economista — de que a demanda de bens não constitui uma demanda
de trabalho”.
329
OS ECONOMISTAS
Para se desfazer das dívidas contraídas.
Os custos vãos e Fraude moral têm-se de evitar,
Quando as Forças já se perderam no Além-Mar;
Desdenhe a Estima dos Estrangeiros, E a vã Glória conquistada
por Guerreiros;
Eles combatem somente pela Pátria amada,
Quando o Direito e a Liberdade são reduzidos ao nada".
A altiva Cloé
“Reduza os gastos com esforço insano,
E use Vestes que durem todo o Ano".
E qual o resultado?
“Quem agora a gloriosa Colméia contemplar,
Pode o acordo entre a Honestidade e o Comércio examinar:
Não há mais Fausto, e o triste desenlace
É um outro Ente, com uma outra Face,
Pois não foram só eles a desaparecer
Após esbanjar por anos quantias de estarrecer;
Mas as Multidões, cuja vida deles dependia,
Faziam o mesmo, pela força impelidas, todo o dia.
Debalde procuraram outra Ocupação;
Porém de nada valeu sua desesperada ação.
E os preços das Casas e da Terra se tornaram aviltados;
E os sólidos Muros dos Palácios encantados,
Como os de Tebas, erguidos por Magia,
Vão ser alugados...
O mister da Construção ao abandono relegado,
E o Artesão se encontra desempregado;
Quem pinta vê sua Arte condenada à Morte,
Quem lavra a pedra e entalha tem a mesma Sorte."
Portanto, “A Moral” é:
“Nenhuma Nação só de Virtude pode viver
Em Esplendor. E para renascer
A Idade de Ouro há de aceitar
O Vício e a Virtude no mesmo lugar".
As duas passagens extraídas do comentário que acompanham a
alegoria mostram que não faltou base teórica ao que foi dito antes:
“Como esta prudente economia, que algumas pessoas chamam
330
KEYNES
Poupança, é nas famílias particulares o método mais certo de
aumentar os patrimônios, há quem imagine que, seja um país
estéril ou fértil, o mesmo método (que supõem praticável) terá
efeitos idênticos se for seguido por toda a nação, e que, por exemplo, os ingleses poderiam ser muito mais ricos do que são se
fossem tão frugais como alguns dos seus vizinhos. Isto, na minha
opinião, é um erro”.198
Pelo contrário, Mandeville conclui:
“A grande arte para tornar uma nação feliz, e o que chamamos
florescente, consiste em dar a cada um a oportunidade de estar
empregado; e, para isso alcançar, o primeiro cuidado de um governo deve ser promover toda a espécie de Manufaturas, Artes
e Ofícios que a criatividade humana possa inventar; o segundo,
estimular a Agricultura e a Pesca em todos os seus ramos, a fim
de que a Terra inteira seja, como o Homem, levada a contribuir.
É por esta Política, e não pela fútil regulamentação da Prodigalidade e da Frugalidade, que se pode esperar a grandeza e a
felicidade das Nações, porque, suba ou desça o valor do Ouro e
da Prata, a satisfação de todas as Sociedades sempre dependerá
dos Frutos da Terra e do Trabalho dos Homens; coisas que, juntas,
compõem um Tesouro mais firme, mais inexaurível e mais real
que o Ouro do Brasil ou a Prata de Potosi”.
Não é de admirar que sentimentos tão perversos tenham sido
do opróbrio de dois séculos de moralistas e economistas que se sentiam
mais virtuosos na posse de sua austera doutrina, segundo a qual, fora
da mais rigorosa economia, tanto da parte dos indivíduos como do
Estado, não pode haver salvação. “As festas, os espetáculos de gala,
os arcos de triunfo etc”, de Petty, deram lugar à economia de vinténs
da finança de Gladstone e a um sistema de estado que “não era capaz
de custear” hospitais, parques públicos ou edifícios majestosos, nem
sequer conservar os seus monumentos antigos, e muito menos favorecer
o esplendor da música e do teatro, coisas que se confiavam à caridade
privada ou à liberalidade de particulares imprevidentes.
Esta doutrina não reapareceu nos círculos respeitáveis senão ao
cabo de um século, quando na última fase de Malthus a noção da insuficiência da demanda efetiva assumiu lugar definido como explicação científica do desemprego. Visto já haver tratado deste assunto, com certa
profundidade, no meu ensaio sobre Malthus,199 será suficiente repetir
aqui uma ou duas passagens características citadas neste meu ensaio:
198 Compare-o com Adam Smith, o precursor da escola clássica, que escreveu: “O que é prudência
na conduta de uma família privada pode ser insensatez na de um grande reino” — provavelmente referindo-se à anterior passagem de Mandeville.
199 Essays in Biography. pp. 139-147 [JMK, v. X., pp. 97-103].
331
OS ECONOMISTAS
“Vemos, em quase todas as partes do mundo, imensas forças
produtivas que não entram em ação, e explico este fenômeno
dizendo que por falta de uma boa distribuição dos produtos existentes não há motivos adequados para continuar a produzir. (...)
Sustento, firmemente, que o esforço de acumular muito depressa
implica uma diminuição considerável do consumo improdutivo e
deve, enfraquecendo muito os motivos habituais da produção, levar a uma prematura estagnação o progresso da riqueza. (...)
Porém, se é certo que o esforço de acumular muito depressa provoca entre o trabalho e o lucro uma divisão de tal natureza que
faz desaparecer quase completamente o motivo e o meio de enriquecer no futuro e, conseqüentemente, elimina a possibilidade
de manter e empregar uma população crescente, não se deve
reconhecer que semelhante afã de acumular, ou poupar demasiadamente, pode ser realmente prejudicial a um país?200
“A questão está em saber se esta estagnação do capital, e a
subseqüente estagnação da procura de mão-de-obra, devida a um
aumento da produção não acompanhado de um aumento adequado de consumo improdutivo por parte dos proprietários de terra
e dos capitalistas, pode verificar-se, sem causar prejuízo ao país,
sem ocasionar uma diminuição no grau de felicidade e de riqueza
em relação ao que existiria se o consumo improdutivo dos proprietários de terra e capitalistas fosse tão bem proporcionado aos
excedentes naturais da sociedade que mantivesse perfeita continuidade nos motivos da produção, evitando, primeiro, uma procura anormal de trabalho e, em seguida, uma diminuição necessária e repentina dessa demanda. Porém, se assim fosse, como
seria certo dizer que a parcimônia, embora possivelmente prejudicial aos produtores, não pode ser para o Estado, ou que um
aumento do consumo improdutivo dos proprietários de terra e
capitalistas pode não ser, às vezes, o remédio específico para um
estado de coisas em que falhem os motivos que impulsionam a
produção?201
“Adam Smith afirmou que a parcimônia aumenta o capital,
que todo o homem frugal é um benfeitor público e que o crescimento da riqueza depende do excesso da produção sobre o consumo. Que estas proposições sejam, em grande parte, verdadeiras,
é indiscutível... Mas é evidente que não são verdadeiras em termos
absolutos, e que os princípios da poupança, levados ao extremo,
destruiriam o motivo para a produção. Se cada um se contentasse
com o alimento mais simples, a roupa mais singela e a casa mais
humilde, é certo que não existiriam outras espécies de alimentos,
200 Uma carta de Malthus a Ricardo, datada de 7 de julho de 1821.
201 Uma carta de Malthus a Ricardo, datada de 16 de julho de 1821.
332
KEYNES
de roupas e de casas. (...) Os dois extremos são evidentes; e daí
se deduz que há de existir algum ponto intermediário, embora
os recursos da economia política não permitam determiná-lo, em
que, levadas em conta a capacidade produtiva e a vontade de
consumir, o motivo para aumentar a riqueza é máximo.202
“De todas as opiniões que encontrei de homens capazes e
inteligentes, a de Say, afirmando que un produit consommé
ou détruit est un débouché fermé (I. i, cap. 15), parece-me ser
a mais diretamente contrária à teoria certa e a mais uniformemente em desacordo com a experiência. Mesmo assim, ela
é uma conseqüência direta da nova doutrina de que os bens
só devem considerar-se em suas relações diretas mútuas, e
não com os consumidores. O que, pergunto eu, seria da procura
de bens, se todo o consumo, excetuando o do pão e o da água,
fosse suspenso durante a próxima metade de ano? Que acumulação de mercadorias! Quels débouchés! Que prodigioso mercado faria surgir esse evento!”203
Ricardo, no entanto, manteve-se completamente surdo às observações de Malthus. O derradeiro eco da controvérsia acha-se na exposição de John Stuart Mill de sua teoria do fundo de salários,204 que,
no seu entender, foi de importância fundamental na sua rejeição da
última fase de Malthus, fiel aos princípios em que, naturalmente, se
tinha educado. Os sucessores de Mill rejeitaram a sua teoria do fundo
de salários, mas não perceberam o fato de que sua refutação de Malthus
dependia dela. O método consistia em afastar o problema do corpus
da economia, não buscando sua solução, mas deixando de o mencionar.
E ele desapareceu por completo da controvérsia. Cairncross, que recentemente lhe procurou vestígios entre as figuras secundárias da época
vitoriana,205 encontrou, talvez, menos ainda do que poderia esperar.206
As teorias do subconsumo limitaram-se a hibernar até a aparição, em
1889, da obra The Physiology of Industry, de J. A. Hobson e A. F.
Mummery, o primeiro e o mais significativo de muitos volumes nos
quais, durante cerca de cinqüenta anos, o professor Hobson se atirou
com denodo, mas também sem êxito, contra as hostes da ortodoxia.
202 Prefácio aos Principles of Political Economy de Malthus, pp. 8 e 9.
203 MALTHUS. Principles of Political Economy. p. 363, nota de rodapé.
204 MILL, J. S. Political Economy. Livro Primeiro, cap. V. Há uma análise muito aprofundada
e importante desta parte da teoria de Mill em MUMMERY e HOBSON. Physiology of
Industry. p. 38 et seq., e particularmente de sua doutrina de “que uma demanda de bens
não é uma demanda de trabalho” (doutrina que Marshall procurou refutar em sua análise
bem pouco satisfatória da teoria do fundo de salários).
205 "The Victorians and Investiment". In: Economic History. 1936.
206 O opúsculo de Fullarton, On the Regulation of Currencies (1844), é a mais interessante de
suas referências.
333
OS ECONOMISTAS
Embora hoje tenha caído completamente no esquecimento, a publicação deste livro marca, em certo sentido, uma época no pensamento
econômico.207
The Physiology of Industry foi escrito em colaboração com A.
F. Mummery. Hobson conta deste modo como surgiu a idéia de escrever o livro.208
“Foi só nos meados da década de 1880 que minha heterodoxia
econômica começou a adquirir forma. Embora a campanha de
Henry George contra os valores da terra e as primeiras agitações
de vários grupos socialistas contra a manifesta opressão das classes trabalhadoras, unidas às revelações dos dois Booths sobre a
pobreza em Londres, causassem profunda impressão em meus
sentimentos, não destruíram minha fé na Economia Política. Estes sentimentos surgiram de um encontro acidental. Quando eu
era professor de uma escola em Exeter, travei relações com um
homem de negócios chamado Mummery, conhecido então e posteriormente como um grande alpinista que descobrira uma nova
trilha para o topo do monte Cervino, e que em 1895 morreu na
tentativa de escalar a famosa montanha Nanga Parbat do Himalaia. Minhas relações com ele não se estabeleceram, naturalmente, neste plano físico. Mas ele era, ao mesmo tempo, um
alpinista mental, dotado de natural aptidão para trilhar seu próprio caminho e de uma sublime indiferença pela autoridade intelectual. Esse homem arrastou-se a uma discussão sobre a poupança excessiva, que ele considerava responsável pelo subemprego de capital e de mão-de-obra em períodos de crise comercial.
Por muito tempo tentei combater seus argumentos empregando
as armas da economia ortodoxa. Mas por fim ele acabou convencendo-me, e juntei-me a ele para elaborar o conceito do excesso
de poupança num livro intitulado The Physiology of Industry,
publicado em 1889. Foi este o primeiro passo efetivo que dei na
minha carreira de herético, e estava longe de suspeitar suas conseqüências. Justamente nessa altura acabava de abandonar meu
posto de mestre de escola e iniciava um novo trabalho como professor de Extensão Universitária em Economia e Literatura. O
primeiro choque veio do Conselho de Extensão de Londres, recusando
dar-me permissão para ministrar cursos de Economia Política. Isto
se deveu, conforme chegou ao meu conhecimento, à intervenção
207 ROBERTSON, J. M. The Fallacy of Saving. Obra publicada em 1892, sustenta a heresia
de Mummery e Hobson. Porém, não é uma obra de grande valor ou importância, carecendo
inteiramente das penetrantes intuições de The Physiology of Industry.
208 De uma conferência intitulada “Confessions of an Economic Heretic”, pronunciada perante
a London Ethical Society, em Conway Hall, no domingo, 14 de julho de 1935. Transcrevo-a
aqui com a devida permissão de Hobson.
334
KEYNES
de um professor de Economia que lera o meu livro e o considerava,
como raciocínio, equivalente a uma tentativa para demonstrar
que a terra é plana. Como poderia haver limites para o montante
da poupança útil, quando todo o ato de poupar contribuía para
aumentar a estrutura do capital e o fundo destinado ao pagamento
de salários? Os economistas sensatos não podiam deixar de encarar com horror um argumento que procurava impedir a fonte
de todo o progresso industrial.209 Outra experiência interessante
ajudou-me a conceber a extensão de minha iniqüidade. Apesar
de me proibirem de ensinar Economia em Londres, fui autorizado,
graças à extrema liberalidade do Movimento de Extensão Universitária de Oxford, a fazer conferências nas Províncias, limitando-me a problemas práticos sobre a vida da classe operária.
Sucedeu, então, que a Charity Organization Society projetava
uma campanha com o intuito de abordar assuntos econômicos e
convidou-me a preparar um curso. Eu expressei minha disposição a empreender esse novo trabalho, quando bruscamente,
sem explicação alguma, me foi retirado o convite. Justamente
naquela ocasião me foi difícil compreender que, ao pôr em dúvida a excelência da frugalidade ilimitada, eu cometera um
pecado imperdoável."
Em sua obra inicial, Hobson e seu colaborador expressaram-se
fazendo referência mais direta à economia clássica (na qual Hobson
havia sido educado) do que em seus escritos posteriores; por esta razão,
e também pelo fato de ser a primeira exposição de sua teoria, extraí
uma citação dessa obra para mostrar o quanto tinham de significativas
e de bem fundadas as críticas e as intuições desses autores. Como se
vê em seguida, eles destacaram, em seu prefácio, a natureza das conclusões que foram alvo de seu ataque:
“A poupança enriquece e os gastos empobrecem a comunidade
ao mesmo tempo que o indivíduo, e pode-se afirmar, de maneira
geral, que o apego efetivo ao dinheiro é a origem de todo o bemestar econômico. Não só enriquece o indivíduo parcimonioso, como
também faz subir os salários, proporciona trabalho aos desempregados e espalha por toda parte os seus benefícios. Desde os
jornais diários até os mais recentes tratados de economia, desde
os púlpitos até a Câmara dos Comuns, esta afirmação se renova,
de modo que se tornou quase uma heresia duvidar dela. Não
209 Hobson escreveu irreverentemente em The Physiology of Industry, p. 26: ”A parcimônia é
a fonte da riqueza nacional e, quanto mais frugal for uma nação, mais rica se torna. Isto
é o que comumente ensinam quase todos os economistas, muitos dos quais empregam um
tom de alta dignidade moral ao defender o infinito valor da poupança; é esta a única nota
que cativou, nos seus fastidiosos cantos, a favor do ouvido público".
335
OS ECONOMISTAS
obstante, até a publicação da obra de Ricardo, a camada instruída
da população, apoiada pela maioria dos pensadores econômicos,
refutava energicamente esta doutrina, e sua aceitação só se deveu,
exclusivamente e em última análise, à sua incapacidade para
enfrentar a hoje desacreditada doutrina do fundo de salários. Só
a autoridade indiscutível dos eminentes espíritos que a sustentaram pode explicar, com a exclusão de qualquer outra hipótese,
o fato de ela ter sobrevivido ao raciocínio em que se apoiava sua
base lógica. A crítica econômica ainda se aventurou a atacar certos
detalhes da teoria, mas recuou assustada antes de chegar a suas
conclusões principais. Nosso propósito é demonstrar que essas
conclusões são indefensáveis, que é possível haver uma prática
exagerada do hábito de poupar, e que semelhante hábito empobrece a Comunidade, priva os trabalhadores de seus empregos,
provoca a baixa dos salários e espalha no mundo dos negócios a
estagnação e o desânimo, conhecidos pelo nome de Depressão
Econômica. (...)
“O objetivo da produção é fornecer aos consumidores ‘utilidades e comodidades’, e o processo segue seu fluxo contínuo,
desde as primeiras manipulações da matéria-prima até o momento em que esta é consumida sob a forma de uma utilidade
ou de uma conveniência. Sendo a única função do Capital facilitar a produção dessas utilidades e conveniências, seu total
a empregar variará, necessariamente, com a quantidade das
utilidades e das conveniências que se consomem diária e semanalmente. Ora, a poupança, ao mesmo tempo que aumenta
o estoque agregado de Capital, reduz o volume das utilidades
e das conveniências consumidas; qualquer prática exagerada
deste hábito levará, portanto, a uma acumulação de Capital
superior àquela que se necessita, e o excedente irá manifestar-se sob a forma de superprodução geral”.210
A origem do erro de Hobson aparece na última frase deste trecho,
ou seja, ele supõe que a conseqüência de uma poupança é uma acumulação real de capital superior às necessidades, quando na realidade
se trata de um mal secundário, unicamente devido a previsões mal
feitas, sendo que o mal primordial reside na propensão a poupar, em
condições de pleno emprego, somas superiores ao valor do capital requerido, o que impede a realização do pleno emprego, excetuando o
caso de erro de previsão. Contudo, uma ou duas páginas adiante, ele
expõe metade do problema com uma precisão, no meu modo de ver,
absoluta, embora esquecendo ainda o possível papel das variações na
210 HOBSON e MUMMERY. Phisiology of Industry. pp. III/V.
336
KEYNES
taxa de juros e o estado de confiança dos negócios, fatores que, provavelmente, ele supõe como dados:
“Chegamos, assim, à conclusão de que as bases nas quais se
assentou o ensino econômico desde Adam Smith, a saber, que o
volume da produção anual se determina pelas quantidades agregadas disponíveis de Agentes Naturais, Capital e Trabalho, estão
erradas, e que, pelo contrário, sem poder ultrapassar o limite
imposto por essas quantidades agregadas, o volume da produção
anual pode ser mantido, e de fato se mantém, abaixo do máximo
pelo obstáculo que opõem à produção a poupança excessiva e a
subseqüente acumulação de excedentes da oferta; isto é, no estado
normal das Comunidades industriais modernas, é o consumo que
limita a produção e não a produção que limita o consumo”.211
Finalmente, ele observa a posição de sua teoria relativamente à
validez dos argumentos do livre-comércio ortodoxo:
“Notamos, também, que a acusação de imbecilidade comercial
tão freqüentemente arremessada pelos economistas ortodoxos
contra os nossos primos americanos e outras Comunidades Protecionistas não pode mais apoiar-se nos argumentos do Livre-comércio aduzidos até agora, visto que todos se baseiam na hipótese
da impossibilidade do excesso da oferta”.212
O argumento subseqüente é, a bem dizer, incompleto. Trata-se,
porém, da primeira declaração explícita do fato de que o capital se
forma não pela propensão a poupar, mas como resposta à procura
resultante do consumo real e provável. As citações esparsas seguintes
indicam a linha do raciocínio:
“Deve ficar claro que não pode haver vantagem no aumento
do capital de uma comunidade sem o crescimento subseqüente
do consumo de mercadorias... Cada aumento da poupança e do
capital requer, para ser eficaz, uma elevação correspondente no
consumo imediatamente futuro...213 E quando falamos de consumo
não queremos dizer dentro de dez, vinte ou cinqüenta anos, mas
num futuro muito pouco afastado do presente... Se o aumento
da parcimônia ou da precaução induzir os indivíduos a poupar
mais no presente, eles têm de concordar em consumir mais no
futuro...214 Não pode existir economicamente mais capital em
qualquer momento do processo produtivo que o exigido para pro211
212
213
214
HOBSON e MUMMERY. Physiology of Industry. p. VI.
Op. cit., p. IX.
Op. cit., p. 27.
Op. cit., pp. 50-51.
337
OS ECONOMISTAS
porcionar bens no nível corrente de consumo...215 É evidente que
minha parcimônia em nada afeta a parcimônia econômica total
da comunidade, apenas determinando se uma parte específica
da parcimônia total será praticada por mim ou por algum outro.
Mostraremos como a parcimônia de uma parte da comunidade
pode forçar a outra parte a gastar mais para viver do que permitem seus rendimentos.216 A maior parte dos economistas modernos nega que o consumo possa, em qualquer circunstância,
ser insuficiente. Podemos descobrir alguma força econômica capaz
de incitar uma comunidade a este excesso e, se tal força existir,
o mecanismo do comércio não fornecerá meios eficazes de restringi-la. Demonstraremos, em primeiro lugar, que em toda sociedade industrial bem organizada há, em funcionamento constante, uma força que induz naturalmente a um excesso de parcimônia e, em segundo lugar, que os obstáculos que supostamente
cria o mecanismo do comércio são completamente inoperantes ou
inadequados para evitar graves danos comerciais...217 A concisa
resposta de Ricardo aos argumentos de Malthus e Chalmers parece ter sido aceita pela maioria dos economistas de tempos mais
recentes. ‘A produção compra-se sempre com produção ou com
serviços; a moeda é apenas o meio utilizado para efetuar a troca.
Conseqüentemente, sendo um aumento de produção acompanhado sempre de um aumento correspondente do poder de aquisição
e de consumo, não resta possibilidade de Superprodução.’” (Ricardo, Prin. of Pol. Econ., p. 362.)218
Hobson e Mummery sabiam que o juro não passa de um pagamento pelo uso do dinheiro.219 Sabiam também perfeitamente que os
seus opositores alegariam que haveria “tão notável redução na taxa
de juros (ou do lucro), suficiente para desestimular a poupança e restaurar a relação própria entre a produção e o consumo”.220 Em resposta
a isso, observam que “a queda do Lucro só pode induzir as pessoas a
poupar menos de duas maneiras: induzindo-as a gastar mais ou induzindo-as a produzir menos”.221 No que respeita à primeira, sustentam
que, quando os lucros baixam, a renda agregada da comunidade se
reduz, e “não podemos supor que, quando a renda média diminui, os
indivíduos sejam induzidos a aumentar o ritmo de seu consumo pelo
215
216
217
218
219
220
221
Op.
Op.
Op.
Op.
Op.
Op.
Op.
cit.,
cit.,
cit.,
cit.,
cit.,
cit.,
cit.,
p.
p.
p.
p.
p.
p.
p.
69.
113.
100.
101.
79.
117.
130.
338
KEYNES
fato de que também o prêmio à parcimônia diminui de forma correspondente”; quanto à segunda maneira, “está muito longe de nossa intenção negar que um decréscimo do lucro, devido ao excesso de oferta,
possa ser um obstáculo à produção; que o reconhecimento do papel
deste obstáculo constitua a própria base do nosso raciocínio”.222 Entretanto, sua tese não chegou a ser completa, essencialmente por lhe
faltar uma teoria independente da taxa de juros, com o resultado de
que Hobson põe demasiada ênfase (notadamente em seus últimos livros)
no subconsumo que leva ao superinvestimento, no sentido de investimentos desvantajosos, em vez de explicar que uma propensão relativamente fraca a consumir contribui para causar o desemprego; isso
porque tal propensão deveria ser acompanhada, e porque não recebe
esse acompanhamento, de um volume compensador de novo investimento, o qual, embora algumas vezes ocorrendo temporariamente em
conseqüência de erros de otimismo, é geralmente impedido pela baixa
do lucro esperado a um nível inferior ao fixado pela taxa de juros.
A partir da guerra houve um dilúvio de teorias heréticas de subconsumo, das quais as mais famosas são as do major Douglas. A força
de argumentação do major Douglas provém, aliás, em grande parte
do fato de a ortodoxia não ter resposta válida para muitas de suas
críticas destrutivas. Por outro lado, os detalhes de seu diagnóstico, em
particular o teorema chamado A + B, contém grande parte de pura
mistificação. Se o major Douglas houvesse limitado a categoria B às
reservas financeiras dos empresários a que não correspondem despesas
correntes com substituições ou renovações, estaria bem mais perto da
verdade. Mesmo nesse caso, porém, é necessário levar em conta que
essas reservas podem ser contrabalançadas tanto por investimentos
novos em outros setores, como por aumento dos gastos de consumo. O
Major Douglas faz jus, ao contrário de alguns de seus opositores ortodoxos, pelo menos ao mérito de não haver esquecido totalmente o
problema essencial do nosso sistema econômico. Em todo o caso, não
se lhe pode dar a mesma graduação — soldado raso, talvez, mas não
major do valoroso exército dos heréticos — que a Mandeville, Malthus,
Gesell e Hobson, os quais, fiéis a suas intuições, preferiram aceitar a
verdade de forma obscura e imperfeita do que sustentar um erro, baseado, sem dúvida, em uma lógica simples, clara e consistente, mas
alicerçada em hipóteses incompatíveis com os fatos.
222 HOBSON e MUMMERY. Physiology of Industry. p. 131.
339
CAPÍTULO 24
Notas Finais Sobre a Filosofia Social a que
Poderia Levar a Teoria Geral
I
Os principais defeitos da sociedade econômica em que vivemos
são a sua incapacidade para proporcionar o pleno emprego e a sua
arbitrária e desigual distribuição da riqueza e das rendas. A relação
da teoria anteriormente exposta com o primeiro defeito é óbvia. Mas
há também dois pontos importantes em que ela é relevante para o
segundo.
Desde o fim do século XIX, a tributação direta — imposto sobre
a renda e sobretaxas, e impostos sobre as heranças — vem conseguindo
realizar, especialmente na Grã-Bretanha, considerável progresso na
diminuição das grandes desigualdades de riqueza e de renda. Muitos
desejariam que este processo fosse levado bem mais adiante, mas vêemse impedidos por duas considerações; em parte, pelo receio de tornar
as evasões bem urdidas demasiado vantajosas e, também, pelo de enfraquecer excessivamente o incentivo de correr riscos; porém o que, na
minha opinião, sobretudo os detém é a idéia de que o aumento do
capital depende do vigor dos motivos que impelem à poupança, e de
que uma grande proporção desse crescimento depende das poupanças
dos ricos a partir do que lhes é supérfluo. Nossa argumentação não
afeta a primeira destas considerações. Mas pode modificar consideravelmente o nosso ponto de vista sobre a segunda, pois já vimos que,
dentro dos limites da existência do pleno emprego, o crescimento do
capital não depende absolutamente de uma baixa propensão a consumir, mas é, ao contrário, reprimido pela mesma, e que apenas em
condições de pleno emprego pode uma baixa propensão a consumir
levar ao crescimento do capital. Ademais, a experiência ensina que,
nas condições existentes, a poupança por meio de instituições e de
fundos de amortização é mais que adequada, e que as medidas desti341
OS ECONOMISTAS
nadas a redistribuir a renda no sentido de aumentar a propensão a
consumir podem ser muito favoráveis ao crescimento do capital.
A crença tão generalizada de que os impostos sobre heranças são
responsáveis pela redução da riqueza de capital de um país reflete a
confusão que reina entre o público neste aspecto. Supondo que o Estado
aplique o produto destes impostos em suas despesas comuns, de modo
que os impostos sobre a renda e o consumo se reduzam ou anulem
correspondentemente, é naturalmente inegável que uma política fiscal
de altos impostos sobre heranças faz aumentar a propensão da comunidade a consumir. Mas, como um aumento da propensão habitual a
consumir contribui, em geral (isto é, excetuando as condições de pleno
emprego), para elevar o incentivo ao investimento, a conclusão que daí
se tira é quase sempre oposta à verdade.
O nosso raciocínio leva-nos, desse modo, à conclusão de que, nas
condições contemporâneas, a abstinência dos ricos mais provavelmente
tolhe do que favorece o crescimento da riqueza. Fica assim invalidada
uma das principais justificativas sociais da grande desigualdade da
riqueza. Não quero dizer que haja outras razões, independentes da
nossa teoria, capazes de justificar certa desigualdade em determinadas
circunstâncias, porém nossa tese elimina certamente a razão mais importante que até agora vem sendo o motivo de pensarmos na conveniência de agir com moderação. Isto afeta particularmente nosso modo
de encarar os impostos sobre heranças, pois há certas justificativas da
desigualdade das rendas que não podem aplicar-se à desigualdade das
heranças.
Do meu ponto de vista, creio haver justificativa social e psicológica
para grandes desigualdades nas rendas e na riqueza, embora não para
as grandes disparidades existentes na atualidade. Existem valiosas
atividades humanas que requerem o motivo do lucro e a atmosfera da
propriedade privada de riqueza para que possam dar os seus frutos.
Além disso, a possibilidade de ganhar dinheiro e fazer fortuna pode
orientar certas inclinações perigosas da natureza humana para caminhos onde elas se tornem relativamente inofensivas e, não sendo satisfeitas desse modo, possam elas buscar uma saída na crueldade, na
desenfreada ambição de poder e de autoridade e ainda em outras formas
de engrandecimento pessoal. É preferível que alguém tiranize seu saldo
no banco do que os seus concidadãos e, embora o primeiro caso seja
algumas vezes um meio de levar ao segundo, em certos casos é pelo
menos uma alternativa. Todavia, não é necessário, para estimular essas
atividades e satisfazer essas inclinações, que o jogo seja feito com apostas tão altas como agora. Apostas menores levariam igualmente ao
mesmo resultado, desde que os jogadores se habituassem a elas. A
tarefa de modificar a natureza humana não deve ser confundida com
a de administrá-la. Embora na comunidade ideal os homens possam
ser acostumados, inspirados ou ensinados a desinteressar-se do jogo,
342
KEYNES
a sabedoria e a prudência da arte política devem permitir a prática
do jogo, embora sob certas regras e limitações, em se considerando
que o homem comum, ou mesmo uma fração importante da comunidade,
é altamente inclinado à paixão pelo lucro.
II
Há, contudo, um segundo aspecto do nosso argumento cujas conseqüências são muito mais importantes para o futuro das desigualdades
de riqueza, a saber, a nossa teoria da taxa de juros. A justificativa de
uma taxa de juros moderadamente elevada foi encontrada, até aqui,
na necessidade de proporcionar estímulo suficiente à poupança. Demonstramos, porém, que a extensão da poupança efetiva é rigorosamente determinada pelo montante de investimento, e que este montante cresce por efeito de uma taxa de juros baixa, desde que não
tentemos levá-lo por esse caminho além do nível que corresponde ao
pleno emprego. Assim sendo, o que mais nos convém é reduzir a taxa
de juros até o nível em que, em relação à curva da eficiência marginal
do capital, se realize o pleno emprego.
Não pode haver dúvida de que este critério servirá para fazer
baixar a taxa de juros muito além do nível que até agora tem vigorado;
e, à medida que se possam estimar os valores da eficiência marginal
do capital que correspondem a quantidades crescentes de volumes de
capital, é possível que a taxa de juros caia uniformemente, caso seja
exeqüível manter as condições mais ou menos contínuas de pleno emprego — salvo, naturalmente, se houver uma modificação considerável
na propensão agregada a consumir (incluindo o Estado).
Estou convencido de que a procura de capital é estritamente limitada, no sentido de que não seria difícil aumentar o estoque de
capital até que sua eficiência marginal atinja uma cifra muito baixa.
Não quer isto dizer que o uso dos bens de capital passe a custar quase
nada, mas apenas que a sua retribuição cubra um pouco mais do que
a depreciação devida ao desgaste e à obsolescência, ao mesmo tempo
que deixe uma certa margem destinada a compensar os riscos e o
exercício da habilidade e do julgamento. Em resumo, o rendimento
agregado dos bens duráveis durante toda a sua vida cobriria justamente, como no caso dos bens de curta duração, o custo de trabalho
necessário para os produzir, mais uma margem correspondente ao risco
e ao custo da habilidade e da supervisão.
Ora, embora este estado de coisas seja perfeitamente compatível
com certo grau de individualismo, ainda assim levaria à eutanásia do
rentier e, conseqüentemente, à eutanásia do poder cumulativo de opressão do capitalista em explorar o valor de escassez do capital. A taxa
de juros atual não compensa nenhum verdadeiro sacrifício, do mesmo
modo que não o faz a renda da terra. O detentor do capital pode conseguir juros porque o capital é escasso, assim como o dono da terra
343
OS ECONOMISTAS
pode obter uma renda porque a terra é escassa. Mas, enquanto houver
razões intrínsecas para a escassez da terra, não há razões intrínsecas
para a escassez do capital. Uma razão intrínseca para semelhante
escassez, no sentido de um verdadeiro sacrifício que só a oferta de
uma recompensa em forma de juros fizesse surgir, não poderia existir
de maneira durável, a menos que a propensão individual a consumir
fosse de tal natureza que a poupança líquida, em situação de pleno
emprego, deixasse de existir antes de o capital chegar a ser suficientemente abundante. Mesmo assim, o Estado ainda teria o recurso de
manter uma poupança agregada a um nível que permitisse o crescimento do capital até que sua escassez desaparecesse.
Conseqüentemente, eu considero o aspecto do rentier do capitalismo como sendo uma fase transitória, que desaparecerá logo que tenha
desempenhado sua função. E com o desaparecimento deste aspecto
muitas outras transformações deverão ocorrer. Além disso, uma grande
vantagem na ordem dos acontecimentos que preconizo consiste em que
a eutanásia do rentier, do investidor sem função, nada terá de repentino,
mas será meramente uma continuação gradual e prolongada do que
vimos observando recentemente na Grã-Bretanha, sem carecer de qualquer revolução.
Na prática, portanto, o nosso objetivo deveria ser conseguir (e
isto nada tem de irrealizável) um aumento no volume de capital até
que ele deixe de ser escasso, de modo que o investidor sem função
deixe de receber qualquer benefício, e depois criar um sistema de tributação direta que permita a inteligência, a determinação, a habilidade
executiva do financista, do empresário et hoc genus omne (certamente
tão orgulhosos de suas funções que poderia obter-se o seu trabalho
muito mais barato que agora) a dedicar-se ativamente à comunidade
em condições razoáveis de remuneração.
Ao mesmo tempo temos de reconhecer que só a experiência pode
mostrar até que ponto convém orientar a vontade popular, incorporada
na política do Estado, no sentido de aumentar e suplementar o incentivo
a investir, e até que ponto convém estimular a propensão média a
consumir, sem abandonar o nosso objetivo de privar o capital de seu
valor de escassez em uma ou duas gerações. Pode acontecer que a
propensão a consumir se fortaleça sem maiores dificuldades por efeito
de uma taxa de juros decrescente, de tal modo que o pleno emprego
se alcance com um fluxo de acumulação pouco maior que o atual. Nesse
caso, um plano para cobrar impostos mais elevados das grandes rendas
e heranças poderia ter o inconveniente de conduzir ao pleno emprego
com uma taxa de acumulação bastante inferior ao nível corrente. Não
se deve imaginar que nego a possibilidade ou mesmo a probabilidade
deste resultado, pois, em assuntos desta natureza, seria temerário prever como reagiria o homem médio em face de uma mudança de método.
Contudo, se fosse fácil conseguir uma aproximação do pleno emprego
344
KEYNES
com uma taxa de acumulação não muito maior que a presente, pelo
menos ter-se-ia resolvido um problema de máxima importância. Ficaria
para decidir, em separado, em que proporção e por que meios seria
justo e razoável invocar a geração atual a reduzir seu consumo, para
que os seus descendentes possam gozar, no devido tempo, de um estado
de pleno investimento.
III
As implicações da teoria exposta nas páginas precedentes são, a
outros respeitos, razoavelmente conservadoras. Embora essa teoria indique ser de importância vital o estabelecimento de certos controles
sobre atividades que hoje são confiadas, em sua maioria, à iniciativa
privada, há muitas outras áreas que permanecem sem interferência.
O Estado deverá exercer uma influência orientadora sobre a propensão
a consumir, em parte através de seu sistema de tributação, em parte
por meio da fixação da taxa de juros e, em parte, talvez, recorrendo
a outras medidas. Por outro lado, parece improvável que a influência
da política bancária sobre a taxa de juros seja suficiente por si mesma
para determinar um volume de investimento ótimo. Eu entendo, portanto, que uma socialização algo ampla dos investimentos será o único
meio de assegurar uma situação aproximada de pleno emprego, embora
isso não implique a necessidade de excluir ajustes e fórmulas de toda
a espécie que permitam ao Estado cooperar com a iniciativa privada.
Mas, fora disso, não se vê nenhuma razão evidente que justifique um
socialismo do Estado abrangendo a maior parte da vida econômica da
nação. Não é a propriedade dos meios de produção que convém ao
Estado assumir. Se o Estado for capaz de determinar o montante agregado dos recursos destinados a aumentar esses meios e a taxa básica
de remuneração aos seus detentores, terá realizado o que lhe compete.
Ademais, as medidas necessárias de socialização podem ser introduzidas gradualmente sem afetar as tradições generalizadas da sociedade.
Nossa crítica à teoria econômica clássica geralmente aceita consistiu menos em revelar os defeitos lógicos de sua análise do que em
assinalar o fato de que as suas hipóteses tácitas nunca ou quase nunca
são satisfeitas, com a conseqüência de que ela se mostra incapaz de
resolver os problemas econômicos do mundo real. Entretanto, se os
nossos controles centrais lograrem estabelecer um volume de produção
agregado correspondente o mais aproximadamente possível ao pleno
emprego, a teoria clássica retomará, daí em diante, a sua devida posição. Se considerarmos dado o volume da produção, isto é, se o supusermos determinado por forças alheias à concepção da escola clássica,
nada há a opor à análise clássica concernente à maneira como o interesse pessoal determinará o que se produz especificamente, em que
proporção se associarão os fatores para tal fim e como se distribuirá
entre eles o valor da produção obtida. Para reiterar a nossa opinião,
345
OS ECONOMISTAS
o fato de termos tratado de maneira diferente do problema da parcimônia não significa que haja algo a objetar à teoria clássica moderna
quanto ao grau de conciliação entre as vantagens públicas e particulares, tanto em regime de concorrência perfeita quanto em regime de
concorrência imperfeita. Assim sendo, fora a necessidade de um controle
central para manter o ajuste entre a propensão a consumir e o estímulo
para investir, não há mais razão do que antes para socializar a vida
econômica.
Para colocar a questão num plano concreto, não vejo por que o
sistema existente faria mau uso dos fatores de produção utilizados.
Cometem-se, naturalmente, erros de previsão, que aliás não se evitariam, centralizando as decisões. Quando sobre 10 milhões de homens
desejosos e capazes de trabalhar há 9 milhões empregados, nada permite afirmar que o trabalho desses 9 milhões de homens seja mal
orientado. A queixa contra o sistema presente não consiste em que
esses 9 milhões deveriam ser empregados em tarefas diferentes, senão
em que deveria haver trabalho disponível para o restante 1 milhão de
homens. É o volume e não a direção do emprego efetivo o responsável
pelo colapso do sistema atual.
Por isso concordo com Gessell em que o preenchimento das lacunas da teoria clássica não leva a abandonar o “Sistema de Manchester”, mas a indicar a natureza do meio que exige o livre jogo das forças
econômicas para ser capaz de realizar toda a potencialidade da produção. Os controles centrais necessários para assegurar o pleno emprego exigirão, naturalmente, uma considerável extensão das funções
tradicionais de governo. A par disso, a própria teoria clássica moderna
chamou a atenção sobre as várias condições em que pode ser necessário
refrear ou guiar o livre jogo das forças econômicas. Todavia, subsistirá
ainda uma grande amplitude, que permita o exercício da iniciativa e
responsabilidade privadas. Nesse domínio, as vantagens tradicionais
do individualismo continuarão ainda sendo válidas.
Paremos um momento para recordar essas vantagens. Em parte
são vantagens de eficiência — as vantagens da descentralização e do
jogo do interesse pessoal. Do ponto de vista da eficiência, as vantagens
da descentralização das decisões e da responsabilidade individual são
talvez maiores do que julgou o século XIX, e a reação contra o atrativo
do interesse pessoal talvez tenha ido demasiado longe. Porém, acima
de tudo, o individualismo, se puder ser purgado de seus defeitos e
abusos, é a melhor salvaguarda da liberdade pessoal, no sentido de
que amplia mais do que qualquer outro sistema o campo para o exercício
das escolhas pessoais. É também a melhor salvaguarda da variedade
da vida, que desabrocha justamente desse extenso campo das escolhas
pessoais, e cuja perda é a mais sensível de todas as que acarreta o
Estado homogêneo ou totalitário. Essa variedade preserva as tradições
que encerram o que de mais seguro e auspicioso reuniram as gerações
346
KEYNES
passadas, dá cor ao presente com os diversos matizes de sua fantasia,
e servindo a experiência, bem como a tradição e a imaginação, é o
mais poderoso instrumento para conduzir à melhoria do futuro.
Por isso, enquanto a ampliação das funções do governo, que supõe
a tarefa de ajustar a propensão a consumir com o incentivo para investir, poderia parecer a um publicista do século XIX ou a um financista
americano contemporâneo uma terrível transgressão do individualismo,
eu a defendo, ao contrário, como o único meio exeqüível de evitar a
destruição total das instituições econômicas atuais e como condição de
um bem-sucedido exercício da iniciativa individual.
Se a demanda efetiva se mostra deficiente, não só o desperdício
de recursos causa no público um escândalo intolerável, como também
o empreendedor individual que tenta pô-los em ação joga um jogo com
cartas marcadas contra si. O jogo de que participa contém muitos zeros,
de modo que os jogadores em conjunto acabarão perdendo se tiverem
bastante energia e confiança para jogar todas as cartas. O crescimento
da riqueza mundial tem sido menor, até agora, que o volume agregado
das poupanças individuais, e a diferença corresponde às perdas sofridas
por aqueles cuja coragem e iniciativa não foram suplementadas por
uma habilidade excepcional ou por uma sorte fora do comum. Se a
demanda efetiva for adequada, porém, serão suficientes apenas habilidade e sorte normais. Os regimes autoritários contemporâneos parecem resolver o problema do desemprego à custa da eficiência e da
liberdade. É certo que o mundo não tolerará por muito mais tempo o
desemprego que, à parte curtos intervalos de excitação, é uma conseqüência — e na minha opinião uma conseqüência inevitável — do
capitalismo individualista do nosso tempo. Mas pode ser possível curar
o mal por meio de uma análise correta do problema, preservando ao
mesmo tempo a eficiência e a liberdade.
IV
Observei, de passagem, que o novo sistema poderia ser mais favorável à paz do que antigo. Vale a pena repetir e enfatizar este ponto.
A guerra tem diversas causas. Os ditadores e pessoas semelhantes, aos quais a guerra oferece, pelo menos em expectativa, uma excitação deleitável, não encontram dificuldade em fomentar a natural
belicosidade de seus povos. Porém, além disso, facilitando seu trabalho
de insuflar as chamas do entusiasmo do povo, aparecem as causas
econômicas da guerra, ou seja, as pressões da população e a luta acirrada pelos mercados. Este segundo fator, que desempenhou no século
XIX, e talvez venha a desempenhar ainda, um papel essencial, tem
estreita relação com o nosso assunto.
Assinalei no capítulo anterior que, sob o regime de laissez-faire
interno e de padrão de ouro internacional, como era o correto na segunda metade do século XIX, não havia qualquer outro meio disponível
347
OS ECONOMISTAS
a um governo para aliviar a miséria econômica interna a não ser lutar
pela conquista de mercados externos. Isso porque todos os remédios
eficazes para o desempego crônico ou intermitente estavam excluídos,
à exceção das medidas destinadas a melhorar o balanço de pagamentos
em conta corrente.
Desse modo, enquanto os economistas estavam acostumados a
aplaudir o sistema internacional existente porque ele proporcionava
os frutos da divisão internacional do trabalho e, ao mesmo tempo,
conciliava os interesses das diferentes nações, furtava à vista uma
conseqüência menos benéfica; e davam provas de bom senso e de uma
justa compreensão do verdadeiro curso dos acontecimentos os estadistas
que acreditavam que, se um país antigo e rico abandonasse a luta
pelos mercados, veria sua prosperidade cair e desaparecer. Mas se as
nações podem aprender a manter o pleno emprego apenas por meio
de sua política interna (e também, devemos acrescentar, se logram
alcançar o equilíbrio na tendência de crescimento de suas populações),
não deveria mais haver a necessidade de forças econômicas importantes
destinadas a predispor um país contra os seus vizinhos. Haveria o
lugar para a divisão internacional do trabalho e para o crédito internacional em condições adequadas, mas deixaria de existir motivo premente para que um país necessitasse impor suas mercadorias a outro
ou recusar as ofertas de seus vizinhos, não porque isto seja indispensável para capacitá-lo a pagar o que deseja adquirir no estrangeiro,
mas por causa do objetivo expresso de alterar o equilíbrio de pagamentos, a fim de criar uma balança comercial que lhe seja favorável.
O comércio internacional deixaria de ser o que é, um expediente desesperado para manter o emprego interno, forçando as vendas nos
mercados externos e restringindo as compras, o que, se tivesse êxito,
simplesmente deslocaria o problema do desemprego para o vizinho que
levasse desvantagem na luta, e se converteria num livre e desimpedido
intercâmbio de mercadorias e serviços em condições de vantagens mútuas.
V
Será uma esperança visionária confiar que estas idéias se concretizem? Têm elas raízes insuficientes nos motivos que governam a
evolução das sociedades políticas? São os interesses a que elas se opõem
mais fortes e mais manifestos do que os que favorecem?
Não me cabe responder aqui a essas perguntas. Seria necessário
um livro de natureza bem diferente deste para indicar, mesmo em
linhas gerais, as medidas práticas que poderiam dar corpo a tais idéias.
Contudo, se as idéias são corretas — hipótese na qual o próprio autor
tem de basear o que escreve —, seria um erro, segundo minha previsão,
ignorar a força que com o tempo elas virão a adquirir. Presentemente,
há uma expectativa incomum de um diagnóstico mais bem fundamentado; mais do que nunca todos estão prontos a aceitá-lo e desejosos
348
KEYNES
de o experimentar, desde que ele seja pelo menos plausível. Mas, à
parte esta disposição de espírito peculiar à época, as idéias dos economistas e dos filósofos políticos, estejam elas certas ou erradas, têm
mais importância do que geralmente se percebe. De fato, o mundo é
governado por pouco mais do que isso. Os homens objetivos que se
julgam livres de qualquer influência intelectual são, em geral, escravos
de algum economista defunto. Os insensatos, que ocupam posições de
autoridade, que ouvem vozes no ar, destilam seus arrebatamentos inspirados em algum escriba acadêmico de certos anos atrás. Estou convencido de que a força dos interesses escusos se exagera muito em
comparação com a firme penetração das idéias. É natural que elas não
atuem de maneira imediata, mas só depois de certo intervalo; isso
porque, no domínio da filosofia econômica e política, raros são os homens
de mais de vinte e cinco ou trinta anos que são influenciados por
teorias novas, de modo que as idéias que os funcionários públicos, os
políticos e mesmo os agitadores aplicam aos acontecimentos atuais
têm pouca probabilidade de ser as mais recentes. Porém, cedo ou tarde,
são as idéias, e não os interesses escusos, que representam um perigo,
seja para o bem ou para o mal.
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