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Created July 28, 2019 20:21
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LIVRO I
DAS CAUSAS DO AUMENTO DAS FORÇAS PRODUTIVAS DO TRABALHO E DA ORDEM SEGUNDO A QUAL SEU PRODUTO É NATURALMENTE DISTRIBUÍDO ENTRE AS DIVERSAS CATEGORIAS DO POVO
CAPÍTULO 1
DA DIVISÃO DO TRABALHO
Um maior aperfeiçoamento nas forças produtivas do trabalho, e a maior parte do engenho, destreza e discernimento com que é dirigido em qualquer lugar, ou aplicado, parecem ter sido os efeitos da divisão do trabalho.
Os efeitos da divisão do trabalho, nos negócios gerais da sociedade, serão mais facilmente entendidos considerando de que modo ela opera em algumas manufaturas, em particular. Comumente supõe-se que ela ocorre mais nas mais insignificantes; talvez não seja aplicada mais nelas que em outras, de maior importância, mas naquelas manufaturas pequenas, que se destinam a suprir as pequenas necessidades de apenas pequeno número de pessoas, o número total de trabalhadores deve necessariamente ser pequeno, e aqueles empregados em cada ramo diferente do trabalho podem amiúde ser reunidos na mesma oficina e colocados simultaneamente sob a vista do espectador. Nas grandes manufaturas, ao contrário, que estão destinadas a suprir as grandes necessidades da grande maioria do povo, cada ramo do trabalho emprega tamanho número de trabalhadores que é impossível reuni-los todos na mesma oficina. Raramente podemos ver mais, simultaneamente, do que aqueles empregados num só ramo. Embora em tais manufaturas o trabalho possa realmente ser dividido num número muito maior de partes que naquelas de natureza menor, a divisão não é tão óbvia, e, concomitantemente, tem sido muito menos observada.
Para tomar um exemplo, pois, de uma manufatura pouco significante, mas uma em que a divisão do trabalho tem sido muito notada: o ofício do alfineteiro; um operário não educado para esta ocupação (que a divisão do trabalho transformou numa atividade específica) nem familiarizado com o uso da maquinaria nela empregada (para cuja invenção essa mesma divisão do trabalho provavelmente deu ocasião), dificilmente poderia, talvez com seu máximo empenho, fazer um alfinete por dia, e certamente não conseguiria fazer vinte. Mas do modo em que este ofício é agora exercido, não só todo o trabalho é uma atividade especial, mas está dividido em um número de ramos, dos quais a maioria pode ser outras tantas indústrias. Um homem estica o arame, outro o endireita, um terceiro corta-o, um quarto o aponta, um quinto esmerilha o topo para receber a cabeça; fazer a cabeça exige duas ou três operações distintas, colocá-la é uma tarefa à parte; branquear os alfinetes, é outra; é mesmo outra indústria; colocá-los no papel e o importante negócio de fazer um alfinete é, destarte, dividido em cerca de 18 operações distintas, que em algumas manufatureiras são todas executadas por mãos distintas, se bem que em outras o mesmo homem às vezes fará duas ou três delas. Vi uma pequena manufatura desta espécie onde apenas dez homens eram empregados, e onde alguns deles, consequentemente, executavam duas ou três operações diferentes. Não obstante sendo eles muito pobres, e portanto mal acomodados tão somente com a maquinaria estritamente necessária, podiam, quando se esforçavam, produzir, entre eles, cerca de 12 libras de alfinetes por dia. Há numa libra mais de quatro mil alfinetes de tamanho médio. Estas dez pessoas, portanto, conseguiam fazer um total de mais de 48 mil alfinetes por dia. Cada pessoa, portanto, fazendo uma décima parte de 48 mil alfinetes, deve produzir 4800 alfinetes por dia. Mas trabalhando todos separados, independentes, e sem nenhum deles ter sido educado neste ofício, certamente cada um deles não conseguiria fazer vinte, nem mesmo um alfinete por dia, que, por certo, não é 240 vezes, nem 4800 vezes menos do que atualmente são capazes de perfazer em consequência de uma divisão e combinação adequada de suas diferentes operações.
Em todo outro ofício e manufatura, os efeitos da divisão do trabalho são similares aos desta, bem pouco importante; entretanto, em muitas, o trabalho não pode ser tão subdividido nem reduzido a tão grande simplicidade de operação. A divisão do trabalho, porém, tanto quanto possa ser introduzida, ocasiona em toda técnica um proporcional aumento das forças produtivas do trabalho. A separação de atividades e empregos parece ter tido lugar em consequência desta vantagem. Esta separação, também, é geralmente levada ao extremo nos países que gozam do mais elevado grau de indústria e aperfeiçoamento; o que é o trabalho de um homem num estado rústico da sociedade, é geralmente o de vários numa aperfeiçoada. Em toda sociedade aperfeiçoada, o lavrador geralmente nada mais é senão um lavrador; o artífice, nada mais que um artífice. O trabalho também, que é necessário para produzir qualquer manufatura completa, é quase sempre dividido por um grande número de mãos. Quantos ofícios diferentes não estão empregados em cada ramo das manufaturas do linho e da lã, dos cultivadores aos branqueadores e penteadores, ou tintureiros e alfaiates! A natureza da agricultura, de fato, não admite tantas divisões do trabalho, nem uma separação tão completa de uma atividade da outra, quanto nas manufaturas. É impossível separar tão inteiramente o trabalho do pecuarista do trabalho do cultivador de cereais, como a indústria do carpinteiro é comumente separada da do ferreiro. O fiador é quase sempre uma pessoa distinta do tecelão; mas o arador, o gradeador, o semeador e o segador são costumeiramente o mesmo homem. As ocasiões para estas diferentes espécies de trabalho, retornando com as diferentes estações do ano, impedem que um homem esteja constantemente empregado em qualquer uma delas. Esta impossibilidade de se fazer uma separação tão inteira e completa de todos os vários ramos do trabalho empregado na agricultura seja talvez a razão por que o aumento das forças produtivas do trabalho neste mister nem sempre mantenha o passo com sua melhoria nas manufaturas. As nações mais opulentas, deveras, geralmente superam todas as suas vizinhas na agricultura, bem como nas manufaturas, mas comumente distinguem-se mais por sua superioridade nestas que naquela. Suas terras são, em geral, mais bem cultivadas e têm mais trabalho e despesa investidos nelas, produzem mais em proporção à extensão e fertilidade natural do solo. Mas esta superioridade de produção raramente supera, proporcionalmente, o trabalho e a despesa. Na agricultura, o lavor do campo rico nem sempre é muito mais produtivo que o do pobre; ou, pelo menos, nunca é tão produtivo quanto é comum em manufaturas. O cereal do país rico, portanto, nem sempre, no mesmo grau de excelência, chegará mais barato ao mercado do que o do pobre. O trigo da Polônia, no mesmo grau de excelência, é tão barato quanto o da França, apesar da superior opulência e desenvolvimento deste último país. O trigo da França, nas províncias em que é produzido, é tão bom e na maioria dos anos quase do mesmo preço que o cereal inglês, no entanto, em opulência e desenvolvimento, a França seja talvez inferior à Inglaterra. As terras cerealíferas inglesas, porém, são mais bem cultivadas que as da França, e as da França são ditas melhor cultivadas que as da Polônia. Mas se o país pobre, apesar da inferioridade de seu cultivo, pode, em certa medida, rivalizar com o rico no preço e na qualidade de seus cereais, não pode ter pretensões a tal competição quanto a suas manufaturas, pelo menos se as manufaturas adaptam-se ao solo, clima e localização do país rico. As sedas francesas são melhores e mais baratas que aquelas da Inglaterra, porque a manufatura da seda, além de suportar os pesados encargos de sua importação em bruto, não se adaptam tão bem ao clima da Inglaterra como ao da França. Mas as ferragens e as lãs grossas produzidas na Inglaterra estão além de qualquer comparação com as da França, e também são muito mais baratas, no mesmo grau de qualidade. Na Polônia, diz-se que há poucas manufaturas de qualquer espécie, exceção feita às mais grosseiras manufaturas caseiras, sem as quais nenhum país pode subsistir direito.
Este grande aumento da quantidade de trabalho que, em consequência da divisão do trabalho, o mesmo número de pessoas é capaz de executar, deve-se a três circunstâncias: primeira, ao aumento de destreza em cada operário; segunda, à economia de tempo que é comumente perdido ao passar de uma espécie de trabalho para outra; finalmente, à invenção de grande número de máquinas, que facilitam e abreviam o trabalho e permitem a um homem fazer o trabalho de muitos.
Primeiro, a melhora da destreza do operário necessariamente aumenta a quantidade de trabalho que ele pode fazer; e a divisão do trabalho, reduzindo a ocupação de cada homem a alguma operação simples, e tornando esta operação o único emprego de sua vida, necessariamente aumenta em muito a destreza do operário. Um ferreiro comum que, se bem que acostumado ao malho, nunca teve de fazer pregos, se em alguma ocasião for obrigado a tentar fazê-los, dificilmente, estou certo, conseguirá fazer mais que duzentos ou trezentos pregos num dia, e estes, muito ruins. Um ferreiro acostumado a fazer pregos, que não tenha tido isto como única ou principal ocupação, dificilmente poderia fazer, com sua máxima diligência, mais de oitocentos ou mil pregos por dia. Já vi vários rapazes com menos de vinte anos, que nunca exerceram outro ofício senão fazer pregos, e que, ao esforçar-se, podiam fazer, cada um, mais de 2300 pregos por dia. A confecção de um prego, porém, de modo algum é operação das mais simples. A mesma pessoa aciona o fole, atiça ou controla o fogo se necessário, aquece o ferro e forja todas as partes do prego: ao forjar a cabeça, ele também é obrigado a trocar de ferramentas. As várias operações em que a feitura de um alfinete, ou de um botão de metal, é subdividida, são todas elas muito mais simples, e a habilidade da pessoa, cuja vida tenha sido a única ocupação de executá-las, é usualmente muito maior. A rapidez com que algumas das operações desses fabricantes é executada excede o que se é possível imaginar, uma vez que a mão humana é capaz de adquirir habilidades e velocidades extraordinárias.
Ganha-se vantagem economizando o tempo comumente perdido ao passar de uma espécie de trabalho para outra. É impossível passar muito rapidamente de um tipo de trabalho para outro feito num lugar diferente, e com ferramentas bem diferentes. Um tecelão rural, que cultiva uma pequena propriedade, deve perder uma boa parte do tempo passando de seu tear para o campo e do campo para seu tear. Quando os dois afazeres podem ser exercidos numa mesma oficina, a perda de tempo é, sem dúvida, muito menor. Mesmo neste caso, ainda é considerável. Um homem comumente se distrai um pouco ao passar de uma ocupação para outra. Ao começar o novo trabalho, ele é raramente atento e aplicado; sua mente, como dizem, está distante, e por algum tempo ele mais divaga do que se aplica. O hábito de distrair-se e aplicar-se descuidada e indolentemente, que é natural, ou necessariamente adquirido por todo trabalhador do campo que é obrigado a mudar de trabalho e ferramentas a cada meia hora e a aplicar o braço em vinte diferentes maneiras quase todo dia de sua vida, torna-o quase sempre indolente e descuidado, e incapaz de qualquer aplicação vigorosa, mesmo nas ocasiões mais prementes. Independentemente, portanto, de sua deficiência em matéria de destreza, somente esta causa deve sempre reduzir consideravelmente a quantidade de trabalho que ele é capaz de executar.
Terceiro e último, todos devem perceber quanto o trabalho é facilitado e abreviado pela aplicação da maquinaria adequada. É desnecessário dar exemplo. Apenas observarei que a invenção de todas aquelas máquinas pelas quais o trabalho é tão facilitado e abreviado parece ter sido originalmente devida à divisão do trabalho. Os homens tendem sempre a descobrir métodos mais fáceis e prontos de atingir qualquer objetivo, quando toda a atenção de suas mentes é dirigida para aquele único objetivo, do que quando está dissipada em meio a grande variedade de coisas. Mas, em consequência da divisão do trabalho, toda a atenção do homem vem a ser naturalmente dirigida para algum objeto muito simples. É de esperar naturalmente, portanto, que este ou aquele dos que estão empregados em cada ramo particular do trabalho achem métodos mais fáceis e prontos de fazer seu próprio trabalho, sempre que a natureza deste admitir um tal aperfeiçoamento. Grande parte das máquinas utilizadas nas manufaturas em que o trabalho é grandemente subdividido, foi originalmente invenção de simples operários que, cada um deles ocupado em alguma operação bem simples, naturalmente voltavam seus pensamentos para descobrir métodos mais fáceis e rápidos para executá-la. A quem quer que tenha se acostumado a visitar tais manufaturas, devem ter sido mostradas amiudadamente ótimas máquinas, invenções de tais operários para facilitar e acelerar sua parte do trabalho. Nas primeiras máquinas a vapor, um menino era sempre usado para abrir e fechar alternadamente a comunicação entre a caldeira e o cilindro, conforme o pistão subisse ou descesse. Um destes meninos, que gostava de brincar com seus companheiros, notou que, atando um cordão da alavanca da válvula que abria essa comunicação a outra parte da máquina, a válvula se abriria e fecharia sem sua assistência, deixando-o livre para divertir-se com colegas de brincadeira. Um dos maiores aperfeiçoamentos feitos nesta máquina foi, assim, descoberta de um menino que queria poupar-se trabalho.
Toda melhoria de máquinas, porém, de modo algum foi invenção só daqueles que tiveram ocasião de usá-las. Muitas vezes deveu-se à engenhosidade dos fabricantes das máquinas, quando construí-las tornou-se uma indústria à parte, e outras vezes deveu-se àqueles chamados filósofos, ou homens especulativos, cujo negócio não é fazer algo, mas observar tudo, e que, por esta razão, são amiúde capazes de combinar o poder dos mais distantes e dissimilares objetos. No progresso da sociedade, a filosofia ou especulação torna-se, como qualquer outro emprego, a principal ou única ocupação e negócio de uma classe particular de cidadãos. Tal como toda outra ocupação, também está subdividida num grande número de ramos diferentes, cada um permitindo o trabalho de uma peculiar tribo ou classe de filósofos, e esta subdivisão do emprego em filosofia, bem como em todo outro negócio, melhora a destreza e poupa tempo. Cada indivíduo torna-se mais experto em seu ramo particular, mais trabalho é feito pelo todo, e a quantidade de ciência é consideravelmente, por isso, elevada.
É a grande multiplicação da produção de todas as diferentes técnicas, em consequência da divisão do trabalho, que ocasiona, numa sociedade bem governada, aquela opulência universal que se estende às classes mais baixas do povo. Todo operário tem uma grande quantidade do próprio trabalho disponível, além de suas necessidades, e todo outro operário, estando exatamente na mesma situação, fica capacitado a trocar grande quantidade dos próprios bens por uma grande quantidade, ou o que dá no mesmo, pelo preço de uma grande quantidade dos bens dos outros. Fornece-lhes abundantemente o que eles precisam e estes o abastecem com o que precisar, e uma abundância geral difunde-se por todas as classes sociais.
Observai as comodidades do mais simples artífice ou jornaleiro num país civilizado e desenvolvido, e percebereis que o número de pessoas cuja indústria uma parte, mesmo que mínima, foi empregada em proporcionar-lhe tal conforto, excede todo cálculo. O casaco de lã, por exemplo, que cobre o jornaleiro, grosseiro e áspero que possa parecer, é produto do labor combinado de grande multidão de operários. O pastor, o tosador de lã, o penteador, o cardador, o tintureiro, o fiador, o tecelão, o pisoeiro, o alfaiate, como muitos outros, devem todos reunir suas técnicas para perfazer mesmo esta produção caseira. Quantos mercadores e transportadores também devem ser empregados para transportar os materiais de alguns destes trabalhadores para outros, que frequentemente vivem numa região muito distante do país! Quanto comércio e navegação em particular, quantos armadores, marujos, fabricantes de velas, cardoeiros, devem ser empregados para reunir as diversas drogas usadas pelo tintureiro, que muitas vezes vêm dos cantos mais remotos do mundo! Que variedade de trabalho, também, é necessária para produzir as ferramentas do mínimo destes operários! Para não falar das complicadas máquinas como o navio, do marujo, a mó do pisoeiro, ou mesmo o tear do tecelão; consideremos apenas que diversidade de trabalho é necessária para formar aquela máquina simplíssima, a tesoura com que o pastor tosa a lã. O mineiro, o construtor da fornalha para derreter o minério, o madeireiro, o carvoeiro que fornece o carvão para a fundição, o tijoleiro, o pedreiro, os operários da fornalha, o mestre do forno, o mestre da forja, o ferreiro, todos devem reunir suas técnicas para fabricar a tesoura. Fôssemos examinar, do mesmo modo, todas as diversas partes de sua vestimenta e mobília doméstica, a camisa de linho grosso que veste sobre a pele, os sapatos que cobrem seus pés, a cama em que se deita, e todas as peças que a compõem, a grelha da cozinha onde prepara suas vitualhas, os carvões de que se utiliza para tanto, escavado das entranhas da terra e trazido a ele talvez por um extenso oceano e um longo transporte terrestre; todos os outros utensílios de sua cozinha, tudo o que cobre sua mesa, as facas e os garfos, os pratos de barro ou de estanho em que ele serve e reparte suas vitualhas, as diversas pessoas empenhadas em preparar seu pão e sua cerveja, a janela de vidro, que deixa entrar o calor e a luz e deixa de fora o vento e a chuva, com todo o conhecimento e arte necessários para preparar aquela linda e feliz invenção, sem o que estas regiões setentrionais do mundo dificilmente poderiam ter conseguido habitação confortável, bem como as ferramentas de todos os operários empregados na produção dessas várias comodidades; se examinarmos, repito, todas essas coisas, e considerarmos que variedade de trabalho é empregada em cada uma delas, perceberemos que, sem a assistência e a cooperação de muitos milhares, a mais simples pessoa num país civilizado não poderia ser dotada nem mesmo de acordo com o que falsamente imaginamos, da maneira mais fácil e simples pela qual comumente está acomodada. Comparada, de fato, com o mais extravagante luxo dos grandes, sua acomodação sem dúvida deve parecer muito simples, e, ainda assim, pode ser verdade que as acomodações de um príncipe europeu nem sempre excedam tanto a de um frugal e industrioso camponês quanto a acomodação deste excede a de muito rei africano, mestre absoluto das vidas e liberdade de dez mil selvagens nus.
CAPÍTULO 2
DO PRINCÍPIO QUE DÁ OCASIÃO À DIVISÃO DO TRABALHO
Essa divisão do trabalho, da qual tantas vantagens derivam, não é originalmente efeito de qualquer sabedoria humana, que prevê e provê aquela opulência geral a que dá ocasião. É a necessária, se bem que muito lenta e gradual consequência de uma certa propensão da natureza humana que não tem em vista uma utilidade tão extensa: a tendência para comerciar, barganhar e trocar uma coisa por outra.
Se esta propensão é um dos princípios originais da natureza humana, de que não se pode falar mais, ou se, como parece mais provável, é a consequência necessária das faculdades da razão e da fala, não pertence à investigação de nosso presente assunto. É comum a todos os homens, não sendo encontrada em nenhuma outra raça de animais, que parecem não conhecer esta nem nenhuma outra forma de contratos. Dois galgos, perseguindo a mesma lebre, por vezes têm a aparência de agirem em alguma espécie de concerto. Cada um dirige-a para seu companheiro, ou procura interceptá-la quando seu companheiro a dirige para si. Isto, no entanto, não é o efeito de contrato, mas da concorrência acidental de suas paixões pelo mesmo objeto, num dado momento. Ninguém jamais viu um cão fazer uma troca justa e deliberada de um osso por outro, com outro cão. Ninguém jamais viu um animal, por seus gestos e gritos naturais, dizer a outro: isto é meu, aquilo, seu; estou querendo trocar isto por aquilo. Quando um animal deseja obter algo de um homem, não tem outros meios de persuasão senão ganhar o favor daqueles cujo serviço requer. Um cãozinho acaricia sua mãe, e um perdigueiro procura, por mil atrações, chamar a atenção de seu dono que está jantando, quando quer ser alimentado por ele. O homem usa, às vezes, a mesma arte com seus semelhantes, e quando não tem outro meio de levá-los a agir de acordo com suas inclinações, procura, por toda servil e bajuladora atenção, obter sua boa vontade. Não tem tempo, porém, de assim fazer em toda ocasião. Na sociedade civilizada ele está precisando a toda hora de cooperação e assistência de grandes multidões, sendo sua vida inteira mal o suficiente para ganhar a amizade de umas poucas pessoas. Em quase toda outra raça de animais cada indivíduo, quando chega à maturidade, é inteiramente independente, e em seu estado natural, não tem ocasião para a assistência de qualquer outra criatura viva. Mas o homem tem quase constantemente ocasião para o auxílio de seus semelhantes, e é vão que ele o espere apenas por benevolência. Ele poderá prevalecer, mais provavelmente, se puder interessar o amor-próprio deles em seu favor, e mostrar-lhes que é para sua própria vantagem fazer para ele aquilo que está lhes exigindo. Quem quer que ofereça a outrem uma barganha de qualquer tipo, está propondo isto. Dá-me aquilo que desejo e terás isto que desejas é o significado de toda oferta assim, e é destarte que obtemos uns dos outros a franca maioria dos bons ofícios que necessitamos. Não é da benevolência do açougueiro, cervejeiro ou padeiro que esperamos nosso jantar, mas da preocupação por seu interesse. Dirigimo-nos não à sua humanidade, mas ao seu amor-próprio, e nunca lhes falamos de nossas necessidades, mas das vantagens deles. Ninguém, senão um pedinte, escolhe depender principalmente da generosidade de seus concidadãos, e nem mesmo o mendigo depende dela inteiramente. A caridade das pessoas de boa vontade, realmente, fornece-lhe todo o fundo de sua subsistência. Mas se bem que este princípio lhe proporcione todas as necessidades da vida de que ele tem precisão, não lhe proporciona no momento em que ele as necessita. A maior parte das suas necessidades esporádicas é suprida da mesma maneira que as das outras pessoas, por acordo, barganha e compra. Com o dinheiro que um homem lhe dá, ele compra comida. As velhas roupas que um outro lhe dá, ele troca por outras roupas velhas, que lhe servem melhor ou usa para ter alojamento ou comida ou dinheiro, com que ele pode comprar comida, roupas ou alojamento, conforme precisar.
Como é por acordo, barganha ou compra que obtemos uns dos outros a maior parte daqueles mútuos bons ofícios de que carecemos, assim é esta mesma disposição comercial que originalmente dá ocasião à divisão do trabalho. Numa tribo de caçadores ou pastores, uma determinada pessoa faz arcos e flechas, por exemplo, com mais prontidão e destreza que qualquer outra. Frequentemente troca-os por gado ou caça, em vez de ela mesma ir ao campo atrás deles. Ocupando-se de seu próprio interesse, portanto, a confecção de arcos e flechas passa a ser sua principal ocupação, e ela se transforma numa espécie de armeiro. Outra é excelente em fazer as armações e coberturas de suas cabanas, ou casas móveis. Está acostumada a ser desta maneira útil a seus vizinhos, que igualmente a recompensam com gado e caça, até que ela descobre ser de seu interesse dedicar-se inteiramente a este afazer, tornando-se uma espécie de carpinteiro de casas. Do mesmo modo, uma terceira se torna ferreiro ou caldeireiro, uma quarta, tanoeiro ou preparador de couros ou peles, a principal parte da vestimenta dos selvagens. E assim, a certeza de ser capaz de trocar todo aquele excesso do produto do trabalho de outros homens quando tiver ocasião, encoraja todo homem a aplicar-se a uma ocupação em especial, cultivar e levar à perfeição o talento ou gênio que ele possa possuir para aquela particular espécie de negócio.
A diferença dos talentos naturais em diferentes homens é, de fato, muito menor do que temos consciência, e o gênio muito diverso que parece distinguir homens de distintas profissões, quando crescem à maturidade, não é, em muitas ocasiões, a causa, mas sim o efeito da divisão do trabalho. A diferença entre os caracteres mais dissemelhantes, entre um filósofo e um simples carregador, por exemplo, parece surgir não tanto da natureza como do hábito, costume e educação. Quando vieram ao mundo, e pelos primeiros seis ou oito anos de suas existências, eram quiçá muito semelhantes, e nem seus pais ou companheiros perceberiam qualquer diferença notável. Por volta daquela idade, ou pouco depois, passam a empregar-se em várias ocupações. A diferença de talentos vem então a ser notada, e cresce gradativamente, até que, por fim, a vaidade do filósofo não deseja reconhecer quase qualquer semelhança. Mas, sem a disposição de comerciar, trocar e barganhar, todo homem deveria produzir para si mesmo toda necessidade e utilidade que quisesse ter. Todos deveriam ter as mesmas obrigações a cumprir, e o mesmo trabalho a fazer, e não poderia haver tal diferença de emprego que pudesse dar ocasião a qualquer grande diferença de talentos.
Assim como é com esta disposição que forma aquela diferença de talentos, tão notável entre homens de diferentes profissões, assim é aquela mesma disposição que torna aquela diferença útil. Muitas tribos de animais reconhecidas como sendo todas da mesma espécie, derivam da natureza uma distinção muito mais notável de gênio que aquela, antecedendo o costume e a educação, vem ter lugar entre os homens. Por natureza, um filósofo não é, em gênio e disposição, muito diferente de um carregador, como um mastim de um galgo, ou um galgo de um perdigueiro, ou este de um cão pastor. Essas diferentes tribos de animais, no entanto, sendo da mesma espécie, raramente são de alguma utilidade umas para as outras. A força do mastim não é minimamente suportada pela agilidade do galgo, pela sagacidade do perdigueiro ou pela docilidade do cão pastor. Os efeitos desses diferentes gênios e talentos, por falta do poder ou disposição de comerciar e trocar, não podem ser combinados, e não contribuem minimamente para a melhor comodidade e utilidade da espécie. Cada animal ainda é obrigado a sustentar e defender a si mesmo, separada e independentemente, não derivando vantagem alguma daquela variedade de talentos com que a natureza distinguiu seus companheiros. Entre os homens, ao contrário, os gênios mais dissímiles são de utilidade uns para os outros; os diferentes produtos de seus talentos, pela disposição geral para comerciar, barganhar e trocar, são reunidos como que a um patrimônio comum, onde qualquer homem pode adquirir a parte do produto do talento de outros homens de que ele necessitar.
CAPÍTULO 3
QUE A DIVISÃO DO TRABALHO É LIMITADA PELA EXTENSÃO DO MERCADO
Como é o poder de troca que dá ocasião à divisão do trabalho, assim, a extensão desta divisão deve sempre ser limitada pela extensão desse poder, ou, em outras palavras, pela extensão do mercado. Quando o mercado é muito pequeno, ninguém pode ter nenhum encorajamento para dedicar-se inteiramente a um emprego, por falta de poder de trocar todo o excesso do produto de seu próprio trabalho, que está muito acima de seu próprio consumo, pelo correspondente do trabalho dos outros homens, conforme necessitar.
Há algumas espécies de indústria, mesmo do tipo mais inferior, que só podem ser exercidas numa grande cidade. Um carregador, por exemplo, pode achar emprego e subsistência em nenhum outro lugar que não seja uma cidade grande. Um vilarejo é uma esfera demasiado estreita para ele; mesmo uma cidade com um mercado mediano mal é grande o suficiente para lhe garantir ocupação constante. Nas casas isoladas e em vilarejos espalhados numa região deserta, assim como nas montanhas escocesas, todo lavrador deve ser açougueiro, padeiro e cervejeiro da própria família. Em tais situações, mal podemos esperar encontrar mesmo um ferreiro, um carpinteiro, ou um pedreiro, a menos de vinte milhas de outro do mesmo ofício. As famílias dispersas que vivem a oito ou dez milhas de distância do mais próximo deles, devem aprender a fazer sozinhas um grande número de pequenos trabalhos, para os quais, numa região mais populosa, chamariam pela assistência daqueles artífices. Os artífices do campo são quase sempre obrigados a se aplicarem a todos os diversos ramos da indústria que têm afinidade uns com os outros, empregando a mesma espécie de materiais. Um carpinteiro do campo lida com todo trabalho em madeira; um ferreiro do campo, com todo trabalho em ferro. O primeiro não é só um carpinteiro, mas marceneiro, entalhador, fabricante de rodas, arados, carroças e carruagens. As atividades do último são ainda mais variadas. É impossível haver um comércio como o do fabricante de pregos nas regiões remotas do interior das montanhas de Escócia. Tal trabalhador, a uma taxa de mil pregos por dia e trezentos dias de trabalho por ano, fará trezentos mil pregos por ano. Mas em tal situação, seria impossível comerciar mil, isto é, o trabalho de um dia, em todo um ano.
O transporte por água apresenta um mercado mais extenso, aberto a toda espécie de indústria, mais extenso que o transporte terrestre, pois pelo litoral e pelos rios navegáveis a indústria de toda espécie começa a se subdividir e aperfeiçoar-se, e frequentemente, só muito tempo depois estes aperfeiçoamentos se estendem às regiões interiores do país. Uma carroça, de duas grandes rodas, conduzida por dois homens e puxada por oito cavalos, num tempo de seis semanas, carrega, entre Londres e Edimburgo, cerca de quatro toneladas de mercadorias. Em cerca do mesmo tempo, um navio, tripulado por seis ou oito homens, navegando entre os portos de Londres e Leith, frequentemente transporta duzentas toneladas de mercadorias. Seis ou oito homens, portanto, com o transporte por água, podem transportar, no mesmo tempo, a mesma quantidade de mercadorias entre Londres e Edimburgo que cinquenta carroças de duas rodas, conduzidas por cem homens e puxadas por quatrocentos cavalos. Sobre as duzentas toneladas de mercadorias, portanto, com o mais barato transporte terrestre de Londres a Edimburgo, incide a manutenção de duzentos homens durante três semanas e também a manutenção e, o que é quase igual à manutenção, o desgaste de quatrocentos cavalos, bem como o de cinquenta carroções. Entrementes, sobre a mesma quantidade de mercadorias transportadas pela água, incide apenas a manutenção de seis ou oito homens e o desgaste de um navio de duzentas toneladas de carga, bem como o valor de um maior risco, ou a diferença do seguro entre o transporte terrestre e por água. Se não houvesse comunicação entre esses dois lugares, senão por terra, como só poderiam ser transportadas as mercadorias cujo preço fosse considerável em proporção a seu peso, poderiam transportar apenas pequena parte daquele comércio que atualmente subsiste entre eles, e consequentemente poderia dar só pequena parte daquele encorajamento que atualmente podem proporcionar mutuamente às respectivas indústrias. Haveria pouco ou nenhum comércio de qualquer espécie entre as distantes regiões do mundo. Que mercadorias poderiam compensar a despesa do transporte terrestre entre Londres e Calcutá? Ou, se houvesse alguma preciosidade que compensasse esta despesa, com que segurança poderia ser transportada através dos territórios de tantas nações bárbaras? Aquelas duas cidades, atualmente, não obstante, praticam um mui considerável negócio entre si, sustentando um comércio mútuo, dando muito encorajamento à indústria uma da outra.
Desde que estas, pois, são as vantagens do transporte por água, é natural que os primeiros aperfeiçoamentos das técnicas e da indústria sejam feitos onde esta conveniência abre todo o mundo a um mercado do produto de toda espécie de trabalho, e que sempre seja mais retardada a extensão para o interior do país. As regiões interioranas de um país podem, por muito tempo, não ter outro mercado senão sua região circunvizinha, que as separam do litoral e dos grandes rios navegáveis. A extensão de seu mercado, portanto, deve, por um longo período, ser proporcional às riquezas e população daquela região, e consequentemente seu aumento deve sempre ser posterior ao desenvolvimento do país. Em nossas colônias norte-americanas as plantações seguiram constantemente o litoral ou as margens dos rios navegáveis, e muito pouco se estenderam a qualquer distância considerável de ambos.
As nações que, de acordo com a melhor história autêntica, parecem ter sido as primeiras civilizadas, foram aquelas à volta do litoral do mar Mediterrâneo. Este mar, o maior mar interior conhecido no mundo, não tendo marés, nem consequentemente quaisquer ondas, exceto as que são causadas apenas pelo vento, foi, pela suavidade de sua superfície, bem como pela multidão de suas ilhas e a proximidade das suas costas, extremamente favorável à infância da navegação no mundo; quando, por sua ignorância da bússola, os homens temiam deixar a vista da costa e pela imperfeição da arte da construção naval abandonarem-se às tormentosas ondas do oceano. Passar além das colunas de Hércules, ou seja, navegar além do estreito de Gibraltar, era, no mundo antigo, considerado um feito maravilhoso e perigoso. Demorou muito até que mesmo os fenícios e cartagineses, os mais hábeis navegadores e construtores de navios daqueles velhos tempos, o tentassem, e por muito tempo foram as únicas nações a fazê-lo.
De todos os países na costa do mar Mediterrâneo, o Egito parece ter sido o primeiro em que a agricultura ou manufaturas foram cultivadas e aperfeiçoadas a qualquer grau considerável. O Egito Superior estende-se apenas algumas milhas Nilo acima, e no Egito Inferior, aquele grande rio se divide em muitos canais, que, com a assistência de alguma técnica, parecem ter permitido uma comunicação por água, não só entre todas as grandes cidades, mas entre todas as vilas consideráveis, e mesmo a muitas moradias dos campos, quase do mesmo modo que se faz com o Reno e o Maas na Holanda, atualmente. A extensão e a facilidade desta navegação interior foram provavelmente as principais causas do primitivo desenvolvimento do Egito.
O desenvolvimento agrícola e manufatureiro parece, igualmente, ter sido da mais alta antiguidade nas províncias de Bengala, nas Índias Orientais, e em algumas das províncias orientais da China, se bem que a grande extensão desta antiguidade não seja autenticada por quaisquer histórias de cuja autoridade nós, desta parte do mundo, tenhamos certeza. Em Bengala, o Ganges e vários outros rios formam um grande número de canais navegáveis, do mesmo modo que o Nilo o faz no Egito. Nas províncias orientais da China também vários grandes rios formam, por suas diferentes ramificações, multidão de canais, e sua intercomunicação permite uma navegação interior muito mais extensa que a do Nilo ou do Ganges, ou, talvez, do que ambos juntos. É notável que nem os antigos egípcios, nem os hindus, nem os chineses, encorajaram o comércio exterior, mas parecem ter derivado toda sua opulência desta navegação interna.
Todo o interior da África, e toda aquela parte da Ásia que está a qualquer distância considerável ao norte dos mares Euxino e Cáspio, a antiga Cítia, as modernas Tartária e Sibéria, parecem, em todas as eras do mundo, ter estado no mesmo estado bárbaro e incivilizado em que atualmente as encontramos. O mar da Tartária é o oceano gelado que não admite navegação, e, se bem que alguns dos maiores rios do mundo corram por aquele país, estão a uma distância muito grande entre si para levar comércio e comunicação por sua maior parte. Na África não há grandes mares interiores, como o Báltico e o Adriático na Europa, o Mediterrâneo e o Euxino, tanto na Europa como na Ásia, e os golfos da Arábia, da Pérsia, da Índia, de Bengala e do Sião, na Ásia, para levar o comércio marítimo às regiões interiores daquele grande continente, e os grandes rios da África estão muito distanciados entre si para dar ocasião a qualquer navegação interna. O comércio que qualquer nação pode levar a cabo por meio de um rio que não se reparte em grande número de afluentes ou canais e atravesse outro território antes de dar no mar, nunca pode ser muito considerável; pois está sempre no poder das nações que possuem aquele outro território obstruir a comunicação entre o país superior e o mar. A navegação do Danúbio é de muito pouco uso para os vários Estados da Bavária, da Áustria e da Hungria, em comparação com o que seria se qualquer deles possuísse todo seu curso, até desaguar no mar Negro.
CAPÍTULO 4
DA ORIGEM E DO USO DO DINHEIRO
Estando a divisão do trabalho bem estabelecida, é apenas pequeníssima parte das necessidades de um homem que é suprida pelo produto do próprio trabalho. Ela satisfaz à maioria delas trocando aquela parte em excesso do produto do próprio trabalho que está muito acima de seu consumo, pelas partes do produto do trabalho dos outros de que necessitar. Todo homem, assim, vive pela troca, ou se torna, até certa medida, mercador, e a sociedade cresce até ser uma sociedade comercial propriamente dita.
Mas quando a divisão do trabalho começou ter lugar, este poder de troca frequentemente deve ter sido obstruído ou embaraçado em suas operações. Um homem, suponhamos, tem mais de uma certa utilidade do que ele precisa, ao passo que outro tem menos. O primeiro, consequentemente, gostaria de se livrar dela, e o outro, de adquirir parte deste supérfluo. Mas se este porventura não tiver nada de que o primeiro precisa, nenhuma troca pode se dar entre eles. O açougueiro tem mais carne em sua loja do que ele mesmo pode consumir, e o cervejeiro e o padeiro desejariam, cada um deles, comprar uma parte. Mas eles nada têm a oferecer em troca, exceto os diferentes produtos de seus respectivos negócios, e o açougueiro já está provido com todo o pão e cerveja de que necessita imediatamente. Nenhuma troca, neste caso, pode ser feita entre eles. Não pode ser seu mercador nem ele seus clientes, e todos são, assim, menos úteis uns aos outros. Para se evitar a inconveniência de tais situações, todo homem prudente, em toda era da sociedade, depois do primeiro estabelecimento da divisão do trabalho, deve naturalmente ter se esforçado para regular seus negócios de tal modo a ter todo o tempo consigo, além da produção peculiar à sua indústria, uma certa quantidade ou uma ou outra utilidade que ele pensava que poucas pessoas recusariam em troca pelo produto de sua indústria.
Diversas utilidades foram sucessivamente consideradas e empregadas para este fim. Nas eras rudes da sociedade, diz-se que o gado foi o instrumento comum de comércio, e se bem que deva ter sido um instrumento bastante inconveniente, no entanto, nos tempos antigos, achamos coisas que eram comumente avaliadas de acordo com o número de cabeças de gado que foram dadas em troca por elas. A armadura de Diomedes, diz Homero, custou apenas nove bois; mas a de Glauco custou cem bois. Diz-se que o sal é o instrumento comum do comércio e das trocas, na Abissínia; uma espécie de concha, em algumas partes do litoral da Índia; bacalhau seco, na Terra Nova; tabaco, na Virgínia; açúcar, em algumas de nossas colônias das Índias Ocidentais; peles ou couro curtido, em alguns outros países; e ainda hoje há uma vila na Escócia onde não é raro, segundo me disseram, que um trabalhador carregue pregos em vez de dinheiro, para jogar ao padeiro ou à cervejaria.
Em todo país, porém, os homens parecem todos determinados, por razões irresistíveis, a dar preferência, para esta aplicação, aos metais acima de toda outra utilidade. Os metais não só podem ser conservados com um mínimo de perdas, sendo pouquíssimo perecíveis, mas igualmente, sem nenhuma perda, podem ser divididos em qualquer número de partes, bem como por fusão estas partes podem ser facilmente reunidas de novo; uma qualidade que nenhuma outra utilidade igualmente durável possui, e que, mais do que qualquer outra coisa, torna-os aptos a serem instrumento do comércio e da circulação. O homem que quisesse comprar sal, por exemplo, e só tivesse gado para dar em troca, deveria ser obrigado a comprar sal no valor de todo um boi, ou de todo um cordeiro, de uma vez. Seria improvável comprar menos que isto, porque o que teria de dar em troca dificilmente poderia ser dividido sem perdas, e se tivesse em mente comprar mais, pela mesma razão, deveria comprar o dobro ou o triplo da quantidade, para compensar o valor de dois ou três bois, ou carneiros. Se, pelo contrário, em vez de carneiros ou bois, tivesse metais para dar em troca, poderia facilmente proporcionar a quantidade do metal à exata quantidade da utilidade que necessitasse imediatamente.
Diferentes metais foram utilizados por nações distintas para este fim. O ferro foi o instrumento comum de comércio entre os antigos espartanos; o cobre, entre os antigos romanos; e o ouro e a prata, entre todas as nações ricas e comerciantes.
Esses metais parecem ter sido utilizados originalmente em barras rústicas, sem selo ou cunhagem. Assim nos é contado por Plínio1, pela autoridade de Timeu, antigo historiador, que até o tempo de Servius Tullius, os romanos não tinham dinheiro cunhado, mas faziam uso de barras de cobre não estampadas para comprar aquilo de que precisavam. Estas barras brutas, portanto, faziam, naquele tempo, o papel de dinheiro.
O uso de metais neste estado bruto era afetado por duas grandes inconveniências: primeira, o trabalho da pesagem; segunda, onde ensaiá-los. Nos metais preciosos, em que pequena diferença na quantidade faz grande diferença no valor, mesmo o trabalho de pesar, com a precisão adequada, requer pelo menos pesos e balanças muito precisos. A pesagem de ouro, em particular, é uma operação de alguma delicadeza. Nos metais mais grosseiros, onde um pequeno erro seria de pequena consequência, menos precisão seria, sem dúvida, necessária. Contudo, acharíamos muito trabalhoso se cada vez que um homem pobre tivesse de comprar ou vender um tostão em bens fosse obrigado a pesar o tostão. A operação do ensaio é ainda mais difícil, mais tediosa, e a menos que parte do metal seja bem derretida no cadinho, com os solventes adequados, nenhuma conclusão se pode tirar que seja precisa. Antes da instituição da moeda cunhada, a menos que passassem por esta tediosa e difícil operação, as pessoas estavam sempre sujeitas às maiores fraudes e imposturas, e em vez de o peso de uma libra de prata, ou de cobre puro, podiam receber, em troca de seus bens, uma composição adulterada dos materiais mais grosseiros e baratos que, no entanto, por seu aspecto exterior, eram feitos à semelhança daqueles metais. Para prevenir tais abusos, para facilitar as trocas, e assim encorajar toda sorte de indústria e comércio, achou-se necessário, em todos os países que fizeram qualquer esforço considerável de desenvolvimento, apor selo público sobre certas quantidades de certos metais, que eram usuais naqueles países, para a compra de bens. Daí a origem do dinheiro cunhado e das oficinas públicas de cunhagem; instituições exatamente da mesma natureza das de chancela de tecido de linho e lã. Todas elas devem certificar, por meio de um selo público, a quantidade e a qualidade uniforme daquelas diversas utilidades, quando comercializadas.
Os primeiros selos públicos desta espécie que foram apostos aos metais correntes parecem, em muitos casos, ter se destinado a certificar, o que era tão difícil quanto importante, a qualidade ou pureza do metal, assemelhando-se à marca esterlina que atualmente é aposta às chapas e barras de prata, ou a marca espanhola, que por vezes é aposta aos lingotes de ouro, que, sendo marcada só de um lado da peça, sem cobrir toda a superfície, garante a pureza, mas não o peso do metal. Abraão pesou para Efrom os quatrocentos shekels de prata que concordara pagar pelo campo de Machpelah. O siclo, porém, era a moeda corrente do mercador, por peso, e não de contado, assim como os lingotes de ouro e as barras de prata, atualmente. Os impostos dos antigos reis da Inglaterra eram pagos não em dinheiro, mas em espécie, isto é, em vitualhas e provisões de todos os tipos. Guilherme, o Conquistador, introduziu o costume de pagá-los em dinheiro. Este dinheiro, porém, era recebido pelo erário por peso, e não de contado.
A inconveniência e a dificuldade de pesar esses metais com exatidão deu ocasião à instituição das moedas, onde a estampa, cobrindo inteiramente ambos os lados da peça, e por vezes também as bordas, supunha-se garantir não só a pureza, mas também o peso do metal. Tais moedas, portanto, foram recebidas de contado, como agora, sem o trabalho da pesagem.
As denominações destas moedas parecem originalmente ter expresso o peso ou a quantidade de metal contidos nela. No tempo de Sérvio Túlio, que primeiro cunhou dinheiro em Roma, o asse romano, ou pondo, continha uma libra romana de cobre puro. Estava dividida da mesma maneira que a nossa libra de Troyes, em 12 onças, cada uma contendo uma onça real de cobre puro. A libra esterlina inglesa, no tempo de Eduardo I, continha uma libra, peso Tower, de prata de pureza conhecida. A libra Tower parece ter sido pouco superior à libra romana, e por vezes menos que a libra Troyes. Esta última só foi introduzida na cunhagem inglesa no 18º ano de Henrique VIII. A libra francesa continha, no tempo de Carlos Magno, uma libra de Troyes de prata de pureza conhecida. A feira de Troyes, em Champagne, naquela época, era frequentada por todas as nações da Europa, e os pesos e medidas de uma feira tão famosa eram por todos conhecidos e apreciados. A libra escocesa de dinheiro continha, do tempo de Alexandre I ao de Robert Bruce, uma libra de prata do mesmo peso e pureza que a libra esterlina inglesa. Os pennies ingleses, franceses e escoceses também, todos eles continham, originalmente, o peso de um penny de prata, a vigésima parte de uma onça e a 240ª parte de uma libra. O shilling também parece ter sido originalmente denominação de um peso. “Estando o quarter de trigo a 12 shillings”, diz um antigo estatuto de Henrique III, “então o pão de um farthing deve pesar 11 shillings e quatro pence”. A proporção, entretanto, entre o shilling e o penny, de um lado, ou a libra, de outro, parece não ter sido tão constante e uniforme quanto aquela entre o penny e a libra. Durante a primeira linhagem dos reis da França, o “sou” francês, ou shillings, parece em diferentes ocasiões ter contido cinco, 12, vinte e quarenta pennies. Entre os antigos saxões, um shilling aparece, em determinada ocasião, como contendo apenas cinco pennies, e não é improvável que tenha sido tão variável entre eles quanto entre seus vizinhos, os antigos francos. Desde o tempo de Carlos Magno entre os franceses, e de Guilherme, o Conquistador entre os ingleses, a proporção entre a libra, o shilling e o penny parece ter sido uniformemente a mesma que atualmente, se bem que o valor de cada um tenha sido diferente. Pois em todo país, creio, a avareza e a injustiça de príncipes e Estados soberanos, abusando da confiança de seus súditos, gradativamente diminuíram a real quantidade de metal originalmente contida em suas moedas. O asse romano, como nos últimos tempos da república, estava reduzido à 24ª parte de seu valor original, e, em vez de pesar uma libra, veio a pesar apenas meia onça. A libra e o penny inglês contêm, atualmente, só cerca de um terço; a libra e o penny escoceses, apenas cerca de 36 avos; e a libra e o penny franceses, 66 avos de seu valor original. Por meio destas operações, os príncipes e Estados soberanos que as executavam conseguiam, em aparência, pagar seus débitos e encerrar seus compromissos com uma menor quantidade de prata do que de outro modo seria necessária. Isto, de fato, era só aparência, pois seus credores eram defraudados de uma parte do que lhes era devido. Todos os outros devedores, no Estado, tinham o mesmo privilégio, e poderiam pagar com a mesma soma nominal da nova e aviltada moeda o que quer que tivessem comprado com a antiga. Tais operações, portanto, sempre se mostraram favoráveis ao devedor, e ruinosas para o credor, e por vezes causaram uma revolução maior e mais universal nas fortunas dos particulares do que seria ocasionada por uma grande calamidade pública.
Foi destarte que o dinheiro tornou-se, em todas as nações civilizadas, o instrumento universal do comércio, pela intervenção do que mercadorias de todos os tipos são compradas e vendidas, ou trocadas umas pelas outras.
Quais são as regras que os homens naturalmente observam ao trocá-las por dinheiro ou umas pelas outras, agora passarei a examinar. Estas regras determinam o que pode ser chamado valor relativo ou de troca das mercadorias.
A palavra valor, deve ser observado, tem dois significados diversos e, por vezes, expressa a utilidade de algum objeto particular e, por vezes, o poder de adquirir outros bens, que a posse daquele objeto proporciona. Um pode ser chamado “valor de uso”, o segundo, “valor de troca”. As coisas com maior valor de uso frequentemente têm pouco ou nenhum valor de troca; e, pelo contrário, aquelas que têm o maior valor de troca, frequentemente têm pouco ou nenhum valor de uso. Nada é mais útil que a água, mas dificilmente com ela se comprará algo. Um diamante, pelo contrário, dificilmente tem utilidade, mas uma grande quantidade de coisas pode amiúde ser trocada por ele.
Para que possamos investigar os princípios que regulam o valor de troca das mercadorias, tentarei mostrar:
Primeiro, qual é a real medida deste valor trocável, ou em que consiste o preço real de todas as mercadorias.
Segundo, quais são as diferentes partes de que esse preço real se compõe.
E, finalmente, quais são as diferentes circunstâncias que por vezes elevam algumas ou todas estas várias partes do preço acima e por vezes as rebaixam de sua cotação natural ou ordinária; ou, quais são as causas que por vezes obstaculizam o preço de mercado, isto é, o preço real da mercadoria, de que coincida exatamente com o que pode ser chamado seu preço natural.
Procurarei explicar, tão completa e distintamente quanto puder, estes três assuntos nos três seguintes capítulos, pelo que devo encarecidamente pedir a paciência e a atenção do leitor: sua paciência, para examinar um pormenor que talvez em alguns pontos pareça desnecessariamente tedioso; e sua atenção para compreender o que possa, talvez, depois da mais completa explicação de que sou capaz, ainda parecer, em certo grau, obscuro. Prefiro sempre correr o risco de ser tedioso, para que possa certificar-me de ser claro, e depois de tomar o máximo cuidado para tanto, alguma obscuridade ainda pode parecer restar sobre um assunto por natureza extremamente abstrato.
Nota
1 Plínio, Historia Naturalis, XXXIII, 3.
CAPÍTULO 5
DO PREÇO REAL E NOMINAL DAS MERCADORIAS, DE SEU PREÇO EM TRABALHO E SEU PREÇO EM DINHEIRO
Cada homem é rico ou pobre, segundo o grau em que pode adquirir as necessidades, conveniências e diversões da vida humana. Mas depois que a divisão do trabalho foi bem implantada, é a uma bem pequena parte dessas que o trabalho do homem proporciona. A maioria delas, ele deve derivar do trabalho de outras pessoas, e será rico ou pobre, de acordo com a quantidade daquele trabalho que pode comandar, ou que ele pode adquirir. O valor de qualquer mercadoria, portanto, para a pessoa que a possui, e que não pretende usá-la, ou consumi-la, mas trocá-la por outras mercadorias, é igual à quantidade de trabalho que o capacita a comprar ou comandar. O trabalho, portanto, é a medida real do valor de troca de todas as mercadorias.
O preço real de tudo, o que tudo realmente custa para o homem que deseja adquirir, é o labor e o incômodo de adquiri-lo. O que tudo realmente vale para o homem que adquiriu, e que quer dispor disto ou trocar por algo, é o incômodo e o labor que pode poupar a si mesmo, e que pode impor a outrem. O que é comprado com dinheiro ou bens é comprado pelo trabalho na mesma medida do que adquirirmos com o esforço de nosso corpo. Esse dinheiro, ou esses bens, de fato poupam-nos este esforço. Contêm o valor de uma certa quantidade de trabalho, que trocamos pelo que se supõe, no momento, que contenha o valor de mesma quantidade. O trabalho foi o primeiro preço, a moeda de troca original, que pagava todas as coisas. Não era com ouro ou prata, mas pelo trabalho, que toda a riqueza do mundo foi originalmente adquirida; e este valor, para aqueles que o possuem e querem trocá-lo por alguma nova produção, é precisamente igual à quantidade de trabalho que lhes permite comprar ou comandar.
A riqueza, como diz o sr. Hobbes, é o poder. Mas a pessoa que adquire, ou herda uma grande fortuna, não adquire nem herda necessariamente nenhum poder político, civil ou militar. Sua fortuna pode, talvez, proporcionar-lhe os meios de adquirir ambos, mas a mera posse daquela fortuna não os traz necessariamente. O poder que aquela posse traz imediata e diretamente é o poder de compra; um certo comando sobre todo o trabalho, ou sobre todo o produto do trabalho, que então esteja no mercado. Sua fortuna é maior ou menor precisamente na proporção da extensão deste poder, ou à quantidade do trabalho de outrem, ou, o que dá no mesmo, do produto do trabalho de outrem, que lhe permite adquirir ou comandar. O valor de troca de tudo deve ser sempre precisamente igual à extensão deste poder que traz a seu possuidor.
Mas, se bem que o trabalho seja a medida real do valor de troca de todas as mercadorias, não é por ele que seu valor é usualmente avaliado. Frequentemente é difícil precisar a proporção entre duas quantidades diferentes de trabalho. O tempo gasto em duas espécies diferentes de trabalho nem sempre determinará sua proporção. Os diferentes graus de dificuldade suportada, e da engenhosidade exercida, devem semelhantemente ser levados em consideração. Pode haver mais trabalho numa hora de trabalho duro do que em duas horas de negócios fáceis, ou numa hora de aplicação a um ofício que levou dez anos de trabalho para aprender do que a indústria de um mês num emprego ordinário e óbvio. Mas não é fácil achar nenhuma medida precisa, de dificuldade ou engenhosidade. Ao trocar, com efeito, as diversas produções das diversas naturezas de trabalho umas pelas outras, comumente se fazem algumas concessões mútuas. O ajuste se dá, entretanto, não por uma medida acurada, mas pelo regatear e barganhar do mercado, de acordo com uma espécie de igualdade grosseira que, mesmo inexata, é suficiente para efetivar os negócios da vida cotidiana.
Toda mercadoria, além do mais, é mais costumeiramente trocada, e portanto comparada, com outras mercadorias do que com trabalho. É mais natural, portanto, estimar seu valor de troca pela quantidade de alguma outra mercadoria do que pelo trabalho que pode comprar. A maioria das pessoas, também, entende melhor o que se entende por uma quantidade de uma dada mercadoria do que por uma quantidade de trabalho. Uma é um objeto simples e palpável; a outra é uma noção abstrata, que, se bem que possa ser tornada suficientemente inteligível, não é tão natural e óbvia.
Mas quando cessa a troca, e o dinheiro torna-se o instrumento comum do comércio, cada mercadoria é mais frequentemente trocada por dinheiro do que por qualquer outra mercadoria. O açougueiro dificilmente carrega bifes ou um carneiro ao padeiro, ou ao cervejeiro, para trocá-los por pão ou cerveja. A quantidade de dinheiro que ele recebe pela carne regula também a quantidade de pão e cerveja que depois ele pode comprar. É mais natural e óbvio para ele, portanto, avaliá-los pela quantidade de dinheiro, a mercadoria pela qual ele imediatamente as troca, do que pela quantidade de pão e cerveja, mercadorias que só pode trocar pela intervenção de uma outra; será preferível dizer que a carne do açougueiro vale três ou quatro pence a libra, do que três ou quatro libras de pão, ou três ou quatro quartos de cerveja. Donde o valor de troca de cada mercadoria vem a ser mais frequentemente avaliado pela quantidade de dinheiro que pela quantidade de trabalho ou por qualquer outra mercadoria que pode ser obtida em troca dele.
O ouro e a prata, no entanto, como qualquer outra comodidade, variam em seu valor, sendo por vezes mais caros, por vezes mais baratos, às vezes mais difíceis, às vezes mais fáceis de comprar. A quantidade de trabalho que qualquer quantidade particular deles pode comprar ou ordenar, ou a quantidade de outros bens que trocará, depende sempre da fertilidade ou não das minas conhecidas na época em que tais trocas são feitas. A descoberta das abundantes minas da América reduziu, no século XVI, o valor do ouro e da prata na Europa para cerca de um terço do que havia sido antes. Como custa menos trabalho trazer estes metais da mina ao mercado, quando aqui eram comprados, comprariam ou ordenariam menos trabalho, e esta revolução em seu valor, talvez a maior, de modo algum é a única de que a história dá conta. Mas assim como a medida natural de uma quantidade, como o pé, a braça, a mancheia, que variam continuamente, nunca pode ser medida precisa da quantidade de outras coisas, assim, uma mercadoria que está continuamente variando o próprio valor, nunca pode ser medida precisa do valor de outras mercadorias. Quantidades iguais de valor, em qualquer tempo ou lugar, são ditas de mesmo valor para o trabalhador. Em seu estado ordinário de saúde, força e consciência, no grau ordinário de capacidade e destreza, ele deve sempre renunciar à mesma porção de sua folga, sua liberdade e sua felicidade. O preço que ele paga deve sempre ser o mesmo, qualquer que seja a quantidade de bens que ele receba em retorno. Destes, com efeito, ele pode por vezes comprar uma quantidade ora maior, ora menor; mas é seu valor que varia, não o do valor que os compra. Em todo o tempo e lugar, é caro aquilo que é difícil de conseguir, ou que custa muito trabalho para adquirir, e barato o que é conseguido facilmente, ou com muito pouco trabalho. O trabalho sozinho, portanto, nunca variando no próprio valor, é unicamente o final e real padrão pelo que o valor de todas as mercadorias pode, em qualquer tempo e lugar, ser estimado e comprado. É seu preço real; o dinheiro é apenas seu preço nominal.
Mas, se bem que iguais quantidades de trabalho sejam sempre de mesmo valor para o trabalhador, para a pessoa que o emprega elas podem parecer por vezes de maior por vezes de menor valor. Ela as compra ora com uma maior, ora com uma menor quantidade de bens, e para ela o preço do trabalho parece variar, como o de todas as outras coisas. Parece-lhe caro num caso e barato no outro. Na realidade, porém, os bens é que são baratos num caso e caros no outro.
Neste sentido popular, portanto, o trabalho, como as mercadorias, pode ser tido com um preço real e um nominal. Seu preço real pode ser tido como a quantidade das necessidades e conveniências da vida que são dadas por ele; seu preço nominal, na quantidade de dinheiro. O trabalhador é rico ou pobre, é bem ou mal recompensado, em proporção ao preço real, e não ao nominal, de seu labor.
A distinção entre o preço real e o nominal das mercadorias e do trabalho não é matéria de simples especulação, mas por vezes pode ser de considerável uso prático. O mesmo preço real é sempre do mesmo valor, mas por conta das variações do valor do ouro e da prata, o mesmo preço nominal é por vezes de valores diversos. Quando uma propriedade fundiária, portanto, é vendida com uma reserva de pagamento de uma renda perpétua, se se quiser que esta renda seja sempre do mesmo valor, é importante, para a família em cujo favor se faz a reserva, que nunca consista numa certa soma em dinheiro. Seu valor, neste caso, estaria submetido a variações de duas origens: primeira, àquelas que surgem das diferentes quantidades de ouro e prata que estão contidas, em épocas diferentes, nas moedas de mesma denominação; segunda, àquelas que surgem dos diferentes valores das mesmas quantidades de ouro e prata em épocas diferentes.
Príncipes e Estados soberanos têm interesses temporários em diminuir a quantidade de metal puro contida em suas moedas; raramente se interessaram em aumentá-la. A quantidade de metal contida nas moedas, creio, em todas as nações, tem diminuído quase que continuamente, e muito raramente aumentado. Tais variações, portanto, tendem quase sempre a diminuir o valor de uma renda a dinheiro.
A descoberta das minas da América diminuiu o valor do ouro e da prata na Europa. Esta diminuição, supõe-se comumente, se bem que não se tenha disto nenhuma prova certa, ainda continua gradualmente, e tende a continuar assim por um longo tempo. Por esta suposição, portanto, tais variações tendem a diminuir, e não a aumentar o valor de uma renda em dinheiro, mesmo que seja estipulado seu pagamento, não numa quantidade em dinheiro de certa denominação (em tantas libras esterlinas, por exemplo), mas em tantas onças ou de prata pura, ou de prata de um certo padrão.
As rendas que são reservadas em cereal preservaram seu valor muito melhor que aquelas que foram reservadas em dinheiro, mesmo onde a denominação da moeda não foi alterada. Pelo 18º ano de Elizabeth foi decretado que um terço de todas as rendas de corporações fosse deduzido em cereal, a pagar em espécie, ou de acordo com os preços correntes no mercado público mais próximo. O dinheiro originário desta renda de cereais, se bem que inicialmente um terço do todo, é atualmente, de acordo com o dr. Blackstone, comumente quase o dobro do que se origina dos outros dois terços. As antigas rendas das corporações, de acordo com esta avaliação, devem ter caído quase a um quarto de seu antigo valor; ou valem pouco mais que um quarto do cereal que antigamente valiam. Mas desde o reinado de Philip e Mary, a denominação da moeda inglesa sofreu pouca ou nenhuma alteração, e o mesmo número de libras, shillings e pence tem contido muito aproximadamente a mesma quantidade de prata pura. Esta degradação, portanto, no valor das rendas em dinheiro das corporações, decorreu totalmente da degradação do valor da prata.
Quando a degradação no valor da prata combina com a diminuição de sua quantidade contida na moeda da mesma denominação, a perda é frequentemente ainda maior. Na Escócia, onde a denominação da moeda sofreu alterações muito maiores que jamais o fez na Inglaterra, e na França, onde foi ainda mais alterada que na Escócia, algumas antigas rendas, originalmente de considerável valor, destarte a quase nada foram reduzidas.
Iguais quantidades de trabalho, a longos intervalos, serão compradas quase com as mesmas quantidades de cereal, a subsistência do trabalhador, do que com iguais quantidades de ouro e prata, ou talvez de alguma outra mercadoria. Iguais quantidades de cereal, portanto, a longos intervalos, serão quase sempre do mesmo valor real, ou permitem ao possuidor comprar ou comandar aproximadamente sempre a mesma quantidade de trabalho de outras pessoas. Farão isto, digo, mais precisamente do que quantidades iguais de quase qualquer outra mercadoria; pois mesmo iguais quantidades de cereal não o farão exatamente. A subsistência do trabalhador, ou o preço real do trabalho, como adiante tentarei mostrar, é muito diferente em diversas ocasiões; mais liberal numa sociedade que avança para a opulência do que numa que retroage. Qualquer outra mercadoria, porém, a qualquer tempo comprará maior ou menor quantidade de trabalho em proporção à quantidade de subsistência que poderá então comprar. Mas uma renda a ser paga em qualquer outra mercadoria está sujeita não só às variações na quantidade de trabalho que qualquer quantidade particular de cereal possa comprar, mas às variações na quantidade de cereal que possa ser comprada por qualquer quantidade particular daquela mercadoria.
Muito embora o valor real de uma renda em cereal, deve-se observar, varie muito menos de século para século do que uma renda em dinheiro, varia muito mais de ano para ano. O preço em dinheiro do trabalho, como procurarei demonstrar, não flutua de ano para ano com o preço em dinheiro do cereal, mas parece sempre se acomodar, não ao preço temporário ou ocasional, mas ao preço médio ou ordinário das necessidades da vida. O preço médio ou comum do cereal de novo é regulado, como também procurarei demonstrar, pelo valor da prata, pela riqueza ou esterilidade das minas que suprem o mercado com esse metal, ou pela quantidade de trabalho que deve ser empregada, e consequentemente, de cereal que deve ser consumido, para trazer qualquer quantidade de prata da mina ao mercado. Mas o valor da prata, se bem que por vezes varie grandemente de século para século, raramente varia muito de ano para ano, mas quase sempre continua o mesmo, ou quase, por meio século, ou todo um século. O preço médio ou ordinário do cereal, portanto, durante um período tão longo, continuará o mesmo, ou quase, também, e junto com ele o preço do trabalho, desde que pelo menos a sociedade continue, sob outros aspectos, nas mesmas condições, ou quase. Entrementes, o preço temporário e ocasional do cereal pode frequentemente dobrar num ano, em relação ao ano anterior, ou flutuar, por exemplo, de 5,20 a cinquenta shillings o quarto. Mas quando o cereal está a este último preço, não só o valor nominal, mas o valor real de uma renda em cereal será o dobro do que era pelo anterior, ou comandará o dobro da quantidade de trabalho, ou da maior parte das outras mercadorias; o preço em dinheiro do trabalho, e com ele o da maioria das outras coisas, sendo o mesmo durante todas estas flutuações.
O trabalho, parece evidente, é a única medida universal e precisa do valor, ou o único padrão pelo qual podemos comparar os valores de diferentes mercadorias em qualquer tempo e lugar. Admitimos não poder estimar o valor real de diferentes mercadorias de século para século pelas quantidades de prata dadas por elas. Não podemos estimá-la de ano para ano pelas quantidades de cereal. Pelas quantidades de trabalho podemos, com a maior precisão, estimá-la de um século para outro, como de ano para ano. De século para século, o cereal é melhor medida que a prata, visto que iguais quantidades de cereal comandarão a mesma quantidade de trabalho mais precisamente do que iguais quantidades de prata. De ano para ano, pelo contrário, a prata é mais bem medida que o cereal, pois iguais quantidades dela comandarão mais aproximadamente a mesma quantidade de trabalho.
Se bem que ao estabelecer rendas perpétuas, ou mesmo ajustando longos arrendamentos, pode ser útil distinguir entre o preço real o e nominal; mas não tem utilidade ao comprar e vender, as transações mais comuns e ordinárias da vida humana.
Num mesmo tempo e lugar, o preço real e o nominal das mercadorias estão exatamente em proporção uns com os outros. Quanto mais ou menos dinheiro se consegue por qualquer mercadoria, no mercado de Londres, por exemplo, mais ou menos trabalho, naquele tempo e lugar, lhe será permitido comprar ou comandar. Num mesmo tempo e lugar, portanto, o dinheiro é a exata medida do real valor de troca de todas as mercadorias. No entanto, assim é apenas num mesmo tempo e lugar.
Se bem que em lugares distantes não haja proporção regular entre o preço real e o preço em dinheiro das mercadorias, ainda assim o mercador que leva bens de um lugar para outro nada tem a considerar senão seu preço em dinheiro, ou a diferença entre a quantidade de prata pela qual ele os compra e aquela pela qual ele provavelmente as venderá. Meia onça de prata em Cantão, na China, comanda uma grande quantidade tanto de trabalho e de necessidades e conveniências da vida do que uma libra em Londres. Uma mercadoria, portanto, que seja vendida por meia onça de prata em Cantão, pode lá ser realmente cara, ou de maior importância real para o homem que a possui lá do que uma mercadoria que seja vendida por uma onça em Londres, para o homem que a possua em Londres. Se um comerciante londrino, porém, pode comprá-la por meia onça de prata, uma mercadoria que depois poderá vender em Londres por uma onça, ganha 100% na barganha, tanto quanto se uma onça de prata tivesse em Londres o mesmo preço que em Cantão. Não é importante para ele que meia onça de prata em Cantão lhe daria o comando de mais trabalho e maior quantidade das necessidades e conveniências da vida do que pode uma onça em Londres. Uma onça em Londres lhe dará sempre o comando do dobro da quantidade de tudo que meia onça poderia dar lá, e é isto precisamente o que ele almeja.
Como é o preço nominal ou em dinheiro dos bens que afinal determina a prudência ou imprudência de todas as compras e vendas, e portanto regula quase todos os negócios da vida comum no que concerne aos preços, não é de admirar que seja muito mais considerado do que o preço real.
Mas, numa obra como esta, por vezes pode ser útil comparar os diferentes valores reais de uma mercadoria em particular em diferentes épocas e lugares, ou os diferentes graus de poder sobre o trabalho das pessoas que pode dar, em diferentes ocasiões, àqueles que o possuem. Neste caso devemos comparar não tanto as várias quantidades de prata pela qual foi comumente vendida quanto as diferentes quantidades de trabalho que aquelas várias quantidades de prata teriam comprado. Contudo os preços correntes do trabalho em épocas e lugares distantes dificilmente podem ser conhecidos com algum grau de precisão. Os do cereal, se bem que nuns poucos lugares foi registrado regularmente, são em geral mais bem conhecidos e mais frequentemente anotados por historiadores e outros escritores. Em geral, devemos nos contentar com eles, não como sendo sempre exatamente na mesma proporção que os preços correntes do trabalho, mas como sendo a melhor aproximação que comumente pode ter. Depois, terei oportunidade de fazer numerosas comparações desta espécie.
Progredindo a indústria, as nações comerciais acharam conveniente cunhar vários metais diferentes como dinheiro; o ouro para os pagamentos maiores, a prata para compras de valor moderado e o cobre, ou algum outro metal grosseiro, para aquelas de ainda menor consideração. Mas sempre consideraram um destes metais como sendo mais peculiarmente a medida do valor que qualquer um dos dois outros; e esta preferência parece geralmente ter sido dada ao metal que primeiro usaram como instrumento de comércio. Uma vez tendo-o utilizado como padrão, o que devem ter feito quando não tinham outro dinheiro, geralmente continuaram a fazê-lo mesmo quando a necessidade não era a mesma.
Diz-se que os romanos só tinham dinheiro de cobre, até os cinco primeiros anos antes da primeira guerra púnica2 quando começaram a cunhar prata pela primeira vez. O cobre, portanto, parece ter continuado sempre a medida do valor naquela república. Em Roma, todas as contas parecem ter sido mantidas, e o valor de todas as terras teria sido computado em asses ou sestércios. O asse era sempre a denominação da moeda de cobre. A palavra sestércio significa dois asses e meio. Embora o sestércio tenha sido originalmente moeda de prata, seu valor era estimado em cobre. Em Roma, quem possuísse grande quantidade de dinheiro era tido como possuidor de grande parte do cobre alheio.
As nações nórdicas que se estabeleceram sobre as ruínas do império romano, parecem ter tido dinheiro de prata já desde o começo de seu estabelecimento, e não conheceram moedas de ouro ou cobre por um longo período posterior. Havia moedas de prata na Inglaterra, no tempo dos saxões; mas havia pouco ouro cunhado até o tempo de Eduardo III e nenhum cobre até o de Jaime I da Grã-Bretanha. Na Inglaterra, portanto, e pela mesma razão, creio, em todas as outras nações modernas da Europa, todas as contadas são mantidas, e o valor de todos os bens e terras é geralmente computado em prata; e quando queremos exprimir a grandeza da fortuna de uma pessoa, raramente mencionamos o número de guinéus, mas sim o número de libras esterlinas que supomos seria dado por ela.
Originalmente, em todos os países, creio, uma prova legal de pagamento só poderia ser feita na moeda daquele metal que era considerado especialmente como a referência ou medida do valor. Na Inglaterra, o ouro não era considerado prova legal por longo tempo depois de ter sido cunhado em dinheiro. A proporção entre os valores de dinheiro de ouro e prata não era fixada por nenhuma lei pública, ou proclamação, mas era deixada para ser fixada pelo mercado. Se um devedor oferecesse pagamento em ouro, o credor poderia rejeitar completamente tal pagamento, ou aceitá-lo a uma tal cotação sobre a qual ele e seu devedor pudessem concordar. O cobre atualmente não é prova legal, exceto na troca de moedas de prata pequenas. Neste estado de coisas, a distinção entre o metal que era a referência, e aquele que não era, era algo mais que uma distinção nominal.
Com o passar do tempo, as pessoas, tornando-se gradualmente mais familiarizadas com o uso dos diversos metais cunhados, e consequentemente mais bem familiarizadas com a proporção entre seus valores respectivos, na maioria dos países, creio, foi achado conveniente determinar esta proporção e declarar, por lei pública, que um guinéu, por exemplo, de tal peso e pureza deveria ser trocado por 21 shillings, ou ser prova legal para um débito daquela soma. Neste estado de coisas, e durante a continuação de qualquer proporção regulada deste tipo, a distinção entre o metal que é a referência, e aquele que não é, torna-se pouco mais que uma distinção nominal.
Em consequência de qualquer mudança, porém, nesta proporção regulada, esta distinção se torna, ou ao menos parece tornar-se, algo mais que nominal, novamente. Se o valor regulamentado de um guinéu, por exemplo, fosse reduzido a vinte, ou elevado a 22 shillings, todas as contas sendo mantidas e quase todas as obrigações de débito expressas em dinheiro de prata, a maior parte dos pagamentos poderia, em qualquer caso, ser feita com a mesma quantidade de dinheiro que antes, mas requereria muito diferentes quantidades em ouro; maior num caso, menor no outro. A prata pareceria ser mais invariável em seu valor que o ouro. A prata pareceria medir o valor do ouro, e o ouro não pareceria medir o valor da prata. O valor do ouro pareceria depender da quantidade de prata que poderia trocar, e o valor da prata não pareceria depender da quantidade de ouro que poderia trocar. Esta diferença, porém, se deveria totalmente ao costume de manter as contas, e exprimir a quantidade de todas as somas, grandes e pequenas, mais em prata que em ouro. Uma das notas do sr. Drummond de 25 ou cinquenta guinéus após uma alteração desta espécie, ainda seria pagável com 25 ou cinquenta guinéus, do mesmo modo que antes. Após uma tal alteração, seria pagável com a mesma quantidade de ouro que antes, mas com muito diferentes quantidades de prata. No pagamento de tal nota, o ouro pareceria ser mais invariável em seu valor que a prata. O ouro pareceria medir o valor da prata e a prata pareceria não medir o valor do ouro. Se o costume de manter as contas e de exprimir notas promissórias e outras obrigações em dinheiro desta maneira se generalizasse, o ouro, e não a prata, seria considerado o metal especial de referência ou medida do valor.
Na realidade, durante a continuação de qualquer proporção regulamentada entre os valores respectivos dos diferentes metais cunhados, o valor do metal mais precioso regula o valor de toda a moeda. Doze pence de cobre contêm meia libra avoirdupois, de cobre não da melhor qualidade, que, antes da cunhagem, raramente vale sete pence de prata. Mas, como pela regulamentação, 12 de tais pence devem ser trocados por um shilling, no mercado, são considerados como valendo um shilling, e pode-se ter um shilling por eles, a qualquer momento. Mesmo antes da última reforma da moeda de ouro na Grã-Bretanha, o ouro, ou ao menos sua parte que circulava em Londres e suas vizinhanças, em geral estava menos desvalorizada em relação a seu peso-padrão que a maior parte da prata. Vinte e um gastos e desvalorizados shillings, porém, eram equivalentes a um guinéu, que talvez também estivesse gasto e desvalorizado, se bem que mais raramente. Os últimos regulamentos trouxeram a moeda de ouro tão próxima de seu peso-padrão quanto se poderia levar a moeda corrente de qualquer nação; e a ordem para só receber ouro, nos escritórios públicos, somente a peso, tende a preservar esta situação, enquanto aquela ordem for mantida. A moeda de prata ainda continua no mesmo estado desgastado e desvalorizado que antes da reforma da moeda de ouro. No mercado, porém, 21 shillings desta moeda desvalorizada de prata ainda são considerados como um guinéu daquela excelente moeda de ouro.
A reforma da moeda de ouro evidentemente elevou o valor da moeda de prata, que pode ser trocado por ela.
Na cunhagem inglesa, o peso de uma libra de ouro é cunhado em 44,5 guinéus, que, a 21 shillings ou guinéu, é igual a 46 libras, 14 shillings e seis pence. Uma onça de tal moeda de ouro, portanto, vale £3 17s. 10 1/2d. em prata. Na Inglaterra, não se paga qualquer imposto ou taxa sobre a cunhagem, e quem carrega o peso de uma libra ou uma onça de lingotes-padrão de ouro à cunhagem recebe uma libra ou uma onça em peso de moedas de ouro, sem nenhuma dedução. Três libras, 17 shillings e 10,5 pence por onça, portanto, é dito ser o preço do ouro cunhado na Inglaterra, ou a quantidade de moedas de ouro que a casa da moeda dá em troca do lingote-padrão de ouro.
Antes da reforma da moeda de ouro, o preço do lingote-padrão de ouro no mercado por muitos anos estivera acima de £3 18s. ou, por vezes, £3 19s. e, muito frequentemente, £4 por onça; esta soma, provavelmente, na moeda de ouro, gasta e desvalorizada, raramente contendo mais que uma onça de ouro-padrão. Desde a reforma da moeda de ouro, o preço de mercado do lingote-padrão de ouro raramente excede £3 17s. por onça. Antes dessa reforma, o preço de mercado estava sempre abaixo do preço de cunhagem. Mas esse preço de mercado é o mesmo, pago em moeda de ouro ou de prata. Esta última reforma, portanto, elevou não só o valor da moeda de ouro, mas igualmente o da de prata, em proporção ao lingote de ouro, e provavelmente também em proporção a todas as outras mercadorias; se bem que o preço da maioria das outras mercadorias seja influenciado por tantas outras causas, a elevação no valor, quer da moeda de ouro ou de prata em proporção a elas, pode não ser tão distinto e sensível.
Na casa da moeda inglesa, o peso de uma libra de lingote-padrão de prata é cunhado em 62 shillings, contendo, do mesmo modo, o peso de uma libra de prata-padrão. Cinco shillings e dois pence a onça, portanto, é dito o preço da prata cunhada na Inglaterra, ou a quantidade de moedas de prata que a casa da moeda dá em troca pelo lingote-padrão de prata. Antes da reforma da moeda de ouro, o preço de mercado do lingote-padrão de prata era, em diferentes ocasiões, cinco shillings, quatro pence, cinco shillings e sete pence, e, muito frequentemente, cinco shillings e oito pence a onça. Cinco shillings e sete pence, no entanto, parece ter sido o preço mais comum. Desde a reforma da moeda de ouro, o preço de mercado do lingote-padrão de prata caiu, ocasionalmente, a cinco shillings e três pence, cinco shillings e quatro pence, e cinco shillings e cinco pence por onça, tendo sido raramente excedido este último preço. Se bem que o preço de mercado do lingote de prata tenha caído consideravelmente desde a reforma da moeda de ouro, não caiu tão baixo quanto o preço da cunhagem.
Na proporção entre os diferentes metais na moeda da Inglaterra, como o cobre é cotado muito acima de seu real valor, a prata também é cotada um pouco abaixo. No mercado europeu, nas moedas francesas e holandesas, uma onça de ouro fino é trocada por cerca de 14 onças de prata fina. Na moeda inglesa, é trocada por cerca de 15 onças, isto é, por mais prata do que vale, de acordo com a avaliação comum na Europa. Mas como o preço do cobre em barras não é elevado, nem mesmo na Inglaterra, pelo alto preço do cobre na moeda inglesa, o preço da prata em lingotes não é reduzido pela baixa cotação da prata na moeda inglesa. A prata em lingotes ainda preserva sua proporção própria para o ouro; pela mesma razão que o cobre em barras preserva sua proporção adequada para com a prata.
Com a reforma da moeda de prata no reinado de Guilherme III, o preço do lingote de prata ainda continuava um pouco acima do preço da cunhagem. O sr. Locke imputou este alto preço à permissão de exportar lingotes de prata e à proibição de exportar moeda de prata. Esta permissão de exportação, disse ele, tornou a demanda de lingote de prata maior que a demanda da moeda de prata. Mas o número de pessoas que desejava moedas de prata para os usos comuns de comprar e vender no próprio país é certamente muito maior que aqueles que querem lingotes de prata para fins de exportação ou qualquer outro uso. Subsiste, hoje em dia, uma permissão semelhante para exportação de lingotes de ouro e uma proibição semelhante para exportar moedas de ouro, mesmo assim o preço do lingote de ouro caiu abaixo do preço da cunhagem. Mas na Inglaterra a moeda de prata estava, tal como agora, desvalorizada em proporção ao ouro, e a moeda de ouro (que naquela época não se supunha requeresse qualquer reforma) regulava então, como agora, o valor real de toda a moeda. Como a reforma da moeda de prata então não reduziu o preço do lingote de prata ao preço de cunhagem, não é muito provável que uma tal reforma o faça agora.
Se a moeda de prata fosse de novo trazida para perto do seu peso-padrão como o ouro, um guinéu, provavelmente, de acordo com a presente proporção, trocaria mais moeda de prata do que compraria em lingotes. A moeda de prata, contendo todo seu peso-padrão, neste caso seria lucrativo fundi-la, primeiro, para trocar o lingote por moeda de ouro, e depois trocar esta moeda de ouro por moeda de prata, para ser, do mesmo modo, fundida. Alguma alteração na atual proporção parece ser o único método de prevenir esta inconveniência.
A inconveniência talvez pudesse ser menor se a prata fosse cotada na moeda como muito acima de sua proporção correta para o ouro, como atualmente é cotada abaixo dele; desde que ao mesmo tempo fosse publicado que a prata não seria prova legal para mais que o troco de um guinéu, do mesmo modo que o cobre não é prova legal para a troca de mais de um shilling. Nenhum credor, neste caso, seria trapaceado em consequência da grande cotação da moeda de prata, como nenhum credor atualmente pode ser enganado pela alta cotação do cobre. Somente os banqueiros sofreriam com esta regulamentação. Quando há uma corrida aos bancos, por vezes eles tentam ganhar tempo pagando em moedas de seis pence, e seriam impedidos, por esta regulamentação, do método, desacreditado, de evitar pagamentos imediatos. Seriam obrigados, por conseguinte, a manter maior quantidade de dinheiro que atualmente; e se bem que isto sem dúvida seria uma grande inconveniência para eles, seria, ao mesmo tempo, uma considerável segurança para seus credores.
Três libras, 17 shillings, 10,5 pence (o preço do ouro cunhado) certamente não contêm, mesmo em nossa boa moeda de ouro, mais de uma onça de ouro-padrão, e pode-se pensar, portanto, que não deveria comprar mais em lingote-padrão. Mas o ouro em moeda é mais conveniente que o ouro em lingote, e se bem que na Inglaterra a cunhagem seja grátis, o ouro carregado em lingotes à cunhagem raramente pode ser devolvido em moedas ao seu possuidor, senão com um prazo de várias semanas. Com a atividade atual da casa da moeda, só poderia ser devolvido depois de vários meses. Este retardo é semelhante a uma pequena taxa, e torna o ouro em moeda um pouco mais valioso que uma igual quantidade de ouro em lingotes. Se, na moeda inglesa, a prata fosse taxada de acordo com sua proporção correta com o ouro, o preço do lingote de prata provavelmente cairia abaixo do preço da moeda, mesmo sem reforma da moeda de prata; o valor mesmo da atual moeda de prata, gasta e desvalorizada, seria regulado pelo valor da boa moeda de ouro pela qual pode ser trocada.
Uma pequena taxa ou imposto sobre a cunhagem, tanto do ouro como da prata, provavelmente aumentaria ainda mais a superioridade daqueles metais cunhados acima de uma igual quantidade de qualquer um deles em lingote. A cunhagem, neste caso, aumentaria o valor do metal cunhado, em proporção à quantia desta pequena taxa; pela mesma razão a modelagem aumenta o valor de uma chapa, na mesma proporção do preço de seu trabalho. A superioridade da moeda sobre o lingote evitaria a fundição da moeda, e desencorajaria sua exportação. Se, a qualquer exigência pública, fosse necessário exportar a moeda, sua maior parte logo retornaria naturalmente. No estrangeiro, poderia ser vendida apenas por seu peso em lingotes. No país de origem, compraria mais que aquele peso. Haveria lucro, portanto, em trazê-la de volta. Na França, uma taxa de cerca de 8% é imposta sobre a cunhagem, e a moeda francesa, quando exportada, diz-se que volta para casa naturalmente.
As flutuações ocasionais no preço do mercado do lingote de ouro e prata surgem das mesmas causas que as flutuações semelhantes das outras mercadorias. A perda frequente destes metais, por vários acidentes, no mar e em terra, a sua perda contínua em douração e chapeamento, em rendas e bordados, no desgaste da moeda e no do chapeado, requerem, em todos os países que não possuem minas próprias, uma contínua importação, para compensar estas perdas e desgastes. Os importadores comerciais, como todos os outros comerciantes, acredito, procuram tanto quanto podem adequar suas importações ocasionadas ao que julgam ser a demanda imediata. Com toda sua atenção, porém, por vezes se excedem, e por vezes, faltam para com os negócios. Quando importam mais lingotes do que o necessário, ao invés de incorrer no risco e no trabalho de exportá-los de novo, às vezes vendem parte deles por um pouco menos do preço médio ordinário. Quando, por outro lado, importam menos que o necessário, conseguem um pouco mais que o seu preço. Mas, quando sob todas estas flutuações ocasionais, o preço de mercado do lingote de ouro ou prata continua por vários anos constante e inalterado, pouco acima ou abaixo do preço da cunhagem, podemos estar certos de que esta superioridade ou inferioridade do preço, constante e inalterada, é o efeito de algo na condição da moeda, que, na época, troca uma certa quantidade de moeda de maior ou menor valor que a quantidade precisa de lingotes que deveria conter. A constância e inalterabilidade do efeito supõe uma constância proporcional na causa.
O dinheiro de qualquer país, em qualquer momento ou lugar, é uma medida mais ou menos precisa do valor, conforme a moeda corrente seja mais ou menos exatamente conforme a seu padrão, ou contenha mais ou menos exatamente a precisa quantidade de ouro ou prata puros que deveria conter. Se na Inglaterra, por exemplo, 44,5 guinéus contêm exatamente o peso de uma libra de ouro-padrão, ou 11 onças de ouro fino, e uma onça de liga, a moeda de ouro inglesa seria uma medida tão precisa do valor real dos bens em qualquer tempo ou lugar quanto a natureza da coisa admitiria. Mas se, pelo desgaste, 44,5 guinéus contêm menos que o peso de uma libra de ouro-padrão, a diminuição sendo maior em algumas peças que em outras, a medida do valor torna-se sujeita à mesma espécie de incerteza a que todos os outros pesos e medidas estão expostos usualmente. Como raramente acontece que estes concordem exatamente com seus padrões, o comerciante ajusta o preço de suas mercadorias tão bem quanto pode, não ao que aqueles pesos e medidas deveriam ser, mas ao que, em média, ele acha, por experiência, o que de fato são. Em consequência de uma semelhante desordem na moeda, o preço dos bens vem, do mesmo modo, a ser ajustado não na quantidade de ouro ou prata puros que a moeda deveria conter, mas àquilo que, em média, é encontrado por experiência.
Pelo preço em dinheiro dos bens, deve-se observar, entendo sempre a quantidade de ouro ou prata puros pela qual são vendidos, sem nenhuma consideração da denominação da moeda. Seis shillings e oito pence, por exemplo, no tempo de Eduardo I, considero o mesmo preço em dinheiro de uma libra esterlina dos tempos atuais, porque continha, tanto quanto podemos avaliar, a mesma quantidade de prata pura.
Nota
2 Plínio, ob. cit., XXXIII, 3.
CAPÍTULO 6
DAS PARTES COMPONENTES DO PREÇO DAS MERCADORIAS
Naquele primitivo e rude estado da sociedade que precede tanto a acumulação de estoque e a apropriação da terra, a proporção entre as quantidades de trabalho necessárias à aquisição de diferentes objetos parece ser a única circunstância que pode fornecer qualquer regra para trocá-las umas pelas outras. Se numa nação de caçadores, por exemplo, custa usualmente o dobro do trabalho matar um castor do que um veado, um castor naturalmente deveria ser trocado ou valer dois veados. É natural que o que é usualmente o produto do trabalho de dois dias ou duas horas, valha o dobro do que usualmente é produto do trabalho de um dia ou uma hora.
Se uma espécie de trabalho fosse mais severa que a outra, alguma margem naturalmente será dada para esta dificuldade superior; e o produto de uma hora de trabalho de um modo pode ser frequentemente trocado pelo de duas horas de trabalho de outro.
Ora, se uma espécie de trabalho requer um grau incomum de destreza e engenhosidade, a estima que os homens têm por tais talentos naturalmente dará um valor ao seu produto, superior ao que seria devido ao tempo nele empregado. Tais talentos raramente podem ser adquiridos, mas só em consequência de longa aplicação, e o valor superior de seu produto frequentemente pode ser apenas uma compensação razoável pelo tempo e o trabalho que devem ser gastos ao adquiri-los. No estado avançado da sociedade, margens desta natureza, por dificuldade superior e habilidade, são comumente feitas no pagamento do trabalho, e algo da mesma espécie deve provavelmente ter tomado lugar em seu período mais primitivo e rude.
Neste estado de coisas, todo o produto do trabalho pertence ao trabalhador, e a quantidade de trabalho comumente empregada ao adquirir ou produzir qualquer mercadoria é a única circunstância que pode regular a quantidade de trabalho que comumente deveria comprar, ordenar ou trocar.
Assim que há um acúmulo de capital nas mãos de particulares, alguns deles naturalmente o empregarão com o intuito de pôr para trabalhar pessoas industriosas, a quem eles suprirão com materiais e subsistência, para ter um lucro com a venda de seu trabalho, ou pelo que seu trabalho acrescenta ao valor dos materiais. Ao trocar a manufatura toda por dinheiro, trabalho, ou por outros bens, muito acima do que pode ser suficiente para pagar o preço dos materiais e os salários dos trabalhadores, algo deve ser dado pelos lucros do empreendedor do trabalho, que arrisca seus estoques nesta aventura. O valor que os trabalhadores acrescem aos materiais, portanto, resolve-se, neste caso, em duas partes, das quais uma paga seus salários a outra, os lucros de seu empregador sobre todo o estoque de materiais e salários que adiantou. Poderia não ter interesse em empregá-los, a menos que esperasse da venda de seu trabalho algo mais do que o que foi suficiente para substituir-lhe o capital; e ele poderia não ter interesse em empregar um grande estoque em vez de um pequeno, a menos que seus lucros devessem ter alguma proporção com a extensão de seu estoque.
Os lucros do capital, talvez se pense, são apenas um nome diferente para o salário de uma espécie particular de trabalho, o trabalho de inspeção e direção. São, entretanto, bastante diferentes; são regulados por princípios bem diversos, e não têm proporção com a quantidade, a dificuldade, ou a engenhosidade deste suposto trabalho de inspeção e direção. São totalmente regulados pelo valor do estoque empregado e são maiores ou menores em proporção a este estoque. Suponhamos, por exemplo, que em determinado lugar, onde os lucros anuais comuns do capital das manufaturas são 10%, há duas manufaturas distintas, em cada qual vinte trabalhadores estão empregado, a 15 libras por ano cada um, ou, com uma despesa de trezentas por ano em cada manufatura. Suponhamos também, que os materiais grosseiros anualmente fabricados numa custem apenas setecentas libras, ao passo que os materiais mais finos da outra, custem trezentas libras. À taxa de 10%, portanto, o empreendedor de uma esperará um lucro anual de cerca de cem libras apenas, ao passo que o da outra esperará cerca de 730 libras. Mas, mesmo sendo seus lucros tão distintos, seu trabalho de inspeção e direção pode ser exatamente, ou quase, o mesmo. Em muitas grandes obras, quase todo o trabalho desta espécie é delegado a algum funcionário principal. Seus salários expressam precisamente o valor deste trabalho de inspeção e direção. Muito embora ao determiná-los tem-se alguma consideração, comumente, não só a seu trabalho e habilidade, mas à confiança depositada nele, nunca apresentam qualquer proporção regular ao capital cuja aplicação supervisiona; e o proprietário deste capital, sendo assim dispensado de todo o trabalho, ainda espera que seus lucros tenham uma proporção regular para com seu capital. No preço das mercadorias, portanto, os lucros do estoque constituem uma parte componente totalmente diversa dos salários do trabalho e regulada por princípios bem diferentes.
Neste estado de coisas, todo o produto do trabalho nem sempre pertence ao trabalhador. Ele deve, na maioria dos casos, dividi-lo com o proprietário do estoque, que o emprega. Nem a quantidade de trabalho comumente empregada ao adquirir ou produzir qualquer mercadoria, a única circunstância que pode regular a quantidade que deveria comumente comprar, ordenar ou trocar. Uma quantidade adicional, é evidente, deve ser devida para os lucros do estoque que adiantou os salários e forneceu os materiais do trabalho.
Assim que a terra de qualquer país tornou-se toda propriedade privada, os senhores da terra, como todos os outros homens, gostam de colher onde nunca araram, e exigem uma renda mesmo por este produto natural. A madeira da floresta, a grama do campo e todos os frutos naturais da terra que, quando a terra era comum, custavam ao trabalhador apenas o trabalho de colhê-los, vêm, mesmo para ele, a ter um preço adicional fixado sobre eles. Ele deve então pagar pela licença de colhê-los, e deve dar para o senhor da terra uma porção do que o seu trabalho coleta ou produz. Esta porção, ou o que dá na mesma, o preço desta porção, constitui a renda da terra, e no preço da maioria das mercadorias constitui uma terceira parte componente.
O valor real de todas as partes componentes do preço, deve-se observar, é medido pela quantidade de trabalho que podem, cada uma delas, comprar ou ordenar. O trabalho mede o valor não só da parte do preço que se resolve em trabalho, mas aquela que se resolve em renda e daquela que se resolve em lucro.
Em toda sociedade o preço de cada mercadoria finalmente se resolve em uma ou outra, ou todas aquelas três partes; e em toda sociedade adiantada, todas três entram, mais ou menos, como partes componentes, no preço da franca maioria das mercadorias.
No preço do cereal, por exemplo, uma parte paga a renda do dono da terra, outra paga os salários ou manutenção dos trabalhadores e do gado de tração empregados na sua produção e a terceira paga o lucro do lavrador. Estas três partes parecem, imediata ou ultimamente, compor todo o preço do cereal. Uma quarta parte, poder-se-ia pensar, é necessária para substituir o estoque do lavrador, ou para compensar o desgaste de seu gado, e outros instrumentos agrícolas. Mas deve-se considerar que o preço de qualquer instrumento agrícola, como um cavalo de tração, é ele mesmo composto de três partes: a renda da terra onde o animal é criado, o trabalho de cuidar dele e os lucros do lavrador que adiantou tanto a renda desta terra como o salário deste trabalho. Muito embora o preço do cereal, portanto, possa pagar o preço, bem como a manutenção do cavalo, o preço todo ainda se resolve imediata ou ultimamente nas mesmas três partes da renda, trabalho e lucro.
No preço da farinha, devemos acrescentar ao preço do cereal o lucro do moleiro e os salários de seus servos; no preço do pão, os lucros do padeiro e os salários de seus servos; e no preço de ambos, o trabalho de transportar o cereal da casa do lavrador à do moleiro e da do moleiro à do padeiro, bem como os lucros daqueles que adiantam os salários daquele trabalho.
O preço do linho se resolve naquelas mesmas três partes do cereal. No preço do pano de linho, devemos acrescentar a este preço os salários do apanhador do linho, do fiandeiro, do tecelão, do tintureiro, etc., junto com os lucros dos respectivos empregados.
À medida que qualquer mercadoria vem a ser mais manufaturada, aquela parte do preço que se resolve em salários e lucro vem a ser em maior proporção em relação àquela que se resolve em renda. No progresso da manufatura, não só o número dos lucros aumenta, mas todo lucro subsequente é maior que o precedente, porque o capital do qual é derivado deve sempre ser maior. O capital que emprega os tecelões, por exemplo, deve ser maior que aquele que emprega os fiandeiros, porque não só substitui aquele capital com seus lucros, mas também paga os salários dos tecelões; e os lucros devem sempre manter alguma proporção para com o capital.
Nas sociedades mais avançadas, no entanto, há sempre umas poucas mercadorias cujo preço se resolve apenas em duas partes: os salários do trabalho e os lucros do estoque; e um número ainda menor, em que consiste inteiramente dos salários do trabalho. No preço dos frutos do mar, por exemplo, uma parte paga o trabalho dos pescadores e a outra, os lucros do capital empregado na empresa pesqueira. A renda mui raramente faz parte dele, se bem que o faça, por vezes, como depois demonstrarei. Por outro lado, isto ocorre, ao menos na maior parte da Europa, na pesca fluvial. Uma pesqueira de salmões paga uma renda, e a renda, se bem que não possa bem ser chamada a renda da terra, faz parte do preço do salmão, assim como os salários e o lucro. Em algumas partes da Escócia, umas poucas pessoas pobres fazem comércio de coletar, ao longo da praia, aqueles calhaus variegados comumente conhecidos pelo nome de “calhaus de Escócia”, Scotch Pebbles. O preço que lhes é pago pelo lapidador corresponde inteiramente ao salário do trabalho deles; nem renda nem lucro fazem qualquer parte dele.
Mas o preço total de qualquer mercadoria deve finalmente resolver-se numa ou noutra, ou em todas estas três partes; e qualquer parte dele que restar depois de pagar a renda da terra e o preço de todo o trabalho empregado no cultivo, manufatura e transporte ao mercado, deve necessariamente servir de lucro para alguém.
Como o preço ou valor de troca de cada mercadoria tomado separadamente se resolve numa ou noutra dessas três partes, o de todas as mercadorias que compõem toda a produção anual do trabalho de qualquer país, tomado complexamente, deve ser resolvido nas mesmas três partes e ser parcelado entre os vários habitantes do país, quer como os salários de seu trabalho, os lucros de seu estoque, ou a renda de sua terra. O total do que é anualmente colhido, ou produzido pelo trabalho de toda sociedade, ou o que vem a ser o mesmo, seu preço total, é desta maneira originalmente distribuído entre alguns de seus vários membros. Salários, lucro e renda são as três fontes originais de todo rendimento, bem como o de todo valor de troca. Qualquer outro rendimento acaba derivando de um ou outro destes.
Quem quer que derive suas rendas de seus próprios fundos, deve derivá-la de seu trabalho, de seu capital ou de sua terra. O rendimento derivado do trabalho é chamado salário. O derivado do capital, pela pessoa que o gerencia ou o utiliza, é chamado lucro. O que é derivado deste pela pessoa que não o emprega ela mesma, mas o empresta a outrem, é chamado interesse ou uso do dinheiro. É a compensação que o devedor paga ao credor pelo lucro que ele tem oportunidade de fazer ao utilizar o dinheiro. Parte daquele lucro naturalmente pertence ao devedor, que corre o risco e assume o trabalho de empregá-lo; e parte ao credor, que lhe proporciona a oportunidade de fazer este lucro. O interesse do dinheiro é sempre um rendimento derivado, que se não é pago com o lucro feito pelo uso do dinheiro, deve ser pago por alguma outra fonte de rendimento, a menos, talvez, que o devedor seja um pródigo que contrate um segundo débito para pagar o interesse do primeiro. O rendimento que deriva inteiramente da terra é chamado renda, e pertence ao senhor das terras. O rendimento do lavrador é derivado parcialmente de seu trabalho e parcialmente de seu capital. Para ele, a terra é apenas o instrumento que lhe permite ganhar o salário deste trabalho, a fazer os lucros deste capital. Todas as taxas, e todo o rendimento fundado sobre eles; todos os salários, pensões e anuidades, derivam ultimamente de uma ou outra destas três fontes originais de rendimento, e são pagas imediata ou mediatamente pelos salários do trabalho, os lucros do capital ou pela renda da terra.
Quando essas três espécies diversas de rendimento pertencem a pessoas diferentes, são prontamente distinguidas, mas quando pertencem à mesma, são por vezes confundidas umas com as outras, pelo menos no linguajar comum.
Um cavalheiro que cultiva parte de suas próprias terras, depois de pagar a despesa do cultivo, deve ganhar a renda fio proprietário e o lucro do lavrador. Ele pode denominar lucro, porém, seu ganho total, e assim confundir renda com lucro, ao menos na linguagem comum. A maior parte de nossos plantadores norte-americanos e das Índias Ocidentais está nesta situação. Cultivam, a maioria deles, suas próprias terras, e correspondentemente, raramente ouvimos do arrendamento de uma plantação, mas frequentemente, de seu lucro.
Os agricultores comuns raramente empregam qualquer supervisor para dirigir as operações gerais das terras. Geralmente, eles também trabalham bastante com suas próprias mãos, como aradores, semeadores, etc. O que resta da colheita depois de pagar a renda; não só lhes deve substituir o capital empregado no cultivo, bem como seus lucros ordinários, mas pagar-lhes os salários que lhes são devidos, como lavradores e supervisores. O que restar, porém, depois de pagar a renda e manter o capital, é chamado lucro. Mas os salários evidentemente fazem parte disto. O lavrador, economizando estes salários, necessariamente deve ganhá-los. Salários, portanto, são, neste caso, confundidos com lucro.
Um manufatureiro independente, que tem capital suficiente para comprar seus materiais e manter-se até levar seu trabalho ao mercado, deveria ganhar o salário de um jornaleiro que trabalha sob um mestre, e o lucro que aquele mestre faz com a venda do trabalho do jornaleiro. Seu ganho total, porém, é comumente chamado lucro, e os salários são, também neste caso, confundidos com lucro.
Como num país civilizado há poucas mercadorias das quais o valor de troca surge apenas do trabalho, a renda e o lucro contribuem amplamente na maior parte delas, de modo que o produto anual de seu trabalho será sempre suficiente para comprar ou ordenar uma quantidade de trabalho muito maior do que o empregado no cultivo, na preparação e no transporte daquele produto ao mercado. Se a sociedade devesse empregar anualmente todo o trabalho que pode anualmente comprar, como a quantidade de trabalho cresceria grandemente todo ano, o produto de cada ano sucessivo seria de valor vastamente maior que o do antecedente. Mas não há país em que todo o produto anual seja empregado em manter os industriosos. Os ociosos, em todo lugar, consomem grande parte dele; e de acordo com as diferentes proporções em que é anualmente dividido entre essas diferentes ordens de pessoas, seu valor médio ou ordinário deve aumentar ou diminuir anualmente, ou ser o mesmo, de ano para ano.
CAPÍTULO 7
DO PREÇO NATURAL E DO PREÇO DE MERCADO DAS MERCADORIAS
Em toda sociedade, ou freguesia, há uma cotação média ou ordinária de salários e lucro em cada emprego de trabalho e estoque. Esta cotação é naturalmente regulada, como adiante mostrarei, parcialmente pelas circunstâncias gerais da sociedade, suas riquezas ou pobreza, sua condição progressista, estacionária ou declinante, e em parte pela natureza particular de cada emprego.
Há, semelhantemente, em cada sociedade ou freguesia, uma cotação média ou ordinária de renda, que é regulada também, como mostrarei adiante, parcialmente pelas circunstâncias gerais da sociedade ou freguesia em que a terra está situada e parcialmente pela fertilidade natural ou aperfeiçoada da terra.
Estas cotações médias ou ordinárias podem ser chamadas as cotações naturais dos salários, lucros e rendas, no tempo e lugar em que usualmente prevalecem.
Quando o preço de qualquer mercadoria não é maior nem menor do que é suficiente para pagar a renda da terra, os salários do trabalho, os lucros do estoque empregados em cultivar, preparar e transportá-lo ao mercado, de acordo com suas cotações naturais, a mercadoria é então vendida pelo que pode ser chamado seu preço natural.
A mercadoria é então vendida precisamente pelo que vale, ou pelo que realmente custa à pessoa que a leva ao mercado; pois, se bem que o que é chamado na linguagem comum o preço primário de qualquer mercadoria, não compreende o lucro da pessoa que deverá vendê-la de novo, mesmo que venda a um preço que não lhe permite a cota ordinária de lucro em sua freguesia, ela evidentemente estará perdendo no negócio; como, empregando seu capital, ela poderia ter feito aquele lucro. Seu lucro, além do mais, é seu rendimento, propriamente o fundo de sua subsistência. Assim como, enquanto prepara e leva os bens ao mercado, adianta a seus trabalhadores seus salários, ou sua subsistência, adianta para si mesmo, do mesmo modo, sua própria subsistência, que geralmente se ajusta ao lucro que ele pode razoavelmente esperar da venda de seus bens. A menos que eles lhe devolvam este lucro, portanto, não pagam o que muito propriamente pode-se dizer, lhe custaram.
Se bem que o preço, portanto, que lhe deixa este lucro nem sempre é o mais baixo pelo qual um comerciante pode às vezes vender seus bens, será o mais baixo pelo qual ele os venderá por um tempo considerável; pelo menos onde há perfeita liberdade, ou onde ele pode trocar suas mercadorias tanto quanto quiser.
O preço real pelo qual qualquer mercadoria é usualmente vendida é chamado seu preço de mercado. Pode estar acima ou abaixo, ou ser exatamente igual a seu preço natural.
O preço de mercado de toda mercadoria é regulado pela proporção entre a quantidade que é realmente trazida ao mercado e a demanda daqueles que desejam pagar o preço natural da mercadoria, ou todo o valor da renda, trabalho e lucro, que deve ser pago de modo a poder trazê-la. Tais pessoas podem ser chamadas a demanda efetiva, pois esta pode ser suficiente para efetuar o transporte da mercadoria ao mercado. É diferente da demanda absoluta. Um homem muito pobre, de certo modo, pode-se dizer ter necessidade de um coche de seis cavalos; poderia desejar ter um, mas sua demanda não é efetiva, pois esta mercadoria jamais poderia ser trazida ao mercado de modo a satisfazê-lo.
Quando a quantidade de qualquer mercadoria que é trazida ao mercado está aquém da demanda efetiva, todos os que estão dispostos a pagar todo o valor da renda, salários e lucro, que devem ser pagos para que elas sejam trazidas, não poderão ser supridos com a quantidade que desejam. Além de apenas desejá-la, alguns estarão dispostos a dar mais por elas. Uma competição imediatamente começará entre eles, e o preço de mercado subirá mais ou menos, acima do preço natural, de acordo com a magnitude da deficiência, ou com a riqueza e capricho dos competidores, que anime mais ou menos a cobiça da competição. Entre competidores de mesma riqueza e luxo, a mesma deficiência dará ocasião para uma competição mais ou menos cobiçosa, conforme a aquisição da mercadoria seja de mais ou menos importância para eles. Daí o preço exorbitante das necessidades da vida durante o bloqueio de uma cidade, ou a fome.
Quando a quantidade trazida ao mercado excede a demanda efetiva, ela não pode ser toda vendida àqueles que estão dispostos a pagar todo o valor da renda, salários e lucro, que devem ser pagos para trazê-las. Uma parte deve ser vendida àqueles que desejam pagar menos, e o baixo preço que eles dão por ela deve reduzir o preço do todo. O preço de mercado cairá mais ou menos abaixo do preço natural, conforme a magnitude do excesso aumente mais ou menos a competição dos vendedores, ou conforme seja mais ou menos importante para eles disporem imediatamente da mercadoria. O mesmo excesso por ocasião da importação de perecíveis ocasionará uma competição muito maior do que na de mercadorias duráveis; na importação de laranjas, por exemplo, do que na de ferro.
Quando a quantidade trazida ao mercado é apenas suficiente para suprir a demanda efetiva, e não mais, o preço naturalmente vem a ser exatamente, ou tão próximo quanto se possa avaliar, do preço natural. Toda a quantidade à mão pode ser passada por este preço, e não pode ser passada por mais. A competição dos diferentes comerciantes obriga-os todos a aceitar este preço, mas não os obriga a aceitar menos.
A quantidade de toda mercadoria trazida ao mercado naturalmente ajusta-se à demanda efetiva. É de interesse de todos os que empregam sua terra, trabalho ou estoque, e que levam qualquer mercadoria ao mercado, que sua quantidade nunca exceda a demanda efetiva; e é o interesse de todas as outras pessoas que ela não caia nunca aquém dessa demanda.
Se a qualquer momento exceder a demanda efetiva, algumas das partes componentes de seu preço devem ser pagas abaixo de sua cotação natural. Se for a renda, o interesse dos proprietários das terras imediatamente cortará delas uma parte dessa produção, e se for salário ou lucro, o interesse dos trabalhadores num caso, e de seus empregadores no outro, fará com que retirem parte de seu trabalho ou capital desta aplicação. A quantidade trazida ao mercado logo será apenas suficiente para suprir a demanda efetiva. Todas as partes distintas de seu preço subirão à sua cota natural, bem como todo o preço.
Se, pelo contrário, a quantidade trazida ao mercado num dado momento cair aquém da demanda efetiva, algumas das partes componentes de seu preço devem subir acima de sua cotação natural. Se for a renda, o interesse de todos os outros senhores das terras naturalmente os disporá a preparar mais terra para o cultivo desta mercadoria; se for salário, ou lucro, o interesse de todos os outros operários e comerciantes logo os disporá a empregar mais trabalho e capital em preparar e trazer ao mercado. A quantidade para este trazida será suficiente para suprir a demanda efetiva. Todas as partes diferentes de seu preço cairão à sua cotação natural, bem como todo o preço.
O preço natural é como se fosse o preço central, em torno do qual os preços de todas as mercadorias estão continuamente gravitando. Acidentes diversos, por vezes, podem mantê-los suspensos muito acima dele, e por vezes os forçam um tanto abaixo. Mas quaisquer que sejam os obstáculos que os impedem a se estabelecer neste centro de repouso e continuidade, estão sempre tendendo para ele.
Toda a quantidade da indústria anualmente empregada para trazer qualquer mercadoria ao mercado naturalmente ajusta-se destarte à demanda efetiva. Naturalmente, visa trazer sempre aquela precisa quantidade que possa ser suficiente para suprir, e não mais, aquela demanda.
Mas, em algumas aplicações, a mesma quantidade de indústria, em anos diferentes, produzirá muito diversas quantidades de mercadorias; ao passo que em outros produzirá sempre a mesma, ou quase. O mesmo número de trabalhadores agrícolas, em diferentes anos, produzirá quantidades muito distintas de cereal, vinho, óleo, lúpulo etc. Mas o mesmo número de fiandeiros e tecelões a cada ano produzirá a mesma, ou quase a mesma, quantidade de tecido de linho e lã. Apenas o produto médio de uma espécie de indústria é que se pode adaptar de alguma maneira à demanda efetiva, e como sua produção real é frequentemente muito maior e frequentemente muito menor que sua produção média, a quantidade de mercadorias trazidas ao mercado por vezes excederá bastante, e por vezes faltará bastante, em relação à demanda efetiva. Mesmo que aquela demanda passasse a ser sempre a mesma, o preço de mercado tenderia a flutuar grandemente, às vezes caindo muito abaixo e às vezes subindo bem acima de seu preço natural. Na outra espécie de indústria, o produto de iguais quantidades de trabalho sendo sempre o mesmo, ou quase, ele pode ser mais exatamente adequado à demanda efetiva. Mesmo que essa demanda seja a mesma, portanto, os preços de mercado das mercadorias tende a fazer o mesmo também, aproximando-se, tanto quanto se possa julgar, do preço natural. Na outra espécie de indústria, o produto de quantidades iguais de trabalho sendo sempre o mesmo, ou quase, pode adequar-se mais exatamente à demanda efetiva. Enquanto essa demanda for a mesma, o preço de mercado das mercadorias provavelmente se manterá, sendo o mesmo, ou tanto quanto se possa julgar, o preço natural. Que o preço do linho e da lã não é passível de variações tão grandes nem tão frequentes quanto o preço do cereal, qualquer um pode constatar. O preço de uma espécie de comodidades varia apenas com a demanda; o da outra varia não só com a variação da demanda, mas com as variações muito maiores e mais frequentes da quantidade que é levada ao mercado para suprir aquela demanda.
As flutuações ocasionais e temporárias no preço de mercado de qualquer mercadoria recaem principalmente naquelas partes de seu preço que se resolvem em salários e lucro. Aquela parte que se resolve em renda é menos afetada por elas. Uma certa renda em dinheiro não é minimamente afetada por elas em sua cotação ou em seu valor. Uma renda que consiste numa certa proporção, ou numa certa quantidade do produto bruto, sem dúvida é afetada em seu valor anual por todas as flutuações ocasionais e temporárias no preço de mercado daquele produto bruto, mas é raramente afetada por elas em sua cotação anual. Ao estabelecer os termos de um arrendamento, o proprietário e o lavrador procuram, de acordo com seu melhor julgamento, acertar aquela taxa, não ao preço temporário e ocasional, mas ao preço médio e ordinário do produto.
Tais flutuações afetam tanto o valor quanto a cotação, quer de salários quer do lucro, de acordo com o mercado, com excesso ou falta de estoque em mercadorias ou em capacidade de trabalho; com o trabalho feito ou com trabalho a fazer. Um luto oficial eleva o preço do pano preto (com que o mercado está quase sempre desprovido, em tais ocasiões) e aumenta os lucros dos comerciantes que têm qualquer quantidade considerável dele. Não tem efeito sobre os salários dos tecelões. O mercado está desprovido de mercadorias, não de trabalho, ou seja, com trabalho feito, e não com trabalho a fazer. Eleva os ganhos dos alfaiates jornaleiros. Há uma demanda efetiva de mais trabalho, mais trabalho a fazer do que o que pode ser absorvido. Abaixa o preço das sedas e dos panos coloridos, reduzindo portanto os lucros dos comerciantes que têm qualquer quantidade considerável deles à mão. Abaixa, também, os ganhos dos operários empregados na preparação de tais coisas, cuja demanda pode cessar por seis meses, ou mesmo um ano. O mercado aqui está superabastecido de mercadoria e trabalho.
Se bem que o preço de mercado de qualquer mercadoria gravita continuamente deste modo, por assim dizer, rumo ao preço natural, apesar de que às vezes por acidentes particulares, às vezes por causas naturais e por vezes regulamentos especiais da política, podem manter o preço de comércio, por muito tempo, bem acima de seu preço natural.
Quando, por um aumento na demanda efetiva, o preço de comércio de alguma mercadoria sobe bastante acima do preço natural, aqueles que empregam seus capitais para suprir aquele mercado tomam cuidado para ocultar esta mudança. Se fosse de conhecimento geral, seus grandes lucros tentariam outros tantos rivais a empregar seus estoques do mesmo modo, e a demanda efetiva sendo totalmente suprida, o preço do mercado seria logo reduzido ao natural e por algum tempo, mesmo abaixo dele. Se o mercado está a uma grande distância da residência daqueles que o suprem, por vezes estarão aptos a manterem o segredo por muitos anos, fruindo longamente seus lucros extraordinários sem novos rivais. Segredos desta natureza, porém, deve-se reconhecer, raramente podem ser mantidos demoradamente, e o lucro extraordinário pode durar só muito pouco além do segredo.
Os segredos em manufaturas são capazes de ser mantidos mais longamente do que segredos comerciais. Um tintureiro que encontre meios de produzir uma determinada cor com materiais que custem apenas a metade daqueles comumente usados pode, com uma boa administração, beneficiar-se da vantagem de sua descoberta por toda a vida, e mesmo deixá-la como legado à sua posteridade. Seus ganhos extraordinários surgem do alto preço que é pago por seu trabalho particular. Consistem propriamente nos altos ganhos daquele trabalho. Mas, como estes se repetem para cada parte de seu estoque, e como seu total tem uma proporção regular para com ele, são comumente considerados lucros extraordinários de estoque.
Tais encarecimentos do preço de mercado são evidentemente efeitos de acidentes particulares, cujo efeito pode durar mesmo por vários anos.
Algumas produções naturais requerem uma tal singularidade de solo e situação, que toda a terra num grande país, apta a produzi-las, pode não ser suficiente para suprir a demanda efetiva. Toda a quantidade trazida ao mercado, portanto, pode ser passada àqueles dispostos a dar mais do que é suficiente para pagar a renda da terra que as produziu, bem como os salários do trabalho e os lucros do capital que foram empregados em prepará-las e trazê-las ao mercado, de acordo com suas cotações naturais. Tais mercadorias podem continuar, mesmo por séculos, a ser vendidas por este alto preço, e aquela parte delas que se resolve em renda da terra, neste caso é a parte que é geralmente paga acima de sua cotação natural. A renda da terra que proporciona produtos tão singulares e estimados, como a renda de alguns vinhedos na França, de solo e situação particularmente felizes, não tem proporção regular com a renda de outras terras igualmente férteis e bem cultivadas de suas cercanias. Os salários do trabalho e os lucros do capital empregados para levar tais mercadorias ao mercado, ao contrário, raramente estão fora de sua proporção natural para com as outras aplicações de trabalho e capital em suas vizinhanças.
Tais elevações do preço de mercado são evidentemente efeito das causas naturais que podem obstaculizar a demanda efetiva de ser satisfeita, e que pode continuar, portanto, a operar para sempre.
Um monopólio garantido a um indivíduo ou a uma companhia de comércio tem o mesmo efeito que um segredo no comércio ou nas manufaturas. Os monopolistas, mantendo o mercado constantemente desprovido, nunca fornecendo a demanda efetiva, vendem suas mercadorias muito acima do preço natural, e elevam seus emolumentos, consistam eles em salários ou lucro, grandemente acima de sua cotação natural.
O preço do monopólio, numa dada ocasião, é o mais alto que pode ser atingido. O preço natural, ou o preço da livre competição, ao contrário, é o mais baixo que pode ser tomado, não em qualquer ocasião, é verdade, mas para qualquer intervalo de tempo considerável. Um é, em qualquer ocasião, o mais alto que pode ser espremido dos compradores ou, supõe-se, que consentirão a dar; o outro é o mais baixo que os vendedores podem comumente tolerar e, ao mesmo tempo, continuar seu negócio.
Os privilégios exclusivos das corporações, estatutos de aprendizado e todas aquelas leis que restringem, em empregos particulares, a competição a um número menor que de outro modo poderia ocorrer, têm a mesma tendência, se bem que em menor grau. São uma espécie de monopólios ampliados, e podem frequentemente, durante eras, e em classes inteiras de empregos, manter o preço de mercado de certas mercadorias acima do preço natural e os salários do trabalho e os lucros do capital empregado neles um pouco acima de sua cotação natural.
Tais elevações do preço de mercado podem durar tanto quanto a política que deu origem a eles.
O preço de mercado de qualquer mercadoria, se bem que possa continuar muito tempo acima, raramente pode continuar abaixo de seu preço natural. Qualquer que tenha sido a parte paga abaixo da cotação natural, as pessoas cujo interesse afetava imediatamente sentiriam a perda e imediatamente retirariam tanta terra, trabalho, ou capital, de seu emprego, de modo que a quantidade levada ao mercado logo seria apenas o suficiente para suprir a demanda efetiva. Seu preço de mercado, portanto, logo subiria ao natural. Este pelo menos seria o caso em que houvesse perfeita liberdade.
Mesmo os estatutos de aprendizagem e outras leis das corporações que, quando uma manufatura está prosperando, permitem que o trabalhador eleve seus ganhos bem acima de sua cotação natural, e às vezes o obrigam, quando decai, que os abaixe bastante. Como num caso, excluem muitas pessoas de seu emprego, no outro, excluem dele muitos empregos. O efeito de tais regulações, porém, não é tão durável para abaixar os salários dos trabalhadores quanto para elevá-los acima de sua cotação natural. Sua operação num sentido pode durar muitos séculos, mas, no outro, não vai durar mais que as vidas de alguns dos trabalhadores que foram criados para esse negócio no tempo de sua prosperidade. Quando se vão, o número daqueles que forem depois educados para o ofício, naturalmente se adequará à demanda efetiva. A política deve ser tão violenta quanto a do Indostão, ou do antigo Egito (onde todo homem estava ligado a um princípio religioso para seguir a ocupação de seu pai, e supunha-se que cometia o mais horrendo sacrilégio se trocasse por outra), que para qualquer emprego, e por várias gerações, pode reduzir os salários do trabalho ou os lucros do capital abaixo de sua cotação natural.
Isto é tudo o que creio necessário para ser observado agora, no que concerne aos desvios, ocasionais ou permanentes, do preço de mercado das mercadorias, a partir do preço natural.
O próprio preço natural varia com a cotação natural de cada uma de suas partes componentes, dos salários, do lucro e da renda, e em toda sociedade esta cotação varia de acordo com suas circunstâncias; de acordo com sua riqueza ou pobreza e sua condição de progresso, ou estacionária ou declinante. Nos quatro capítulos seguintes procurarei explicar, tão completa e distintamente que puder, as causas dessas distintas variações.
Primeiro, procurarei explicar quais são as circunstâncias que naturalmente determinam a cotação dos salários, e de que maneira essas circunstâncias são afetadas pelas riquezas ou pobreza e pelo estado da sociedade: progressista, estacionário ou declinante.
Segundo, procurarei mostrar quais são as circunstâncias que determinam naturalmente a cotação do lucro, e de que maneira, também, essas circunstâncias são afetadas por semelhantes variações no estado da sociedade.
Muito embora os ganhos pecuniários e o lucro sejam muito diversos nas diversas aplicações de trabalho e capital, ainda assim, uma certa proporção parece usualmente ter lugar entre ambos os ganhos pecuniários em todas as várias aplicações do trabalho, e os lucros pecuniários em todas as várias aplicações do capital. Esta proporção, ficará evidenciado, depende parcialmente da natureza dos diferentes empregos e parcialmente das diferentes leis e política da sociedade em que se dão. Mas, essa proporção depende das leis da política, embora ela pareça ser pouco afetada pela riqueza ou pobreza da sociedade, por sua condição progressista, estacionária ou declinante, permanecendo a mesma, ou quase, em todos aqueles estados diferentes. Em terceiro lugar, procurarei explicar todas as diferentes circunstâncias que regulam esta proporção.
Em quarto e último lugar, procurarei mostrar quais são as circunstâncias que regulam a renda da terra e elevam ou abaixam o preço real de todas as muitas substâncias que produz.
CAPÍTULO 8
DOS GANHOS DO TRABALHO
O produto do trabalho constitui a recompensa natural, ou ganhos do trabalho.
Naquele estado original de coisas, que precede tanto a apropriação da terra e a acumulação do capital, todo o produto do trabalho pertence ao trabalhador. Ele não tem senhor ou patrão com quem dividi-lo.
Se este estado continuasse, os ganhos do trabalho teriam aumentado com todos os aperfeiçoamentos na força produtiva, a que a divisão do trabalho dá ocasião. Todas as coisas gradativamente se tornariam mais baratas. Seriam produzidas por uma menor quantidade de trabalho, e como as mercadorias produzidas por iguais quantidades de trabalho, neste estado de coisas, naturalmente seriam trocadas umas pelas outras, igualmente seriam compradas com o produto de uma menor quantidade.
Mas se todas as coisas se tornariam mais baratas na realidade, na aparência muitas coisas poderiam se tornar mais caras do que antes, ou seriam trocadas por uma maior quantidade de outros bens. Suponhamos, por exemplo, que na maioria dos empregos as forças produtivas do trabalho fossem melhoradas dez vezes, ou que um dia de trabalho produzisse dez vezes a quantidade de trabalho que fazia originalmente, mas que num emprego em particular produzisse apenas o dobro da quantidade de trabalho de antes. Ao trocar o produto de um dia de trabalho na maior parte dos empregos pelo de um dia de trabalho deste, dez vezes a quantidade de trabalho deles compraria apenas o dobro da quantidade original nele. Qualquer quantidade determinada, por exemplo, o peso de uma libra, pareceria ser cinco vezes mais cara que antes. Na realidade, porém, seria duas vezes mais barata. Muito embora requeresse cinco vezes a quantidade de outros bens para comprá-la, requereria apenas metade da quantidade do trabalho para comprá-la ou produzi-la. A aquisição, portanto, seria duas vezes mais fácil que antes.
Mas este estado original de coisas, em que o trabalhador usufruía todo o produto de seu próprio trabalho, não poderia sobreviver à primeira introdução da apropriação da terra e à acumulação do capital. Terminou, portanto, muito antes que os aperfeiçoamentos mais consideráveis fossem feitos nas forças produtivas do trabalho, e não teria propósito examinar mais ainda o que poderiam ter sido seus efeitos na recompensa, ou ganhos do trabalho.
Assim que a terra tornou-se propriedade privada, o proprietário passou a exigir uma fração de quase todo o produto que o lavrador pode criar ou coletar nela. Seu arrendamento é a primeira dedução do produto do trabalho que é empregado na terra.
Raramente acontece que a pessoa que ara a terra tenha com que se manter até a colheita. Sua manutenção lhe é geralmente adiantada do estoque de um patrão, o proprietário que o emprega, e que não teria interesse em empregá-lo a menos que viesse a compartilhar o produto de seu trabalho ou a menos que seu estoque lhe fosse substituído com lucro. Este lucro faz uma segunda dedução do produto do trabalho que é empregado na terra.
O produto de quase todo outro trabalho é passível de uma dedução semelhante do lucro. Em todos os ofícios e manufaturas, a maior parte dos trabalhadores fica necessitada de um patrão que lhes adiante os materiais de seu trabalho, e seus salários e manutenção, até que seja completado. Ele divide isto pelo produto de seus trabalhos ou pelo valor do total dos materiais usados, e nesta divisão consiste seu lucro.
Por vezes ocorre, de fato, que um trabalhador isolado tenha capital suficiente para comprar os materiais de seu trabalho e para se manter até que esteja completado. Ele é tanto patrão quanto trabalhador, e goza de todo o produto de seu trabalho, ou todo o valor que ele acresce aos materiais sobre os quais se aplica. Inclui o que são usualmente dois rendimentos distintos, pertencendo a duas pessoas distintas: os lucros do capital e os salários do trabalho.
Tais casos, porém, não são muito frequentes, e em qualquer lugar da Europa vinte trabalhadores servem sob um patrão, para um, que é independente, e os salários do trabalho são sempre entendidos pelo que são usualmente, quando o trabalhador é uma pessoa e o proprietário do capital que o emprega, uma outra.
O que são os salários comuns do trabalho depende sempre do contrato usualmente feito entre essas duas partes, cujos interesses de modo algum são os mesmos. Os trabalhadores desejam conseguir o máximo e os patrões, dar o mínimo possível. Os primeiros estão dispostos a combinar para subir, os outros, para descer os salários do trabalho.
Não é, entretanto, difícil prever qual dos dois partidos deve, em todas as ocasiões ordinárias, levar a vantagem na disputa e forçar o outro a aquiescer com seus termos. Os patrões, sendo em menor número, podem se combinar muito mais facilmente, e a lei, além do mais, autoriza, ou pelo menos não proíbe, suas combinações, ao passo que proíbe as dos trabalhadores. Não temos atos do parlamento contra combinar abaixar o preço do trabalho; mas muitos contra combinar elevá-lo. Em todas estas disputas, os patrões podem resistir muito mais. Um proprietário de terras, um lavrador, um mestre manufatureiro, um comerciante, mesmo não empregando um só trabalhador, poderiam, geralmente, viver um ano ou dois com o estoque que já adquiriram. Muitos trabalhadores não conseguiriam subsistir por uma semana; poucos subsistiriam por um mês e dificilmente algum o ano inteiro, sem emprego. A longo termo, o trabalhador pode ser tão necessário para seu patrão quanto o patrão para ele, mas a necessidade não é tão imediata.
Raramente ouvimos dizer das combinações dos patrões, mas frequentemente das dos empregados. Mas quem quer que imagine, por isso, que os patrões raramente se combinam, ignora tanto o mundo quanto este assunto. Os patrões, em todo o tempo e lugar, estão numa espécie de acordo tácito, mas constante e uniforme, para não elevar os salários do trabalho acima de sua cotação real. Violar este acordo é sempre uma ação extremamente impopular, e uma espécie de reproche para um patrão, entre seus vizinhos e pares. Raramente, de fato, ouvimos falar desta combinação, por ser o estado comum, e seria possível dizer, natural, das coisas, do que ninguém jamais ouve falar. Os patrões também por vezes entram em combinações particulares para reduzir os salários ainda abaixo da cotação. Elas são conduzidas com o máximo segredo e silêncio, até o momento da execução, e quando os operários cedem, como fazem às vezes, sem resistência, se bem que se ressintam severamente, outras pessoas nunca ouvem dizer disso. Tais combinações são, porém, frequentemente enfrentadas por uma combinação defensiva contrária dos trabalhadores, que por vezes também, sem nenhuma provocação desta espécie, combinam os próprios acordos para elevar o preço de seu trabalho. Suas alegações são, por vezes, o alto preço das vitualhas; por vezes, o grande lucro que seus patrões ganham com seu trabalho. Mas, sejam suas combinações ofensivas ou defensivas, sempre se ouve falar delas, abundantemente. Para apressar uma decisão, sempre recorreram ao mais ruidoso clamor, e por vezes à mais chocante violência e a ultrajes. Ficam desesperados, e agem com a loucura e extravagância de homens desesperados, que devem perecer à míngua ou amedrontar seus patrões para que concordem imediatamente com suas exigências. Os patrões, nestas ocasiões, ficam tão clamorosos quanto a outra parte, e nunca cessam de bradar pela assistência do magistrado civil e pela rigorosa execução daquelas leis que foram publicadas, com tanta severidade contra as combinações de servos, trabalhadores e jornaleiros. Os trabalhadores, por sua vez, raramente derivam qualquer vantagem da violência dessas tumultuosas combinações, que, parte pela intermediação do magistrado civil, parte pela superior perseverança dos patrões, parte da necessidade a que a maioria dos trabalhadores está submetida, pela sua subsistência, e geralmente resultam em nada, senão pela punição ou ruína dos cabecilhas.
Mas se, nas disputas com seus operários, os patrões devem, em geral, levar vantagem, existe uma certa cotação abaixo da qual parece impossível reduzir, por qualquer tempo considerável, os salários ordinários mesmo da espécie de trabalho mais inferior.
Um homem deve sempre viver por seu trabalho, e seus ganhos devem pelo menos, ser suficientes para sua manutenção. Devem, mesmo, na maioria das ocasiões, ser um pouco mais; do contrário, seria impossível para ele manter a família, e a raça de tais trabalhadores não poderia durar além da primeira geração. O sr. Cantillon parece supor, por causa disto, que a espécie mais inferior de trabalhadores comuns deveria sempre ganhar pelo menos o dobro da própria manutenção, de modo que, uns com os outros, possam sustentar duas crianças; e o trabalho da esposa, por ter de atender necessariamente às crianças, é suposto não mais que o suficiente para ela mesma. Mas metade das crianças, está computado, morre antes da idade adulta. Os trabalhadores mais pobres, de acordo com isto, devem criar pelo menos quatro crianças, para que duas tenham igual oportunidade de atingir aquela idade. Mas a manutenção necessária para quatro crianças, supõe-se que seja quase igual à de um homem. O trabalho de um escravo válido, acrescenta o mesmo autor, calcula-se ser o dobro de sua manutenção, e aquele do mínimo dos operários, pensa ele, não pode valer menos que o de um escravo válido. Até aqui, parece certo que, para sustentar uma família, o trabalho do marido e da esposa juntos deve, mesmo nas espécies mais inferiores do trabalhador comum, poder ganhar algo mais do que é precisamente o necessário para a própria manutenção; mas em que proporção, se naquela acima mencionada, ou em qualquer outra, não pretenderei determinar.
Há certas circunstâncias, porém, que por vezes dão aos trabalhadores uma vantagem, e permitem-lhes elevar seus salários consideravelmente acima desta cotação, evidente a mais baixa consistente com a humanidade comum.
Quando em qualquer país a demanda daqueles que vivem de salários — operários; jornaleiros; servos de toda espécie — está continuamente aumentando; quando cada ano fornece emprego a um número maior do que o que estava empregado no ano anterior, os trabalhadores não têm ocasião para combinar a elevação de seus salários. A escassez de mãos ocasiona uma competição entre os patrões, que assim procuram conseguir trabalhadores, e isto quebra voluntariamente a combinação natural dos patrões para não elevar os salários.
A demanda daqueles que vivem de salários, é evidente, só pode aumentar em proporção ao aumento dos fundos destinados ao pagamento dos salários. Estes fundos são de dois tipos: primeiro, a renda que está muito acima do necessário para a manutenção; e, segundo, o capital muito acima do necessário para o emprego de seus patrões.
Quando o proprietário, um arrendador ou um homem rico têm uma renda maior do que o que eles julgam suficientes para manter a própria família, eles empregam todo ou uma parte do excesso ao manter um ou mais servos domésticos. Aumentando-se este excesso, ele naturalmente aumentará o número desses servos.
Quando um trabalhador independente, como um tecelão ou sapateiro, tem mais capital do que o necessário para comprar os materiais de próprio trabalho, e manter-se até que possa passá-lo adiante, ele naturalmente emprega um ou mais jornaleiros com o excesso, e naturalmente, aumentará o número de seus jornaleiros.
A demanda de assalariados, portanto, necessariamente aumenta juntamente com a renda, e com o capital, em todo o país, e possivelmente não poderia aumentar sem este. O aumento do rendimento e do capital é o aumento da riqueza nacional. A demanda de assalariados, portanto, aumenta juntamente com a riqueza nacional, e possivelmente não pode aumentar sem ela.
Não é a grandeza atual da riqueza nacional, mas seu aumento contínuo que ocasiona um aumento nos salários do trabalho. Não é, correspondentemente, nos países mais ricos, mas nos mais prósperos, ou naqueles que estão enriquecendo mais depressa, que os salários são mais altos. A Inglaterra, nos tempos atuais, é, certamente, um país muito mais rico do que qualquer parte da América do Norte. Os salários do trabalho, porém, são muito mais altos na América do Norte do que em qualquer parte da Inglaterra. Na província de Nova York, os operários comuns ganham1 três shillings e seis pence em dinheiro, equivalentes a dois shillings esterlinos por dia; um carpinteiro naval, dez shillings e seis pence, em dinheiro; com uma pinta de rum valendo seis pence esterlinos, num total de seis shillings e seis pence esterlinos; carpinteiros de casas e pedreiros, oito shillings em dinheiro, equivalendo a quatro shillings e seis pence esterlinos; alfaiates jornaleiros, cinco shillings em dinheiro, equivalendo a cerca de dois shillings, dez pence esterlinos. Estes preços estão todos acima dos de Londres, e diz-se que os salários são tão altos nas outras colônias quanto em Nova York. O preço das provisões é, em todo lugar da América do Norte, muito mais baixo que na Inglaterra. Nunca se conheceu uma carestia lá. Nas piores estações, sempre tiveram o bastante para si mesmos, mas menos para exportação. Se o preço em dinheiro do trabalho, portanto, é mais alto que em qualquer lugar da terra-mãe, seu preço real, o comando real das necessidades e conveniências que proporciona ao trabalhador deve ser maior ainda em uma proporção mais elevada.
Mas se a América do Norte ainda não é tão rica quanto a Inglaterra, é muito mais progressista, e avança com muito maior rapidez para uma maior aquisição de riquezas. O sinal mais decisivo da prosperidade de qualquer país é o aumento do número de seus habitantes. Na Grã-Bretanha, e na maioria dos países europeus, supõe-se que dobre em não menos de quinhentos anos. Nas colônias britânicas da América do Norte, descobriu-se que dobra a cada vinte ou 25 anos. Nem atualmente este aumento deve-se principalmente à contínua importação de novos habitantes, mas à grande multiplicação das espécies. Os que atingem idade avançada, diz-se, frequentemente vêm, lá, de cinquenta e cem descendentes de seu próprio corpo. O trabalho lá é tão bem recompensado que uma família com muitas crianças, em vez de ser um fardo, é fonte de opulência e prosperidade para os pais. O trabalho de cada criança, antes que possa deixar sua casa, é calculado como valendo cem libras de ganho líquido para eles. Uma jovem viúva com quatro ou cinco crianças pequenas, que, entre as classes médias ou inferiores na Europa, teria uma chance mínima de um segundo casamento, lá é cortejada como se tivesse uma fortuna. O valor das crianças é o maior de todos os encorajamentos ao casamento. Não é de surpreender, portanto, que as pessoas, na América do Norte, se casem muito cedo. Não obstante o grande aumento ocasionado por tais casamentos precoces, há uma queixa contínua da escassez de mãos na América do Norte. A demanda de trabalhadores, os fundos destinados a mantê-los aumentam, ao que parece, ainda mais depressa do que eles podem encontrar trabalhadores a empregar.
Mesmo que a riqueza de um país seja muito grande, se esteve estacionário por muito tempo, não devemos esperar que os salários lá sejam muito altos. Os fundos destinados para o pagamento de salários, o rendimento e o capital de seus habitantes podem ser da maior extensão, mas se continuaram os mesmos por vários séculos, da mesma extensão, ou quase, o número de trabalhadores empregados a cada ano poderia facilmente suprir, e mesmo mais que suprir o número desejado no ano seguinte. Dificilmente poderia haver qualquer escassez de mãos, nem os patrões teriam de competir por elas. Se em tal país os salários tivessem sido mais que suficiente para manter o trabalhador, e permitir-lhe criar família, a competição dos trabalhadores e o interesse dos patrões logo os reduziriam ao mais baixo nível consistente com a humanidade comum. A China há muito que tem sido um dos países mais ricos, isto é, um dos mais férteis, melhor cultivados, mais industriosos e mais populosos do mundo. Parece, porém, estar há muito estacionária. Marco Polo, que a visitou mais de quinhentos anos atrás, descreve seu cultivo, indústria e população quase nos mesmos termos em que são descritos pelos viajantes nos tempos atuais. Talvez mesmo muito antes de seu tempo, tivesse adquirido aquela abundância de riquezas que a natureza de suas leis e instituições lhe permite adquirir. Os relatos de todos os viajores, inconsistentes em muitos outros aspectos, concordam nos baixos salários e na dificuldade que um trabalhador encontra para criar uma família na China. Se, cavando o solo todo dia, ele pode conseguir com que comprar uma pequena quantidade de arroz ao entardecer, ele está contente. A condição dos artífices é, se possível, ainda pior. Em vez de esperar, indolentemente, em suas oficinas, pelas visitas de seus fregueses, como na Europa, estão continuamente correndo pelas ruas, com as ferramentas dos respectivos ofícios, oferecendo seus serviços, como se estivessem esmolando. A pobreza das classes inferiores na China ultrapassa em muito a das nações mais pobres da Europa. Nas vizinhanças de Cantão, muitas centenas, diz-se, muitos milhares de famílias não têm habitação em terra, mas vivem constantemente em pequenos barcos de pesca, nos rios e canais. A subsistência que ali encontram é tão escassa que avidamente pescam o lixo mais repulsivo lançado de qualquer navio europeu. Qualquer carniça, a carcaça de um cão ou gato morto, por exemplo, mesmo que meio podre e fétida, é tão bem-vinda por eles quanto o mais atraente pitéu para o povo de outros países. O casamento é encorajado na China, não por serem as crianças lucrativas, mas pela liberdade de destruí-las. Em todas as grandes cidades, muitas são expostas todas as noites, na rua, ou afogadas, como cãezinhos, na água. O desempenho deste horrendo ofício, diz-se mesmo ser o ofício confessado, pelo qual algumas pessoas ganham sua subsistência.
A China, porém, se bem que às vezes pareça parar, não parece retroagir. Suas cidades nunca são desertadas por seus habitantes. As terras que uma vez foram cultivadas, nunca são negligenciadas. O mesmo, ou quase o mesmo trabalho anual deve continuar a ser feito, e os fundos destinados à sua manutenção não devem, por conseguinte, ser sensivelmente diminuídos. A classe mais baixa de operários, apesar de sua magra subsistência, deve, de algum modo, se arranjar para continuar sua raça, bem como manter seu número usual.
Mas seria diferente num país onde os fundos destinados à manutenção do trabalho estivessem decaindo sensivelmente. A cada ano, a demanda de servos e trabalhadores seria, em todas as várias classes de empregos, menor que no ano anterior. Muitos nascidos nas classes superiores, incapazes de encontrar emprego nas próprias ocupações, ficariam contentes em poder encontrá-lo nas inferiores. A classe inferior, estando não só superabastecida com os próprios trabalhadores, mas também com o transbordo de todas as outras classes, a competição por emprego seria aqui tão grande, que reduziria os salários à mais miserável e difícil subsistência do trabalhador. Muitos não conseguiriam achar emprego mesmo nestes duros termos, e morreriam de fome, ou seriam levados a procurar subsistência esmolando, ou pela perpetração, quiçá, das maiores enormidades. A carestia, a fome e a mortalidade, imediatamente prevaleceriam naquela classe, e dela se estenderiam a todas as classes superiores, até que o número de habitantes no país ficasse reduzido ao que poderia ser facilmente mantido pela renda e capital que restassem, e que tivessem escapado ou à tirania ou calamidade que destruiu o restante. Isto talvez seja o presente estado de Bengala, e de alguns outros dos estabelecimentos ingleses nas Índias Orientais. Num país fértil que antes foi muito despovoado, e onde a subsistência, portanto, não deveria ser muito difícil, e onde, no entretanto, três ou quatro mil pessoas morrem de fome por ano, podemos estar certos de que os fundos destinados à manutenção dos trabalhadores pobres estão decaindo rapidamente. A diferença entre o gênio da Constituição britânica, que protege e governa a América do Norte, e aquela da companhia mercantil, que oprime e domina as Índias Orientais, talvez não possa ser mais bem ilustrada do que pelo diferente estado desses países.
A recompensa liberal do trabalho, portanto, é o efeito necessário e o sintoma natural do aumento da riqueza nacional. A pouca manutenção do trabalhador pobre, por outro lado, é o sintoma natural de que as coisas estão num impasse, e sua condição faminta, de que estão indo rápido para trás.
Na Grã-Bretanha, os salários do trabalho parecem, na atualidade, ser evidentemente mais do que o precisamente necessário para permitir ao trabalhador criar família. Para nos satisfazermos quanto a este ponto, não será necessário entrar em nenhum cálculo tedioso ou duvidoso do que possa ser a menor soma com que seja possível isto. Há muitos sintomas simples de que os salários em nenhum lugar deste país são regulados por sua cotação mínima consistente com a comum humanidade.
Primeiro, em quase todo lugar da Grã-Bretanha há uma distinção, mesmo nas espécies mais inferiores de trabalho, entre salários de verão e de inverno. Os do verão são sempre os mais altos. Mas por conta da despesa extraordinária de combustível, a manutenção de uma família é mais cara no inverno. Os salários, portanto, sendo mais altos quando esta despesa é mais baixa, parece evidente que eles não são regulados pelo que é necessário a esta despesa, mas pela quantidade e o suposto valor do trabalho. Um trabalhador, pode-se dizer, de fato deveria economizar parte do seu salário de verão para custear sua despesa de inverno, e através de todo ano, não excedendo o que é necessário para a manutenção de sua família. Um escravo, porém, ou alguém absolutamente dependente de nós para imediata subsistência, não seria tratado deste modo. Sua subsistência diária seria proporcionada às suas necessidades diárias.
Segundo, os salários não flutuam, na Grã-Bretanha, com o preço das provisões. Estes variam em todo lugar, de ano para ano e, frequentemente, de mês para mês. Mas em muitos sítios, o preço em dinheiro do trabalho, permanece uniformemente o mesmo, por vezes, até por meio século. Se nestes lugares, assim sendo, os trabalhadores pobres podem manter suas famílias nos anos de carestia, devem viver folgadamente nos tempos de abundância moderada, e com abundância nos de barateamento extraordinário. O alto preço das provisões durante estes últimos dez anos, em muitas partes do reino, não foi acompanhado com qualquer elevação sensível do preço em dinheiro do trabalho. De fato, em algumas elevou-se, provavelmente mais devido ao aumento da demanda do trabalho do que ao preço das provisões.
Terceiro como o preço das provisões varia de ano para ano mais do que os salários, por outro lado, os salários variam mais de lugar para lugar do que o preço das provisões. Os preços do pão e da carne, no açougueiro, são geralmente os mesmos, ou quase, na maior parte do Reino Unido. Estas, e a maioria das outras coisas que são vendidas a varejo, do jeito que o trabalhador pobre compra de tudo, são geralmente tão baratas ou mais baratas nas grandes cidades que nas partes mais remotas do país, por razões que terei ocasião de explicar depois. Mas os salários numa grande cidade e suas cercanias são frequentemente um quarto ou um quinto, 20% ou 25% mais altos que a algumas milhas de distância. Dezoito pence por dia pode ser tido como o preço usual do trabalho em Londres e cercanias. A algumas milhas de distância, cai para 14 e 15 pence. Dez pence pode ser tido como seu preço em Edimburgo e cercanias. A algumas milhas de distância, cai para oito pence, que é o preço comum do trabalho na maior parte das terras baixas da Escócia, onde varia muito menos que na Inglaterra. Tal diferença de preços, que parece não ser sempre o suficiente para transportar um homem de uma paróquia para outra, necessariamente ocasionaria tamanho transporte das mercadorias mais volumosas não só de uma paróquia para outra, mas de um extremo a outro do reino, quase de um extremo do mundo para outro, que as reduziria quase ao mesmo nível. Depois de tudo o que foi dito da leviandade e inconstância da natureza humana, evidencia-se, da experiência, que um homem, de todas as espécies de bagagem, é a mais difícil de ser transportada. Se os trabalhadores pobres, portanto, podem manter suas famílias naquelas partes do reino onde o preço do trabalho é o mais inferior, devem estar na fartura onde ele é mais alto.
Quarto, as variações no preço do trabalho não só não correspondem em lugar ou tempo com as do preço das provisões, mas frequentemente são opostas.
Os cereais, a comida do povo simples, são mais caros na Escócia do que na Inglaterra, recebendo a Escócia, quase todo ano, suprimentos muito grandes. O cereal inglês deve ser vendido mais caro na Escócia, o país até onde é levado, do que na Inglaterra, o país de onde vem; e em proporção à sua qualidade, não pode ser vendido mais caro na Escócia do que o cereal escocês que chega ao mesmo mercado, em termos competitivos com aquele. A qualidade do grão depende principalmente da qualidade de farinha de trigo ou outra que fornece no moinho, e quanto a este aspecto, o grão inglês é tão superior ao escocês que, se bem que aparentemente mais caro, com frequência, ou em proporção à medida de seu volume, geralmente, na realidade, fica mais barato, ou em proporção à sua qualidade, ou mesmo à medida de seu peso. O preço do trabalho, pelo contrário, é mais caro na Inglaterra do que na Escócia. Se os trabalhadores pobres, portanto, podem manter suas famílias numa parte do Reino Unido, devem ter fartura na outra. A farinha de aveia supre o povo comum na Escócia com a maior e melhor parte de sua comida, que é, em geral, muito inferior à de seus vizinhos de mesma classe da Inglaterra. A diferença, porém, no modo de sua subsistência não é a causa, mas o efeito da diferença em seus salários, se bem que, por um estranho mal-entendido, frequentemente ouvi dizer ser a causa. Não é porque um homem mantém um coche, ao passo que seu vizinho anda a pé, que um é rico e o outro, pobre; mas porque um deles é rico, mantém um coche, e porque o outro é pobre, anda a pé.
No decurso do último século, comparando ano por ano, o grão foi mais caro em ambas as partes do Reino Unido que atualmente. Isto é um fato que agora não pode admitir dúvida razoável, e a prova disto é, se possível, ainda mais decisiva em relação à Escócia do que em relação à Inglaterra. Na Escócia, é suportada pela evidência das feiras públicas, avaliações anuais juramentadas, de acordo com o estado real dos mercados, de todas as espécies de grão em cada condado da Escócia. Se tal prova direta requeresse qualquer evidência colateral para confirmá-la, eu observaria que este tem sido analogamente o caso da França e, provavelmente, da maioria das regiões da Europa. Em relação à França, há a prova mais clara. Mas, se bem que é certo que em ambas as partes do Reino Unido o grão foi um pouco mais caro no século passado que no atual, é igualmente certo que o trabalho foi muito mais barato. Se os trabalhadores pobres então podiam sustentar suas famílias, devem estar muito mais à vontade, agora. No último século, os salários diários mais comuns do trabalho mais simples na maior parte da Escócia eram seis pence no verão e cinco no inverno. Três shillings por semana, aproximadamente ainda o mesmo preço, continua a ser pago em algumas regiões das terras altas e nas ilhas ocidentais. Na maior parte das terras baixas, os salários usuais do trabalho mais simples são agora oito pence por dia; dez pence, e por vezes um shilling, perto de Edimburgo, nos condados que bordejam a Inglaterra, provavelmente por conta desta vizinhança, e em alguns poucos outros lugares, onde ultimamente tem havido um aumento considerável na demanda de trabalho, perto de Glasgow, Carron, Ayrishire etc. Na Inglaterra, os aperfeiçoamentos da agricultura, manufaturas e comércio começaram muito mais cedo que na Escócia. A demanda pelo trabalho, e consequentemente seu preço, deve necessariamente ter aumentado com esses aperfeiçoamentos. No último século, correspondentemente, bem como no presente, os salários eram mais altos na Inglaterra do que na Escócia. Subiram, também, consideravelmente, desde aquele tempo, por conta da maior variedade dos salários pagos em diferentes lugares, o que é difícil de determinar quanto. Em 1614 o pagamento de um soldado a pé era o mesmo que nos tempos atuais: oito pence por dia. Quando foi estabelecido pela primeira vez, naturalmente deve ter sido regulado pelos ganhos usuais dos trabalhadores comuns, a classe do povo de que os soldados da infantaria são comumente tirados. O lord juiz chefe Hales, que escreveu no tempo de Carlos II, computa o gasto necessário da família de um trabalhador, consistindo de seis pessoas: pai, mãe, duas crianças aptas para algum trabalho e duas inaptas como sendo de dez shillings por semana, ou 26 libras por ano. Se eles não podem ganhar isto por seu trabalho, devem ganhar, ele supõe, esmolando ou furtando. Ele parece ter pesquisado cuidadosamente este assunto.2 Em 1688, o sr. Gregory King, cuja habilidade em aritmética política é tão exaltada pelo Dr. Davenant, computou o rendimento ordinário de trabalhadores e criados como sendo 15 libras por ano, para uma família que ele supôs consistir, em média, de três e meia pessoas. Seu cálculo, portanto, se bem que na aparência diferente, corresponde muito aproximadamente, no fundo, com o do juiz Hales. Ambos supõem a despesa semanal de tais famílias como sendo de cerca de vinte pence por cabeça. Tanto o rendimento pecuniário e a despesa de tais famílias subiram consideravelmente desde aquele tempo na maior parte do reino; em alguns lugares é maior e em outros, menor, se bem que dificilmente em algum lugar tanto quanto alguns cálculos exagerados dos salários atuais foram ultimamente apresentados para o público. O preço do trabalho, deve ser observado, não pode ser determinado muito acuradamente em lugar algum, sendo que preços diferentes frequentemente são pagos no mesmo lugar para a mesma espécie de trabalho, não só de acordo com as diferentes capacidades dos trabalhadores, mas de acordo com a benevolência ou a dureza dos patrões. Onde os salários não são regulamentados por lei, tudo o que podemos pretender determinar é qual é o mais usual; e a experiência parece mostrar que a lei nunca pode regulá-los adequadamente, muito embora muitas vezes o tenha pretendido.
A real recompensa do trabalho, a real quantidade das necessidades e conveniências da vida que pode proporcionar ao trabalhador, no decurso deste século, aumentou talvez numa proporção ainda maior que seu preço em dinheiro. Não só o grão ficou um pouco mais barato, mas muitas outras coisas das quais os pobres derivam uma agradável e salutar variedade de comidas, tornaram-se bem mais baratas. Batatas, por exemplo, atualmente, na maior parte do reino, não custam metade do preço que tinham há trinta ou quarenta anos. O mesmo pode ser dito de nabos, cenouras, alfaces; coisas que antes eram cultivadas somente pela pá, mas que agora são comumente cultivadas pela charrua. Toda espécie de hortícola também barateou. A maior parte das maçãs, e mesmo das cebolas consumidas na Grã-Bretanha, no último século foi importada de Flandres. Os grandes aperfeiçoamentos nas manufaturas mais grosseiras do linho e da lã fornecem aos trabalhadores roupas melhores e mais baratas; e as da manufatura dos metais mais grosseiros, como ferramentas de trabalho mais baratas e melhores, bem como com muitas peças da mobília doméstica, agradáveis e cômodas. Sabão, sal, couro e licores fermentados, de fato, tornaram-se bem mais caros; principalmente pelas taxas que foram impostas sobre eles. A quantidade destes, que os trabalhadores pobres têm necessidade de consumir, é tão pequena que o aumento em seu preço não compensa a diminuição no de tantas outras coisas. A queixa comum de que o luxo se estende até as classes mais baixas do povo, e que o trabalhador pobre não mais se contentará agora com a mesma comida, vestimenta e alojamento que o satisfazia outrora, pode convencer-nos que não é apenas o preço em dinheiro do trabalho, mas sua real recompensa, que tem aumentado.
Este aperfeiçoamento das condições das classes inferiores do povo deve ser visto como vantagem ou inconveniência para a sociedade? A resposta, à primeira vista, parece abundantemente simples. Servos, trabalhadores e operários de vários tipos formam a grande maioria de toda grande sociedade política. Mas o que melhora as circunstâncias da maioria, nunca pode ser visto como inconveniência para o todo. Nenhuma sociedade pode, seguramente, estar florescendo e feliz na qual a maioria de seus membros está infeliz e miserável. É apenas equidade, além do mais, que aqueles que alimentam, vestem e alojam todo o corpo do povo tenham tal fração do produto do próprio trabalho de modo que eles mesmos fiquem toleravelmente bem alimentados, vestidos e alojados.
A pobreza, se bem que, sem dúvida, desencoraje, nem sempre evita o casamento. Parece mesmo ser favorável à geração. Uma mulher meio faminta das terras altas frequentemente dá à luz mais de vinte crianças, ao passo que uma dama mimada frequentemente é incapaz de gerar nenhuma, e geralmente fica exausta com duas ou três. A esterilidade, tão frequente entre nossas elegantes, é muito rara entre as mulheres de classe inferior. A luxúria, no belo sexo, ao passo que talvez inflame a paixão pelo prazer, parece sempre enfraquecer, e frequentemente destruir completamente, os poderes da geração.
Mas a pobreza, se não previne a geração, é exatamente desfavorável à criação dos filhos. A frágil planta é produzida, mas num solo tão frio e clima tão severo, que logo fenece e morre. Não é incomum, como frequentemente me é contado, nas terras altas da Escócia, que uma mãe que deu à luz vinte crianças não tenha duas vivas. Vários oficiais de grande experiência me asseveraram que no recrutar seus regimentos nunca conseguiram equipá-lo com tambores e gaitas com todos os filhos que nasciam para os soldados de seus regimentos. No entanto, onde se costuma ver um grande número de belas crianças, é exatamente nos acampamentos militares. Muito poucas delas, parece, chegam à idade de 13 ou 14 anos. Em alguns lugares, metade das crianças que nascem, morrem antes dos quatro anos; em muitos outros, antes dos sete; e em quase todos os lugares, antes dos nove ou dez anos. Esta grande mortalidade, porém, em qualquer lugar será encontrada principalmente entre os filhos do povo comum, que não pode cuidar deles com as mesmas atenções que aqueles de melhor posição. Se bem que seus casamentos sejam geralmente mais férteis que os das pessoas bem-postas, uma menor proporção de seus filhos chega à maturidade. Em orfanatos, e entre as crianças criadas pela caridade das paróquias, a mortalidade é ainda maior que entre as pessoas pobres.
Toda espécie animal naturalmente se multiplica em proporção a seus meios de subsistência, e nenhuma espécie pode se multiplicar além disto. Mas, na sociedade civilizada, só entre as classes sociais inferiores é que a rarefação da subsistência pode impor limites à maior multiplicação da espécie humana, e isto só pode se dar pela destruição da maior parte das crianças produzidas por seus férteis casamentos.
A recompensa liberal do trabalho, permitindo-lhes atender melhor às suas crianças, e consequentemente criá-las em maior número, naturalmente tende a ampliar e estender esses limites. É digno de observação, também, que isto acontece tanto quanto possível na proporção em que o requer a demanda de trabalho. Se esta demanda está continuamente aumentando, a recompensa do trabalho deve necessariamente encorajar de tal maneira o casamento e a multiplicação dos trabalhadores, de modo a permitir-lhes suprir aquela demanda continuamente crescente por uma população continuamente crescente. Se a recompensa, a um dado momento, for menor que a requerida para este propósito, a deficiência de mãos logo a aumentaria, e se a qualquer momento fosse maior, sua excessiva multiplicação logo a levaria a seu nível necessário. O mercado estaria tão deficiente de trabalho, num caso, e tão superabastecido no outro, que logo forçaria seu preço de volta àquela cotação adequada que as circunstâncias da sociedade requeriam. É destarte que a demanda de homens, como a de qualquer outra mercadoria, necessariamente regula a produção de homens: acelera-a quando vai muito devagar e detém-na quando avança demais. É esta demanda que regula e determina o estado da propagação em todos os vários países do mundo, seja na América do Norte, na Europa, ou na China, que a torna rapidamente progressiva no primeiro; lenta e gradual no segundo; e totalmente estacionária no último.
O desgaste de um escravo, diz-se, vai por conta de seu patrão, mas o de um servo livre vai por sua própria conta. O desgaste deste, entretanto, na realidade, é tanto a expensas de seu patrão quanto o primeiro. Os salários pagos aos jornaleiros e servos, de acordo com aumento, diminuição ou estacionamento da demanda que a sociedade requeira. Se bem que o desgaste de um servo livre seja igualmente à custa de seu patrão, geralmente custa-lhe muito menos que um escravo. O fundo destinado a substituir ou reparar, se assim posso dizê-lo, o desgaste de um escravo, comumente dirigido por um mestre negligente ou um feitor descuidado. Aquele destinado ao mesmo ofício em relação ao homem livre é dirigido pelo próprio homem livre. As desordens que geralmente prevalecem na economia dos ricos, naturalmente se introduzem na administração daquele fundo: a estrita frugalidade e a parcimoniosa atenção do pobre o levam naturalmente a economizar. Sob tão diferentes administrações, o mesmo propósito deve requerer graus muito diferentes de despesas para executá-lo. Parece, concomitantemente, da experiência de todas as eras e nações, creio, que o trabalho feito por homens livres ao final das contas, é mais barato que aquele feito por escravos. Isto se dá mesmo em Boston, Nova York e Filadélfia, onde os salários do trabalhador comum são tão altos.
A recompensa liberal do trabalho, portanto, como é o efeito da riqueza crescente, também é a causa do aumento da população. Reclamar disto é lamentar o efeito necessário, e causa da maior prosperidade pública.
Mereceria talvez ser observado que é no estado progressista, enquanto a sociedade avança para maiores aquisições, mais do que quando adquiriu todo seu complemento de riquezas, que a condição do trabalhador pobre, do grande corpo do povo, parece ser a mais feliz e a mais confortável. É dura na estacionária e miserável na condição declinante. A condição progressista, na realidade, é o estado alegre e cordial para todas as diferentes ordens da sociedade. A estacionária é monótona; a declinante, melancólica.
A recompensa liberal do lavor, ao encorajar a propagação, também aumenta a indústria do povo comum. Os ganhos do trabalho são o encorajamento da indústria, que, como qualquer outra qualidade humana, aperfeiçoa-se na proporção do encorajamento que recebe. Uma subsistência farta aumenta a resistência corporal do trabalhador e a confortável esperança de melhorar sua condição, e terminar seus dias, talvez no ócio e na abundância, anima-o a exercer seu esforço ao máximo. Onde os salários são altos, correspondentemente, sempre acharemos os trabalhadores mais ativos, diligentes e expeditos do que onde são baixos: mais na Inglaterra, por exemplo, do que na Escócia; nas vizinhanças das grandes cidades do que nos lugares remotos do campo. Alguns trabalhadores, de fato, quando podem ganhar em quatro dias o que os manterá por toda a semana, ficarão ociosos os outros três. Isto, porém, de modo algum é o caso da maioria. Os trabalhadores, pelo contrário, quando são pagos pela peça, estão dispostos a se esgotarem, e arruinar sua saúde e constituição em poucos anos. De um carpinteiro em Londres, e em alguns outros lugares, não se espera que mantenha seu máximo vigor acima de oito anos. Algo da mesma espécie acontece em muitos outros ofícios em que os trabalhadores são pagos por peça, como geralmente se dá nas manufaturas, e mesmo no lavor do campo, onde os salários são mais altos que o ordinário. Quase toda classe de artífice está sujeita a alguma enfermidade particular ocasionada por excessiva aplicação à sua espécie de trabalho. Ramuzzini, eminente médico italiano, escreveu certo livro que trata de tais doenças. Não reconhecemos nossos soldados como as pessoas mais industriosas dentre nós, mas quando eles são empregados em alguma espécie de trabalho, e liberalmente pagos por peça, seus oficiais são frequentemente obrigados a estipular com o empreiteiro, que não devem ganhar acima de uma certa soma diária, de acordo com a cotação pela qual forem pagos. Até que fosse feita esta estipulação, a emulação mútua e o desejo de um maior ganho sempre os fazia trabalhar em demasia, danificando sua saúde por trabalho excessivo. A aplicação excessiva durante quatro dias da semana é frequentemente a causa real da ociosidade dos outros três, tanto e tão clamorosamente lamentada. O trabalho excessivo, continuado por vários dias em seguida, quer do corpo, quer da mente, na maioria dos homens é naturalmente seguido por um grande desejo de relaxamento, que, se não for restringido pela força ou por alguma forte necessidade, é quase irresistível. É o chamado da natureza, que requer ser aliviada por alguma indulgência, por vezes só com descanso, mas, às vezes, também pela dissipação e diversão. Se não for satisfeita, as consequências são frequentemente perigosas, e por vezes, fatais, e de modo a quase sempre, mais cedo ou mais tarde, trazer a enfermidade peculiar daquele ofício. Se os patrões sempre ouvissem os ditames da razão e da humanidade, teriam amiudadas ocasiões de moderar, mais que animar, a aplicação de muitos de seus trabalhadores. Descobrir-se-á, creio, em toda sorte de ofício, que o homem que trabalha moderadamente, de modo a estar apto a trabalhar constantemente, não só preserva mais longamente sua saúde, mas, no decurso do ano, executa a maior quantidade de trabalho.
Nos anos mais baratos, acredita-se, os trabalhadores são, geralmente, mais ociosos, e nos anos caros, mais industriosos que comumente. Uma subsistência abundante, portanto, concluiu-se, relaxa, e uma carente acelera sua indústria. Que um pouco mais de abundância que o comum pode tornar os trabalhadores preguiçosos, não se pode duvidar, mas que tenha seu efeito sobre a maioria, ou que os homens em geral devam trabalhar melhor mal alimentados do que quando estão bem alimentados, quando estão abatidos do que quando estão de bom humor, quando estão costumeiramente doentes do que quando estão geralmente de boa saúde, não parece muito provável. Os anos de carestia, deve-se observar, são, geralmente, entre o povo comum, anos de doença e mortandade, que não pode deixar de diminuir a produção de seu trabalho.
Nos anos de abundância, os servos usualmente abandonam seus patrões, e confiam suas subsistências ao que podem fazer por seus próprios esforços. Mas o mesmo preço baixo das provisões, aumentando o fundo destinado à manutenção dos servos, encoraja os patrões, especialmente lavradores, a empregá-los em grande número. Os lavradores, em tais ocasiões, esperam mais lucro de seu cereal, mantendo mais uns poucos operários, do que vendendo-o a baixo preço no mercado. A demanda de servos aumenta, ao passo que o número daqueles que se oferecem para suprir aquela demanda, diminui. O preço do trabalho, portanto, frequentemente se eleva nos anos baratos.
Nos anos de escassez, a dificuldade e incerteza da subsistência faz toda essa gente ansiosa para retornar ao serviço. Mas o alto preço das provisões, diminuindo os fundos destinados à manutenção dos operários, dispõe os patrões mais a diminuir que aumentar o número daqueles que já têm. Nos anos mais caros, também, os trabalhadores pobres independentes frequentemente consomem os pequenos estoques que usaram para o próprio suprimento, com os materiais de seu trabalho, e são obrigados a se tornar jornaleiros para a própria subsistência. Mais pessoas querem emprego do que os que podem consegui-lo facilmente; muitas estão dispostas a aceitá-lo em termos inferiores aos comuns, e os salários de servos e jornaleiros frequentemente caem nos anos caros.
Os patrões de todas as espécies, portanto, frequentemente fazem melhores barganhas com seus trabalhadores nos anos caros do que nos anos baratos, e encontra-os mais humildes e dependentes naqueles do que nestes. Eles naturalmente, portanto, recomendam aqueles como mais favoráveis à indústria. Os proprietários e os lavradores, inclusive, duas das maiores classes patronais, têm outra razão para gostarem dos anos de carestia. As rendas de um e os lucros do outro dependem muito do preço das vitualhas. Nada pode ser mais absurdo, porém, do que imaginar que os homens, em geral, devam trabalhar menos quando trabalham para si mesmos do que quando trabalham para outrem. Um trabalhador pobre, independente, geralmente será mais industrioso que um jornaleiro que trabalha por peça. Um usufrui todo o produto da própria indústria; o outro o compartilha com seu patrão. Um, em seu estado separado independente, é menos passível das tentações da má companhia, que nas grandes manufaturas tão frequentemente arruínam a moral do outro. A superioridade do trabalhador independente sobre aqueles servos que são contratados por mês ou por ano, e aqueles salários e manutenção são os mesmos, quer façam muito ou pouco, provavelmente serão maiores. Os anos baratos tendem a aumentar a proporção entre trabalhadores independentes e jornaleiros e servos de todo tipo, e os anos caros, a diminuí-la.
Um autor francês de grande erudição e engenhosidade, o sr. Messance, curador do eleitorado de St.-Étienne, procura mostrar que os pobres trabalham mais nos anos caros que nos baratos, comparando a quantidade e o valor dos bens produzidos naquelas diversas ocasiões em três manufaturas diversas: uma, de lã grossa, em Elbeuf, uma de linho e outra de seda, ambas se estendendo pela região de Rouen. Parece, por seu relato, copiado dos registros dos escritórios públicos, que a quantidade e o valor dos produtos de todas essas três manufaturas foi geralmente maior nos anos baratos que nos caros; e quase que foi o maior no ano mais barato e menor no mais caro. Todas três parecem ser manufaturas estacionárias, ou que, se bem que sua produção possa variar um pouco de ano para ano, globalmente, não progridem nem regridem.
A manufatura de linho, na Escócia, e a de lã grossa, no riding3 oeste de Yorkshire, são manufaturas florescentes, cuja produção, em geral, se bem que com algumas variações, está aumentando, tanto em quantidade como em valor. Examinando, porém, as contas que foram publicadas, de sua produção anual, não consegui depreender que suas variações tenham tido qualquer conexão sensível com a abundância ou a carestia das estações. Em 1740, um ano de grande escassez, ambas as manufaturas, de fato, parecem ter declinado mui consideravelmente. Mas em 1756, outro ano de grande escassez, a manufatura escocesa fez mais do que progressos ordinários. A manufatura de Yorkshire, em verdade, declinou, e sua produção não aumentou ao que fora em 1755 até 1766, após a revogação do American Stamp Act. Naquele ano, e no seguinte, excedeu grandemente o que tinha sido antes e tem continuado a avançar cada vez mais.
O produto de todas as grandes manufaturas para venda a distância deve necessariamente depender não tanto das estações carentes ou abundantes, nos países onde se desenvolvem, mas das circunstâncias que afetam a demanda nos países onde são consumidas; da paz ou da guerra, com a prosperidade ou derrocada das manufaturas rivais, e do bom ou mau humor de seus principais fregueses. Além do mais, grande parte do trabalho extraordinário, provavelmente feito nos anos baratos, nunca entra nos registros públicos das manufaturas. Os operários que abandonam seus patrões tornam-se trabalhadores independentes. As operárias retornam para seus pais, e comumente fiam para fazer roupas para si mesmas e para suas famílias. Mesmo os trabalhadores independentes nem sempre trabalham para vender ao público, mas são empregados por alguns de seus vizinhos em manufaturas para uso familiar. O produto de seu trabalho, portanto, frequentemente não aparece naqueles registros públicos que por vezes são publicados com tanto aparato, e com que nossos mercadores e manufatureiros tão vã e frequentemente pretenderiam anunciar a prosperidade ou o declínio dos maiores impérios.
Muito embora as variações no preço do trabalho nem sempre correspondam às do preço das provisões, mas são frequentemente bastante opostas, por causa disto não devemos imaginar que o preço das provisões não tenha influência no do trabalho. O preço em dinheiro do trabalho é necessariamente regulado por duas circunstâncias: a demanda do trabalho e o preço das necessidades e conveniências da vida. A demanda pelo trabalho, de acordo com que seja a população crescente, estacionária ou declinante, determina a quantidade daquelas necessidades e conveniências que deve ser dada ao trabalhador, e o preço em dinheiro do trabalho é determinado pelo que é necessário para comprar esta quantidade. Se bem que o preço em dinheiro do trabalho possa ser alto onde o preço das provisões é baixo, seria ainda mais alto, continuando a demanda constante, se o preço das provisões fosse alto.
É porque a demanda de trabalho aumenta nos anos de súbita e extraordinária abundância, e diminui naqueles de súbita e extraordinária escassez, que o preço em dinheiro do trabalho por vezes sobe num e diminui noutro.
Num ano de súbita e extraordinária abundância, há fundos nas mãos de muitos dos empregados da indústria suficientes para manter e empregar maior número de pessoas industriosas do que as que tinham sido empregadas no ano seguinte; e este número extraordinário nem sempre pode ser mantido. Aqueles patrões, portanto, que querem mais trabalhadores, competem entre si para consegui-los, o que por vezes eleva o preço real e em dinheiro de seu trabalho.
O contrário disto acontece num ano de súbita e extraordinária escassez. Os fundos destinados ao emprego são menores do que no ano anterior. Um considerável número de pessoas é despedido, que competem entre si para consegui-lo, o que, por vezes, abaixa o preço real e em dinheiro do trabalho. Em 1740, ano de grande escassez, muitas pessoas estavam dispostas a trabalhar pela simples subsistência. Nos anos posteriores, de abundância, era mais difícil conseguir trabalhadores e criados.
A escassez de um ano caro, diminuindo a demanda de trabalho, tende a reduzir seu preço, com o alto preço das provisões tendendo a elevá-lo. A abundância de um ano barato, pelo contrário, aumentando a demanda, tende a elevar o preço do trabalho, com as previsões baratas tendendo a baixá-lo. Nas variações ordinárias do preço das provisões, essas duas causas opostas parecem contrabalançar uma à outra, o que é provavelmente em parte a razão pela qual os ganhos do trabalho são sempre muito mais constantes e permanentes que o preço das provisões.
O aumento dos salários necessariamente aumenta o preço de muitas mercadorias, aumentando-lhes aquela parte que se resolve em salários, e assim tende a diminuir seu consumo, no país e no estrangeiro. A mesma causa, porém, que eleva os salários, o aumento do capital, tende a aumentar sua força produtiva, e fazer uma menor quantidade de trabalho produzir maior quantidade de trabalho. O proprietário do capital que emprega grande número de trabalhadores, necessariamente se esforça, para sua própria vantagem, a fazer uma tal divisão adequada e distribuição do emprego, de modo a poder produzir a maior quantidade possível de trabalho. Pela mesma razão, ele procura supri-los com a melhor maquinaria que ele ou eles possam imaginar. O que ocorre entre os trabalhadores numa dada oficina ocorre, pela mesma razão, entre os de uma grande sociedade. Quanto maior seu número, mais se dividem em diferentes classes e subdivisões de emprego. Mais cabeças estão ocupadas em inventar a maquinaria mais adequada para executar o trabalho de cada um, e, portanto, esta tem maior probabilidade de ser inventada. Há muitas mercadorias, portanto, que, em consequência destes aperfeiçoamentos, vêm a ser produzidas por muito menos trabalho que antes do aumento de seu preço ser compensado pela diminuição de sua quantidade.
Notas
1 Isto foi escrito em 1773, antes do começo dos atuais distúrbios.
2 Consultar seu esquema da manutenção dos pobres em History of the Poor Laws, de Burn.
3 Uma das três divisões administrativas de Yorkshire. (N.T.)
CAPÍTULO 9
DOS LUCROS DOS FUNDOS
A ascensão ou a queda dos lucros dos fundos dependem das mesmas causas da ascensão ou da queda dos salários, o estado progressista ou declinante da riqueza da sociedade, mas essas causas afetam um e outro diversamente.
O aumento do capital, que eleva os salários, tende a diminuir o lucro. Quando os fundos de muitos comerciantes ricos são voltados para o mesmo comércio, sua competição mútua naturalmente tende a reduzir o lucro, e quando há um aumento semelhante do capital em todas as atividades de uma mesma sociedade, a mesma competição deve produzir o mesmo efeito nelas todas.
Não é fácil, já foi observado, determinar quais são os salários médios num determinado lugar, num dado momento. Podemos, mesmo neste caso, raramente determinar mais do que são os salários mais usuais. Mas mesmo isto raramente pode ser feito em relação aos lucros do capital. O lucro é tão flutuante que a pessoa que exerce um dado comércio nem sempre nos pode dizer qual é a média de seu lucro anual. É afetado não só pela variação do preço em cada mercadoria que negocia, mas pela boa ou má fortuna de seus rivais e seus fregueses, e por mil outros acidentes a que estão sujeitos os bens transportados por terra ou por mar, ou mesmo estocados num armazém. Varia, portanto, não só de ano para ano, mas de dia para dia e quase de hora para hora. Para determinar qual é o lucro médio de todos os diferentes ofícios exercidos num grande reino, deve ser muito mais difícil; e julgar o que deve ter sido anteriormente, ou em períodos remotos de tempo, com qualquer grau de precisão, deve ser totalmente impossível.
Mas, se bem que possa ser impossível determinar, com qualquer grau de precisão, quais são, ou foram, os lucros do capital, nos tempos atuais ou antigos, pode-se formar alguma noção deles pelos juros. Pode-se estabelecer como máxima que sempre que se pode ganhar muito pelo uso do dinheiro, muito, usualmente, será dado por ele, e quanto menos se fizer por ele, menos, usualmente, será dado por ele. Logo, concomitantemente, como a taxa usual de juros, no mercado, varia em qualquer país, podemos ter certeza de que os lucros ordinários do capital devem variar com ele, baixando quando ele baixa e subindo quando também sobe. O progresso do juro, portanto, pode levar-nos a formar alguma noção do progresso do lucro.
Com o 37º decreto de Henrique VIII, todo juro acima de 10% era declarado ilegal. E mais parece ter sido tomado anteriormente. No reinado de Eduardo VI, o zelo religioso proibiu todo juro. Esta proibição, porém, como todas as outras da mesma espécie, diz-se ter produzido nenhum efeito, e provavelmente aumentou, ao invés de diminuir o mal da usura. O estatuto de Henrique VIII foi revivido no 13º decreto de Elizabeth, cap. 8, e 10% continuou sendo a cotação legal do juro até o 21º de Jaime I, quando foi restringido a 8%. Foi reduzido a 6% logo depois da Restauração, e no 12º decreto da rainha Ana, a 5%. Todas estas regulamentações estatutárias parecem ter sido feitas com grande propriedade. Parecem ter seguido, e não precedido, a cotação de mercado dos juros, ou a taxa à qual a gente de bom crédito usualmente emprestava. Desde o tempo da Rainha Ana, 5% parece ter sido mais acima do que abaixo da taxa de mercado. Antes da última guerra, o governo emprestava a 3%, e as pessoas de bom crédito na capital, e em muitas outras partes do reino, a 3,5%, 4% e 4,5%.
Desde o tempo de Henrique VIII, a riqueza e o rendimento do país têm avançado continuamente, e no decurso de seu progresso, seu passo parece mais ter gradualmente acelerado do que retardado. Parece não só terem continuado, mas cada vez mais aceleradamente. Os salários têm aumentado continuamente durante o mesmo período, e na maior parte dos diversos ramos do comércio e das manufaturas, os lucros do capital têm diminuído.
Geralmente é necessário um capital maior para fazer qualquer espécie de negócio numa grande cidade do que numa vila. Os grandes capitais empregados em cada ramo de comércio, e o número de competidores ricos, geralmente reduzem mais a taxa de lucro no primeiro caso do que no segundo. Mas os salários são geralmente maiores numa grande cidade que numa vila. Numa cidade progressista, as pessoas que têm grandes capitais para empregar frequentemente não conseguem o número de trabalhadores que desejam, e portanto, competem entre si para conseguir o máximo que puderem, o que eleva os salários e abaixa os lucros do capital. Nas partes remotas do país, frequentemente não há capital suficiente para empregar todas as pessoas, que, portanto, competem umas contra as outras para conseguir emprego, o que reduz os salários do trabalho e sobe os lucros do capital.
Na Escócia, se bem que a cotação legal do juro seja a mesma que na Inglaterra, a taxa do mercado é maior. As pessoas de melhor crédito lá raramente emprestam abaixo de 5%. Mesmo os banqueiros particulares em Edimburgo dão 4% por suas notas promissórias, das quais o pagamento total ou parcial pode ser cobrado à vontade. Os banqueiros particulares da Inglaterra não dão juros pelo dinheiro depositado com eles. Há uns poucos negócios que não podem ser feitos com um pequeno capital na Escócia, e não na Inglaterra. A taxa comum de lucros, portanto, deve ser um pouco maior. Os salários, já foi observado, são menores na Escócia que na Inglaterra. O campo, também, não só é muito mais pobre, mas os passos pelos quais avança para uma melhor condição, pois evidentemente está avançando, parecem muito mais lentos e tardios.
A taxa legal de juros na França, durante este século, nem sempre foi regulada pela cotação do mercado.1 Em 1720, os juros foram reduzidos do vigésimo para o quingentésimo penny, ou, de 5% para 2%. Em 1724, foram elevados para o trigésimo penny, ou a 3,5%. Em 1766, durante a administração do sr. Laverdy, foram reduzidos ao 25º penny, ou a 4%. O abade Terray elevou-a depois à velha taxa de 5%. O suposto propósito de muitas daquelas violentas reduções dos juros era preparar o caminho para reduzir os débitos públicos; propósito este que por vezes foi executado. A França, talvez, nos dias atuais, não seja um país tão rico quanto a Inglaterra; e se bem que a taxa legal de juros na França tenha sido frequentemente inferior à da Inglaterra, a taxa de mercado geralmente tem sido maior; pois lá, como em outros países, têm vários métodos seguros e fáceis para se evadir à lei. Os lucros do comércio foi-me assegurado por comerciantes ingleses, que comerciaram em ambos os países, são mais altos na França que na Inglaterra; e sem dúvida é por isto que muitos súditos britânicos escolhem empregar seus capitais num país onde o comércio está em desgraça do que num onde é altamente respeitado. Os salários são mais baixos na França do que na Inglaterra. Quando se vai da Escócia para a Inglaterra, a diferença que se pode observar entre as vestes e o aspecto do povo num país e no outro bastam para indicar suficientemente a diferença de sua condição. O contraste é ainda maior se se retorna da França. A França, se bem que sem dúvida, país mais rico do que a Escócia, não parece estar progredindo tão depressa. É opinião comum, e mesmo popular, no campo, que esteja regredindo; opinião que, segundo creio, é mal fundada mesmo em relação à França, mas que ninguém poderia possivelmente entreter em relação à Escócia, que tenha visto o campo agora, e o viu vinte ou trinta anos atrás.
A província da Holanda, por outro lado, em proporção à extensão de seu território e número de seus habitantes, é um país mais rico que a Inglaterra. O governo lá empresta a 2%, e os particulares de bom crédito, a 3%. Dizem que os salários são maiores na Holanda que na Inglaterra, e os holandeses, é bem sabido, comerciam com lucros mais baixos que qualquer povo europeu. O comércio holandês, alguns pretendem, está decaindo, e talvez seja verdade que assim é com alguns de seus ramos, mas estes sintomas parecem indicar suficientemente que não há decadência. Quando o lucro diminui, os comerciantes estão prontos a reclamar que o comércio decai; se bem que a redução do lucro é o efeito de sua prosperidade, ou de mais capital sendo empregado do que antes. Durante a última guerra, os holandeses ganharam todo o comércio de transporte da França, do qual eles ainda retêm uma boa parte. A grande propriedade que possuem em fundos franceses e ingleses, cerca de quarenta milhões, no segundo caso (no que, suspeito, possa haver um considerável exagero); as grandes somas que emprestam a particulares em países onde a taxa de juros é maior que no deles são circunstâncias que sem dúvida demonstram a redundância de seus fundos, ou que eles aumentaram além do que podem empregar com lucro tolerável nos negócios de seu próprio país, mas não demonstram que estes negócios decaíram. Como o capital de um particular, se bem que adquirido por um determinado comércio, pode crescer além do que ele pode empregar, e mesmo assim aquele comércio continua a crescer, assim também pode ser com o capital de uma grande nação.
Em nossas colônias norte-americanas e das Índias Ocidentais, não só os salários, mas os juros, e consequentemente os lucros do capital, são mais altos que na Inglaterra. Nas várias colônias, tanto a taxa legal como a taxa de juros do mercado variam de 6% a 8%. Os altos pagamentos do trabalho, e altos lucros do capital, porém, são coisas que dificilmente andam juntas, exceto nas circunstâncias peculiares das novas colônias. Uma nova colônia deve sempre, por algum tempo, subdotada em relação à extensão de seu território, e mais subpovoada em proporção à extensão de sua provisão, do que a maioria dos outros países. Tem mais terra do que capital para cultivar. O que têm, portanto, é aplicado ao cultivo apenas do que é mais fértil e mais favoravelmente situado, a terra perto do litoral e ao longo das margens dos rios navegáveis. Tal terra, também, é frequentemente comprada a um preço abaixo do valor de sua produção natural. O capital empregado na compra e melhoria de tais terras deve dar um grande lucro, e, consequentemente, poder pagar um alto juro. Sua rápida acumulação em emprego tão lucrativo permite que o plantador aumente o número de mão de obra mais depressa do que ele pode encontrá-las no novo estabelecimento. Aqueles que pode encontrar, portanto, são muito liberalmente recompensados. Crescendo a colônia, os lucros do capital gradualmente diminuem. Quando as terras mais férteis e mais bem situadas foram totalmente ocupadas, pôde-se fazer menos lucro com o cultivo do que é inferior no solo e na situação, e menos juros podem ser suportados para o capital assim empregado. Na maioria de nossas colônias, tanto a taxa de juros legal quanto a de mercado foram consideravelmente reduzidas no decurso deste século. Aumentando as riquezas, o aperfeiçoamento e a população, o juro decaiu. Os salários não caem com os lucros do capital. A demanda do trabalho aumenta juntamente com o aumento do capital, quaisquer que sejam seus lucros; e depois de estes diminuírem, o capital não só pode continuar a crescer, mas a crescer muito mais depressa que antes. Tal como acontece com nações industriosas que progridem na aquisição de riquezas, acontece com indivíduos industriosos. Um grande capital, se bem que com pequenos lucros, geralmente aumenta mais depressa do que um pequeno capital com grandes lucros. O dinheiro, diz o provérbio, faz dinheiro. Quando se consegue um pouco, é fácil conseguir mais. A grande dificuldade é conseguir aquele pouco. A conexão entre o aumento do capital e o da indústria, ou da demanda de trabalho útil, parcialmente já foi explicada, mas será explicada mais completamente mais tarde, ao tratarmos da acumulação do capital.
A aquisição de novo território ou de novos ramos de comércio, por vezes pode elevar os lucros do capital, e com eles os juros do dinheiro, mesmo num país que esteja progredindo depressa na aquisição de riquezas. O capital do país, não sendo suficiente para a plena aplicação em negócios, que tais aquisições apresentam a diferentes pessoas entre as quais é dividido, aplica-se àqueles ramos que toleram o maior lucro. Parte do que antes foi empregado em outros comércios é necessariamente retirada deles e voltada para alguns dos novos, é mais lucrativos. Em todos aqueles velhos negócios, portanto, a competição vem a ser menor que antes. O mercado vem a ser menos plenamente suprido com grande variedade de bens. Seu preço necessariamente sobe mais ou menos, e proporciona o maior lucro àqueles que tratam com eles, que podem emprestar a juros maiores. Por algum tempo depois da conclusão da última guerra, não só particulares de bom crédito, mas algumas das maiores companhias de Londres, comumente emprestavam a 5% e que antes não pagavam mais que 4% e 4,5%. A grande aquisição, tanto de território como de comércio, na América do Norte e nas Índias Ocidentais, responde suficientemente por isto, sem se supor nenhuma diminuição no capital da sociedade. Tamanho aumento de novos negócios a serem efetuados pelo velho capital deve necessariamente ter diminuído a quantidade empregada num grande número de ramos particulares, em que a competição, sendo menor, os lucros devem ser maiores. Depois terei ocasião de mencionar as razões que me dispõem a acreditar que as reservas de capital da Grã-Bretanha não diminuíram nem mesmo com as enormes despesas da última guerra.
A diminuição das reservas de capital da sociedade, ou os fundos destinados à manutenção da indústria, ao reduzir os salários, aumenta os lucros do capital e, consequentemente, os juros do dinheiro. Abaixando os salários, os proprietários do capital remanescente na sociedade podem trazer seus bens ao mercado com menor despesa que antes, e menos capital sendo empregado em suprir o mercado que antes, eles podem vender mais caro. Seus bens custam-lhes menos, e conseguem mais por eles. Seus lucros, portanto, sendo aumentados em ambos os extremos, podem muito bem pagar juros maiores. As grandes fortunas tão súbita e facilmente adquiridas em Bengala e nos outros estabelecimentos britânicos nas Índias Orientais evidenciam-nos que, sendo os salários muito baixos, os lucros do capital são muito altos naqueles países arruinados. Os juros do dinheiro são proporcionais a isto. Em Bengala, o dinheiro é costumeiramente emprestado aos lavradores a 40%, 50% e 60% e a próxima colheita é hipotecada para o pagamento. Como os lucros que podem pagar tais juros devem devorar quase toda a renda do proprietário, uma usura tão imensa deve, por sua vez, consumir a maior parte daqueles lucros. Antes da queda da república romana, uma usura da mesma espécie parece ter sido comum nas províncias, sob a ruinosa administração de seus procônsules. O virtuoso Brutus emprestava dinheiro em Chipre a 48%, como sabemos pelas cartas de Cícero.
Num país que adquiriu tamanho complemento de riquezas que a natureza de seu solo e clima e sua situação em relação a outros países lhe permitiu adquirir, e que portanto não pode avançar mais, e que não regrida, os salários e os lucros seriam provavelmente muito baixos. Num país totalmente povoado em proporção ao que seu território pode manter, ou seu capital empregar, a competição pelo emprego necessariamente seria grande a ponto de reduzir os salários ao mínimo suficiente para manter o número de trabalhadores, e estando o país totalmente habitado, esse número não poderia ser aumentado. Num país totalmente dotado proporcionalmente a todos os negócios a transacionar, haveria tanto capital a ser empregado em cada ramo particular quanto a natureza e a extensão do comércio admitiria. A competição, portanto, sempre seria maior e, consequentemente, o lucro ordinário tão baixo quanto possível.
Mas talvez nenhum país ainda tenha chegado a este grau de opulência. A China parece há muito estar estacionária, e provavelmente há muito tempo adquiriu aquele complemento total de riquezas que é consistente com a natureza de suas leis e instituições. Mas este complemento pode ser muito inferior ao que, com outras leis e instituições, a natureza de seu solo, clima e situação poderia admitir. Um país que negligencia ou despreza o comércio exterior, e que admite navios das nações estrangeiras em um ou dois de seus portos, não pode transacionar a mesma quantidade de negócios que poderia com diferentes leis e instituições. Num país, também, onde se bem que os ricos ou proprietários de grandes capitais gozam de uma boa dose de segurança, os pobres, ou possuidores de pequenos capitais, gozam de quase nenhuma, mas são passíveis, sob a pretensão de justiça, de serem pilhados e saqueados a qualquer momento pelos mandarins inferiores, a quantidade de capital empregada em todos os diferentes ramos dos negócios feitos nunca pode ser igual ao que a natureza e a extensão daquele negócio poderia admitir. Em cada ramo, a opressão dos pobres deve estabelecer o monopólio dos ricos, que, aumentando todo o comércio para si mesmos, poderão fazer lucros muito grandes. Correspondentemente, diz-se que 12% é o juro comum na China, e os lucros ordinários do capital devem ser suficientes para tolerar este grande juro.
Um defeito na lei pode, por vezes, erguer a taxa de juros consideravelmente acima do que a condição do país, quanto à riqueza ou pobreza, requereria. Quando a lei não reforça a execução de contratos, põe todos os devedores quase no mesmo pé com falidos ou pessoas de crédito duvidoso em países mais bem legislados. A incerteza de recuperar o dinheiro faz o credor tomar o mesmo juro usurário que é usualmente requerido dos falidos. Dentre as nações bárbaras que assolaram as províncias ocidentais do império romano, o cumprimento dos contratos foi deixado por muitas eras à fé das partes contratantes. As cortes de justiça de seus reinos raramente intervinham. A alta taxa de juros que tomava lugar naqueles tempos antigos talvez se deva a esta causa.
Quando a lei proíbe qualquer espécie de interesse, não o elimina. Muitas pessoas emprestam, e ninguém dará emprestado sem considerar se o uso do dinheiro será adequado ou não, mas também a dificuldade e o perigo de evadir-se à lei. A alta taxa de juros entre as nações maometanas é atribuída pelo sr. Montesquieu não por sua pobreza, mas pela dificuldade de recuperar o dinheiro.
A taxa ordinária de lucro mais baixa deve ser sempre um pouco mais do que é suficiente para compensar as perdas ocasionais a que se expõe cada aplicação do capital. É este excesso apenas que é o lucro líquido. O chamado lucro bruto compreende, de hábito, não só este excesso, mas o que é retido para compensar tais perdas extraordinárias. O interesse que o devedor pode tolerar pagar é proporcional apenas ao lucro líquido.
A taxa de juro ordinária mais baixa deve, do mesmo modo, ser um pouco mais que o suficiente para compensar as perdas ocasionais a que o empréstimo, mesmo com tolerável prudência, está exposto. Se assim não fosse, a caridade ou a amizade seriam o único motivo para emprestar.
Num país que tivesse adquirido todo seu complemento de riquezas, onde em cada ramo em particular dos negócios houvesse a maior quantidade de capital que pudesse nele ser empregada, como a taxa ordinária do lucro líquido seria muito pequena, a taxa de mercado usual que poderia ser tolerada seria tão baixa a ponto de impossibilitar a todos, exceto pelos muito ricos, viver só com os juros de seu dinheiro. Todas as pessoas de fortuna pequena ou mediana seriam obrigadas a supervisionar elas mesmas a aplicação de seus capitais. Seria necessário que quase todo homem fosse um homem de negócios, ou se engajasse em alguma espécie de comércio. A província da Holanda parece estar chegando a este estado. Lá, não é considerado de bom-tom não ser negociante. A necessidade torna comum para quase todo homem sê-lo, e o costume em todo lugar regula o bom-tom. Como é ridículo não se vestir, assim é, de certa forma, não ser empregado, como os outros. Como um homem de profissão civil parece desambientado num acampamento ou quartel, e correndo mesmo o risco de lá ser desprezado, assim é um homem ocioso em meio a negociantes.
A taxa mais alta de lucro ordinário pode ser tal que, no preço da maior parte das mercadorias, consuma tudo o que deveria ir para o arrendamento da terra e deixe apenas o que é suficiente para pagar o trabalho de prepará-las e levá-las ao mercado, segundo a taxa mais baixa pela qual o trabalho possa ser pago, a simples subsistência do trabalhador. O operário deve sempre se alimentar, de algum modo, enquanto trabalha, mas o proprietário nem sempre pode ter sido pago. Os lucros do comércio que os servidores da Companhia das Índias Orientais exercem em Bengala podem, talvez, não estar muito longe desta taxa.
A proporção que a cotação usual de juros do mercado deveria tolerar para a cotação ordinária do lucro líquido necessariamente varia conforme o lucro suba ou desça. O dobro dos juros, na Grã-Bretanha, é tido pelos comerciantes como um lucro bom, moderado e razoável. Num país onde a taxa ordinária de lucro líquido é 8% ou 10%, pode ser razoável que metade dele surja de juros, sempre que o negócio seja exercido com dinheiro emprestado. O capital é risco do devedor, que, por assim dizer, garante-o ao credor; e 4% ou 5% podem, na maioria dos negócios, ser tanto um lucro suficiente sobre o risco desta garantia quanto recompensa suficiente pelo trabalho de empregar o capital. Mas a proporção entre o juro e o lucro líquido poderia não ser a mesma em países em que a taxa ordinária de lucro fosse muito mais baixa, ou muito mais alta. Se fosse muito mais baixa, metade dela talvez não pudesse ser tolerada como interesse; e mais poderia ser tolerada, se ela fosse muito mais alta.
Nos países que estão se adiantando muito depressa para a riqueza, a baixa taxa de juros pode, no preço de muitas mercadorias, compensar os altos salários e permitir a esses países vender tão barato quanto seus vizinhos menos progressistas, entre os quais os salários podem ser mais baixos.
Na realidade, altos lucros tendem muito mais a elevar o preço do trabalho do que altos salários. Na manufatura de linho, por exemplo, os salários dos diversos trabalhadores, os cardadores, fiandeiros, tecelões etc., deveriam todos eles ser adiantados a dois pence por dia; seria necessário elevar o preço da peça de linho apenas de um número de dois pence igual ao número de pessoas que estivesse empregado, multiplicado pelo número de dias durante os quais trabalhassem. Aquela parte do preço da mercadoria que se resolvesse em salários subiria, em todos os vários estágios da manufatura, apenas numa proporção aritmética a esta elevação de salários. Mas se o lucro de todos os diferentes empregadores daquelas pessoas fosse elevado de 5%, aquela parte do preço da mercadoria que se resolvesse em lucro subiria, por todos os diferentes estágios da manufatura, em proporção geométrica a esta elevação do lucro. O empregador dos cardadores de linho, ao vender seu linho, requereria um adicional de 5% sobre todo o valor dos materiais e salários que adiantasse a seus trabalhadores. O empregador dos fiandeiros, ao vender seu linho, requereria um adicional de 5% sobre o preço adiantado do linho e sobre os salários dos fiandeiros. E o empregador dos tecelões requereria os mesmos 5% tanto sobre o preço adiantado pelo fio de linho quanto sobre os salários dos tecelões. Ao aumentar o preço das mercadorias, a elevação de salários opera do mesmo modo que os juros simples na acumulação do débito. A elevação do lucro opera como os juros compostos. Nossos comerciantes e mestres manufatureiros reclamam muito dos maus efeitos dos altos salários na elevação do preço, portanto reduzindo a venda de seus bens, tanto no país como no estrangeiro. Nada dizem quanto aos maus efeitos dos altos lucros. Silenciam em relação aos efeitos perniciosos dos próprios ganhos. Reclamam apenas dos das outras pessoas.
Nota
1 Ver Denisart, Article Taux des Intérêts, vol. III, p. 18.
CAPÍTULO 10
DOS SALÁRIOS E DO LUCRO NOS DIFERENTES EMPREGOS DO TRABALHO E DO CAPITAL
O conjunto das vantagens e das desvantagens dos vários empregos do trabalho e do capital devem, numa mesma vizinhança, ser perfeitamente iguais ou continuamente tender à igualdade. Se, numa mesma vizinhança, houvesse qualquer emprego evidentemente mais ou menos vantajoso que o resto, então muitas pessoas se acumulariam num caso e outras tantas desertariam no outro, de modo que suas vantagens logo retornariam ao nível dos outros empregos. Este, pelo menos, seria o caso numa sociedade onde as coisas fossem deixadas a seguir seu curso natural, onde houvesse perfeita liberdade, e onde todo homem fosse perfeitamente livre para escolher que ocupação achasse adequada e mudá-la tanto quanto ele achasse conveniente. O interesse de cada homem o disporia a procurar o emprego vantajoso, e afastar o desvantajoso.
Os salários pecuniários e o lucro, de fato, em cada lugar da Europa são muito distintos, de acordo com os vários empregos de trabalho e capital. Mas esta diferença origina-se parcialmente de certas circunstâncias dos próprios empregos, que, realmente, ou ao menos na imaginação dos homens, só levam a um pequeno ganho pecuniário em alguns e contrabalançam um grande ganho em outros; e parcialmente da política europeia, que nunca deixa as coisas em perfeita liberdade.
A consideração particular daquelas circunstâncias e daquela política dividirão este capítulo em duas partes.
PARTE 1
DESIGUALDADES ORIUNDAS DA NATUREZA DOS PRÓPRIOS EMPREGOS
As cinco seguintes são as principais circunstâncias que, tanto quanto pude observar, levam a um pequeno ganho pecuniário em alguns empregos e contrabalançam um grande ganho em outros: primeiro, os próprios empregos serem agradáveis ou desagradáveis; segundo, a facilidade e pouca despesa, ou a dificuldade e a despesa para aprendê-los; terceiro, a constância ou inconstância do emprego; quarto, a pequena ou grande confiança que deve repousar naqueles que os exercem; e, quinto, a probabilidade ou improbabilidade de sucesso neles.
Primeiro, os salários do trabalho variam com a facilidade ou dificuldade, a limpeza ou imundície, a honradez ou desonorabilidade do emprego. Assim, na maioria dos lugares, ao longo do ano, um jornaleiro ganha menos que um tecelão jornaleiro. Seu trabalho é muito mais fácil. Um tecelão jornaleiro ganha menos que um ferreiro jornaleiro. Seu trabalho nem sempre é fácil, mas é muito mais limpo. Um ferreiro jornaleiro, se bem que um artífice, raramente ganha, em 12 horas, o mesmo que um mineiro de carvão, que é apenas um peão, ganharia em oito. Seu trabalho não é tão sujo, é menos perigoso e é feito à luz do dia, no nível do solo. A honorabilidade faz grande parte da recompensa de todas as profissões honradas. No ponto do ganho pecuniário, considerando tudo, são geralmente mal recompensadas, como virei a tentar demonstrar. A desgraça tem o efeito contrário. O comércio de um açougueiro é um negócio brutal e odioso; mas, na maioria dos lugares, é mais lucrativo que a maioria dos comércios comuns. O mais detestável de todos os empregos, o do carrasco, é, em proporção à quantidade do trabalho feito, melhor pago do que qualquer outra ocupação.
A caça e a pesca, os empregos mais importantes da humanidade no estado rude da sociedade, tornam-se, em seu estado avançado, seus entretenimentos mais agradáveis, e perseguem por prazer aquilo que antes demandavam por necessidade. No estágio adiantado da sociedade, portanto, são paupérrimas as pessoas que fazem comércio daquilo que outros buscam como passatempo. Os pescadores têm sido os mesmos desde os tempos de Teócrito.1 Um caçador furtivo, em qualquer lugar da Grã-Bretanha, é pessoa muito pobre. Nos países em que o rigor da lei não tolera caçadores furtivos, o caçador licenciado não está em melhor condição. O gosto natural por aqueles empregos faz com que mais pessoas o adotem do que as que podem viver confortavelmente com eles, e o produto de seu trabalho, em proporção à sua quantidade, vem sempre demasiado barato ao mercado para permitir algo além da mais parcimoniosa subsistência aos trabalhadores.
O desagrado e a desgraça afetam os lucros do capital do mesmo modo que os salários. O estalajadeiro, ou o taverneiro, que nunca é o dono de sua própria casa, e que está exposto à brutalidade de todo bêbado, não exerce negócio muito agradável nem confiável. Mas dificilmente há algum negócio em que um capital pequeno renda tão grande lucro.
Segundo, os salários variam com a facilidade e o custo baixo, ou a dificuldade e o alto custo de aprender o ofício.
Quando qualquer máquina cara é construída, o trabalho extraordinário a ser executado por ela antes de se gastar, é de esperar, substituirá o capital depositado nela, com, pelo menos, os lucros ordinários. Um homem educado a expensas de muito trabalho e tempo, para qualquer daqueles empregos que requerem extraordinária destreza e habilidade, pode ser comparado a uma dessas máquinas dispendiosas. O trabalho que ele aprende a executar, deve-se esperar, muito acima dos ganhos do trabalho comum, vai repor-lhe toda a despesa de sua educação com, pelo menos, os lucros ordinários de um capital igualmente valioso. Deve fazer isto, também, num tempo razoável, tendo-se em vista a duração muito incerta da vida humana, do mesmo modo que a duração da máquina é mais certa.
A diferença entre os salários do trabalho qualificado e os do trabalho comum é fundada neste princípio.
A política da Europa considera o trabalho de todos os mecânicos, artífices e manufatureiros qualificado; e o de todos os trabalhadores do campo, trabalho comum. Parece supor que o dos primeiros seja de natureza melhor e mais delicada do que os dos outros. Talvez assim seja, em alguns casos, mas, na maioria, é bem ao contrário, como tentarei aos poucos demonstrar. As leis e os costumes da Europa, portanto, para qualificar qualquer pessoa para exercer aquela espécie de trabalho, impõem a necessidade de um aprendizado, se bem que com diferentes graus de rigor, em diferentes lugares. Deixam o outro livre e aberto a todos. Durante a continuidade do aprendizado, todo o trabalho do aprendiz pertence a seu mestre. Entrementes ele deve, em muitos casos, ser mantido por seus pais ou parentes, e em quase todos os casos, ser vestido por eles. Algum dinheiro, também, é comumente dado ao mestre para lhe ensinar o ofício. Aqueles que não podem dar dinheiro, dão seu tempo, ou servem por mais que o número usual de anos; uma consideração que, se bem que nem sempre vantajosa para o mestre, por conta da preguiça usual dos aprendizes, é sempre desvantajosa para o aprendiz. No trabalho camponês, pelo contrário, o operário, enquanto está empregado na mais fácil, aprende as partes mais difíceis de seu ofício, e o próprio trabalho o mantém através de todos os vários estágios de seu emprego. É razoável, portanto, que, na Europa, os salários de mecânicos, artífices e manufatureiros seja um pouco mais alto que os dos trabalhadores comuns. Assim acontece, e seus ganhos superiores fazem-nos, na maioria dos lugares, ser considerados agente de classe superior. Esta superioridade, porém, é geralmente mínima; os ganhos diários ou semanais de jornaleiros nas manufaturas mais comuns, como as do linho simples e do tecido de lã, computados em média, são, na maioria dos sítios, pouquíssimo superiores aos ganhos diários de trabalhadores comuns. Seu emprego, de fato, é mais constante e uniforme, e a superioridade de seu salário, considerando o ano todo, pode ser um pouco maior. Parece evidente, no entanto, não ser maior do que é suficiente para compensar a maior despesa de sua educação.
A educação nas artes de engenho e nas profissões liberais é ainda mais tediosa e dispendiosa. A recompensa pecuniária, portanto, de pintores e escultores, de advogados e médicos, deveria ser muito mais liberal, e assim é.
Os lucros do capital parecem ser pouquíssimo afetados pela facilidade ou dificuldade do aprendizado do ofício em que é empregado. Todas as maneiras diferentes pelas quais o capital é comumente empregado nas grandes cidades parece, na realidade, ser quase igualmente fácil e igualmente difícil de aprender. Um ramo, quer do comércio doméstico ou estrangeiro, não pode ser um negócio muito mais complicado que o outro.
Terceiro, os salários em diferentes ocupações variam com a constância ou inconstância do emprego.
O emprego é muito mais constante em alguns ofícios que em outros. Na maior parte dos manufatureiros, um jornaleiro pode estar bem seguro de emprego quase todo dia do ano em que estiver apto a trabalhar. Um pedreiro ou canteiro, pelo contrário, não pode trabalhar com frio intenso ou mau tempo, e seu emprego em todas as outras épocas depende das chamadas ocasionais de seus fregueses. Ele está apto, por conseguinte, a ficar sem trabalho. O que ele ganha, portanto, enquanto está empregado, não só deverá mantê-lo enquanto estiver ocioso, mas dar-lhe alguma compensação por aqueles momentos ansiosos e desesperados que a ideia de situação tão precária deve por vezes ocasionar. Onde os ganhos computados da maioria dos manufatureiros está quase no mesmo nível dos trabalhadores comuns, os dos canteiros e pedreiros são geralmente de uma vez e meia ao dobro daqueles salários. Onde os trabalhadores comuns ganham quatro ou cinco shillings por semana, pedreiros e canteiros ganham amiudadamente sete ou oito; onde aqueles ganham seis, estes, é comum ganharem nove ou dez; e onde aqueles ganham nove ou dez, como em Londres, estes comumente ganham 15 ou 18. Nenhuma espécie de trabalho qualificado, porém, parece mais fácil de apreender que o dos pedreiros e canteiros. Os altos ganhos destes homens, portanto, não são tanto a recompensa de sua capacidade, como a compensação pela inconstância de seu emprego.
Um carpinteiro parece exercer um ofício melhor e mais engenhoso que um pedreiro. Na maioria dos lugares, no entanto, pois não é universalmente, seus ganhos diários são um tanto inferiores. Seu emprego, se bem que dependa muito, não depende tão inteiramente das chamadas ocasionais de seus fregueses, e não pode ser interrompida pelo clima.
Quando os ofícios que geralmente permitem emprego constante, num local em particular, não o fazem, os ganhos dos operários sempre sobem bastante acima de sua proporção ordinária, em relação aos do trabalho comum. Em Londres, quase todos os artífices jornaleiros podem ser chamados e dispensados por seus patrões de dia para dia, e de semana para semana, do mesmo modo que trabalhadores diários em outros lugares. A ordem mais baixa dos artífices, a dos alfaiates jornaleiros, correspondentemente, ganha lá meia coroa por dia, se bem que 18 pence podem ser admitidos como o salário do trabalho comum. Nas cidades pequenas e vilas do campo, os ganhos dos alfaiates jornaleiros raramente se igualam aos do trabalho comum, mas em Londres ficam muitas vezes semanas sem emprego, particularmente no verão.
Quando a inconstância de emprego se combina com a dificuldade, a repulsa e imundície do trabalho por vezes eleva os ganhos do trabalho mais comum acima dos artífices mais hábeis. Um mineiro que trabalhe por peça, em Newcastle, supõe-se que ganhe comumente o dobro, e em muitos sítios da Escócia, cerca de três vezes os salários do trabalho comum. Seus altos ganhos originam-se totalmente da dificuldade, repugnância e sujeira de seu trabalho. Seu emprego pode, em muitas ocasiões, ser tão constante quanto queira. Os transportadores de carvão em Londres exercem um ofício em que a dificuldade, a sujeira e a repugnância quase igualam as dos mineiros, e pela inevitável irregularidade das chegadas dos navios de carvão, o emprego da maioria deles é necessariamente muito inconstante. Se os mineiros, portanto, comumente ganham o dobro e o triplo do trabalho comum, não deveria parecer desarrazoado que os carregadores de carvão devessem ganhar por vezes, quatro ou cinco vezes aqueles salários. Na investigação feita sobre sua condição, há alguns anos, descobriu-se que a taxa com que eram então pagos poderiam ganhar de seis a dez shillings por dia. Seis shillings são cerca de quatro vezes os ganhos do trabalho comum em Londres, e em cada comércio em particular, os ganhos comuns mais baixos podem ser sempre considerados aqueles do maior número. Por mais extravagantes que essas cifras possam parecer, se fossem mais que o suficiente para compensar todas as circunstâncias desagradáveis da ocupação, logo haveria grande número de competidores como num negócio sem privilégio exclusivo, que logo os reduziria a uma baixa cotação.
A constância ou inconstância do emprego não pode afetar os lucros ordinários do capital em nenhum comércio em particular. Seja ou não o capital constantemente empregado, depende não do negócio, mas do negociante.
Quarto, os salários variam de acordo com a pequena ou grande responsabilidade que repousa nos trabalhadores.
Os salários de ourives e joalheiros são sempre superiores aos de muitos outros trabalhadores, não só de igual, mas de engenho muito superior, por conta dos materiais preciosos que lhes são confiados.
Confiamos nossa saúde ao médico; nossa fortuna, e por vezes nossa vida e reputação, ao advogado ou ao promotor. Tal confiança não poderia ser seguramente depositada nas pessoas de condição vulgar, ou baixa. Sua recompensa deve ser tal que possa lhes dar aquele nível na sociedade que uma tão grande confiança requer. O longo tempo e a grande despesa que deve ser depositada em sua educação, quando combinados com esta circunstância, necessariamente ressalta ainda mais o preço de seu trabalho.
Quando uma pessoa emprega apenas o próprio capital no comércio, não há obrigação; e o crédito que pode ter de outras pessoas depende não da natureza de seu comércio, mas das suas opiniões sobre sua fortuna, probidade e prudência. As diferentes taxas de lucro, portanto, nos diversos ramos do comércio, não pode se originar dos diferentes graus de crédito depositado nos negociantes.
Quinto, os salários, em diferentes empregos, variam de acordo com a probabilidade ou improbabilidade de sucesso neles.
A probabilidade de que qualquer pessoa em particular esteja qualificada para o emprego para o qual é educada é muito diferente nas várias ocupações. Na maioria dos ofícios mecânicos, o sucesso é quase certo, mas muito incerto nas profissões liberais. Ponha seu filho como aprendiz de sapateiro, e há pouca dúvida que aprenderá a fazer um par de sapatos; mas mande-o estudar as leis, e há vinte chances contra uma de que ele terá tal proficiência de modo a poder viver deste negócio. Numa loteria perfeitamente justa, aqueles que levam os prêmios devem ganhar tudo o que é perdido pelos que tiram em branco. Numa profissão onde vinte falham onde um tem sucesso, aquele um deve ganhar tudo o que deveria ter sido ganho pelos vinte fracassados. O jurisconsulto que, talvez, aos quarenta anos começa a ganhar algo com sua profissão, deveria receber a retribuição não só de uma educação tão tediosa e cara, mas a de mais outros vinte que provavelmente nunca vão ganhar nada com ela. Por mais extravagantes que as taxas dos jurisconsultos por vezes possam parecer, sua real retribuição nunca será compensadora. Compute-se em qualquer lugar o que provavelmente se ganhará ao longo do ano, e o que provavelmente será gasto, por todos os vários trabalhadores dos ofícios comuns, como o dos tecelões ou sapateiros, e achar-se-á que a primeira soma geralmente superará a segunda. Mas faça-se o mesmo cômputo em relação a todos os jurisconsultos e estudantes de advocacia, em todas as muitas repartições da corte, e achar-se-á que seus ganhos anuais têm apenas pequena proporção com suas despesas anuais, mesmo cotando-se a primeira como alta e a segunda como baixa, como poderia ser feito. A loteria da advocacia, portanto, está muito longe de ser perfeitamente justa, e está, bem como muitas outras profissões liberais e honradas, no ponto do ganho pecuniário, evidentemente mal remunerada.
Essas profissões, porém, mantêm seu nível com outras ocupações, e apesar destes desencorajamentos, todas as mentes mais generosas e liberais anseiam acumular-se nelas. Duas diferentes causas contribuem para recomendá-las: primeira, o desejo de reputação associado à excelência superior em qualquer delas; e, segunda, a confiança natural que todo homem tem, mais ou menos, não só em suas aptidões, mas na própria boa fortuna.
Para se distinguir em qualquer profissão, em que só poucos chegam à mediocridade, é a marca mais decisiva do que é chamado gênio ou talento superior. A admiração pública que se volta para tão distinta capacidade é sempre parte de sua remuneração; maior ou menor, na proporção de seu grau, mais alto ou inferior. Faz parte considerável daquela recompensa na profissão médica; ainda maior, talvez, na das leis; na poesia e na filosofia, é quase tudo.
Há alguns talentos muito agradáveis e belos, cuja posse comanda uma certa espécie de admiração, mas cujo exercício pelo ganho é considerado, quer razoavelmente, quer por preconceito, uma espécie de prostituição pública. A recompensa pecuniária, portanto, daqueles que os exercem deste modo, deve ser suficiente não só para pagar-lhes pelo tempo, trabalho e despesa de adquirir os talentos, mas pelo descrédito que espera pelo emprego deles como meio de subsistência. As recompensas exorbitantes de músicos, cantores de ópera, dançarinos etc. são fundamentadas nesses dois princípios: a raridade e a beleza dos talentos, e o descrédito ao empregá-los destarte. Parece absurdo, à primeira vista, que devamos desprezar tais pessoas e, no entanto, compensar seus talentos com a mais profusa liberalidade. Enquanto fazemos uma coisa, necessariamente fazemos a outra. Se a opinião pública ou preconceito se alterasse em relação a tais ocupações, sua recompensa pecuniária rapidamente diminuiria. Mais pessoas se aplicariam a elas, e a competição rapidamente reduziria o preço de seu trabalho. Tais talentos, se bem que longe de serem comuns, de modo algum são tão raros quanto imaginados. Muitas pessoas os possuem com grande perfeição, que desdenham fazer esse uso deles, e muitas outras são capazes de adquiri-los, se algo pudesse ser feito honradamente por eles.
O orgulho jactancioso que a maioria dos homens tem das próprias capacidades é um antigo mal observado pelos filósofos e moralistas de todas as eras. Sua presunção absurda sobre sua boa fortuna tem sido menos notada. É, porém, se possível, ainda mais universal. Não há homem vivo que, quando em tolerável saúde e humor, não tenha parte nela. A chance de ganho é por todo homem mais ou menos superestimada, e a chance de perda é subestimada pela maioria, e raramente por qualquer homem, em tolerável saúde e humor, avaliada mais do que valha.
Que a chance de ganho é naturalmente superestimada, podemos aprender pelo sucesso universal das loterias. O mundo nunca viu, ou jamais verá, uma loteria perfeitamente justa; ou uma em que todo o ganho compensasse toda perda; porque o empresário não poderia ganhar nada, então. Nas loterias do Estado, os bilhetes de fato não valem o preço que é pago pelos subscritores, e, no entanto, são vendidos no mercado por 20%, 30% e mesmo 40% a mais. A vã esperança de ganhar algum dos grandes prêmios é a única causa desta demanda. As pessoas mais sóbrias dificilmente consideram sandice pagar pequena soma pela chance de ganhar dez ou vinte libras; se bem que sabem que mesmo aquela pequena soma é talvez 20% ou 30% mais do que a chance vale. Numa loteria em que nenhum prêmio excedesse vinte libras, mesmo que sob outros aspectos se aproximasse muito mais de uma loteria perfeitamente justa do que as loterias comuns do Estado, não haveria a mesma demanda pelos bilhetes. Para se ter mais chance para alguns dos prêmios maiores, algumas pessoas compram vários bilhetes, e outras, uma pequena fração num número ainda maior. Não há, não obstante, uma proposição mais certa, em matemática, que quanto mais bilhetes são arriscados, mais provavelmente se perderá. Arrisque-se todos os bilhetes da loteria, e, por certo, se perderá; e quanto maior o seu número de bilhetes, tanto mais se aproximará desta certeza.
Que o risco de perda é repetidamente subestimada, raramente sendo avaliada mais do que vale, podemos depreender de um lucro muito moderado de seguradores. Para se fazer um seguro, quer de incêndio, quer marítimo, ou de qualquer negócio, o prêmio comum deve ser suficiente para compensar as perdas comuns, pagar as despesas administrativas e permitir um lucro que poderia ser retirado de um igual capital empregado em qualquer comércio comum. A pessoa que não paga mais que isto, não paga mais que o valor real do risco, ou o preço mais baixo pelo qual pode esperar razoavelmente fazer o seguro. Mas se muitas pessoas fizerem algum dinheiro com seguros, muito poucas fizeram uma grande fortuna, e apenas por esta consideração, parece bem evidente que o balanço comum de lucros e perdas não é mais vantajoso nesta que em outras atividades comuns, com as quais tantas pessoas fazem fortuna. Moderado que seja o prêmio do seguro, muitas pessoas desprezam o risco, não o pagando. Tomando todo o reino como média, dezenove casas em vinte, ou talvez 99 em cem, não têm seguro contra fogo. O risco marítimo é ainda mais alarmante para a maioria das pessoas, e a proporção de navios segurados para os não segurados é muito maior. Muitos falham, porém, em todas as estações, e mesmo em tempo de guerra, sem nenhum seguro. Isto talvez seja feito, às vezes, sem imprudência alguma. Quando uma grande companhia, ou mesmo um grande comerciante, tem vinte ou trinta navios no mar, por assim dizer, eles seguram uns aos outros. O prêmio economizado com todos eles pode mais que compensar tais perdas como as que poderiam encontrar no curso habitual das chances. A negligência do seguro marítimo, porém, do mesmo modo que com as casas, na maioria dos casos, não é efeito de tão belo cálculo, mas de inconsciência vulgar e desprezo presunçoso do risco.
O desprezo do risco e a esperança presunçosa do sucesso em nenhum período da vida são mais ativos que quando na idade em que as pessoas escolhem suas profissões. Quão pouco o temor de infortúnio é então capaz de equilibrar a esperança de boa sorte parece ainda mais evidente na presteza do povo comum a alistar-se como soldados, ou lançar-se ao mar, do que na ansiedade daqueles de melhor condição para entrar para o que chamamos de profissões liberais.
O que um soldado comum pode perder é bastante óbvio. Sem olhar para o perigo, porém, jovens voluntários nunca se alistam tanto quanto ao começar de nova guerra; e mesmo tendo pouquíssima chance de promoção, figuram para si mesmos, em suas fantasias juvenis, mil ocasiões para adquirir honra e distinção, o que nunca ocorre. Estas esperanças românticas são todo o preço de seu sangue. Sua paga é inferior à dos trabalhadores comuns, e no serviço real suas fadigas são muito maiores.
A loteria do mar não é tão desvantajosa quanto a do exército. O filho de um trabalhador ou artífice credenciado pode frequentemente ir ao mar, com o consentimento de seu pai; mas se se alista como soldado, é sempre sem este. Outras pessoas veem alguma chance de fazer algo por este comércio, mas só este vê alguma chance com o outro. O grande almirante é menos alvo de admiração pública do que o grande general, e o máximo sucesso no serviço do mar promete uma fortuna e reputação menos brilhante do que igual sucesso em terra. A mesma diferença corre por todos os graus inferiores de promoção, em ambos. Pelas regras de precedência, um capitão da marinha se equipara a um coronel do exército, mas não se equipara com ele na estima comum. Como os grandes prêmios da loteria são menos, os pequenos devem ser mais numerosos. Os marujos comuns, então, conseguem mais alguma fortuna e promoção que os soldados comuns; e a esperança daqueles prêmios é o que mais recomenda o ofício. Muito embora sua aptidão e destreza sejam muito superiores às de quase qualquer artífice, e muito embora toda sua vida seja uma cena contínua de dificuldades e perigos, enquanto permanecem na condição de marujos comuns, dificilmente recebem outra recompensa senão o prazer de se exercitar nas dificuldades e sobrepujar os perigos. Seus salários não superam os dos trabalhadores comuns do porto, o que regula os salários dos marujos. Como estão indo continuamente de porto para porto, o pagamento mensal daqueles que velejam a partir de todos os vários portos da Grã-Bretanha é mais nivelado que o de qualquer outro trabalhador naqueles vários lugares; e a cotação do porto do qual e para o qual a maioria navega, regula a de todo o resto. Em Londres, o salário da maioria das classes de trabalhadores é o dobro das mesmas classes em Edimburgo. Mas os marujos que zarpam do porto de Londres poucas vezes ganham acima de três ou quatro shillings por mês a mais do que aqueles que zarpam do porto de Leith, e a diferença, normalmente, não é tão grande. Em tempo de paz, e no serviço mercante, o preço de Londres vai de um guinéu a cerca de 27 shillings por mês do calendário. Um trabalhador comum em Londres, à taxa de nove ou dez shillings por semana, pode ganhar, no mês do calendário, de quarenta a 45 shillings. O marujo, com efeito, bem além de seu pagamento, é suprido com vitualhas. Seu valor, porém, talvez nem sempre exceda a diferença entre seu pagamento e o do trabalhador comum, e mesmo que, por vezes, possa, o excesso não será ganho líquido para o marinheiro, porque ele não pode dividi-la com sua mulher e família, a quem ele precisa manter em casa, com seu salário.
Os perigos e escapadas por pouco de uma vida aventureira, em vez de desanimar os jovens, parecem, normalmente, recomendar-lhes o ofício. Uma mão cuidadosa, dentre as classes inferiores do povo, geralmente receia mandar seu filho à escola num porto de mar, para que a visão dos navios e a conversação e aventuras dos marinheiros não o seduza para o mar. O distante prospecto de riscos, dos quais podemos esperar nos desembaraçar por coragem e aplicação, não é desagradável para nós, e não eleva os salários do trabalho em qualquer emprego. É bem outra coisa com aqueles em que a coragem e a aplicação não podem ser de valia. Nos comércios conhecidos como insalubres, os salários são sempre notavelmente altos. A insalubridade é uma espécie de repulsa, e seus efeitos sobre os salários devem ser classificados sob este título.
Em todos os muitos empregos do capital, a taxa ordinária de lucro varia mais ou menos com a certeza ou incerteza do retorno. Este é, em geral, menos incerto em alguns ramos do comércio estrangeiro do que em outros; no comércio norte-americano, por exemplo, mais do que no da Jamaica. A taxa ordinária de lucro sempre sobe mais ou menos com o risco. Não parece, no entanto, subir em proporção a ele, ou de modo a compensá-lo completamente. A bancarrota é mais frequente nos negócios mais arriscados. O mais arriscado de todos os negócios, o contrabando, mesmo com a aventura bem-sucedida, quando é a mais lucrativa, é o caminho infalível para a bancarrota. A esperança presunçosa de sucesso parece agir aqui como em todas as outras ocasiões, e atrair tantos aventureiros para estes comércios arriscados, que sua competição reduz seu lucro abaixo do que é suficiente para compensar o risco. Para compensá-lo completamente o retorno deveria, muito acima dos lucros comuns do capital, não só suprir todas as perdas ocasionais, mas permitir um lucro adicional aos aventureiros, da mesma natureza do lucro dos seguradores. Mas se os retornos comuns fossem suficientes para tudo isso, as falências não seriam mais frequentes nestes do que em outros negócios.
Das cinco circunstâncias, portanto, que variam os salários, apenas duas afetam os lucros do capital: o negócio ser agradável ou não e o risco ou segurança com que é cumprido. No ponto de ser agradável, há pouca ou nenhuma diferença na grande maioria dos vários empregos do capital; mas bastante naqueles do trabalho; e o lucro ordinário do capital, se bem que se eleve com o risco, nem sempre parece elevar-se em proporção a ele. Seguir-se-ia de tudo isso que, na mesma sociedade ou vizinhança, as taxas médias e ordinárias do lucro nos diferentes empregos do capital deveriam estar mais niveladas que os ganhos pecuniários das várias espécies de trabalho. E assim acontece. A diferença entre os ganhos de um trabalhador comum e os de um advogado bem empregado ou médico é evidentemente muito maior que entre os lucros ordinários de comércios diferentes. A diferença aparente, ademais, nos lucros de comércios distintos, é geralmente uma ilusão oriunda de nem sempre distinguirmos o que deveria ser considerado salário do que deveria ser considerado lucro.
O lucro dos boticários tornou-se proverbial, denotando algo incomumente extravagante. Este grande lucro aparente, porém, é frequentemente não mais que os razoáveis salários do trabalho. A habilidade do boticário é questão melhor e mais delicada que a de qualquer artífice, e a confiança que lhe é depositada é de muito maior importância. Ele é o médico do pobre, em qualquer caso, e do rico, quando a desgraça ou perigo não é muito grande. Sua recompensa, então, deveria se adequar à sua habilidade e confiabilidade, e deriva geralmente do preço pelo qual vende suas drogas. Mas o total das drogas que o boticário mais bem empregado, numa cidade de grande mercado, venderá em um ano, talvez não lhe custe acima de trinta ou quarenta libras. Não obstante poder vendê-las por 300% ou 400%, ou a 1000% de lucro, isto bem pode não ser mais que o salário razoável cobrado, do único modo possível, sobre o preço de suas drogas. A maioria do lucro aparente é o salário real disfarçado de lucro.
Numa pequena cidade portuária, um pequeno vendeiro fará 40 ou 50% sobre um capital de apenas cem libras, ao passo que um atacadista considerável no mesmo lugar dificilmente conseguirá 8% ou 10% sobre um capital de dez mil. O comércio do merceeiro pode ser necessário para a comodidade dos habitantes, e a pequenez do mercado pode não admitir o emprego de um maior capital no negócio. O homem, porém, não só deve viver de seu comércio, mas também pelas qualificações que ele requer. Além de possuir um pequeno capital, deve poder ler, escrever, calcular e deve ser juiz tolerável, também, de talvez cinquenta ou sessenta diferentes espécies de bens, seus preços, qualidades, e os mercados onde eles podem ser obtidos mais barato. Deve ter todo o conhecimento, em suma, que é necessário a um grande mercador, que nada lhe impede ser senão a falta de capital suficiente. Trinta ou quarenta libras por ano não podem ser consideradas recompensa demasiada para o trabalho de pessoa tão preparada. Deduza-se isto dos lucros aparentemente grandes de seu capital, e um pouco mais restará, talvez, que os lucros ordinários do capital. A maior parte do lucro aparente é, neste caso também, o salário real.
A diferença entre o lucro aparente do varejo e do atacado está muito menos na capital que em cidades pequenas e vilarejos. Onde dez mil libras podem ser empregadas no comércio de mercearia, o salário do trabalho do merceeiro faz uma adição bem insignificante aos lucros reais de tamanho capital. Os lucros aparentes do varejista próspero, portanto, estão mais próximos do nível do comerciante atacadista. É por conta disto que os bens vendidos a varejo são geralmente tão baratos, e muitas vezes mais baratos; o pão e a carne no açougueiro frequentemente igualmente baratos. Custa mais trazer as mercadorias da mercearia à cidade grande do que ao vilarejo; mas custa muito mais trazer o cereal e o gado, pois a maior parte deles deve ser trazida de uma distância muito maior. O custo básico das mercadorias de mercearia, portanto, sendo o mesmo em ambos os lugares, são mais baratos onde o lucro mínimo é cobrado sobre eles. O custo básico do pão e da carne do açougueiro é maior na cidade grande que no vilarejo, e mesmo com menor lucro, nem sempre são aqui mais baratos, mas geralmente do mesmo preço. Em artigos como pão e carne, a mesma causa que diminui o lucro aparente aumenta o custo primário. A extensão do mercado, dando emprego a capitais maiores, diminui o lucro aparente; mas requerendo suprimentos de maiores distâncias, aumenta o custo inicial. Esta diminuição de um e aumento do outro parece, na maioria dos casos, quase contrabalançar um ao outro, o que provavelmente é a razão pela qual, sendo os preços do cereal e do gado bem diferentes nas várias partes do reino, os do pão e da carne, no açougueiro, serem geralmente quase os mesmos na maioria dele.
Sendo os lucros do estoque, tanto no comércio por atacado como no varejo, geralmente menores na capital que nas cidades pequenas, e nos vilarejos do campo, mesmo assim grandes fortunas são adquiridas de pequenos começos nas capitais, e quase nunca nas outras cidades. Nas cidades pequenas e nos vilarejos, por causa do pequeno mercado, o comércio não pode ser sempre estendido como o capital. Em tais lugares, portanto, se bem que a taxa dos lucros de uma pessoa possa ser muito alta, a sua soma, ou total, nunca poderá sê-lo, nem, consequentemente, o de seu acúmulo anual. Nas grandes cidades, pelo contrário, o comércio pode ser estendido com o capital, e o crédito de um homem frugal e próspero aumenta muito mais depressa que seu capital. Seu comércio se estende na proporção da quantidade de ambos, e a soma, ou total, de seus lucros é proporcional à extensão de seu comércio, e seu acúmulo anual, em proporção à quantidade de seus lucros. Raramente ocorre, porém, que grandes fortunas sejam feitas mesmo em grandes cidades por qualquer ramo dos negócios, regular, estabelecido e bem conhecido, senão em consequência de uma longa vida de indústria, frugalidade e atenção. Fortunas súbitas, de fato, são por vezes feitas em tais lugares, pelo que é chamado comércio de especulação. O negociante especulativo não exerce nenhum ramo regular, estabelecido e renomado dos negócios. Comercia cereal este ano, vinho no seguinte e açúcar, tabaco ou chá no ano posterior. Entra em todo negócio quando prevê que será mais rentável que o comum, e deixa-o quando prevê que seus lucros provavelmente retornarão ao nível dos outros. Seus ganhos e perdas, portanto, não podem ter proporção regular com nenhum ramo conhecido e estabelecido dos negócios. Um ousado aventureiro, por vezes pode adquirir considerável fortuna com duas ou três especulações bem-sucedidas, mas igualmente pode perder a reputação com duas ou três mal-sucedidas. Este negócio só pode ser levado a cabo nas grandes cidades. Só em sítios do mais intenso comércio e correspondência que se pode encontrar a inteligência necessária para tal.
As cinco circunstâncias acima mencionadas, se bem que ocasionem consideráveis desigualdades nos salários e nos lucros do capital, ocasionam nenhuma no total das vantagens e desvantagens, reais ou imaginárias, dos diversos empregos de cada um. A natureza destas circunstâncias é tal que leva a um pequeno ganho pecuniário em algumas, e contrabalançam um grande em outras.
No entanto, para que esta igualdade possa ter lugar no total de suas vantagens, ou desvantagens, três requisitos há onde se tem a mais perfeita liberdade. Primeiro, os empregos devem ser bem conhecidos e há muito estabelecidos nas vizinhanças; segundo, devem estar em seu estado ordinário, ou o que pode ser chamado seu estado natural; e, terceiro, devem ser o único ou principal emprego dos que os ocupam.
Primeiro, esta igualdade pode tomar lugar apenas naqueles empregos que são bem conhecidos e há muito estiverem estabelecidos nas vizinhanças.
Onde todas as outras circunstâncias são iguais, os salários são em geral maiores em negócios novos do que em velhos. Quando alguém planeja estabelecer uma nova manufatura, deve, de início, atrair seus trabalhadores dos outros empregos, com salários maiores do que podem ganhar seus próprios ofícios, ou do que a natureza de seus trabalhos requereria, e um tempo considerável deve passar antes que ele possa se arriscar a reduzi-los ao nível comum. As manufaturas para as quais a demanda se origina totalmente da moda estão continuamente mudando, e raramente duram o bastante para serem consideradas manufaturas há muito estabelecidas. Aquelas, pelo contrário, para as quais a demanda surge principalmente do uso ou da necessidade, tendem a mudar menos, e a mesma forma ou fabricação pode continuar em demanda por séculos inteiros. Os salários, então, tendem a ser maiores nas manufaturas do primeiro tipo do que nas deste. Birmingham lida principalmente em manufaturas do primeiro tipo; Sheffield naquelas do último; e os salários naqueles lugares, diz-se serem adequados a esta diferença na natureza de suas manufaturas.
O estabelecimento de qualquer nova manufatura, de qualquer novo ramo do comércio, ou de qualquer nova prática na agricultura, é sempre uma especulação, pela qual o planejador promete a si mesmo lucros extraordinários. Estes lucros, por vezes, são muito grandes, e por vezes, mais amiudadamente, quiçá, bem ao contrário; mas em geral não têm proporção regular àqueles dos negócios mais antigos nas vizinhanças. Se o projeto tem sucesso, de início costumam ser muito altos. Quando o ofício, ou comércio, torna-se bem estabelecido e conhecido, a competição o reduz ao nível dos outros negócios.
Segundo, esta igualdade no total das vantagens e desvantagens dos diversos empregos do trabalho e do capital podem tomar lugar apenas no estado ordinário, ou no que pode ser chamado estado natural dessas ocupações.
A demanda para quase toda espécie diferente de trabalho por vezes é maior, ou menor, que o usual. Num caso, as vantagens do emprego sobem acima, na outra, caem abaixo do nível comum. A demanda pelo trabalho camponês é maior no tempo do feno ou da colheita do que durante a maior parte do ano, e os salários sobem com a demanda. Em tempo de guerra, quando quarenta ou cinquenta mil marujos são forçados do serviço mercante para o do rei, a demanda de marinheiros para os navios mercantes necessariamente sobe com sua escassez, e seus salários, em tais ocasiões, costumam subir de um guinéu e 27 shillings, para 40 shillings e três libras por mês. Numa manufatura decadente, pelo contrário, muitos trabalhadores, em vez de deixarem seu antigo ofício, ficam contentes com menores salários do que de outro modo seriam adequados à natureza de seus empregos.
Os lucros do capital variam com o preço das mercadorias em que é empregado. Com o preço de uma qualquer mercadoria subindo acima da cotação ordinária, ou média, os lucros de pelo menos alguma parte do capital empregado em trazê-la ao comércio sobem acima de seu nível apropriado, e quando caem, vão abaixo dele. Todas as mercadorias são mais ou menos passíveis de variações de preço, mas algumas o são muito mais que outras. Em todas as mercadorias produzidas pela indústria humana, a quantidade de indústria anualmente empregada é necessariamente regulada pela demanda anual, de tal modo que o produto médio anual pode, tanto quanto possível, se igualar ao consumo médio anual. Em algumas aplicações, já foi observado, a mesma quantidade de indústria sempre produzirá ou muito aproximadamente, uma quantidade de mercadorias iguais. Nas manufaturas do linho ou da lã, por exemplo, o mesmo número de mãos anualmente produzirão muito aproximadamente a mesma quantidade de pano de linho e de lã. As variações no preço de mercado de tais artigos só pode surgir de alguma variação acidental na demanda. Um luto oficial eleva o preço do pano negro. Mas como a demanda da maior parte das espécies de linho e lã simples é bem uniforme, assim é também o preço. Mas há outras aplicações em que a mesma quantidade de indústria nem sempre produzirá a mesma quantidade de mercadorias. A mesma quantidade de indústria, por exemplo, em anos diferentes, produzirá quantidades muito diversas de cereal, vinho, lúpulo, açúcar, tabaco etc. O preço de tais mercadorias varia então não só com as variações da demanda, mas com as variações muito maiores e mais frequentes da quantidade, e, por conseguinte, é extremamente flutuante. Mas o lucro de alguns vendedores deve necessariamente flutuar com o preço das mercadorias. As operações do negociante especulador são principalmente empregadas em tais mercadorias. Ele procura comprá-las quando prevê que seu preço provavelmente vai subir e vendê-las quando provavelmente cairá.
Terceiro, esta igualdade no total das vantagens e desvantagens dos diferentes empregos do trabalho e do capital pode ocorrer somente quando são os únicos ou o principal emprego de quem os ocupa.
Quando uma pessoa deriva sua subsistência de um emprego que não ocupe a maior parte de seu tempo, nos intervalos de seu lazer ela está sempre disposta a trabalhar por outra, por salário inferior ao que se adequaria à natureza do emprego.
Ainda subsiste, em muitas regiões da Escócia, uma gente chamada cotters, ou cottagers, muito embora fossem mais comuns há alguns anos do que agora. São uma espécie de servos dos proprietários e lavradores. A recompensa que usualmente recebem de seus patrões é uma cabana, um pequeno jardim de ervas, pasto suficiente para uma vaca e, quiçá um acre ou dois de má terra arável. Quando seus patrões têm ocasião para seu trabalho, dá-lhes, por acréscimo, dois celamins de cevada por semana, valendo cerca de 16 pence esterlinos. Durante uma boa parte do ano, eles não têm quase nenhuma ocasião para trabalhar, e o cultivo das próprias pequenas propriedades não é suficiente para ocupar o tempo que é deixado à sua disposição. Quando tais ocupantes eram mais numerosos do que atualmente, diz-se que estiveram dispostos a dar seu tempo livre por uma recompensa mínima a qualquer um, e trabalharam por salários inferiores aos de quaisquer outros trabalhadores. Nos tempos antigos, parece que foram comuns em toda a Europa. Nas regiões mal cultivadas e menos habitadas, a maioria dos proprietários e lavradores não poderia, de outro modo, prover-se com o número extraordinário de mãos que o trabalho camponês requer em certas estações. A recompensa diária ou semanal que tais trabalhadores ocasionalmente recebiam de seus patrões, evidentemente não era o preço todo de seu trabalho. Seu pequeno imóvel fazia parte considerável dele. Essa recompensa diária ou semanal, porém, parece ter sido considerada tudo por muitos autores que coletaram os preços do trabalho e provisões nos tempos de outrora e tiveram agrado em representá-los maravilhosamente baixos.
O produto de tal trabalho vem habitualmente ao mercado mais barato do que de outro modo seria adequado à sua natureza. As meias, em muitas regiões da Escócia, podem ser tricotadas muito mais barato do que poderiam ser tecidas ao tear alhures. São o trabalho de criados e trabalhadores, que derivam a parte principal de sua subsistência de algum outro emprego. Mais que mil pares de meias de Shetland são anualmente importadas por Leith, cujo preço é de cinco a sete pence o par. Em Lerwick, a pequena capital das ilhas Shetland, dez pence por dia, foi-me assegurado, é o preço usual do trabalho comum. Nas mesmas ilhas, eles tecem meias de lã no valor de um guinéu o par, ou mais.
A fiação do linho é feita na Escócia quase da mesma maneira que a tecelagem de lã pelas servas, que são empregadas principalmente para outros propósitos. Ganham uma subsistência muito parca as que procuram ganhar a vida unicamente por essas duas ocupações. Na maioria das regiões da Escócia, é uma boa fiandeira a que pode ganhar vinte pence por semana.
Nos países opulentos, o mercado é geralmente tão extenso que qualquer ofício é suficiente para empregar todo o trabalho e capital dos que os ocupam. Exemplos de pessoas vivendo com um emprego, e ao mesmo tempo derivando alguma pequena vantagem de outro, ocorrem principalmente nos países pobres. O exemplo seguinte, no entanto, de algo da mesma espécie, encontra-se na capital de um país muito rico. Não há cidade na Europa, creio, em que o aluguel de casas seja mais caro que em Londres, e ainda assim não conheço capital em que um apartamento mobiliado possa ser alugado tão barato. O alojamento não só é muito mais barato em Londres do que em Paris; é muito mais barato que em Edimburgo, no mesmo grau de excelência; e o que pode parecer extraordinário, o alto preço do aluguel é a causa do baixo preço do alojamento. O alto preço do aluguel de casas em Londres origina-se não só das causas que o encarecem em todas as grandes capitais, o alto preço do trabalho e de todos os materiais de construção, que geralmente devem ser trazidos de grande distância, e acima de tudo o alto preço da terra, todo proprietário fazendo o papel de um monopolista, e frequentemente exigindo uma renda mais alta de um só acre de terra ruim numa cidade do que o que pode ser conseguido por cem acres da melhor no campo; mas se origina em parte das maneiras e costumes do povo, que obriga cada chefe de família a alugar uma casa inteira, de alto a baixo. Uma casa de moradia na Inglaterra significa tudo o que está contido sob o mesmo teto. Na França, na Escócia e em muitas outras partes da Europa, frequentemente não significa mais que um só andar. Um comerciante em Londres é obrigado a alugar toda uma casa naquela parte da cidade onde moram seus fregueses. Sua loja é no térreo e ele e sua família dormem no sótão; e ele procura pagar parte do aluguel de sua casa alugando os dois andares intermediários. Ele espera destarte manter sua família por seu negócio, mas não por seus locatários. Ao passo que, em Paris e Edimburgo, o povo que aluga quartos comumente não tem outro meio de subsistência e o preço do alojamento deve pagar não só o aluguel da casa, mas toda a despesa da família.
PARTE 2
DESIGUALDADES PELA POLÍTICA DA EUROPA Tais são as desigualdades no total das vantagens e desvantagens dos diversos empregos do trabalho e do capital, que a falta de qualquer um dos três requisitos acima mencionados deve ocasionar mesmo onde haja a mais perfeita liberdade. Mas a política da Europa, não deixando as coisas perfeitamente livres, ocasiona outras desigualdades de muito maior importância.
Isto acontece principalmente das três seguintes maneiras. Primeira, restringindo a competição em alguns empregos a um menor número do que de outro modo estaria disposto a entrar para eles; segunda, aumentando-a em outros além do que seria o natural; e terceira, obstruindo a livre circulação do trabalho e do capital, de emprego para emprego e de lugar para lugar.
Primeira, a política europeia ocasiona uma importantíssima desigualdade no total das vantagens e desvantagens das diferentes aplicações de trabalho e capital, restringindo a competição em alguns empregos a um número menor do que de outro modo poderia se dispor a dedicar-se a eles.
Os privilégios exclusivos das corporações são o principal meio que usa para este fim.
O privilégio exclusivo de um comércio de corporação necessariamente restringe a competição, na cidade onde está estabelecido, àqueles que estão livres para negociar. Ter servido como aprendiz na cidade, sob um mestre devidamente qualificado, é comumente o requisito necessário para obter esta liberdade. Os regimentos da corporação regulam por vezes o número de aprendizes que é permitido que um mestre tenha, e quase sempre o número de anos que cada aprendiz é obrigado a servir. A intenção de ambos os regulamentos é restringir a competição a um número muito menor do que de outro modo poderia entrar para o ofício. A limitação do número de aprendizes restringe-o diretamente. Um longo prazo de aprendizado restringe-o mais indiretamente, mas tão eficazmente, elevando a despesa com a educação.
Em Sheffield, nenhum mestre cuteleiro pode ter mais de um aprendiz de cada vez, por um regulamento da corporação. Em Norfolk e Norwich nenhum mestre tecelão pode ter mais de dois aprendizes, sob pena de multa de cinco libras por mês para o rei. Nenhum mestre chapeleiro pode ter mais de dois aprendizes em qualquer local da Inglaterra, ou nas plantações inglesas, sob pena de multa de cinco libras por mês, metade para o rei, metade para aquele que registre a demanda em qualquer corte. Ambos estes regulamentos, se bem que tenham sido confirmados por uma lei pública do reino, são evidentemente ditados pelo mesmo espírito de corporação que promulgou o regulamento de Sheffield. Os tecelões de seda em Londres mal estavam incorporados havia um ano, quando promulgaram um regulamento restringindo qualquer mestre de ter mais de dois aprendizes de cada vez. Foi preciso uma lei especial do parlamento para rescindir este regulamento.
Sete anos parece ter sido antigamente o termo estabelecido em toda a Europa para a duração dos aprendizados na maioria dos ofícios incorporados. Todas essas incorporações eram antigamente chamadas universidades, que, com efeito, é o nome latino apropriado para qualquer incorporação. A universidade dos ferreiros, a universidade dos alfaiates etc. são expressões que encontramos comumente nos velhos alvarás das antigas cidades. Quando aquelas incorporações particulares que são agora particularmente chamadas universidades foram primeiro estabelecidas, o número de anos que era preciso estudar para obter o grau de mestre em artes parece evidentemente ter sido copiado dos períodos de aprendizado nos ofícios comuns, cujas incorporações eram muito mais antigas. Como ter trabalhado sete anos sob um mestre adequadamente qualificado era o necessário para permitir que qualquer pessoa se tornasse mestre, e ter aprendido um ofício comum, então ter estudado sete anos com um mestre devidamente qualificado era-lhe necessário para que se tornasse um mestre, professor ou doutor (palavras outrora sinônimas) nas artes liberais, e ter alunos, ou aprendizes (palavras igualmente sinônimas, originalmente), para estudar com ele.
No 5º edito de Elizabeth, comumente chamado Estatuto do Aprendizado, foi decretado que ninguém, para o futuro, exerceria qualquer arte, ofício ou mister naquela época exercidos na Inglaterra, a menos que tivesse previamente servido a um aprendizado de sete anos, pelo menos; e o que antes tinha sido o regulamento de muitas corporações particulares, tornou-se, na Inglaterra, a lei geral e pública de todos os ofícios exercidos nas cidades de mercado. Pois se bem que os termos do estatuto sejam muito genéricos, e pareçam claramente incluir todo o reino, por interpretação, sua operação foi limitada às cidades de mercado, sendo mantido que nas vilas do campo uma pessoa podia exercer vários ofícios diferentes, mesmo não tendo servido sete anos de aprendizado para cada, sendo necessários à comodidade dos habitantes, seu número habitualmente não sendo suficiente para suprir cada um com um conjunto determinado de mãos.
Por uma estrita interpretação dos termos, também, a operação deste estatuto foi limitada àqueles ofícios que estavam estabelecidos na Inglaterra antes do 5º de Elizabeth, e nunca foi estendido àqueles que foram introduzidos depois daquela época. Esta limitação deu ocasião a diversas distinções que, consideradas normas políticas, parecem insensatas, como se pode bem imaginar. Foi adjudicado, por exemplo, que um fabricante de coches não pode fazer nem empregar jornaleiros para fazer as rodas de seus coches, mas deve comprá-las de um mestre carpinteiro de rodas; este ofício tendo sido exercido na Inglaterra antes do 5º de Elizabeth. Mas um carpinteiro de rodas, se bem que nunca tenha servido aprendizado com o fabricante de coches, pode, por sua vez, fazer ou empregar jornaleiros para fazer coches; o ofício dos coches, não estando incluído no estatuto, por não ser exercido na Inglaterra na época em que foi redigido. As manufaturas de Manchester, Birmingham e Wolverhampton, por isto, não estão dentro do estatuto, não tendo sido exercidas na Inglaterra antes do 5º de Elizabeth.
Na França, a duração dos aprendizados é diferente nas diferentes cidades e em diferentes ofícios. Em Paris, cinco anos é o período requerido em grande número; mas antes de uma pessoa estar qualificada para exercer o ofício como mestre, deve, em muitos deles, servir mais cinco anos como jornaleiro. Durante este período, é chamado companheiro de seu mestre, e o próprio termo é chamado compagnonnage.
Na Escócia, não há lei geral que regule universalmente a duração dos aprendizados. O período varia em cada corporação. Onde é longo, parte dele pode ser remida pagando-se pequena taxa. Na maioria das cidades também uma pequeníssima taxa é suficiente para comprar a liberdade de qualquer corporação. Os tecelões de linho e pano de cânhamo, as principais manufaturas do campo, bem como outros artífices subservientes a eles, carpinteiros de rodas, fabricantes de carretéis etc., podem exercer seus ofícios em qualquer cidade corporada sem pagar qualquer taxa. Em todas as cidades corporadas, as pessoas podem vender carne no varejo em qualquer dia útil da semana. Três anos, na Escócia, é um tempo comum de aprendizado, mesmo em alguns excelentes ofícios; e, em geral, não sei de nenhum país da Europa em que as leis das corporações sejam tão pouco opressivas.
A propriedade que todo homem tem em seu próprio trabalho, como é o fundamento original de toda outra propriedade, é a mais sagrada e inviolável. O patrimônio de um homem pobre está na força e destreza de suas mãos; impedi-lo de empregar esta força e destreza de suas mãos, e impedi-lo de empregar esta força e destreza da maneira que ele julgar adequada sem prejudicar seu próximo, é uma clara violação desta mais sagrada propriedade. É uma manifesta usurpação, tanto do trabalhador como daqueles que poderiam estar dispostos a empregá-lo. Enquanto isto obstaculiza um de trabalhar no que ele acha adequado, obstaculiza outros de empregar a quem eles acham adequado. Julgar se ele está apto para ser empregado deve ser confiado à discrição dos empregadores, cujo interesse é mais tocado. A afetada ansiedade do legislador para que não empreguem uma pessoa inadequada é, evidentemente, tão impertinente quão opressiva.
A instituição de longos aprendizados não pode assegurar que trabalhadores despreparados não sejam frequentemente expostos ao mercado. Quando isto é feito, é geralmente efeito de fraude, e não de incapacidade; e o aprendizado mais longo não pode dar segurança contra fraude. Regulamentos bem diferentes são necessários para prevenir este abuso. A chapa com a marca esterlina e os selos do pano de linho e lã dão ao comprador muito maior segurança do que qualquer estatuto de aprendizado. Ele geralmente olha para essas, mas nunca pensa que vale a pena interrogar se o trabalhador serviu a um aprendizado de sete anos.
A instituição de longos aprendizados não tem tendência a formar gente jovem para a indústria. Um jornaleiro que trabalha por peça deverá ser industrioso, pois deriva benefício de todo esforço de sua indústria. Um aprendiz poderá ser preguiçoso, e quase sempre o é, porque não tem interesse imediato de ser diferente. Nos empregos inferiores, as doçuras do trabalho consistem inteiramente de seu pagamento. Aqueles que mais cedo estão em condição de fruir sua compensação, mais cedo terão gosto pelo trabalho e mais cedo adquirirão o hábito da indústria. Um rapaz naturalmente concebe uma aversão ao trabalho quando por longo tempo recebe benefício nenhum dele. Os meninos que são colocados como aprendizes por caridades públicas, geralmente servem por maior número de anos e geralmente saem muito preguiçosos e sem valor.
Os aprendizados eram totalmente desconhecidos dos antigos. As obrigações recíprocas do mestre e do aprendiz perfazem um artigo considerável de qualquer código moderno. A lei romana é perfeitamente silenciosa em relação a eles. Não conheço termo latino ou grego (poderia me aventurar, creio, a asseverar que não há) que expresse a ideia que agora anexamos à palavra aprendiz, um servo que deverá trabalhar num ofício particular em benefício de um mestre, durante um período de anos, na condição de que o mestre lhe ensine aquele ofício.
Os longos aprendizados são totalmente desnecessários. As artes, que são muito superiores aos ofícios comuns, assim como as de fazer relógios, não contêm tanto mistério de modo a requerer um longo curso de instrução. A primeira invenção de tais belas máquinas, de fato, e mesmo a de alguns dos instrumentos empregados em sua confecção, devem, sem dúvida, ter sido o trabalho de profundo pensar e longo tempo, e pode ser justamente considerado um dos mais felizes esforços da engenhosidade humana. Mas estando ambos bem inventados e compreendidos, explicar a qualquer jovem, da maneira mais completa, como aplicar os instrumentos e como construir as máquinas, não poderá requerer mais que as lições de umas poucas semanas; talvez as de alguns dias possa ser suficiente. Nos ofícios mecânicos comuns, as de uns poucos dias poderiam com certeza ser suficientes. A destreza manual, de fato, mesmo nos ofícios comuns, não pode ser adquirida sem muita prática e experiência. Mas um rapaz praticaria com muito mais diligência e atenção, se desde o começo ele trabalhasse como jornaleiro, sendo pago em proporção ao pouco trabalho que poderia executar, e pagando, por sua vez, pelo material que ele poderia às vezes estragar por canhestrice e inexperiência. Sua educação geralmente, deste modo, seria mais efetiva, e sempre menos tediosa ou dispendiosa. O mestre, na verdade, perderia. Ele perderia todos os ganhos do aprendiz, que atualmente ele economiza, por todos os sete anos. Ao fim, talvez, o próprio aprendiz poderia perder. Num ofício tão facilmente aprendido, ele teria mais competidores, e seu salário, quando vier a ser um trabalhador formado, seria muito menos que atualmente. O mesmo aumento de competição reduziria os lucros dos mestres, bem como os ganhos dos operários. Os ofícios, as artes, os misteres, todos perderiam. Mas o público ganharia, o trabalho de todos os artífices vindo, desta maneira, muito mais barato ao mercado.
É para prevenir esta redução do preço, e consequentemente dos salários e lucros, restringindo aquela livre competição que quase certamente a ocasionaria, é que todas as corporações, e a maioria das leis das corporações, foram estabelecidas. Para erigir uma corporação, nenhuma outra autoridade, nos tempos de outrora, era requerida, em muitas partes da Europa, se não a da cidade corporada em que estava estabelecida. Na Inglaterra, de fato, um alvará do rei era similarmente necessário. Mas esta prerrogativa da Coroa parece ter sido reservada mais para extorquir dinheiro do súdito do que para a defesa da liberdade comum contra tais monopólios opressivos. Ao pagar uma taxa para o rei, o alvará parece que era prontamente garantido; e quando qualquer classe particular de artífices ou comerciantes achava conveniente agir como corporação sem carta, tais guildas adulterinas, como foram chamadas, nem sempre eram desautorizadas por isto, mas obrigadas a pagar anualmente para o rei pela permissão de exercerem seus privilégios usurpados.2 A inspeção imediata de todas as corporações, e dos regulamentos que pudessem ter achado próprios para editar para seu próprio governo, cabia à cidade corporada em que estavam estabelecidas; e qualquer disciplina que era exercida sobre elas, procedia comumente não do rei, mas da incorporação maior da qual aquelas subordinadas eram apenas partes, ou membros.
O governo das cidades corporadas estava totalmente nas mãos de negociantes e artífices, e era o interesse manifesto de cada classe particular deles evitar que o mercado ficasse superabastecido, como dizem comumente, com sua espécie particular de indústria, pois lhes interessava exatamente mantê-lo sempre carente. Cada classe estava ansiosa para estabelecer regulamentos próprios para este fim, e desde que isto lhe fosse permitido, permitia que qualquer outra classe fizesse o mesmo. Em consequência de tais regulamentos, de fato, cada classe era obrigada a comprar os bens que tivessem ocasião de qualquer outra na cidade, um pouco mais caros do que poderiam de outro modo. Mas em recompensa era-lhes permitido vender os deles muito mais caro; de modo que, enquanto fosse tão largo quanto comprido, como diziam, o comércio das diferentes classes dentro da cidade umas com as outras, nenhum deles perderia, por estes regulamentos. Mas em seu comércio com o campo, todos seriam grandes ganhadores; e nestes negócios consiste todo o comércio que sustenta e enriquece toda cidade.
Toda cidade retira toda sua subsistência, e todos os materiais de sua indústria, do campo. Compensa para elas, principalmente de dois modos: primeiro, devolvendo para o campo parte daqueles materiais trabalhados e manufaturados, em cujo caso seu preço é aumentado pelos salários dos trabalhadores e os lucros de seus mestres ou empregadores imediatos; segundo, enviando para lá uma parte do produto tanto em bruto quanto manufaturado, de outros países ou de partes distantes do mesmo país, importado para a cidade; neste caso, também, o preço original destes bens é aumentado pelos salários dos transportadores ou marujos e pelos lucros dos mercadores que os empregam. No que é ganho no primeiro daqueles dois ramos do comércio consiste a vantagem que a cidade ganha por suas manufaturas; no que é ganho no segundo, a vantagem de seu comércio interno e estrangeiro. Os ganhos dos trabalhadores, e os lucros de seus vários empregadores, compõem o que é ganho em ambos. Quaisquer regulamentos, portanto, que tendem a aumentar os salários e lucros além do que poderiam ser de outra maneira, tendem a permitir a cidade a comprar, com menor quantidade de seu trabalho, o produto de maior quantidade do trabalho do campo. Dão aos comerciantes e artífices da cidade uma vantagem sobre os proprietários, lavradores e operários do campo, e quebram aquela equidade natural que poderia ter lugar no comércio que é exercido entre eles. Todo o produto anual do trabalho da sociedade é anualmente dividido entre aqueles dois diferentes conjuntos de pessoas. Por meio desses regulamentos, uma maior fração é dada aos habitantes da cidade do que lhes deveria caber; e uma menor para os do campo.
O preço que a cidade realmente paga pelas provisões e materiais anualmente importados para ela é a quantidade de manufaturas e outros bens anualmente dela exportados. Quanto mais caros estes são vendidos, mais baratos os primeiros são comprados. A indústria da cidade torna-se mais e a do campo, menos vantajosa.
Que a indústria exercida nas cidades é, em todo lugar da Europa, mais vantajosa que a que é exercida no campo, sem entrar em muito boas computações, podemos verificar por uma observação muito simples e óbvia. Em todo país da Europa encontramos pelo menos cem pessoas que adquiriram grandes fortunas a partir de pequenos começos, pelo comércio e manufaturas, a indústria que propriamente pertence às cidades, para uma que o fez pelo que propriamente pertence ao campo, a criação de produto bruto pelo aperfeiçoamento e cultivo da terra. A indústria, portanto, deve ser mais bem recompensada, os salários e lucros do capital evidentemente devendo ser maiores numa situação que na outra. Mas o capital e o trabalho procuram, naturalmente, a aplicação mais vantajosa. Eles naturalmente dirigem-se tanto quanto possível para a cidade, e desertam o campo.
Os habitantes de uma cidade, estando reunidos num só lugar, podem facilmente se combinar. Os ofícios mais insignificantes exercidos numa cidade se incorporaram em algum lugar, e mesmo onde nunca foram incorporados, o espírito de corporação, a inveja dos estranhos, a aversão a tomar aprendizes, ou comunicar o segredo de seu ofício, geralmente prevalecem neles, e ensinam-lhes, por associações e acordos voluntários, a prevenir a livre competição que não podem proibir por regulamentos. Os ofícios que só ocupam pequeno número de mãos funcionam muito facilmente segundo tais combinações. Meia dúzia de penteadores de lã, talvez, é necessário para manter ocupados mil fiadores e tecelões. Combinando não tomar aprendizes, eles podem não só aumentar sua demanda, mas reduzir toda a manufatura a uma espécie de servidão a eles, e elevar o preço de seu trabalho muito acima do que é devido à natureza de seu trabalho.
Os habitantes do campo, pelo contrário, dispersos em lugares distantes, não podem se combinar facilmente. Não só nunca se incorporaram, mas o espírito de corporação nunca prevaleceu entre eles. Nunca se pensou que algum aprendizado fosse necessário para se qualificar para a lavoura, o grande ofício do campo. Depois das chamadas belas-artes e das profissões liberais, no entanto, talvez não haja ofício que requeira tamanha variedade de conhecimento e experiência. Os inumeráveis volumes que foram escritos sobre isto em todas as línguas podem nos informar de que, entre as mais sábias e cultas nações, nunca foi vista como matéria facilmente compreendida. E de todos aqueles volumes que em vão coletar o conhecimento de suas várias e complicadas operações, comumente possuído pelo lavrador comum, mesmo; e com quanto desprezo os soberbos autores de algumas daquelas obras fingem falar delas. Dificilmente há algum ofício mecânico, pelo contrário, cujas operações todas podem não ser tão completa e distintamente explicadas num panfleto de umas poucas páginas, como seria possível por palavras ilustradas por figuras para explicá-las. Na história das artes, agora publicada pela Academia Francesa de Ciências, vários deles são explicados, de fato, desta maneira. A direção das operações, além do mais, que deve variar com a mudança do clima, bem como muitos outros acidentes, requer muito mais julgamento e discrição do que a daquelas que são sempre as mesmas, ou quase.
Não só a arte do lavrador, a direção geral das operações da lavoura, mas muitos ramos inferiores do trabalho camponês requerem muito mais habilidade e experiência do que a maioria dos ofícios mecânicos. O homem que trabalha em latão e ferro, trabalha com instrumentos e materiais cuja têmpera é sempre a mesma, ou quase .a mesma. Mas o homem que ara o solo com uma parelha de cavalos ou bois, trabalha com instrumentos cujos saúde, força e temperamento são muito diferentes, conforme a ocasião. A condição dos materiais que ele trabalha, também, é tão variável quanto a dos instrumentos que possui, e ambos exigem ser administrados com muito discernimento e discrição. O arador comum, se bem que geralmente visto como o paradigma da estupidez e ignorância, raramente falha neste discernimento e discrição. Está menos acostumado, de fato, ao intercâmbio social do que o mecânico, que vive numa cidade. Sua voz e linguagem são mais toscas e difíceis de entender por aqueles que não estão acostumados a elas. Sua compreensão, porém, estando acostumada a considerar uma grande variedade de objetos, geralmente é muito superior à do outro, cuja atenção toda da manhã à noite está comumente ocupada em executar uma ou duas operações muito simples. O quanto as classes inferiores da gente do campo é realmente superior às da cidade é bem conhecido de todo homem cujos negócios ou curiosidade levou-o a conversar com ambos. Na China e no Indostão, conforme a classe e salários, os trabalhadores do campo são ditos superiores aos da maioria dos artífices e manufatureiros. Eles provavelmente o seriam em qualquer lugar, se as leis das corporações e o espírito de corporação não o evitasse.
A superioridade que a indústria das cidades tem em todo lugar da Europa, sobre a do campo, não se deve totalmente às corporações e às suas leis. É sustentada por muitos outros regulamentos. As elevadas taxas sobre as manufaturas estrangeiras e sobre todos os bens importados por mercadores estrangeiros, todas tendem ao mesmo fim. As leis de corporação permitem que os habitantes das cidades elevem seus preços, sem temer a concorrência dos preços baixos pela competição dos próprios campônios. Outras tantas regras os asseguram igualmente contra os estrangeiros. A elevação dos preços causada por estas duas medidas é em todo lugar finalmente paga pelos proprietários, lavradores e trabalhadores do campo, que raramente se opuseram ao estabelecimento de tais monopólios. Comumente, não têm inclinação nem aptidão para entrarem em combinações; e o clamor e sofisticação dos mercadores e manufatureiros facilmente os persuade que o interesse privado de uma parte, e de parte subordinada da sociedade, é o interesse geral do todo.
Na Grã-Bretanha, a superioridade da indústria das cidades sobre a do campo parece ter sido maior antigamente do que na atualidade. Os salários do trabalho do campo aproximam-se mais dos das manufaturas e os lucros do capital empregado na agricultura aos do capital do comércio e manufatura do que o foram no século passado, ou no começo deste. Esta mudança pode ser vista como a consequência necessária, se bem que tardia, do extraordinário encorajamento dado à indústria das cidades. O capital acumulado nelas com o tempo vem a ser tão grande que não pode ser empregado com o antigo lucro naquela espécie de indústria que lhes é peculiar. Aquela indústria tem seus limites, como toda outra, e o aumento do capital, pelo aumento da competição, necessariamente reduz o lucro. A redução do lucro na cidade força o capital a ir para o campo, onde, criando uma nova demanda para o trabalho do campo, necessariamente eleva seus salários. Então espalha-se, por assim dizer, sobre a face da Terra, e sendo empregado na agricultura é em parte restaurado ao campo, a expensas do qual, em grande medida, foi originalmente acumulado na cidade. Procurarei demonstrar, mais adiante, que em toda a Europa os maiores aperfeiçoamentos do campo deveram-se a tais transbordos do capital originalmente acumulado nas cidades; e ao mesmo tempo, demonstrarei que, se bem que alguns países, por este curso, atingiram um considerável grau de opulência, é por si mesmo necessariamente lento, incerto, passível de ser perturbado e interrompido por inúmeros acidentes, e em todos os aspectos contrário à ordem da natureza e da razão. Os interesses, preconceitos, leis e costumes que deram ocasião a isto, procurarei explicar tão distinta e completamente quanto puder no terceiro e quarto livros desta investigação.
As pessoas do mesmo ofício raramente se encontram, mesmo para festas e diversão, mas a conversação sempre termina numa conspiração contra o público, ou em alguma maquinação para elevar os preços. É impossível, com efeito, evitar tais reuniões, por qualquer lei que poderia ser executada ou que fosse consistente com a liberdade e a justiça. Mas se a lei não pode impedir que pessoas do mesmo ofício se reúnam por vezes, nada deveria fazer para facilitar tais reuniões, ou torná-las necessárias.
Uma regulação que obriga todos de um mesmo ofício, numa cidade, a dar entrada de seus nomes e locais de residência num registro público facilita tais assembleias. Conecta indivíduos que de outro modo nunca se conheceriam e dá a cada homem de ofício uma orientação de onde encontrar todo homem do mesmo ofício.
Um regulamento que permita aos de mesmo ofício taxarem a si mesmos, para amparar seus pobres, suas viúvas e órfãos, dando-lhes um interesse comum para administrar, torna tais assembleias necessárias.
Uma incorporação não só torna-as necessárias, mas torna o ato da maioria obrigatório sobre o todo. Num comércio livre, uma combinação efetiva não pode ser estabelecida senão pelo consentimento unânime de cada comerciante, e não pode durar mais do que enquanto cada comerciante continue com a mesma ideia. A maioria de uma corporação pode editar um regulamento com penalidades adequadas, que limitarão as competições mais efetiva e duravelmente do que seria possível com qualquer combinação.
A pretensão de que as corporações são necessárias para o melhor governo do ofício não tem nenhum fundamento. A disciplina real e efetiva que é exercida sobre um trabalhador não é a de sua corporação, mas a de seus fregueses. É o medo de perder o emprego que restringe suas fraudes e corrige sua negligência. Uma corporação exclusiva necessariamente enfraquece a força desta disciplina. Um conjunto particular de trabalhadores deve então ser empregado, comportem-se bem ou mal. É por causa disto que em muitas grandes cidades incorporadas não se encontram trabalhadores sofríveis, mesmo em alguns dos ofícios mais necessários. Se quiser ter seu trabalho toleravelmente executado, deve ser feito nos subúrbios, onde os trabalhadores, não tendo privilégio exclusivo, nada têm para depender senão seu caráter, e então contrabandeie o trabalho para a cidade, o melhor que puder. É deste modo que a política da Europa, restringindo a competição em alguns empregos a um número menor do que o que de outro modo estaria disposto a entrar para ele, ocasiona uma desigualdade muito importante no total das vantagens e desvantagens das diversas aplicações do capital e do trabalho.
Segunda, a política europeia, aumentando a competição em alguns empregos além do que naturalmente ocorreria, ocasiona outra desigualdade de espécie oposta no total das vantagens e desvantagens dos diversos empregos do capital e do trabalho.
Já foi considerado de tamanha importância que um número adequado de jovens fosse educado para certas profissões, que a caridade pública e, por vezes, a de fundações particulares estabeleceram muitas pensões, bolsas de estudos, exposições etc. para este fim, que levam mais pessoas para aqueles ofícios do que de outra maneira pretenderiam entrar para eles. Em todos os países cristãos, creio, a educação da maioria dos religiosos é paga destarte. Pouquíssimos deles são totalmente educados às próprias custas. A longa, tediosa e dispendiosa educação, portanto, daqueles que assim o fazem nem sempre lhe proporcionará recompensa adequada, as igrejas estando lotadas de pessoas que, para conseguir um emprego, estão dispostas a aceitar uma recompensa muito menor do que a que uma tal educação poderia assegurar-lhes; e assim a competição dos pobres leva embora a recompensa dos ricos. Seria indecente, sem dúvida, comparar um cura ou capelão com um jornaleiro em qualquer ofício comum. A paga de um cura ou capelão, porém, pode propriamente ser considerada da mesma natureza que o salário de um jornaleiro. Todos três são pagos por seu trabalho de acordo com o contrato que possam fazer com os respectivos superiores. Até depois da metade do século XIV, cinco marcos, contendo tanta prata quanto dez libras de nosso dinheiro atual, eram, na Inglaterra, a paga usual de um cura, ou padre estipendiário de paróquia, como achamos regulamentado pelos decretos de vários concílios nacionais diferentes. Na mesma época, quatro pence por dia, contendo a mesma quantidade de prata que um shilling de nosso dinheiro atual, era declarado o pagamento de um mestre pedreiro, e três pence por dia, iguais a nove pence do dinheiro atual, o de um pedreiro por dia.3 Os salários destes trabalhadores, portanto, supondo-os constantemente empregados, eram muito superiores aos do cura. Os ganhos do mestre pedreiro, supondo-o sem emprego um terço do ano, se igualariam a estes, completamente. No 12º edito da rainha Ana, fl. 12, está declarado: “Que sempre por falta de manutenção suficiente e encorajamento aos curas, os curas em vários lugares tenham sido parcamente supridos, o bispo fica com poderes para apontar, por seu escrito e selo, um estipêndio ou dotação, não excedendo cinquenta, e não menos que vinte libras por ano.” Quarenta libras por ano reconhece-se atualmente como sendo muito boa paga para um cura, e apesar deste Ato do parlamento, há muitos curatos abaixo de vinte libras por ano. Há sapateiros ao dia em Londres que ganham quarenta libras por ano, e dificilmente há qualquer trabalhador industrioso de qualquer espécie naquela metrópole que não ganhe mais que vinte. Esta última soma, de fato, não excede o que é usualmente ganho por trabalhadores comuns em muitas paróquias do campo. Sempre que a lei tentou regular os salários dos trabalhadores, foi mais para baixá-los que para elevá-los. Mas a lei, em muitas ocasiões, tentou elevar os salários dos curas, e para a dignidade da igreja, obrigar os reitores das paróquias a dar-lhes mais que a miserável manutenção que eles mesmos podem estar dispostos a aceitar. E em ambos os casos a lei parece ter sido igualmente ineficiente, e nunca conseguiu elevar os salários dos curatos nem abaixar os dos trabalhadores ao grau pretendido; porque nunca conseguiu obstaculizar um de estar disposto a aceitar menos que a dotação legal, por conta da indigência de sua situação e a multidão de seus competidores; ou o outro de receber mais, por conta da competição contrária daqueles que esperavam derivar lucro ou prazer de empregá-los.
Os grandes benefícios e outras dignidades eclesiásticas sustentam a honra da Igreja, não obstante a pobre circunstância de alguns de seus membros inferiores. O respeito devido à profissão também dá alguma compensação, mesmo com a miséria de sua recompensa pecuniária. Na Inglaterra, e em todos os países católicos, a loteria da Igreja é, na verdade, muito mais vantajosa do que o necessário. O exemplo das igrejas da Escócia, de Genebra e de vários outras igrejas protestantes, pode nos satisfazer de que em tão credenciada profissão, em que a educação é tão facilmente proporcionada, as esperanças de benefícios muito mais moderados atrairão um número suficiente de homens cultos, decentes e respeitáveis para as ordens sagradas.
Nas profissões em que não há benefícios, assim como no direito e na medicina, se uma igual proporção de pessoas fosse educada a expensas públicas, a competição logo seria grande a ponto de baixar em muito sua recompensa pecuniária. Então não valeria a pena para um homem educar seu filho para uma dessas profissões às próprias custas. Eles seriam abandonados assim como os educados pelas caridades públicas, cujo número e necessidades os obrigaria, em geral, a se contentarem com miseranda recompensa, para a completa degradação das agora respeitáveis profissões do direito e da medicina.
Aquela desafortunada raça de homens, chamada comumente de homens de letras, está muito mais na situação em que os advogados e médicos estariam na suposição acima. Em toda a Europa a maioria deles foi educada para a Igreja, mas foram impedidos, por diferentes razões, de entrar nas ordens sagradas. Em geral, foram então educados a expensas públicas, e seu número em todo lugar é tão grande que geralmente reduz o preço de seu trabalho a uma torpe recompensa.
Antes da invenção da arte da imprensa, o único emprego pelo qual um homem de letras podia ganhar algo por seus talentos era como professor público ou particular, ou comunicando a outrem o conhecimento útil ou curioso que ele mesmo adquirira, e este é ainda seguramente um emprego mais honrado, útil e em geral mais lucrativo do que escrever um livro para um livreiro, para o que a arte da imprensa deu ocasião. O tempo e o estudo, o gênio, conhecimento e aplicação requeridos para qualificar um eminente professor de ciências são pelo menos iguais ao necessário para os maiores praticantes da advocacia e da medicina. Mas a recompensa usual do professor eminente não tem proporção para com a do advogado ou médico, porque o ofício de um está cumulado de indigentes que foram dirigidos para ele a expensas públicas, ao passo que os dos outros dois estão embaraçados com pouquíssimos que não foram educados às próprias custas. A recompensa usual, porém, dos professores públicos e particulares, por pequena que possa parecer, sem dúvida seria menor do que é se a competição daqueles ainda mais indigentes letrados que escrevem pelo pão não fosse retirada do mercado. Antes da invenção da imprensa, um erudito e um esmoler pareciam ser termos quase sinônimos. Os vários governadores das universidades, antes desse tempo, parece que muitas vezes concederam licenças a seus estudiosos para esmolar.
Nos tempos antigos, antes que caridades deste tipo fossem estabelecidas para a educação de indigentes para as profissões cultas, as recompensas de professores eminentes parecem ter sido muito mais consideráveis. Isócrates, no que é chamado seu discurso contra os sofistas, reprova os professores do próprio tempo inconsistentemente. “Fazem as mais magnificentes promessas a seus discípulos”, diz ele, “e se propõem educá-los a serem sábios, a serem felizes e a serem justos, e em retribuição de tão importante serviço, estipulam a vil recompensa de quatro ou cinco minas. Os que ensinam a sabedoria”, continua ele, “certamente eles mesmos deveriam ser sábios; mas se algum homem vendesse tamanha barganha por tal preço, seria culpado da mais evidente insensatez”. Ele certamente não quer aqui exagerar a recompensa, e podemos estar certos de que não era menor do que ele a representa. Quatro minas eram iguais a 13 libras, seis shillings e oito pence; cinco minas, a 16 libras, 13 shillings e quatro pence. Algo não inferior à maior daquelas somas, portanto, naquele tempo deve ter sido pago normalmente aos mais eminentes professores de Atenas. O próprio Isócrates pedia dez minas, ou 33 libras, seis shillings e oito pence, de cada aluno. Quando ele ensinava em Atenas, diz-se que teve cem alunos. Creio ter sido este o número a que ele ensinou de uma só vez, ou que assistiu ao que poderíamos chamar um curso de conferências, número que não parecerá extraordinário para tão grande cidade e tão famoso professor, que ensinava também, o que era, naquela época, a ciência mais em voga, a retórica. Ele deve ter ganho, portanto, para cada curso de conferências, mil minas, ou £3 333 6s. 8d. Mil minas, correspondentemente, é dito por Plutarco em outro lugar, foi seu Didactron, ou preço usual para as aulas. Muitos outros professores eminentes naqueles tempos parecem ter adquirido grandes fortunas. Górgias fez um presente ao templo de Delfos da própria estátua, de ouro sólido. Não devemos supor, presumo, que fosse em tamanho natural. Seu modo de vida, bem como o de Hípias e Protágoras, dois outros eminentes professores daqueles tempos, é representado por Platão como esplêndido, até a ostentação. O próprio Platão, diz-se que viveu com bastante magnificência. Aristóteles, depois de ter sido tutor de Alexandre, e retribuído com munificência, como se aceita universalmente, tanto por ele como por seu pai, Felipe, achou compensador, não obstante retornar a Atenas, para reassumir o ensino em sua escola. Os professores das ciências provavelmente, naqueles tempos, eram menos comuns do que vieram a ser uma era ou duas depois, quando a competição provavelmente reduziu o preço de seu trabalho e a admiração por suas pessoas. O mais eminente deles, porém, parece sempre ter gozado um grau de consideração muito superior a qualquer um da mesma profissão, de nossos dias. Os atenienses enviaram Carnéades, o Acadêmico, e Diógenes, o Estoico numa embaixada solene a Roma, e mesmo que sua cidade tivesse decaído de sua antiga grandeza, ainda era uma república considerável e independente. Carnéades também era babilônio de nascimento, e como nunca houve povo mais ciumento para admitir estrangeiros em cargos públicos do que os atenienses, sua consideração para com ele deve ter sido muito grande.
Esta desigualdade, afinal, talvez seja mais vantajosa que prejudicial ao público. Talvez degrade um pouco a profissão de professor público, mas o baixo preço da educação literária é certamente uma vantagem que compensa grandemente esta inconveniência mínima. O público, também, poderia derivar ainda maior benefício dela, se a constituição dessas escolas e desses colégios, em que se dá a educação, fosse mais razoável do que agora, na maior parte da Europa.
Terceira, a política da Europa, obstruindo a livre circulação do trabalho e do capital de emprego para emprego e de lugar para lugar, ocasiona, eventualmente, uma desigualdade mui inconveniente no total das vantagens e desvantagens de suas aplicações.
O Estatuto do Aprendizado obstrui a livre circulação do trabalho de um emprego para outro, mesmo num mesmo lugar. Os privilégios exclusivos das corporações obstruem-no de um lugar para outro, até num mesmo emprego.
Frequentemente ocorre que enquanto altos ganhos são dados aos trabalhadores numa manufatura, os de outra são obrigados a se contentarem com a mera subsistência. Uma está progredindo, tendo, portanto, demanda contínua para novas mãos; a outra, está num estado declinante, e a superabundância de mãos está sempre aumentando. Aquelas duas manufaturas podem, por vezes, estar numa mesma cidade e, por vezes, na mesma vizinhança, sem poderem dar a mínima assistência uma à outra. O Estatuto do Aprendizado pode se opor a isto num caso, e também uma corporação exclusiva, no outro. Em muitas manufaturas, porém, as operações são tão similares que os trabalhadores facilmente poderiam trocar seus misteres uns com os outros, se aquelas leis absurdas não os impedissem. As artes de tecer linho simples e seda, por exemplo, são praticamente as mesmas. A de tecer lã lisa é um pouco diferente; mas a diferença é tão insignificante que um tecelão de linho ou de seda pode se tornar um operário tolerável em pouquíssimos dias. Se alguma dessas três manufaturas principais estivesse decaindo, os trabalhadores poderiam recorrer a uma das outras duas que estivesse numa condição mais próspera, e seus salários não se elevariam muito alto na manufatura progressista nem cairiam muito na decadente. A manufatura de linho, de fato, na Inglaterra, por um estatuto particular, está aberta a todos, mas como não é muito cultivada na maior parte do país, não permite ser um recurso geral aos trabalhadores de outras manufaturas decadentes, que, onde quer que o Estatuto do Aprendizado tem lugar, eles não têm outra escolha senão recorrer à paróquia, ou trabalhar como operários comuns, para o que, por seus hábitos, estão mais mal qualificados do que para qualquer espécie de manufatura que tenha qualquer semelhança com sua própria. Geralmente, portanto, escolhem a caridade da paróquia.
O que quer que obstrua a livre circulação do trabalho de um emprego para outro obstaculiza igualmente a do capital, pois a quantidade de capital que pode ser empregado em qualquer ramo do negócio depende sobremaneira da do trabalho que nele pode ser empregado. As leis das corporações, porém, dão menos obstrução à livre circulação do capital de um lugar para outro do que à do trabalho. Em qualquer lugar, é muito mais fácil para um rico comerciante obter o privilégio do comércio numa cidade corporada do que para um artífice pobre obtê-lo para trabalhar nela.
A obstrução que as leis de corporação impõem à livre circulação do trabalho é comum, creio, a todo lugar na Europa. A que é imposta pelas Leis do Pobre é, tanto quanto se saiba, peculiar à Inglaterra. Consiste na dificuldade que um homem pobre encontra em obter uma colocação, ou mesmo que lhe permitam exercer sua indústria em ‘qualquer paróquia que não seja aquela à qual ele pertence. É apenas o trabalho dos artífices e manufatureiros cuja circulação é obstruída pelas leis das corporações. A dificuldade de obter colocação obstrui mesmo a do trabalho comum. Pode ser válido dar conta da ascensão, progresso e atual estado desta desordem, a maior, talvez, de todas da política da Inglaterra.
Quando, pela destruição dos mosteiros os pobres foram privados da caridade daquelas casas religiosas, depois de algumas outras tentativas ineficientes para aliviá-los, foi decretado pelo 43º de Elizabeth, fl. 2, que cada paróquia deveria prover seus pobres, e que os inspetores dos pobres deveriam ser anualmente apontados, os quais, com os curadores da igreja, levantariam, na paróquia, somas competentes para este propósito.
Por este estatuto, a necessidade de prover os próprios pobres foi imposta indispensavelmente a cada paróquia. Quem deveria ser considerado pobre em cada paróquia tornou-se, então, questão de certa importância. Esta questão, depois de alguma variação, foi finalmente determinada pelos 13º e 14º de Carlos II, quando foi decretado que quarenta dias de residência não perturbada garantiria a qualquer pessoa uma colocação em qualquer paróquia; mas que, dentro daquele prazo, seria legal para dois juízes de paz, por queixas feitas pelos inspetores ou curadores dos pobres, remover qualquer novo habitante para a paróquia onde estivera legalmente estabelecido, a menos que ele alugasse uma moradia de dez libras por ano, ou que pudesse dar tais garantias para o desencargo da paróquia onde estivesse, de modo que os juízes achassem suficiente.
Algumas fraudes, diz-se, foram cometidas em consequência deste estatuto; os oficiais das paróquias, às vezes forçando os próprios pobres para irem clandestinamente a outra paróquia, e mantendo-se escondidos por quarenta dias para ganhar residência lá, para desencargo daquela a que propriamente pertenciam. Foi decretado, portanto, pelo 1º de Jaime II que a residência não perturbada de quarenta dias para qualquer pessoa adquirir residência deveria ser contada apenas do momento em que desse notícia, por escrito, do local de sua morada e do número de seus familiares a um dos curadores ou inspetores da paróquia onde veio morar.
Mas os oficiais das paróquias, ao que parece, não eram mais honestos com as próprias do que foram em relação com outras paróquias, e, por vezes, eram coniventes com tais intrusões, recebendo a nota, sem tomar as medidas adequadas, em consequência. Como toda pessoa numa paróquia, supunha-se, estava interessada em evitar tanto quanto possível o fardo de tais intrusos, foi também decretado pelo 3º de Guilherme III, que a residência de quarenta dias deveria ser contada apenas da publicação da tal notícia por escrito no domingo, na igreja, imediatamente após o serviço religioso.
“Afinal de contas”, diz o dr. Burn, “este tipo de residência continuando quarenta dias após a publicação da notícia escrita é muito dificilmente obtida, e essas leis destinam-se não tanto a ganhar residentes quanto a evitá-los, com pessoas vindo clandestinamente para uma paróquia, pois dar a notícia é apenas forçar a paróquia a removê-lo. Mas se a situação de uma pessoa é tal que é duvidoso que ela é de fato removível ou não, ela, dando a notícia, compelirá a paróquia a permitir-lhe uma residência incontestada, tolerando-o por quarenta dias, ou removendo-o, pelo direito”.
Este estatuto, portanto, tornou quase impraticável para um pobre ganhar nova residência à moda antiga, por uma permanência de quarenta dias. Mas, para não parecer excluir totalmente a gente pobre de uma paróquia do estabelecimento em segurança numa outra, apontava quatro outras maneiras pelas quais uma residência poderia ser ganha sem dar ou publicar notícia. A primeira, ser taxado pela paróquia e pagar estes impostos; segunda, sendo eleito para um cargo anual da paróquia e servir por um ano; terceira, servindo como aprendiz na paróquia; quarta, sendo contratado para trabalhar lá por um ano e continuar no mesmo serviço durante toda sua execução.
Ninguém pode ganhar residência por uma das duas primeiras maneiras senão por uma ação pública em toda a paróquia, que está muito cônscia dos resultados para adotar qualquer recém-chegado que nada tem senão seu trabalho para sustentá-lo, taxando-o com os impostos da paróquia ou elegendo-o para um cargo.
Nenhum homem casado pode ganhar residência de uma das duas últimas maneiras. Um aprendiz mui dificilmente é casado, e está expressamente decretado que nenhum servo casado ganhará qualquer residência sendo contratado por um ano. O efeito principal de introduzir a residência por serviço foi excluir em grande escala o velho costume de contratar por um ano, que tinha sido tão habitual na Inglaterra, que mesmo atualmente, se nenhum termo particular é concertado, a lei pretende que todo servo está contratado por um ano. Mas os patrões nem sempre estão dispostos a dar a seus servos residência contratando-os deste modo; e os servos nem sempre estão dispostos a serem contratados porque, como a última residência cancela todas as anteriores, poderão assim perder sua residência original nos locais onde nasceram, casa de seus pais e parentes.
Nenhum trabalhador independente, é evidente, trabalhador ou artífice, provavelmente ganhará nova residência por aprendizado ou por serviço. Quando uma tal pessoa levou sua indústria a uma nova paróquia, fica sujeita a ser removida, por mais saudável e industriosa que seja, pelo capricho de qualquer curador de paróquia ou similar, a menos que alugue uma moradia de dez libras ao ano, coisa impossível para quem só tenha seu trabalho para viver, ou que poderia dar tal segurança para o desencargo da paróquia, que dois juízes de paz julguem suficiente. A segurança que devem requerer é deixada inteiramente à discrição deles; mas não podem requerer menos de trinta libras tendo sido decretado que a compra de uma propriedade de menos de trinta libras, não dá residência a uma pessoa, não sendo suficiente para o desencargo de uma paróquia. Mas isto é uma segurança que dificilmente um homem que viva de seu trabalho pode dar; e muitas vezes pede-se uma segurança muito maior.
Para restaurar até certo ponto aquela livre circulação do trabalho que aqueles vários estatutos retiraram quase inteiramente, foram criados os certificados. Pelos 8º e 9º de Guilherme III foi decretado que se qualquer pessoa trouxesse um certificado da paróquia onde morou pela última vez, subscrito pelos curadores e inspetores dos pobres e autorizado por dois juízes de paz, toda outra paróquia estava obrigada a recebê-la; e a pessoa não seria removível meramente por conta de poder vir a ser um encargo, mas só ao tornar-se realmente tal encargo, e então a paróquia que expedisse o certificado seria obrigada a pagar a despesa de sua manutenção e remoção. É para dar a mais perfeita segurança à paróquia onde este homem certificado viria a residir, era também decretado pelo mesmo estatuto que ele não ganharia residência ali por qualquer meio, exceto alugando uma morada de dez libras por ano, ou servindo por própria conta num cargo anual da paróquia por todo um ano; e consequentemente, não por serviço, nem por aprendizado, nem pagando as taxas da paróquia. Pelo 12º da rainha Ana também, estatuto 1, fl. 18, foi decretado que nem os servos nem os aprendizes de tal homem certificado ganhariam qualquer residência na paróquia enquanto residisse sob tal certificado.
O quanto esta invenção restaurou a livre circulação do trabalho que os estatutos precedentes excluíram quase inteiramente, podemos depreender da seguinte judiciosa observação do dr. Burn. “É óbvio”, diz ele, “que há cópia de boas razões para requerer certificados para pessoas que venham a residir em qualquer lugar, a saber, que as pessoas residindo sob eles não possam ganhar residência, quer por aprendizado, quer por serviço, quer dando notícia, quer pagando taxas de paróquia; que não possam instalar aprendizes ou servos; que, se se tornam um encargo, é certo que as removam, e que a paróquia seja paga pela remoção e por sua manutenção, entrementes; e que se caem doentes, e não podem ser removidas, a paróquia que deu o certificado deva mantê-las; e que ninguém esteja sem certificado. Razões proporcionalmente válidas para paróquias que não dão certificados para os casos ordinários; pois é mais do que provável, que terão as pessoas certificadas de volta, e em piores condições”. A moral desta observação parece ser que os certificados deveriam sempre ser requeridos pela paróquia em que um homem pobre vem a residir, e que raramente deveriam ser concedidos por aquela em que ele se propõe deixar. “Há uma certa dificuldade nesta questão dos certificados”, diz o mesmo inteligente autor em sua História das leis dos pobres, “colocando no poder de um oficial de paróquia aprisionar um homem como que perpetuamente; por mais inconveniente que possa ser para ele continuar naquele lugar onde tenha tido o infortúnio de adquirir o que é chamado de residência, ou qualquer vantagem a que se tenha proposto, vivendo alhures”.
Se bem que um certificado não carregue consigo nenhum testemunho de bom comportamento, e nada certifique senão que a pessoa pertence à paróquia a que realmente pertence, é totalmente discricionário dos oficiais da paróquia concedê-lo ou recusá-lo. Um mandado foi certa vez movido, diz o dr. Burn, para compelir os curadores e inspetores a assinar um certificado, mas a corte do tribunal superior rejeitou a moção, como uma tentativa exótica.
O preço muito desigual do trabalho, que costumeiramente encontramos na Inglaterra, em lugares a não grande distância uns dos outros, provavelmente deve-se à obstrução que a lei da residência dá a um homem pobre que queira levar sua indústria de uma paróquia a outra, sem um certificado. Um único homem, realmente, saudável e industrioso que seja, pode por vezes residir sofrivelmente sem certificado, mas um homem com mulher e família que o tentasse, na maioria das paróquias, seguramente seria removido, e se aquele homem só depois se casasse, geralmente, seria removido. A escassez de mãos numa paróquia portanto, nem sempre pode ser aliviada por sua superabundância noutra, como acontece constantemente na Escócia e, creio, em todos os outros países onde não haja dificuldade de residência. Em tais países, se bem que os salários possam por vezes elevar-se um tanto nas vizinhanças de cidades grandes, ou onde haja demanda extraordinária de trabalho, e caia gradualmente aumentando a distância destes lugares, até que caiam à cotação normal do campo, ainda assim nunca encontramos aquelas súbitas e inusitadas diferenças nos salários de locais adjacentes, que por vezes encontramos na Inglaterra, onde é bem mais difícil para um homem pobre passar a fronteira artificial de uma paróquia, que um braço de mar, ou uma cordilheira de altas montanhas, fronteiras naturais que por vezes separam muito distintamente cotações diferentes de salários em outros países.
Para remover um homem que não teve má conduta da paróquia em que ele escolheu residir, é uma evidente violação da liberdade e justiça naturais. O povo comum da Inglaterra, porém, tão zeloso de sua liberdade, mas como o povo comum da maioria dos outros países nunca entendendo direito em que ela consiste, agora, já há mais de um século, sofre ser exposto a esta opressão, sem remédio. Se bem que homens de reflexão já tenham por vezes se queixado da lei da residência como uma injustiça pública, nunca foi ela objeto de qualquer clamor público, como aquele contra os atestados públicos, prática sem dúvida abusiva, mas tal que não ocasionaria, provavelmente, nenhuma opressão geral. Dificilmente haverá um homem pobre na Inglaterra, de quarenta anos de idade, arrisco-me a dizê-lo, que em alguma altura de sua vida não se tenha sentido cruelmente oprimido por esta mal forjada lei da residência.
Concluirei este longo capítulo observando que, antigamente, era usual cotar os salários, primeiro por leis gerais estendendo-se por todo o reino, e depois por ordens particulares dos juízes de paz em cada condado, ambas estas práticas agora entraram em completo desuso. “Pela experiência de mais de quatrocentos anos”, diz o dr. Burn, “parece tempo de deixar de lado todas as tentativas de trazer sob regulamentações estritas o que pela própria natureza parece incapaz de limitação minuciosa; pois se todas as pessoas na mesma espécie de trabalho devessem receber os mesmos salários, não haveria emulação, e nenhum espaço deixado para a operosidade ou engenho”.
Atos particulares do parlamento, entretanto, ainda tentam, ocasionalmente, regular salários em ofícios e locais determinados. Assim, o 8º de Jorge III proíbe, sob pesadas penalidades, todos os mestres alfaiates em Londres, e cinco milhas à volta, de dar, e a seus operários de aceitar, mais de dois shillings e 7,5 pence por dia, exceto no caso de luto público. Sempre que a legislatura procura regular as diferenças entre os patrões e seus trabalhadores, seus conselheiros são sempre os patrões. Quando o regulamento vem a ser a favor dos trabalhadores, é sempre justo e equitativo, mas é sempre outro o caso em favor dos patrões. Assim, a lei que obriga os patrões de diversos ofícios a pagar seus trabalhadores em dinheiro, e não em bens, é bem justa e equitativa. Não impõe reais dificuldades aos patrões. Apenas os obriga a pagar aquele valor em dinheiro, que pretendiam pagar, mas nem sempre realmente o faziam, em bens. Esta lei é em favor dos trabalhadores, mas o 8º de Jorge III favorece os patrões. Quando os patrões se reúnem para reduzir os salários de seus trabalhadores, comumente entram num pacto ou acordo particular para não dar mais que um certo pagamento, sob uma certa penalidade. Se os trabalhadores entrassem numa símile combinação contrária, de não aceitar um dado salário, sob certa penalidade, a lei os puniria severamente, e se esta agisse com imparcialidade, trataria os patrões do mesmo modo. Mas o 8º de Jorge III suporta pela lei aquela mesma regulamentação que os patrões por vezes tentam estabelecer por tais combinações. A queixa dos operários, que assim se coloca os mais aptos e industriosos no mesmo pé com um trabalhador comum, parece perfeitamente bem fundada.
Nos velhos tempos, também, era comum tentar regulamentar os lucros dos mercadores e outros negociantes cotando o preço das provisões e outros bens. O padrão do pão é, tanto quanto se saiba, o único remanescente desta antiga usança. Onde haja uma corporação exclusiva, talvez seja adequado regular o preço das primeiras necessidades da vida. Mas onde não há, a competição o regulará muito melhor do que qualquer padrão. O método de fixar o padrão do pão estabelecido pelo 31º de Jorge III não poderia ser posto em prática na Escócia, por causa de uma falha da lei; sua execução dependendo do ofício de um funcionário do mercado, que não existe lá. Este defeito não foi remediado até o 3º de Jorge III. A falta de um padrão não ocasionou inconveniência, e o estabelecimento de um, nos poucos lugares onde já teve lugar, não produziu vantagem sensível. Na maioria das cidades escocesas, porém, há uma incorporação dos padeiros que reclama privilégios exclusivos, se bem que estes não sejam muito estritamente guardados.
A proporção entre as diferentes cotações de salários e lucros nos diferentes empregos do trabalho e do capital parece não ser muito afetada, como já foi observado, pela riqueza ou pobreza, o estado progressista, estacionário ou declinante da sociedade. Tais revoluções no bem-estar público, se bem que afetem as cotações gerais, tanto dos salários como do lucro, no fim devem afetá-los igualmente em todas as diversas aplicações. A proporção entre eles, portanto, deve ser a mesma, e não pode ser propriamente alterada, pelo menos por um tempo considerável, por quaisquer de tais revoluções.
Notas
1 Ver Idílio, XXI.
2 V. Madox, Firma Burgi, p. 26 e seguintes.
3 V. Estatuto dos trabalhadores, 25ª ed., III.
CAPÍTULO 11
DA RENDA DA TERRA
A renda, considerada como o preço pago pelo uso da terra, é naturalmente o mais alto que o rendeiro pode pagar nas circunstâncias atuais da terra. Ao ajustar os termos do arrendamento, o proprietário procura deixar-lhe uma parte não superior à suficiente para manter o capital com o qual ele fornece a semente, paga o trabalho e compra e mantém o gado e outros instrumentos agrícolas, juntamente com os lucros ordinários do capital do cultivo, na região. Esta é, evidentemente, a menor fração com que o rendeiro pode se contentar sem prejuízo, e o proprietário raramente pretende deixar-lhe algo mais. Qualquer parte do produto, ou, o que dá no mesmo, qualquer parte de seu preço, que esteja muito acima desta fração, ele naturalmente procura reservar para si mesmo, como o arrendamento de sua terra, que é evidentemente o mais alto que o rendeiro pode suportar pagar nas circunstâncias atuais da terra. Por vezes, de fato, a liberalidade, e mais frequentemente a ignorância, do proprietário o faz aceitar um pouco menos que esta porção; e por vezes também, se bem que mais raramente, a ignorância do rendeiro faz com que pague um pouco mais, ou que se contente com um pouco menos que os lucros ordinários do capital agrícola de sua região. Esta porção, porém, pode ainda ser considerada a renda natural da terra, ou a renda pela qual naturalmente seria em geral arrendada.
A renda da terra, pode-se pensar, frequentemente não é mais que um lucro razoável ou interesse do capital depositado pelo proprietário sobre suas melhorias. Isto, sem dúvida, pode ser parcialmente o caso, em algumas ocasiões; pois é difícil que possa ser mais que parcialmente isto. O proprietário exige renda mesmo por terra sem melhoria, e o suposto interesse ou lucro sobre a despesa das melhorias é geralmente um adicional sobre esta renda original. Aquelas melhorias, além do mais, nem sempre se devem ao capital do proprietário, mas, por vezes, ao do rendeiro. Quando o arrendamento é renovado, porém, o proprietário comumente pede o mesmo aumento da renda, como se as melhorias fossem feitas pelo seu próprio capital.
Ele eventualmente pede renda pelo que é totalmente incapaz de melhoria humana. Há uma espécie de alga que, quando queimada, libera um sal alcalino, útil fazer vidro, sabão e várias outras aplicações. Cresce em várias regiões da Grã-Bretanha, particularmente na Escócia, nas rochas que afloram na superfície da linha d’água, e que são cobertas duas vezes ao dia pelo mar, e cuja produção, portanto, não pode ser aumentada pela indústria humana. O proprietário, porém, cuja propriedade é limitada por uma praia que apresente estas algas, pede renda por ela, tanto quanto por seus campos de cereal.
O mar, nas vizinhanças das ilhas Shetland, é mais que usualmente abundante em peixes, que faz a maior parte da subsistência de seus habitantes. Mas, para lucrar com o produto do mar, devem ter uma casa nas terras litorâneas. A renda do proprietário é proporcional não ao que o lavrador pode conseguir da terra, mas ao que consegue pela água e pela terra. É parcialmente paga em peixes, e um dos pouquíssimos casos em que a renda faz parte do preço daquela mercadoria é encontrado naquelas ilhas.
A renda da terra, então, considerada como o preço pago pelo uso da terra, é naturalmente um preço do monopólio. Não é de modo algum proporcional ao que o proprietário possa ter aplicado no aperfeiçoamento da terra, ou ao que ele pode tomar, mas ao que o lavrador pode tolerar como pagamento.
Pode-se levar ao mercado tais partes do produto da terra, de modo que seu preço ordinário seja apenas o suficiente para substituir o capital que deve ser empregado neste transporte, juntamente com seus lucros ordinários. Se o preço ordinário é superior a isto, seu excesso naturalmente irá para o arrendamento da terra. Se não é mais, mesmo com o transporte, não permite pagar a renda ao proprietário. Se o preço é excessivo ou não, depende da demanda.
Há algumas frações do produto da terra para as quais a demanda deve ser sempre tal que permita um preço superior ao que seja suficiente para levá-las ao mercado; e não há outras pelas quais se possa ou não tolerar este preço maior. A primeira deve sempre pagar a renda ao proprietário. A outra pode, ou não, de acordo com as circunstâncias.
A renda, deve-se portanto observar, entra na composição do preço das mercadorias de uma maneira distinta dos salários e do lucro. Salários e lucros altos ou baixos são as causas dos preços altos ou baixos; a renda alta ou baixa é o seu efeito. É porque altos ou baixos salários e lucros devem ser pagos, para trazer uma mercadoria ao mercado, que seu preço é alto ou baixo. Mas é por seu preço ser alto ou baixo, muito mais, ou muito pouco, ou não mais do que o suficiente para pagar aqueles salários e lucro, que permite uma renda alta, baixa ou nenhuma.
A consideração particular, primeiro, daquelas partes da produção da terra que sempre dá alguma renda; secundariamente, daquelas que ora podem, ora não podem fornecer alguma renda; e, terciariamente, das variações que, nos diversos períodos das melhorias, naturalmente têm lugar no valor relativo daquelas duas espécies de produto bruto, comparadas entre si e com as mercadorias manufaturadas, dividirão este capítulo em três partes.
PARTE 1
DO PRODUTO DA TERRA QUE SEMPRE FORNECE RENDA
Como os homens, bem como todos os outros animais, naturalmente se multiplicam em proporção aos meios de sua subsistência, a comida está sempre em demanda, maior ou menor. Pode sempre comprar ou ordenar uma maior ou menor quantidade de trabalho, e sempre pode-se encontrar alguém que esteja disposto a fazer algo para obtê-la. A quantidade de trabalho, de fato, que pode comprar nem sempre é igual ao que poderia manter, se administrada da maneira mais econômica, por conta dos altos salários que por vezes são pagos pelo trabalho. Mas sempre pode comprar uma tal quantidade de trabalho que pode manter, de acordo com a cotação que é mantida para aquela espécie de trabalho na região.
Mas a terra, em quase qualquer outra situação, produz uma maior quantidade de alimento do que é suficiente para manter todo o trabalho necessário para trazê-la ao mercado do modo mais liberal pelo qual se queira manter este trabalho. O excesso, também, é mais que suficiente para substituir o capital que empregou aquele trabalho, juntamente com seus lucros. Algo, portanto, sempre resta para a renda do proprietário.
As charnecas mais desertas da Noruega e da Escócia produzem uma espécie de pasto para o gado, cujos leite e rebanho são sempre mais do que suficientes não só para manter todo o trabalho necessário ao seu cuidado e pagar o lucro ordinário ao lavrador ou proprietário do rebanho, mas ainda permite o pagamento de pequena renda ao proprietário. A renda aumenta em proporção à qualidade do pasto. A mesma extensão de solo não só mantém mais gado, mas como é criado em menor escala, menos trabalho faz-se necessário para cuidar dele e coletar seu produto. O proprietário ganha de ambos os modos, pelo aumento da produção e pela diminuição do trabalho de manutenção.
A renda da terra não só varia com sua fertilidade, seja qual for o seu produto, mas com sua situação, qualquer que seja sua fertilidade. A terra, na vizinhança de uma cidade, dá mais renda que terra igualmente fértil em região distante, no campo. Se bem que possa não custar mais trabalho cultivar uma que outra, deve sempre custar mais trazer o produto da terra distante ao mercado. Uma maior quantidade de trabalho, portanto, deve ser entretida; e o excesso, de onde se retira tanto o lucro do lavrador como a renda do proprietário, deve diminuir. Mas, nas regiões mais remotas a taxa de lucro, como já foi mostrado, é geralmente mais alta que na vizinhança de uma grande cidade. Uma menor proporção deste excesso diminuído, então, deve pertencer ao proprietário.
Boas estradas, canais e rios navegáveis, diminuindo a despesa de transporte, colocam as regiões remotas de um país num nível mais próximo daquelas nas vizinhanças das cidades. Por causa disto, representam as maiores de todas as melhorias. Encorajam o cultivo dos círculos remotos, que são sempre os mais extensos do país. São vantajosas para a cidade, quebrando o monopólio do campo nas suas vizinhanças. São vantajosas mesmo para aquelas regiões. Se bem que introduzam algumas mercadorias rivais no mercado antigo, abrem muitos outros mercados para o novo produto. O monopólio, aliás, é um grande inimigo da boa administração, que nunca pode ser universalmente estabelecida, senão em consequência daquela livre e universal competição que força todos a recorrer a ela pelo bem da autodefesa. Não faz mais de cinquenta anos que alguns dos condados de Londres fizeram petição ao parlamento contra a extensão das estradas oficiais aos condados mais afastados. Estes condados, pretendiam eles, pelo baixo preço de trabalho, poderiam vender seu feno e cereal mais barato no mercado de Londres do que eles mesmos, e assim reduziriam suas rendas, arruinariam seus cultivos. Suas rendas, no entanto, subiram, e seus cultivos aperfeiçoaram-se, desde aquela época.
Um campo de cereal de fertilidade moderada produz muito maior quantidade de comida para o homem do que um pasto de igual extensão. Se bem que seu cultivo exija muito mais trabalho, o excesso que resta depois de substituir a semente e manter todo aquele trabalho é similarmente muito maior. Se uma libra de carne no açougueiro nunca fosse suposta valendo mais que uma libra de pão, este excesso seria sempre de maior valor, e constituiria um maior fundo tanto para o lucro do lavrador como para a renda do proprietário. Parece ter sido assim desde os mais rústicos princípios da agricultura.
Mas os valores relativos daquelas duas espécies diferentes de alimento, o pão e a carne, variam muito conforme o período da agricultura. Em seus princípios rudimentares, os campos não tratados, que então ocupavam a maior parte da região, estão totalmente abandonados ao gado. Há muito mais carne do que pão, e o pão, portanto, é a comida para a qual há a maior competição, e que, por conseguinte, acarreta o maior preço. Em Buenos Aires, nos é relatado por Ulloa, quatro reais, ou 21,5 pence e meio esterlinos, era, quarenta ou cinquenta anos atrás, o preço comum de um boi, escolhido de um rebanho de duzentos ou trezentos. Ele nada diz do preço do pão, provavelmente por não ter achado nada notável acerca dele. Lá, um boi, diz ele, custa pouco mais que o trabalho de capturá-lo. Mas o cereal não pode ser cultivado em lugar nenhum sem muito trabalho, e num país que está às margens do rio da Prata, naquela época, a estrada direta da Europa às minas de prata de Potosí, o preço em dinheiro do trabalho não devia ser muito baixo. É diferente quando o cultivo se estende pela maior parte do país. Há então mais pão do que carne. A competição muda de direção, e o preço da carne torna-se maior que o do pão.
Pela extensão, além do cultivo, os campos não tratados tornam-se insuficientes para suprir a demanda de carne. Uma boa parte das terras cultivadas deve ser empregada para alimentar e criar o gado, cujo preço, portanto, deve ser suficiente para pagar não só o trabalho necessário para cuidar dele, mas também a renda que o proprietário poderia tirar dessas terras empregadas na agricultura, bem como o lucro do lavrador. O gado alimentado nas charnecas menos cultivadas, quando trazido ao mesmo mercado, em proporção a seu peso ou excelência, é vendido ao mesmo preço que aquele criado na melhor terra. Os proprietários daquelas charnecas lucram com isso, e elevam a renda de suas terras em proporção ao preço de seu gado. Há não mais de um século, em muitas partes das terras altas da Escócia, a carne era tão barata, ou mais, do que o pão de cevada. A união abriu o mercado inglês ao gado das terras altas. Seu preço ordinário, atualmente, está umas três vezes mais alto que no começo do século, e as rendas de muitas terras naquela região triplicaram e quadruplicaram, ao mesmo tempo. Em quase toda parte da Grã-Bretanha, uma libra da melhor carne é, atualmente, mais cara que duas libras do melhor pão branco; e nos anos mais abundantes, chega a valer três ou quatro libras.
É assim que, no processo de aperfeiçoamentos, a renda e o lucro de pastos não tratados vêm a ser regulados, em certa medida, pela renda e o lucro do que já está aperfeiçoado, e isto, ainda pela renda e lucro do cereal. Os cereais são de colheita anual. A carne exige quatro ou cinco anos para crescer. Como um acre de terra, portanto, produzirá uma quantidade muito menor de uma espécie de comida que da outra, a inferioridade da quantidade deve ser compensada pela superioridade do preço. Se fosse mais que compensada, mais terra para cereal seria transformada em pasto, e se não fosse compensada, parte do que é pasto seria de novo transformada em cereal.
Esta igualdade, porém, entre a renda e o lucro do feno e do cereal, da terra cujo produto imediato é comida para o gado, e daquela cujo produto imediato é comida para os homens, deve ser entendida como tendo lugar apenas na maior parte das terras cultivadas de um grande país. Em algumas situações locais particulares, ocorre bem o contrário, e a renda e o lucro do feno são muito superiores ao que pode ser conseguido pelo cereal.
Assim, nas vizinhanças de uma grande cidade, a demanda de leite e forragem para cavalos usualmente contribui, junto com o alto preço da carne, para elevar o valor do feno acima do que pode ser chamada sua proporção natural para com o cereal. Esta vantagem local, é evidente, não pode ser comunicada às terras distantes.
Circunstâncias particulares por vezes tornaram certas regiões tão populosas que todo o território, como as terras nas vizinhanças de grandes cidades, não foram suficientes para proporcionar o feno e o cereal necessários para a subsistência de seus habitantes. Suas terras, então, foram empregadas principalmente na produção de feno, a mercadoria mais volumosa, e que não pode ser tão facilmente trazida de uma grande distância; o cereal, a comida da grande maioria do povo, veio a ser principalmente importado de países estrangeiros. A Holanda está atualmente nesta situação, e uma parte considerável da antiga Itália parece ter sido assim durante a prosperidade dos romanos. A boa alimentação, como dizia Catão, pelas palavras de Cícero, era a primeira e mais lucrativa atividade na administração de uma terra; alimentação tolerável, a segunda; e a má alimentação, a terceira. A aradura, ele colocava apenas em quarto lugar, quanto a lucros e vantagens. A aradura, de fato, naquela parte da antiga Itália que ficava nas vizinhanças de Roma, deve ter sido muito desencorajada pelas distribuições de cereal que frequentemente eram feitas ao povo, grátis ou a preço muito baixo. Este cereal era trazido das províncias conquistadas, das quais várias, em vez de impostos, eram obrigadas a fornecer o dízimo de seu produto a um preço estabelecido, cerca de seis pence o celamim, à república. O baixo preço a que este cereal era distribuído ao povo necessariamente deve ter abaixado o preço do que poderia ser levado ao mercado romano vindo do Lácio, ou o antigo território de Roma, e deve ter desencorajado seu cultivo naquela região.
Num campo aberto, também, cujo principal produto seja o cereal, um pedaço bem delimitado de grama frequentemente dará renda maior que qualquer campo de cereal seu vizinho. É conveniente para a manutenção do gado empregado no cultivo do cereal, e sua alta renda é, neste caso, paga não propriamente pelo valor de seu próprio produto, mas pelo das terras cerealíferas cultivadas por seu intermédio. A renda pode cair, se as terras vizinhas forem completamente isoladas. A atual renda elevada de terra isolada na Escócia parece dever-se à escassez deste isolamento, e não durará mais que esta escassez. A vantagem da terra cercada é maior para o pasto que para o cereal. Economiza o trabalho, também, de guardar o gado, que se alimenta melhor, também quando não pode vir a ser perturbado pelo pastor ou seu cão.
Mas onde não há vantagem local desta espécie, a renda e o lucro do cereal, ou qualquer que seja a comida vegetal comum do povo, deve naturalmente regular, conforme a terra apta à sua produção, a renda e o lucro do pasto.
O uso de pastos artificiais, nabos, cenouras, repolhos e outros expedientes que concorreram para fazer uma mesma extensão de terra alimentar um rebanho maior do que com o pasto natural, deve reduzir um tanto, deve-se esperar, a superioridade que, num campo cultivado, o preço da carne tem naturalmente sobre o do pão. Parece, concomitantemente, ter sido assim; e há alguma razão para acreditar que, pelo menos no mercado de Londres, o preço da carne no varejo, em proporção ao preço do pão, está bem menor agora do que estava no começo do século passado.
No apêndice à Vida do Príncipe Henry, o dr. Birch nos deu um relato dos preços da carne, como era comumente paga por aquele príncipe. Lá é dito que os quatro quartos de um boi pesando seiscentas libras usualmente lhes custavam nove libras e dez shillings, ou aproximadamente; isto é, 31 shillings e oito pence por cem libras de peso. O príncipe Henry morreu a 6 de novembro de 1612, no 19º ano de sua vida.
Em março de 1764, houve uma investigação parlamentar das causas do alto preço das vitualhas naquela época. Entre outras provas para o mesmo fim, foi evidenciado por um mercador de Virgínia que em março de 1763 ele abastecera seus navios a 24 ou 25 shillings por cem libras de carne, o que ele considerava o preço ordinário; ao passo que naquele ano de carestia, pagou 27 shillings pelo mesmo preço, aproximadamente. Este alto preço em 1764 é, porém, quatro shillings e oito pence mais baixo que o preço ordinário pago pelo príncipe Henry; e é o melhor bife apenas, deve-se observar, que se presta a ser salgado para aquelas longas viagens.
O preço pago pelo príncipe Henry totaliza 3 3/4d. por libra de toda a carcaça, e miúdos juntos; e àquela cotação, as melhores peças não poderiam ser vendidas a varejo a menos de 4 1/2d. ou 5d. a libra.
Na investigação parlamentar de 1764, as testemunhas afirmaram que o preço das melhores peças do melhor bife era para o consumidor, 4d. e 4 1/4d. por libra; e as peças piores em geral, de sete farthings a 2 1/2d. e 2 3/4d.; e isto, disseram, era em geral meio penny mais caro que o preço das mesmas peças do mês de março. Mas mesmo este alto preço é ainda bem mais barato que o que podemos supor ser o preço ordinário do varejo no tempo do príncipe Henry.
Durante os primeiros 12 anos do último século, o preço médio do melhor trigo no mercado de Windsor era £1 18s. 3 1/6d. o quarto de nove alqueires de Winchester.
Mas, nos 12 anos precedendo 1764, inclusive este ano, o preço médio da mesma medida do melhor trigo, no mesmo mercado, foi £2 s, 9 1/2d.
Nos 12 primeiros anos do último século, então, os preços do trigo parecem ter sido bem mais baixos, e a carne, bem mais cara, do que nos 12 anos que precederam 1764, inclusive este.
Em todos os grandes países, a maior parte das terras cultivadas é empregada para produzir comida para os homens ou para o gado. A renda e o lucro destas regulam a renda e o lucro de toda outra terra cultivada. Se qualquer outro produto desse menos, a terra logo seria dedicada ao cereal ou ao pasto; e se alguma desse mais, alguma parte das terras cerealíferas ou de pastagem logo seria utilizada para aquele produto.
Aquelas produções, com efeito, que requerem ou uma grande despesa original de melhorias, ou uma grande despesa anual de cultivo, para lhes adequar a terra, parecem mais comumente permitir uma maior renda; outra, um maior lucro que cereal ou pastagens. Esta superioridade, porém, dificilmente somará mais do que um razoável interesse ou compensação por esta despesa superior.
Num campo de lúpulo, num pomar, numa horta, a renda do proprietário e o lucro do lavrador são geralmente maiores que num campo de cereal ou num pasto. Mas trazer a terra para esta condição requer maior despesa. Donde uma maior renda passar a ser devida ao proprietário. Requer, também, uma administração mais atenta e habilidosa. Portanto, maior lucro é devido ao lavrador. A colheita também, pelo menos no caso do lúpulo e das frutas, é mais precária. Seu preço, portanto, além de compensar todas as perdas ocasionais, deve proporcionar algo como o lucro do seguro. As circunstâncias dos floricultores geralmente parcas, e sempre moderadas, podem nos mostrar que sua grande engenhosidade não é comumente supercompensada. Sua deliciosa arte é praticada por tantas pessoas ricas, por diversão, que pouca vantagem pode ser retirada por aqueles que a praticam por lucro; porque as pessoas que naturalmente deveriam ser seus melhores fregueses, suprem-se com todas as suas preciosas produções.
A vantagem que o proprietário deriva de tais melhorias nunca parece ser maior do que o que foi suficiente para compensar o risco inicial de executá-las. Na agricultura antiga, depois da vinha, uma horta bem regada parece ter sido parte da lavoura que se supõe ter fornecido a produção mais valiosa. Mas Demócrito, que escreveu sobre a agricultura, cerca de dois mil anos atrás, e que foi visto pelos antigos como um dos pais da arte, pensava que não agia sabiamente aquele que cercava uma horta. O lucro, dizia ele, não compensaria a despesa de um muro de pedra; e tijolos (ele queria dizer, suponho, tijolos cozidos ao sol) derretiam-se com a chuva e com a tempestade de inverno, e requeriam contínuos reparos. Columella, que relata este julgamento de Demócrito, não o contradiz, mas propõe um método mui frugal para cercar, com uma sede de sarças e urzes, que, diz ele, achou, por experiência, ser uma cerca duradoura e impenetrável, mas, ao que parece, não era comumente conhecida no tempo de Demócrito. Palladius adota o parecer de Columella, que antes fora recomendado por Varrão. No alvitre daqueles cultivadores antigos, o produto de uma horta, parece, fora pouco mais que suficiente para pagar o cultivo extraordinário e despesas de irrigação; pois em países tão perto do sol, achava-se próprio, naqueles tempos como hoje, ter o controle de uma correnteza de água que poderia ser conduzida a cada canteiro da horta. Na maior parte da Europa, uma horta, atualmente, não se supõe que mereça um cercado melhor que aquele recomendado por Columella. Na Grã-Bretanha, e em alguns outros países nórdicos, os frutos mais finos não podem ser trazidos à perfeição senão com a assistência de um muro. Seu preço, portanto, nesses países, deve ser suficiente para pagar a despesa de construir e manter o que é indispensável. O muro frequentemente rodeia a horta, que assim goza do benefício de um cercado que seu próprio produto dificilmente poderia pagar.
Que o vinhedo, quando bem plantado e trazido à perfeição, era a parte mais valiosa da propriedade, parece ter sido máxima inquestionada na antiga agricultura, como na moderna, em toda região vinhateira. Mas se era vantajoso plantar nova vinha era questão de disputa entre os antigos agricultores italianos, como aprendemos com Columella. Ele decide, como verdadeiro amante de todo cultivo valioso, em favor da vinha, e procura demonstrar, por uma comparação do lucro e da despesa, que era um aperfeiçoamento dos mais vantajosos. Tais comparações, porém, entre o lucro e a despesa de novos projetos, amiúde são falazes, e mais que tudo, na agricultura. Se o ganho realmente feito por tais plantações fosse tão grande, usualmente, como ele imaginou, não haveria disputa a este respeito. O mesmo assunto é hoje muitas vezes controvertido, nos países vinhateiros. Seus autores sobre agricultura, de fato, os amantes e promotores do alto cultivo, parecem geralmente dispostos a decidir junto com Columella, em favor da vinha. Na França, a ansiedade dos produtores das antigas vinhas, para evitar a plantação de novas, parece favorecer sua opinião, e indicar a consciência, naqueles que têm experiência, que esta espécie de cultivo é atualmente, naquele país, mais lucrativa que qualquer outra. Simultaneamente, parece, para indicar outra opinião, que este lucro superior não pode durar mais que as atuais leis que restringem o livre cultivo do vinhedo. Em 1731, os cultivadores conseguiram uma ordem do conselho, proibindo a plantação de novos vinhedos e a renovação dos velhos, cujo cultivo tivesse sido interrompido por dois anos, sem uma permissão particular do rei, a ser concedida apenas por uma informação do intendente da província, certificando que examinara a terra e que esta é incapaz de qualquer outro cultivo. A pretensão desta ordem era a escassez de cereal e pastagem e a superabundância da vinha. Mas se esta superabundância fosse real, ela mesma, sem nenhuma ordem do conselho, evitaria eficazmente a plantação de novos vinhedos, reduzindo os lucros desta espécie de cultivo abaixo de sua proporção natural em relação ao cereal e às pastagens. Em relação à suposta escassez do cereal, ocasionada pela multiplicação dos vinhedos, o cereal, em toda a França, não é cultivado com mais cuidado do que na região dos vinhedos, onde a terra pode produzi-lo; como na Borgonha, em Guieno e no Alto Languedoc. Os numerosos operários empregados numa espécie de cultivo, naturalmente encorajam a outra, fornecendo rápida comercialização para seu produto. Diminuir o número daqueles capacitados a pagar por ela, é certamente um expediente pouco prometedor para encorajar o cultivo do cereal. É como a política que promoveria a agricultura, desencorajando as manufaturas.
Logo, a renda e o lucro daquelas produções, que requerem uma maior despesa inicial de melhoramento para adequar-lhes a terra, ou uma maior despesa anual de cultivo, se bem que muito superior aos do cereal e dos pastos, mesmo quando não mais que compensam tais despesas extraordinárias, são na realidade regulados pela renda e o lucro dos cultivos comuns.
É verdade que às vezes acontece que a quantidade de terra que pode ser preparada para algum produto em particular é muito pequena para suprir a demanda efetiva. Toda a produção pode ser passada para aqueles que estão dispostos a dar algo mais do que o suficiente para pagar toda a renda, salários e lucro, necessários ao cultivo e ao transporte ao mercado, de acordo com suas cotações naturais ou de acordo com as taxas às quais são pagas na maioria das outras terras cultivadas. O excesso do preço que permanece depois de descontar toda a despesa do melhoramento e cultivo pode, comumente, neste caso, e apenas neste, não ter proporção regular com o excesso similar de cereal ou pastagem, mas pode excedê-lo em quase qualquer grau, e a maior parte deste excesso naturalmente vai para a renda do proprietário.
A proporção usual e a natural, por exemplo, entre a renda e o lucro da vinha e os do cereal e pastagens deve ser entendida como tendo lugar apenas em relação àqueles vinhedos que nada produzem senão a boa vinha comum, que pode ser plantada quase em todo lugar, em solo leve, arenoso, ou pedregoso, e que nada tenha para recomendá-lo senão sua resistência e salubridade. É apenas com tais vinhedos que a terra comum do campo pode ser tornada competitiva; pois com aquelas de qualidade especial, é evidente que não pode.
A vinha é mais afetada pela diferença de solos que qualquer outra árvore frutífera. De alguns deriva um saber que nenhum cultivo ou cuidado pode igualar, supõe-se, a nenhum outro. Este sabor, real ou imaginário, é por vezes peculiar ao produto de uns poucos vinhedos; por vezes, estende-se pela maior parte de um pequeno distrito, e por vezes, por parte considerável de uma grande província. Toda a quantidade de tais vinhos que é trazida ao mercado fica aquém da demanda efetiva, ou a demanda daqueles que estariam dispostos a pagar toda a renda, lucro e salários necessários para sua preparação e transporte, de acordo com a cotação ordinária ou de acordo com a cotação pela qual são pagos nos vinhedos comuns. Toda a quantidade, portanto, pode ser passada àqueles que se dispõem a pagar mais, que necessariamente eleva o preço acima do do vinho comum. A diferença é maior ou menor de acordo com a qualidade e raridade do vinho, que torna mais ou menos intensa a competição dos compradores. Seja qual for, a maior parte vai para a renda do proprietário. Pois, mesmo sendo tais vinhedos mais cuidadosamente cultivados do que a maioria dos outros, o alto preço do vinho parece não ser tanto o efeito como a causa deste cuidadoso cultivo. Num produto tão valioso, a perda ocasionada por negligência é grande a ponto de forçar mesmo os mais descuidosos à atenção. Uma pequena parte deste alto preço é então suficiente para pagar os salários do trabalho extraordinário dedicado a seu cultivo, bem como os lucros do capital extraordinário que movimenta aquele trabalho.
As colônias açucareiras possuídas pelas nações europeias nas Índias Ocidentais podem ser comparadas àqueles vinhedos preciosos. Toda sua produção fica aquém da demanda efetiva da Europa, e pode ser passada àqueles que estão dispostos a dar mais do que é o suficiente para pagar toda a renda, lucro e salários necessários à sua preparação e transporte ao mercado, de acordo com a taxa à qual são normalmente pagas por qualquer outro produto. Na Cochinchina, o mais fino açúcar branco é comumente vendido por três piastras o quintal, cerca de 13 shillings e seis pence “de nosso dinheiro, como nos é contado pelo sr. Poivre,1 um mui cuidadoso observador da agricultura daquele país. O que lá é chamado quintal, pesa de 150 a 200 libras de Paris, ou 175 libras de Paris em média, o que reduz o peso do hundredwight inglês a cerca de oito shillings esterlinos, o que não é uma quarta parte do que é comumente pago pelos açúcares castanhos, ou mascavos, importados de nossas colônias, e nem um sexto do que é pago pelo mais fino açúcar branco. A maior parte das terras cultivadas na Cochinchina é empregada na produção de cereal e arroz, o alimento da grande maioria da população. Os preços respectivos de cereal, arroz e açúcar, lá, provavelmente estão na proporção natural, ou naquela que ocorre naturalmente nas várias colheitas da maioria das terras cultivadas, e que recompensa o lavrador e o proprietário tanto quanto pode ser calculado, de acordo com o que é usualmente a despesa original do melhoramento e a despesa anual do cultivo. Mas, em nossas colônias açucareiras, o preço do açúcar não tem tal proporção com a da produção de um campo de arroz ou de cereal, na Europa ou na América. Diz-se comumente que um plantador de açúcar deve amortizar toda a despesa de seu cultivo, e que seu açúcar todo deve ser lucro líquido. Se isto é verdade, pois não pretendo afirmá-lo, é como se um plantador de cereal esperasse amortizar a despesa de seu cultivo com a palha e o debulho, e que o grão todo fosse lucro líquido. Vemos frequentemente sociedades de mercadores em Londres e outras cidades mercantis comprar terra inculta em nossas colônias de açúcar, que esperam tratar e cultivar com lucro por meio de feitores e agentes, apesar da grande distância e retornos incertos da administração falha da justiça naqueles lugares. Ninguém tentará melhorar e cultivar do mesmo modo as terras mais férteis da Escócia, da Irlanda, ou das províncias cerealíferas da América do Norte, se bem que se possam esperar mais exata administração da justiça causando retornos mais regulares naquelas regiões.
Em Virgínia e Maryland, o cultivo do tabaco é preferido, como mais lucrativo, ao do cereal. O tabaco poderia ser cultivado vantajosamente na maior parte da Europa, mas aqui, em quase todo lugar, tornou-se particularmente sujeito a taxação, e coletar uma taxa de cada propriedade, no campo, onde esta planta poderia estar sendo cultivada, seria mais difícil, supôs-se, do que arrecadar uma sobre sua importação, na alfândega. Por causa disto, o cultivo do tabaco foi absurdamente proibido na maior parte da Europa, o que necessariamente dá uma espécie de monopólio aos países onde é permitido; e como Virgínia e Maryland produzem a maior quantidade dele, compartilham largamente, se bem que com alguns competidores, as vantagens deste monopólio. O cultivo do tabaco, porém, parece não ser tão vantajoso como o do açúcar. Nunca sequer ouvi dizer de alguma plantação de tabaco que fosse aperfeiçoada e cultivada pelo capital de comerciantes que residissem na Grã-Bretanha, e nossas colônias não nos enviam plantadores tão ricos como os que vemos habitualmente chegar de nossas colônias açucareiras. Apesar da preferência dada naquelas colônias, ao cultivo do tabaco em vez do cereal, pareceria que a demanda efetiva de tabaco, na Europa, não é completamente suprida, e é mais do que a do açúcar, provavelmente; e mesmo sendo o preço atual do tabaco provavelmente mais do que o suficiente para pagar a renda, salários e lucro necessários para prepará-lo e trazê-lo ao mercado, de acordo com a cotação a que são pagos na terra cerealífera, não deve estar muito acima do preço atual do açúcar. Nossos cultivadores de tabaco, concomitantemente, mostraram o mesmo temor da superabundância de tabaco que os proprietários das antigas vinhas da França têm da superabundância do vinho. Por uma assembleia, restringiram seu cultivo a seis mil plantas, supostamente fornecendo mil libras de tabaco, para cada negro entre 16 e sessenta anos de idade. Tal negro, bem acima desta quantidade de tabaco, pode cuidar, admite-se, de quatro acres de milho. Para evitar superabundância no mercado, nos anos abundantes, como nos é contado pelo dr. Douglas2 (suspeito estar ele mal informado), algumas vezes queimaram uma certa quantidade de tabaco para cada negro, do mesmo modo que se diz que os holandeses fazem com as especiarias. Se tais métodos violentos são necessários para manter o preço atual do tabaco, a vantagem superior desta cultura sobre a do cereal, se ainda tem alguma, não poderá continuar por longo tempo.
Destarte, a renda da terra cultivada, cujo produto é o alimento humano, regula a renda da maioria das outras terras cultivadas. Nenhum produto particular pode deixar de pagá-la, porque então a terra seria imediatamente voltada para outro uso. E se qualquer produto, em particular, comumente paga mais, é porque a quantidade de terra que pode ser preparada para ele é muito pequena para suprir a demanda efetiva.
Na Europa, o cereal é o principal produto da terra que serve imediatamente para a alimentação humana. Exceto em situações particulares, portanto, a renda da terra cerealífera regula, na Europa, a de toda outra terra cultivada. A Inglaterra não precisa invejar os vinhedos da França nem os olivais da Itália. Exceto por situações particulares, o valor destes é regulado pelo do cereal, no que a fertilidade da Inglaterra não é muito inferior à de qualquer daqueles países.
Se em qualquer país, a comida vegetal comum e preferida do povo fosse tirada de uma planta da qual a terra mais comum, com a mesma ou quase a mesma cultura, produzisse muito maior quantidade que a mais fértil dá com o cereal, a renda do proprietário, ou a quantidade de comida em excesso que lhe restaria, depois de pagar o trabalho e substituir o capital do lavrador, bem como seus lucros ordinários, necessariamente seria muito maior. Qualquer que fosse a taxa à qual o trabalho fosse comumente mantido naquele país, este excesso sempre seria mantido por si mesmo, e, por conseguinte, permitiria ao proprietário comprar ou controlar uma maior quantidade dele. O valor real de sua renda, seu verdadeiro poder e autoridade, seu controle das necessidades e comodidades da vida com que o trabalho de outras pessoas poderia suprir-lhe, necessariamente seria muito maior.
Um campo de arroz produz muito maior quantidade de alimento que o mais fértil campo de cereal. Duas colheitas ao ano, de trinta a sessenta alqueires cada, diz-se ser o produto comum de um acre. Seu cultivo, apesar de requerer mais trabalho, um excesso muito maior resta depois da aplicação de todo aquele trabalho. Nos países produtores de arroz, portanto, onde este é o alimento vegetal mais comum e preferido do povo, e onde os cultivadores se mantêm principalmente com ele, uma maior fração deste excesso pertenceria ao proprietário do que nos países cerealíferos. Na Carolina, onde os planta dores, como em outras colônias britânicas, são geralmente tanto os lavradores quanto os proprietários, e onde a renda é consequentemente confundida com o lucro, o cultivo do arroz é considerado como mais lucrativo que o do cereal, mesmo seus campos produzindo uma só colheita ao ano, e mesmo, pela prevalência dos costumes europeus, o arroz não ser lá o alimento vegetal comum e favorito do povo.
Um bom campo de arroz é um charco em todas as estações, e numa delas, um charco coberto de água. Não se presta aos cereais, ou pastagens, ou vinhedos, ou, na verdade, para qualquer outra produção vegetal que seja útil ao homem; e as terras que se prestam para estes fins, não se prestam para o arroz. Mesmo nos países do arroz, então, a renda das terras para o arroz não pode regular a renda das outras terras cultivadas, que nunca poderiam ser convertidas para aqueles outros produtos.
O alimento produzido por um campo de batatas não é inferior, em quantidade, àquele produzido por um campo de arroz, e muito superior ao que é produzido por um campo de trigo. Doze mil libras de batata de um acre de terra não é uma produção maior que duas mil libras de trigo. A comida, ou alimento sólido, com efeito, que pode ser retirada de cada uma daquelas duas plantas, não está totalmente em proporção a seu peso, por causa da natureza aquosa das batatas. Concedendo, pois, metade de peso desta raiz como sendo água, uma margem bastante grande, um tal acre de batatas ainda produzirá seis mil libras de alimento sólido, três vezes a quantidade produzida por um acre de trigo. Um acre de batatas é cultivado com menos despesa que um acre de trigo; o alqueive, que geralmente precede a semeadura do trigo, mais do que compensado o sachar e outros cuidados extraordinários que são sempre dedicados às batatas. Se esta raiz, em qualquer parte da Europa, se tornar o mesmo que o arroz, para os países que o cultivam, o alimento vegetal comum e favorito do povo, de modo a ocupar a mesma proporção das terras na aradura que o trigo e outras espécies de grão para alimentação humana na atualidade, a mesma quantidade de terra cultivada manteria número muito maior de pessoas, e os trabalhadores, sendo geralmente alimentados com batatas, um maior excesso restaria após substituir todo o capital e manter todo o trabalho empregado no cultivo. Uma maior fração deste excesso, também, caberia ao proprietário. A população aumentaria, e as rendas se elevariam muito além do que são atualmente.
A terra adequada para batatas é adequada para quase qualquer outro vegetal útil. Se ocupassem a mesma proporção de terra cultivada que o cereal ocupa atualmente, regulariam, do mesmo modo, a renda da maioria das outras terras cultivadas.
Em algumas partes do Lancashire acredita-se, segundo me foi contado, que o pão de aveia é uma comida mais substanciosa para os trabalhadores que o pão de farinha de trigo, e ouvi frequentemente a mesma doutrina sustentada na Escócia. Entretanto, tenho algumas dúvidas quanto à verdade disto. O povo comum da Escócia, alimentado com aveia, em geral não é tão forte nem tão bem aparentado quanto a gente do mesmo nível na Inglaterra, que se alimenta de pão de farinha de trigo. Tampouco trabalham tão bem, ou têm tão boa aparência; e como não há a mesma diferença entre a gente de bem entre os dois países, a experiência pareceria demonstrar que a comida da gente comum na Escócia não é tão adequada à constituição humana como a de seus vizinhos do mesmo nível na Inglaterra. Mas parece ser diferente com as batatas. Os trabalhadores braçais, carregadores, em Londres, e aquelas mulheres infelizes que vivem da prostituição, os homens mais fortes e as mulheres mais belas, talvez, dos domínios ingleses, diz-se que na maioria são das classes inferiores da Irlanda, que geralmente se alimentam com essa raiz. Nenhum alimento pode fornecer prova mais decisiva de sua qualidade nutritiva, ou de sua peculiar adequação à saúde da constituição humana.
É difícil preservar batatas ao longo do ano, e impossível armazená-las como o cereal, por dois ou três anos inteiros. O receio de não poder vendê-las antes que apodreçam desencoraja seu cultivo, e talvez seja o principal obstáculo a se tornarem, em qualquer grande país, como o pão, o principal alimento vegetal de todas as classes do povo.
PARTE 2
DO PRODUTO DA TERRA QUE POR VEZES FORNECE, E POR VEZES NÃO FORNECE RENDA O alimento humano parece ser o único produto da terra que sempre e necessariamente fornece alguma renda ao proprietário. Outras espécies de produtos às vezes podem, às vezes não podem, de acordo com as várias circunstâncias.
Depois da alimentação, vestuário e habitação são as duas grandes necessidades da humanidade.
A terra, em seu estado original rústico, pode fornecer os materiais de vestuário e habitação a um número muito maior de pessoas do que pode alimentar. Em seu estado cultivado, por vezes pode alimentar um número muito maior de pessoas do que pode suprir aqueles materiais; pelo menos do modo como são requeridos, e como podem ser pagos. Num estado há então sempre uma superabundância daqueles materiais, que, por causa disto, são de pouco ou nenhum valor. No outro, é comum a escassez, o que necessariamente aumenta seu valor. Num estado, boa parte deles é atirada fora como inútil, e o preço do que é usado é considerado igual apenas ao trabalho e a despesa de adequá-lo ao uso, não podendo, pois, fornecer renda ao proprietário. No outro, são totalmente utilizados, e é frequente a demanda maior do que se pode conseguir. Sempre há alguém a dar mais do que o suficiente para pagar a despesa de trazê-los ao mercado. Seu preço, portanto, sempre pode proporcionar alguma renda ao proprietário.
As peles dos grandes animais eram os materiais originais da vestimenta. Nas nações de caçadores e pastores, cuja comida consiste principalmente da carne desses animais, cada homem, obtendo sua própria comida, proporciona a si mesmo o material de mais roupas do que ele pode vestir. Se não houvesse comércio exterior, a maior parte delas seria lançada fora, como coisa sem valor. Este era provavelmente o caso nas nações de caçadores da América do Norte, antes de seu país ser descoberto pelos europeus, com quem agora eles trocam seu excesso de peles por cobertores, armas de fogo e brandy, o que dá às peles algum valor. No atual estado comercial do mundo conhecido, as nações mais bárbaras, creio, dentre as quais se estabelece a propriedade da terra, têm algum comércio exterior deste tipo, e acham, entre seus vizinhos mais ricos, uma tal demanda por todos os materiais de vestimenta que sua terra produz, e que não pode ser processado nem consumido em sua própria nação, que eleva seu preço acima do custo de enviá-las a seus vizinhos mais ricos. Passa, pois, a fornecer renda ao proprietário. Quando a maior parte do gado das terras altas foi consumida em suas próprias colinas, a exportação de seus quartos era o item mais considerável do comércio daquele país, e aquilo pelo que eram trocados dava alguma adição à renda das propriedades das terras altas. A lã da Inglaterra, que nos velhos tempos não podia ser consumida nem manufaturada aqui mesmo, encontrou um mercado no então mais rico e industrioso país de Flandres, e seu preço proporcionava algo à renda da terra que a produzia. Nos países não mais cultivados do que era então a Inglaterra, ou do que as terras altas da Escócia agora são, e que não tinham comércio exterior, os materiais de vestimenta evidentemente seriam tão superabundantes que uma boa parte deles seria lançada fora como inútil, e nenhuma fração forneceria renda alguma ao proprietário.
Os materiais para as casas nem sempre podem ser transportados a uma distância tão grande quanto aqueles das roupas, e não se tornam tão prontamente um objeto de comércio exterior. Quando são superabundantes no país que os produz, frequentemente acontece, mesmo no atual estado comercial do mundo, que não são de valor para o proprietário. Uma boa pedreira nas cercanias de Londres daria uma renda considerável. Em muitas partes da Escócia e de Gales, não dá nenhuma. Madeira seca para construção é de grande valor num país populoso e bem cultivado, e a terra que a produz fornece renda considerável. Mas, em muitas partes da América do Norte, o proprietário agradeceria muito a alguém que levasse embora a maioria de suas grandes árvores. Em algumas partes das terras altas da Escócia, a casca é a única parte da madeira que, por falta de estradas e vias fluviais, pode ser enviada ao mercado. A madeira é deixada a apodrecer, no chão. Quando os materiais da habitação são tão superabundantes, a parte utilizada vale apenas o trabalho e a despesa de prepará-la para aquele uso. Não dá renda para o proprietário, que geralmente concede seu uso para quem quer que se dê ao trabalho de pedir-lhe. A demanda das nações mais ricas, por outro lado, por vezes lhe permite ganhar alguma renda por ela. A pavimentação das ruas de Londres permitiu aos proprietários de alguns rochedos estéreis nas costas da Escócia retirar uma renda daquilo que nunca a forneceu antes. Os bosques da Noruega e do litoral do Báltico acham mercado em muitas partes da Grã-Bretanha que não poderiam achar em seu país, permitindo alguma renda a seus proprietários.
Os países são populosos não em proporção ao número de pessoas cujo produto pode vestir e alojar, mas em proporção àqueles a que pode alimentar. Urna vez garantida a comida, é fácil achar a roupa e o alojamento necessários. Mas, mesmo com estes à mão, pode ser bem difícil achar comida. Em algumas partes mesmo dos domínios britânicos, o que é chamado de casa pode ser construído pelo trabalho de um dia de um homem. A espécie mais simples de vestimenta, as peles de animais, requerem um pouco mais de trabalho para curti-las e prepará-las para uso. Mas não requerem muito mais trabalho. Entre as nações selvagens e bárbaras, um centésimo ou pouco mais que isto, do trabalho de todo o ano, será necessário para provê-las com vestuário e alimentação que satisfaça a maioria da população. Todas as outras 99 partes são, geralmente, não mais que o suficiente para provê-las com alimento.
Mas, quando pelo aperfeiçoamento e cultivo da terra, o trabalho de uma família pode proporcionar comida para duas, o trabalho de metade da sociedade torna-se suficiente para proporcionar comida para todos. Logo, a outra metade, ou pelo menos sua maioria, pode ser empregada para fazer outras coisas, ou satisfazer as outras necessidades e gostos da humanidade. Vestimenta e habitação, mobília de casa, e o que é chamado equipagem, são os principais objetos da maior parte daquelas necessidades e gostos. O homem rico consome não mais comida que seu vizinho pobre. Na qualidade, pode ser muito diferente, e assim, selecioná-la e prepará-la pode exigir mais trabalho e arte; mas na quantidade é muito aproximadamente a mesma. Mas compare-se o espaçoso palácio e o grande guarda-roupa de um com a choupana e os poucos trapos do outro, e se poderá notar que a diferença entre suas roupas, casas e mobília doméstica é quase tão grande em quantidade como em qualidade. O desejo de comida é limitado em todo homem, pela estreita capacidade do estômago humano, mas o desejo de comodidades e ornamentos das construções, roupas, equipagem e mobília doméstica parece não ter limite ou fronteira certa. Aqueles que então têm o controle de mais comida que eles mesmos podem consumir, sempre estão desejosos de trocar o excesso, ou o que dá na mesma, seu preço, por gratificações desta ou de outra espécie. O que está muito acima de satisfazer o desejo limitado é dado para a satisfação daqueles desejos que não podem ser satisfeitos, mas parecem ser intermináveis. Os pobres, para conseguirem comida, esforçam-se para gratificar os gostos dos ricos, e para consegui-lo mais certamente, rivalizam uns com os outros no baixo preço e perfeição de seu trabalho. O número de trabalhadores aumenta juntamente com a qualidade da comida, ou com o crescente aperfeiçoamento e cultivo das terras; e como a natureza de seu negócio admite a máxima divisão do trabalho, a quantidade de materiais que podem trabalhar aumenta numa proporção muito maior que o seu número. Daí surgir uma demanda por todo tipo de material que a invenção humana pode empregar, útil ou ornamentalmente, na construção, no vestuário, ou na mobília doméstica, equipagem, pelos fósseis e minerais contidos nas entranhas da terra, pelos metais preciosos e pelas pedras preciosas.
A comida, assim sendo, não só é a fonte original de renda, mas toda outra parte do produto da terra que depois proporciona renda deriva aquela parte de seu valor do aperfeiçoamento da capacidade do trabalho de produzir comida por meio do aperfeiçoamento e cultivo da terra.
Aquelas outras partes do produto da terra, porém, que depois proporcionam renda nem sempre o fazem. Mesmo nos países adiantados e cultivados, a demanda por ela nem sempre é tal de modo a permitir um preço maior do que o suficiente para pagar o trabalho, e substituir, junto com os lucros ordinários, o capital que deve ser empregado para trazê-las ao mercado. Se é ou não assim, depende de circunstâncias diversas.
Se uma mina de carvão, por exemplo, pode fornecer alguma renda, depende parcialmente de sua fertilidade e parcialmente de sua situação.
Uma mina de qualquer espécie pode ser dita fértil ou estéril, de acordo com a quantidade de mineral que dela pode ser retirada, por uma certa quantidade de trabalho, que é maior ou menor da que pode ser retirada por uma igual quantidade da maior parte de outras minas da mesma espécie.
Algumas minas de carvão, localizadas vantajosamente, não podem ser exploradas devido à sua esterilidade. A produção não paga a despesa. Não podem dar lucro nem renda.
Há algumas cujo produto mal é suficiente para pagar o trabalho, e recolocar, junto com os lucros ordinários, o capital empregado em seu trabalho. Fornecem algum lucro ao empreendedor do trabalho, mas nenhuma renda ao proprietário. Só podem ser trabalhadas vantajosamente pelo proprietário, que, sendo ele mesmo o empreiteiro do trabalho, ganha o lucro ordinário do capital que emprega nele. Muitas minas de carvão da Escócia são assim exploradas, não podendo sê-lo de outra maneira. O proprietário não permitirá que ninguém mais trabalhe nelas sem pagar alguma renda, o que ninguém pode pagar.
Outras minas de carvão, no mesmo país, suficientemente férteis, não podem ser exploradas por causa de sua situação. Uma quantidade de mineral suficiente para amortizar a despesa do trabalho poderia ser trazida da mina pela quantidade de trabalho ordinária, ou mesmo menos, mas numa região do interior, escassamente habitada e sem boas estradas ou vias fluviais, esta quantidade não poderia ser vendida.
Os carvões são um combustível menos agradável que a lenha; diz-se que são mais insalubres também. A despesa com carvão, portanto, no local onde é consumido, deve geralmente ser um pouco inferior à da madeira.
O preço da madeira também varia com o estado da agricultura, quase da mesma maneira, e exatamente pela mesma razão, que o preço do gado. Nos seus primórdios, a maior parte de um país é coberta com madeira, que é então um simples estorvo sem valor para o proprietário, que a daria a alguém de bom grado para cortar. Com o avanço da agricultura, a floresta é parcialmente aberta pelo progresso da aradura; e em parte decai pelo aumento do gado. Este, se bem que não aumente na mesma proporção que o cereal, que é totalmente aquisição da indústria humana, ainda se multiplica sob o cuidado e a proteção do homem, que armazena na estação de abundância o que possa mantê-lo na de escassez, e que por todo o ano lhe fornece uma maior quantidade de comida do que a natureza inculta lhe poderia proporcionar, e que, destruindo e extirpando seus inimigos, garante-lhe a livre fruição de tudo que a natureza lhes provê. Numerosos rebanhos, quando deixados a vagar pelo bosque, se bem que não destruam as árvores mais velhas, impedem que as mais jovens cresçam, de modo que no decurso de um século ou dois toda a floresta é arruinada. A escassez de madeira então eleva seu preço. Proporciona boa renda, e o proprietário eventualmente acha que dificilmente teria mais vantagem do que em empregar sua terra para plantar madeira, cujo grande lucro frequentemente compensa o retardo do retorno. Isto parece ser quase o estado atual das coisas em várias partes da Grã-Bretanha, onde o lucro das plantações acha-se quase o mesmo do cereal ou das pastagens. A vantagem que o proprietário deriva da madeira nunca excede, pelo menos por um tempo considerável, a renda que as outras culturas lhe dariam; mas numa região do interior, altamente cultivada, não ficará muito aquém desta renda. No litoral de uma região bem cultivada, se o carvão pode ser obtido com comodidade, para combustível, pode ser mais barato trazer madeira seca para construção, de países estrangeiros menos cultivados, do que explorá-la no próprio país. Na nova cidade de Edimburgo, construída nestes últimos anos, não há, talvez, uma só vareta de madeira escocesa.
Qualquer que seja o preço da madeira, se o do carvão é tal que a despesa de um fogo de carvão é quase igual ao de um de madeira, podemos estar certos de que naquele lugar e circunstâncias, o preço do carvão está tão alto quanto pode ser. Assim parece ser em algumas regiões do interior da Inglaterra, particularmente em Oxfordshire, onde é comum, mesmo nas fogueiras do povo, misturar carvão e madeira, e onde a diferença na despesa com as duas espécies de combustível não pode, portanto, ser muito grande.
O carvão, nas regiões que o produzem, está sempre muito abaixo deste preço mais alto. Se não fosse assim, não poderia tolerar a despesa de um transporte a distância, por terra ou pela água. Só se poderia vender pequena quantidade, e os patrões e proprietários das minas acham mais interessante vender uma grande quantidade a um preço pouco acima do mais baixo do que pequena quantidade ao mais alto. A mina de carvão mais fértil, também, regula o preço do carvão nas outras minas da vizinhança. O proprietário e o empreiteiro acham, um, que pode conseguir maior renda, o outro, que pode conseguir maior lucro, vendendo um pouco mais barato que seus vizinhos. Seus vizinhos logo são obrigados a vender ao mesmo preço, se bem que não possam tolerá-lo tão bem, mesmo diminuindo, ou mesmo levando embora todo seu lucro e renda. Algumas minas são totalmente abandonadas, outras, não podem pagar renda, e podem ser exploradas só pelo proprietário.
O preço mais baixo pelo qual o carvão pode ser vendido por qualquer período considerável é, como o de todas as outras mercadorias, o preço que mal é suficiente para substituir, junto com seus lucros ordinários, o capital que deve ser empregado em trazê-lo ao mercado. Numa mina de carvão pela qual o proprietário não pode ter renda, mas que ele deve explorar por si mesmo, ou deixá-la, o preço do carvão deve geralmente estar perto deste preço.
A renda, sempre que o carvão permite uma, geralmente tem parte menor no seu preço do que na maioria das outras partes do produto bruto da terra. A renda de uma propriedade acima do solo comumente totaliza o que se supõe ser um terço do produto bruto; e é geralmente uma renda certa e independente das variações ocasionais de colheita. Nas minas de carvão, um quinto do produto bruto é uma renda muito grande; um décimo é a renda comum, e raramente é renda certa, mas depende das variações ocasionais da produção. Estas são tão grandes que, numa região onde trinta anos de compra é considerado um preço moderado para a terra, dez anos de lucro é visto como bom preço para a compra de uma mina de carvão.
O valor de uma mina de carvão para o proprietário frequentemente depende tanto de sua situação quanto de sua riqueza. O de uma mina de metais, depende mais de sua riqueza que de sua situação. Os metais grosseiros e, mais ainda, os metais preciosos, quando separados do minério, são tão valiosos que podem suportar geralmente a despesa de um transporte terrestre muito longo e do transporte marítimo mais distante. Seu mercado não fica confinado às regiões nas vizinhanças da mina, mas se estende a todo o mundo. O cobre japonês é artigo comercial na Europa; o ferro da Espanha, no mercado do Chile e do Peru. A prata do Peru acha comprador não só na Europa, mas da Europa à China.
O preço do carvão em Westmoreland, ou no Shropshire pode ter pouco efeito em Newcastle; e seu preço no Lionnois pode não ter efeito algum. A produção de minas tão distantes nunca pode ser competitiva uma com a outra. Mas a produção das minas de metais as mais distantes costumeiramente podem, como ocorre. O preço, portanto, dos metais vulgares, e, mais ainda, dos preciosos, nas minas mais ricas do mundo, deve afetar o preço de todas as outras. O preço do cobre no Japão deve ter alguma influência em seu preço nas minas da Europa. O preço da prata no Peru, ou a quantidade de trabalho ou de outros bens que comprará lá, deve ter alguma influência em seu preço, não só nas minas de prata da Europa, mas nas da China. Depois da descoberta das minas do Peru, as minas de prata da Europa foram, na maioria, abandonadas. O valor da prata ficou tão reduzido que sua produção não mais podia pagar a despesa de sua operação, ou recolocar com lucro, o vestuário, a comida, o alojamento e outras necessidades que eram consumidas naquela operação. Este foi o caso, também, com as minas de Cuba e Santo Domingo, e mesmo com as antigas minas do Peru, depois da descoberta das de Potosí.
O preço de cada metal em cada mina, então, sendo regulado, em alguma medida pelo seu preço na mina mais rica do mundo que esteja sendo explorada, na franca maioria das minas, pode fazer bem pouco além de pagar a despesa do trabalho, e dificilmente daria alta renda ao proprietário. A renda, consequentemente, na maioria das minas parece ser uma pequena fração do preço dos metais comuns, e menor ainda ao dos preciosos. O trabalho e o lucro fazem a maior parte de ambos.
Uma sexta parte do produto bruto pode ser tida como a renda média das minas de estanho da Cornualha, as mais ricas conhecidas no mundo, como nos é dito pelo reverendo Borlace, vice-inspetor das minas de estanho. Algumas pagam mais e algumas nem tanto. Uma sexta parte do produto bruto é a renda, também, de várias minas ricas em chumbo, da Escócia.
Nas minas de prata do Peru, dizem-nos Frezier e Ulloa, o proprietário não exige outra satisfação do empreiteiro da mina, senão de que vai moer o minério em seu moinho, pagando-lhe o preço ordinário da moagem. Até 1736, de fato, a taxa do rei da Espanha chegava a um quinto do padrão de prata, que até então podia ser considerada a renda real da maioria das minas de prata do Peru, as mais ricas conhecidas no mundo. Se não houvesse taxação, este quinto pertenceria ao proprietário das terras, e muitas minas poderiam então passar a ser exploradas, por não poderem pagar esta taxa antes. A taxa do duque da Cornualha sobre o estanho, supõe-se que chegue a mais de 5%, ou um vigésimo do valor; e seja qual for esta proporção, naturalmente pertenceria ao proprietário da mina, se o estanho estivesse livre de imposto. Mas acrescendo-se um vigésimo a um sexto, acha-se que toda a renda média das minas de prata do Peru está como 12 para 13. Mas as minas de prata do Peru não podem agora pagar nem mesmo esta baixa renda, e a taxa sobre a prata foi, em 1736, reduzida de um quinto a um décimo. Mesmo esta taxa sobre a prata também dá mais tentação de contrabandear do que um vigésimo sobre o estanho; e o contrabando deve ser mais fácil com a mercadoria preciosa do que a volumosa. A taxa do rei da Espanha, por conseguinte, diz-se ser muito mal paga, e a do duque da Cornualha, muito bem paga. A renda, portanto, é provável, perfaz uma grande parte do preço do estanho nas mais ricas minas de estanho, do que nas de prata, nas minas de prata mais ricas do mundo. Depois de substituir o capital empregado na operação dessas várias minas, junto com seus lucros ordinários, cujo resíduo para o proprietário é maior, ao que parece, no metal vulgar do que no precioso.
Tampouco são os lucros dos empreiteiros das minas de prata, em geral, muito grandes, no Peru. Os mesmos respeitáveis e bem-informados autores nos informam que, quando uma pessoa enceta a exploração de uma nova mina no Peru, é vista universalmente como alguém destinado à bancarrota e à ruína, e por causa disto é evitada por todos. A mineração, ao que parece, é considerada lá à mesma luz que aqui a loteria, em que os prêmios não compensam o risco, se bem que a magnitude de alguns prêmios tente muitos aventureiros a jogar suas fortunas em projetos tão pouco prósperos.
Como o soberano, no entanto, deriva parte considerável deste rendimento do produto das minas de prata, a lei do Peru dá todo encorajamento possível à descoberta e exploração de novas minas. Quem quer que descubra uma nova mina está autorizado a medir 246 pés de comprimento, de acordo com o que suponha ser a direção do veio, e metade de largura. Torna-se proprietário desta porção da mina, e pode explorá-la sem pagar qualquer obrigação ao proprietário da terra. O interesse do duque da Cornualha deu ocasião a um regulamento quase da mesma natureza, naquele antigo ducado. Em terras desertas e não cercadas, qualquer pessoa que descobrir uma mina de estanho pode marcar seus próprios limites até uma certa extensão, o que é chamado delimitar uma mina. O delimitador torna-se o proprietário real da mina, e pode explorá-la ele mesmo, ou arrendá-la a outrem, sem o consentimento do proprietário da terra, a quem, porém, uma obrigação mínima deve ser paga, quando da exploração. Em ambos os regulamentos, os direitos sagrados da propriedade privada são sacrificados aos supostos interesses da renda pública.
O mesmo encorajamento é dado no Peru à descoberta e exploração de novas minas de ouro; e no ouro, a taxa do rei totaliza apenas um vigésimo do metal-padrão. Já foi um quinto, e depois um décimo, como com a prata; mas descobriu-se que o trabalho não podia suportar nem mesmo a mais baixa daquelas duas taxas. Se é raro, entretanto, dizem os mesmos autores, Frezier e Ulloa, encontrar uma pessoa que tenha feito fortuna pela prata, é ainda muito mais raro encontrar alguém que a tenha feito por uma mina de ouro. Esta vigésima parte parece ser toda a renda paga pela maioria das minas de ouro no Chile e no Peru. O ouro, também, é muito mais viável de ser contrabandeado do que mesmo a prata; não só por causa do valor superior do metal em proporção ao seu volume, mas por causa da maneira peculiar que a natureza o produz. A parte é raramente encontrada nativa, mas como muitos outros metais, é geralmente mineralizada junto com algum outro corpo, do qual é impossível separá-la em quantidades tais que paguem a despesa, senão por uma laboriosa e tediosa operação, que só pode ser levada a bom termo numa oficina construída especialmente, e portanto, exposta à inspeção dos funcionários do rei. O ouro, pelo contrário, é quase sempre encontrado nativo. Por vezes é encontrado em peças de algum volume, e mesmo misturado a mínimas e quase imperceptíveis partículas de areia, terra e outros corpos estranhos, podendo ser separado deles por uma operação muito breve e simples, que pode ser feita em qualquer casa particular por qualquer um que possua uma pequena quantidade de mercúrio. Se a taxa do rei é muito mal paga com a prata, será muito mais mal paga em ouro, e a renda será uma parte muito menor do preço do ouro do que a da prata.
O preço mais baixo pelo qual os metais preciosos podem ser vendidos, ou a menor quantidade de outros bens pelos quais podem ser trocados durante qualquer período considerável, é regulado pelos mesmos princípios que fixam o preço ordinário mais baixo de todos os outros bens. O capital que habitualmente deve ser empregado, a comida, as roupas e o alojamento que devem habitualmente ser consumidos para trazê-los da mina ao mercado, determinam esse preço. Deve pelo menos ser suficiente para substituir aquele capital, com os lucros ordinários.
Seu preço mais alto, por outro lado, parece não ser determinado necessariamente por nada, senão pela escassez real ou abundância daqueles mesmos metais. Não é determinado pelo de qualquer outra mercadoria, tal como o preço do carvão o é pelo da madeira, além do qual nenhuma escassez pode elevá-lo. Aumente-se a escassez do ouro a um certo grau, e seu menor pedaço pode se tornar mais precioso que um diamante, e ser trocado por uma maior quantidade de outros bens.
A demanda por aqueles metais origina-se parcialmente de sua utilidade e parcialmente de sua beleza. Excetuando-se ferro, são mais úteis, talvez, que quaisquer outros metais. Como são menos prováveis de oxidar e sujar, podem ser mantidos limpos mais facilmente, e os utensílios da mesa ou da cozinha são, por isso, muito mais agradáveis quando feitos deles. Uma chaleira de prata é mais limpa que uma de chumbo, cobre ou de estanho; e a mesma qualidade tornaria uma chaleira de ouro ainda melhor que uma de prata. Seu principal mérito, não obstante, surge de sua beleza, que os torna peculiarmente próprios para os ornamentos do vestido e da mobília. Nenhuma pintura ou tintura pode dar uma cor tão esplêndida quanto a douração. O mérito de sua beleza é grandemente aumentado por sua escassez. Para a maioria das pessoas ricas, a principal fruição das riquezas consiste na ostentação das riquezas, que a seus olhos nunca é tão completa quanto aparentam possuir aqueles sinais decisivos de opulência que ninguém, senão elas, podem possuir. A seus olhos, o mérito de um objeto que em algum grau seja útil ou belo é grandemente aumentado por sua raridade, ou pelo grande trabalho que é preciso para coletar qualquer quantidade considerável dele, um trabalho que ninguém pode pagar, senão elas. Tais objetos, elas estão dispostas a comprar a um preço mais alto do que coisas muito mais belas e úteis, mas mais comuns. Estas qualidades de utilidade, beleza e raridade são o fundamento original do alto preço daqueles metais, ou da grande quantidade de outros bens pelos quais eles podem ser trocados, em qualquer lugar. Este valor antecedeu e foi independente de serem empregados como moeda, e foi a qualidade que os adequou para aquele emprego. Esse emprego, ocasionando uma nova demanda, e diminuindo a quantidade que poderia ser empregada de qualquer outro modo, pode ter depois contribuído para manter ou aumentar seu valor.
A demanda pelas pedras preciosas origina-se totalmente por sua beleza. Não têm utilidade, senão como ornamentos, e o mérito de sua beleza é grandemente aumentado por sua raridade, ou pela dificuldade e despesa de tirá-las da mina. Os salários e os lucros compõem, na maioria dos casos, quase o total de seu alto preço. A renda entra como pequena fração; e só as minas mais ricas permitem alguma renda considerável. Quando Tavernier, um joalheiro, visitou as minas de diamantes de Golconda e Visiapur, foi informado que o soberano do país, em cujo benefício eram exploradas, ordenou que todas fossem fechadas, exceto aquelas que davam as maiores e mais finas pedras. As outras, ao que parece, para o proprietário, não valiam o trabalho.
Como o preço tanto dos metais e das pedras preciosas é regulado em todo o mundo por seu preço na mina mais rica que houver, a renda que uma mina deles pode pagar ao proprietário está em proporção não à sua riqueza absoluta, mas ao que pode ser chamado riqueza relativa, ou à sua superioridade a outras minas da mesma espécie. Se novas minas fossem descobertas, muito superiores àquelas de Potosí, como estas foram superiores às da Europa, o valor da prata poderia ficar tão degradado que faria mesmo com que as minas de Potosí não valessem a exploração. Antes da descoberta das Índias Ocidentais Espanholas, as minas mais férteis da Europa devem ter dado uma renda a seus proprietários, tais como as das mais ricas minas do Peru de hoje. Mesmo sendo a quantidade de prata muito menor, podia ser trocada por uma quantidade igual de outros bens, e a fração do proprietário poderia permitir-lhe comprar ou comandar uma igual quantidade, de trabalho ou de mercadorias. O valor, tanto do produto quanto da renda, o real rendimento que proporcionavam ao público e ao proprietário, podia ter sido o mesmo.
As minas mais abundantes, dos metais ou das pedras preciosas, pouco poderiam acrescer à riqueza do mundo. Uma produção cujo valor é derivado principalmente de sua escassez, necessariamente se degrada por sua abundância. Um serviço de prata, e os outros ornamentos frívolos de vestimenta e mobiliário, poderiam ser comprados por uma menor quantidade de trabalho, ou por uma menor quantidade de mercadorias, e esta constituiria a única vantagem que o mundo poderia derivar daquela abundância.
É diverso o que ocorre com propriedades sobre o solo. O valor de sua produção e de sua renda está em proporção à sua fertilidade absoluta e não à relativa. A terra que produz uma certa quantidade de alimento, roupas e alojamento pode sempre alimentar, vestir e alojar um certo número de pessoas; e qualquer que seja a proporção do proprietário, sempre lhe dará um controle proporcionado do trabalho dessas pessoas e das mercadorias com que aquele trabalho pode supri-lo. O valor das terras mais estéreis não é diminuído pela vizinhança das mais férteis. Pelo contrário, é geralmente elevado. O maior número de pessoas mantido pelas terras férteis permite um mercado a muitas partes do produto da estéril, que nunca poderiam encontrar entre aquelas cujo produto poderia manter.
O que quer que aumente a fertilidade da terra para produzir comida, aumenta não só o valor das terras sobre as quais a melhoria é aplicada, mas igualmente contribui para aumentar o de muitas outras terras, criando nova demanda para sua produção. Aquela abundância de alimentos, que em consequência da melhoria da terra, muitas pessoas põem à disposição, além do que elas mesmas podem consumir, é a grande causa da demanda dos metais e pedras preciosas, bem como de toda outra comodidade e ornamento de vestuário, alojamento, mobília doméstica e equipagem. A comida não só constitui a principal parte das riquezas do mundo, mas é a abundância de comida que dá a principal parte de seu valor a muitas outras espécies de riqueza. Os pobres habitantes de Cuba e Santo Domingo, quando primeiro foram descobertos pelos espanhóis, costumavam usar pedacinhos de ouro como ornamento em seus cabelos e outras partes de sua vestimenta. Pareciam dar-lhes o valor que nós daríamos a calhaus de beleza pouco acima de ordinária, e considerá-los como valendo serem apanhados, mas não valendo a recusa a alguém que os pedisse. Deram-nos a seus novos hóspedes à primeira instância, sem parecer pensar que lhes tinham feito qualquer presente valioso. Ficaram pasmados ao observar o furor dos espanhóis para obtê-los; e não tinham noção de que poderia haver um país em que muitas pessoas podiam dispor de tamanha superabundância de comida, sempre tão rarefeita entre eles, que por uma pequeníssima quantidade daquelas quinquilharias reluzentes, de boa mente dariam o suficiente para manter toda uma família por muitos anos. Se eles fossem levados a entender isto, a paixão dos espanhóis não os surpreenderia.
PARTE 3
DAS VARIAÇÕES NA PROPORÇÃO ENTRE OS VALORES RESPECTIVOS DAQUELA ESPÉCIE DE PRODUTO QUE SEMPRE DÁ RENDA E DAQUELA QUE ÀS VEZES DÁ E ÀS VEZES NÃO DÁ RENDA A crescente abundância de comida, em consequência do crescente aperfeiçoamento e cultivo, deve necessariamente aumentar a demanda de cada parte do produto da terra que não seja comida, e que pode ser aplicada ao uso ou ao ornamento. No progresso total do aperfeiçoamento, pode-se esperar, haveria só uma variação nos valores comparativos daquelas duas espécies diversas de produto. O valor daquela espécie que por vezes dá, e por vezes não dá renda, deveria crescer constantemente em proporção àquela que dá sempre alguma renda. Com o avanço da arte e da indústria, os materiais de vestuário e construção, os fósseis e minerais úteis da terra, os metais e as pedras preciosas gradualmente teriam demanda cada vez maior, e gradualmente seriam trocados por uma quantidade cada vez maior de comida, ou, em outras palavras, gradualmente se tornariam cada vez mais caros. Isto, por conseguinte, foi o caso da maioria daquelas coisas, na maioria das ocasiões, e teria sido o caso com todas elas em todas as ocasiões, se acidentes particulares por vezes não aumentassem o suprimento delas numa proporção ainda maior que a demanda.
O valor de uma pedreira, por exemplo, necessariamente aumentará aumentando as melhorias e a população da região, especialmente se for a única, nas vizinhanças. Mas o valor de uma mina de prata, mesmo não havendo outra a mil milhas de distância, não aumentará necessariamente com o aperfeiçoamento da região onde estiver situada. O mercado para o produto de uma pedreira dificilmente pode se estender a mais de algumas milhas a seu redor, e a demanda deve geralmente estar em proporção ao aperfeiçoamento e à população daquele pequeno distrito. Mas o mercado para a produção da mina de prata pode estender-se por todo o mundo conhecido. A menos que o mundo, em geral, esteja avançado em seu aperfeiçoamento e população, a demanda de prata pode não ser aumentada nem mesmo pelo aperfeiçoamento nem mesmo de uma ampla região nas vizinhanças da mina. Mesmo se todo o mundo, em geral, estivesse se adiantando, se no decurso deste progresso novas minas fossem descobertas, muito mais ricas do que quaisquer outras conhecidas anteriormente, mesmo que a demanda de prata necessariamente aumentasse, o suprimento poderia aumentar numa proporção tão maior que o preço real daquele metal poderia cair gradativamente; isto é, qualquer quantidade dada, um peso de uma libra, digamos, poderia gradativamente comprar ou controlar uma quantidade cada vez menor de trabalho, ou ser trocada por uma quantidade cada vez menor de cereal, a parte principal da subsistência do trabalhador.
O grande mercado da prata é a parte comercial e civilizada do mundo.
Se, pelo processo geral de aperfeiçoamento, a demanda deste mercado aumentasse, ao passo que simultaneamente o suprimento não aumentasse na mesma proporção, o valor da prata se elevaria gradativamente em proporção ao do cereal. Qualquer quantidade dada de prata seria trocada por uma quantidade cada vez maior de cereal; em outras palavras, o preço médio em dinheiro, do cereal, gradualmente se tornaria cada vez mais barato.
Se, pelo contrário, o suprimento, por algum acidente, aumentasse ao longo de muitos anos numa maior proporção que a demanda, aquele metal gradativamente se tornaria cada vez mais barato; ou, por outra, o preço médio em dinheiro do cereal, a despeito de todo progresso, gradualmente se tornaria cada vez mais alto.
Mas se, por outro lado, o fornecimento do metal aumentasse quase na mesma proporção que a demanda, continuaria a comprar ou trocar quase a mesma quantidade de cereal, e o preço médio em dinheiro, do cereal, a despeito de todo aperfeiçoamento, continuaria muito aproximadamente o mesmo.
Estas três parecem esgotar todas as possíveis combinações de eventos que podem ocorrer no decurso do progresso, e no decurso dos quatro últimos séculos, se podemos julgar pelo que tem acontecido na França e na Grã-Bretanha, cada uma dessas três distintas combinações parece ter tido lugar no mercado europeu, e quase na mesma ordem, também, em que as descrevi.
DIFERENTES EFEITOS DO PROGRESSO DOS MELHORAMENTOS SOBRE TRÊS DIFERENTES ESPÉCIES DE PRODUTO BRUTO
As diversas espécies de produto bruto podem ser divididas em três classes. A primeira compreende aquelas que não estão ao alcance da indústria humana multiplicar. A segunda, as que esta pode multiplicar em proporção à demanda. A terceira, aquelas em que a eficácia da indústria é limitada, ou incerta. No progresso da riqueza e dos melhoramentos, o preço real da primeira pode subir a qualquer grau de extravagância, e não parece estar limitado por qualquer fronteira certa. O da segunda, se bem que possa crescer grandemente, tem, porém, um certo limite além do qual não pode passar por bastante tempo. O da terceira, apesar de sua tendência natural a subir, no decurso do progresso, neste mesmo grau de aperfeiçoamento, pode cair, ou então não mudar, e por vezes subir ou descer um pouco, de acordo com acidentes vários dos esforços da indústria humana, sendo mais ou menos bem-sucedidos em multiplicar esta espécie de produto bruto.
PRIMEIRA ESPÉCIE
A primeira espécie de produto bruto cujo preço aumenta com o progresso dos melhoramentos é aquela que está pouco ao alcance da indústria humana multiplicar. Consiste daquelas coisas que a natureza produz apenas em certas quantidades, e que, sendo de natureza muito perecível, é impossível acumular o produto de muitas estações diferentes. Assim é a maioria de peixes e aves raros e singulares, várias espécies de caça, quase todas de animais selvagens, todas as aves de arribação em particular, bem como muitas outras coisas. Quando a riqueza e o luxo que a acompanham aumenta, a demanda por elas aumentará conjuntamente, e nenhum esforço da indústria humana será capaz de aumentar o fornecimento muito além do que era antes deste aumento da demanda. A quantidade de tais mercadorias, portanto, sendo a mesma, ou quase, enquanto que a competição para comprá-las está aumentando continuamente, seu preço pode subir até qualquer grau de extravagância, e não parece estar limitado por qualquer fronteira. Se as galinholas ficassem tão em voga a ponto de serem vendidas por vinte guinéus cada, nenhum esforço da indústria humana poderia aumentar o número daquelas trazidas ao mercado, muito além do que presentemente. O alto preço pago pelos romanos, no tempo de sua maior grandeza, por aves e peixes raros, deste modo pode ser facilmente explicado. Estes preços não eram efeito do baixo valor da prata naqueles tempos, mas do alto valor de tais raridades e curiosidades que a indústria humana não podia multiplicar à vontade. O valor real da prata era mais alto em Roma, por algum tempo antes e depois da queda da república, do que na maior parte da Europa, hoje em dia. Três sestércios, cerca de seis pence esterlinos, era o preço que a república pagava pelo modius, ou celamim do trigo do dízimo da Sicília. Este preço, porém, estava provavelmente abaixo do preço médio de mercado, a obrigação de entregar seu trigo a esta cotação sendo considerada como taxa sobre os lavradores sicilianos. Então quando os romanos tinham ocasião de comprar mais cereal que a dízima de trigo, estavam obrigados por capitulação a pagar o excesso à taxa de quatro sestércios, ou oito pence esterlinos, o celamim; e isto provavelmente foi tido como preço moderado e razoável, isto é, o preço de contrato ordinário ou médio daqueles tempos; é igual a cerca de 21 shillings esterlinos o quarto. Vinte e oito shillings o quarto era, antes dos últimos anos de carestia, o preço de contrato comum do trigo inglês, que em qualidade é inferior ao siciliano, e geralmente é vendido por um preço inferior no mercado europeu. O valor da prata, naqueles tempos passados, deve ter estado para seu valor presente como três para quatro inversamente; isto é, três onças de prata então teriam comprado a mesma quantidade de trabalho e mercadoria que quatro onças o fazem atualmente. Quando lemos, pois, em Plínio, que Seius3 comprou um rouxinol branco como presente para a imperatriz Agripina, ao preço de seis mil sestércios, igual a cinquenta libras de nosso dinheiro atual, e que Asinius Celer4 comprou um salmonete ao preço de oito mil sestércios, igual a 66 libras, 13 shillings e quatro pence de nosso dinheiro, a extravagância de tais preços, por maior que seja nossa surpresa, pode parecer-nos cerca de um terço a menos do que realmente foram. Seu preço real, a quantidade de trabalho e subsistência que foi dada por eles, foi cerca de um terço a mais do que seu preço nominal pode expressar atualmente. Seius deu pelo rouxinol o controle de uma quantidade de trabalho e subsistência igual ao que £88 17s. 9 1/3d. compraria. O que ocasionou a extravagância daqueles altos preços foi não tanto a abundância de prata quanto a abundância de trabalho e subsistência que aqueles romanos tinham à disposição além do que era necessário para seu uso. A quantidade de prata que eles tinham à disposição era muito inferior ao que o controle da mesma quantidade de trabalho e subsistência lhes teria proporcionado na atualidade.
SEGUNDA ESPÉCIE
A segunda espécie de produto bruto cujo preço se eleva com o progresso dos melhoramentos é aquela que a indústria humana pode multiplicar em proporção à demanda. Consiste daquelas plantas e animais úteis que, nos países não cultivados, a natureza produz com tão profusa abundância que são de pouco ou nenhum valor, e que, com o avanço do cultivo, são forçados a dar lugar a algum produto mais lucrativo. Durante um longo período do avanço dos melhoramentos, a quantidade deles está diminuindo continuamente, ao passo que ao mesmo tempo a demanda por eles cresce continuamente. Seu valor real, a real quantidade de trabalho que comprarão ou controlarão, gradualmente cresce, até que fica alto a ponto de torná-los produto tão lucrativo como qualquer outra coisa que a indústria humana pode cultivar na terra mais fértil e mais bem tratada. Quando chegou a este ponto, não pode se elevar mais. Se o fizesse, mais terra e mais indústria logo seriam empregadas para aumentar sua quantidade.
Quando o preço do gado, por exemplo, sobe tanto que fica igualmente lucrativo cultivar terra para dar-lhe comida, como para cultivar a comida humana, não pode subir mais. Se o fizesse, mais terra de cereal seria logo transformada em pastagem. A extensão da aradura, diminuindo a quantidade de pasto livre, diminui a quantidade de carne que a região naturalmente produz sem lavor ou cultivo, e aumentando o número daqueles que têm cereal, ou igualmente, o preço do grão, para dar em troca, aumenta a demanda. O preço da carne, e por conseguinte o do gado, deve ir crescendo até ficar tão elevado que se torne igualmente lucrativo empregar as terras mais férteis e mais bem cultivadas para dar-lhe comida, quanto para o cultivo o do cereal. Mas sempre demora, ao longo do progresso, antes que a aradura possa estar tão difundida de modo que o preço do gado suba tanto; e até que chegue a esta altura, se o país está progredindo, seus preços devem estar sempre aumentando. Há, talvez, algumas partes da Europa em que o preço do gado ainda não chegou a este ponto. Não chegara a esta altura em nenhum lugar da Escócia, antes da união. Se o gado escocês tivesse estado sempre confinado ao mercado escocês, numa terra em que a área que só pode ser aplicada à alimentação do gado é tão grande quanto a que pode ser aplicada a outros fins, é muito pouco possível que seu preço tivesse subido tanto a ponto de tornar lucrativo cultivar terra para sua alimentação. Na Inglaterra, o preço do gado, já se observou, parece ter chegado a esta altura nas cercanias de Londres, no começo do século passado; mas foi muito depois que o mesmo aconteceu com a maioria dos condados mais remotos; em alguns deles, mal talvez se tenha chegado a este ponto. De todas as diferentes substâncias, porém, que compõem esta segunda espécie de produto bruto, o gado é, porventura, aquela cujo preço, com o progresso, primeiro sobe a este ponto.
Até que o preço do gado tenha subido tanto, parece pouco provável que a maioria, mesmo daquelas terras que são capazes do mais alto cultivo, possa estar completamente cultivada. Em todas as lavouras muito distantes de qualquer cidade para o transporte de esterco, isto é, na maioria daquelas regiões muito extensas, a quantidade de terra bem cultivada deve estar na proporção da quantidade de esterco que a propriedade produz; e isto, por sua vez, deve estar em proporção à quantidade do gado mantido nela. A terra é adubada levando o gado para pastar nela; ou alimentando-o no estábulo, e então carregando seu esterco para ela. Mas, a menos que o preço do gado seja suficiente para pagar tanto a renda quanto o lucro da terra cultivada, o lavrador não pode tolerar o custo da pastagem e, ainda menos, do estábulo. É apenas com o produto da terra cultivada que o gado pode ser alimentado no estábulo, pois recolher o parco e esparso produto da terra não tratada requereria muito trabalho e seria muito dispendioso. Então, se o preço do gado não é suficiente para pagar pelo produto da terra cultivada, quando o gado é levado a pastar nela, esse preço será ainda menos suficiente para pagar aquela produção quando deve ser coletada com bastante trabalho adicional e trazida ao estábulo, para o gado. Nestas circunstâncias, nenhum gado pode, com lucro, ser alimentado no estábulo, além do que é necessário à aradura. Mas este nunca pode fornecer esterco suficiente para manter constantemente em boas condições todas as terras que são capazes de trabalhar. O que eles pagam, sendo insuficiente para toda a lavoura, naturalmente será reservado para as terras às quais pode ser aplicado mais vantajosa ou convenientemente; as mais férteis, ou aquelas, talvez, mais próximas do estábulo. Estas ficarão, então, constantemente em boas condições e prontas para o arado. O restante, na maioria, ficará abandonado, produzindo pouca coisa além de alguma pastagem miserável, apenas suficiente para manter algum gado esparso e meio faminto; a propriedade, se bem que subdotada em proporção ao que seria necessário ao seu cultivo completo, sendo frequentemente superabastecida em proporção à sua produção atual. Uma porção dessa terra inculta, depois de servir como pasto desta maneira vil, por seis ou sete anos, pode ser arada, quando dará, talvez, uma ou duas pobres colheitas de má aveia, ou de algum outro grão inferior, e então, estando totalmente esgotada, deve descansar e ser deixada como pasto de novo como antes, e outra porção deve ser arada, para ser, da mesma maneira, esgotada e descansada de novo, por sua vez. Assim era o sistema geral de administração em todas as terras baixas da Escócia, antes da união. As terras que eram mantidas constantemente bem adubadas e em boa condição, raramente excediam um terço ou um quarto de toda a propriedade, e por vezes não chegavam a uma quinta ou sexta parte dela. O restante nunca era estercado, mas uma certa proporção era, por sua vez, regularmente cultivado e exaurido. Sob este sistema de administração, é evidente, mesmo aquela parte da terra da Escócia capaz de bons cultivos, produziria pouco em comparação com o que pode ser capaz de produzir. Mas, por mais desvantajoso que este sistema possa parecer, antes da união, o baixo preço do gado parece tê-lo tornado quase inevitável. Se, apesar de uma grande elevação de seu preço, ainda continua a prevalecer em parte considerável do país, deve-se, em muitos lugares, sem dúvida, à ignorância e ao apego a velhos costumes, mas em muitos lugares, às inevitáveis obstruções que o curso natural das coisas opõe ao estabelecimento imediato ou rápido de um sistema melhor: primeiro, a pobreza dos rendeiros, não lhes dando tempo para adquirir cabeças de gado suficientes para cultivar suas terras mais completamente, a mesma elevação de preço que tornaria vantajoso para eles manter um maior capital, dificultando-lhes o adquiri-lo; e segundo, por ainda não terem tido tempo de pôr suas terras em condição de manter adequadamente este maior capital, supondo que fossem capazes de adquiri-lo. O aumento do capital e a melhoria da terra são dois eventos que devem ir de mãos dadas, e um não deve se adiantar muito ao outro. Sem algum aumento do capital, não pode haver muita melhoria da terra, mas não pode haver considerável aumento do capital senão em consequência de uma melhoria considerável da terra, pois, de outra forma, a terra não poderia mantê-lo. Estas obstruções naturais ao estabelecimento de um melhor sistema não podem ser removidas senão por um longo curso de frugalidade e operosidade; e meio século, ou um século mais, talvez, deva passar antes que o velho sistema, que está se desgastando aos poucos, possa ser completamente abolido em todas as várias partes do país. De todas as vantagens comerciais, no entanto, que a Escócia derivou da união com a Inglaterra, esta elevação no preço do gado é quiçá a maior. Não só elevou o valor de todas as propriedades das terras altas, mas talvez tenha sido a principal causa do progresso das terras baixas.
Em todas as novas colônias, a grande quantidade de terra inculta, que por muitos anos pode ser aplicada só ao propósito de alimentar o gado, logo é tornada extremamente abundante, e em tudo, o preço muito baixo é a necessária consequência da grande abundância. Mesmo sendo todo o gado das colônias europeias na América trazido originalmente da Europa, ele logo se multiplicou tanto, e tornou-se de tão pouco valor, que mesmo os cavalos cresceram selvagens nos bosques, sem nenhum proprietário achando que valesse reclamá-los. Deve se passar um longo tempo depois do estabelecimento inicial de tais colônias, antes que se torne lucrativo alimentar gado com o produto da terra cultivada. As mesmas causas: a procura de esterco e a desproporção entre o capital empregado no cultivo e a terra a que está destinado a cultivar provavelmente introduzirão lá um sistema agrícola não muito diverso do que continua a ocorrer em tantas partes da Escócia. O sr. Kalm, o viajante sueco, ao dar conta da agricultura de algumas das colônias na América do Norte, como a encontrou em 1749, observa que dificilmente pode reconhecer o caráter da nação inglesa, tão hábil aos diversos ramos da agricultura. Produzem pouquíssimo esterco para seus campos de cereais, diz ele; mas quando um pedaço de terra foi exaurido pelas colheitas constantes, limpam e cultivam novo pedaço de terra; e quando este fica esgotado, passam a um terceiro. Seu gado é deixado vagar pelos bosques e outros terrenos não cultivados, onde ficam meio mortos de fome; já tendo há muito extirpado quase toda a grama anual, cortando-a muito cedo na primavera, antes da florada, ou lançar suas sementes5. As gramas anuais eram, parece, as melhores gramas anuais naquela parte da América do Norte; e quando os europeus primeiro se estabeleceram lá, costumavam crescer muito espessas, e cresciam a três ou quatro pés de altura. Um terreno que, quando ele escreveu, não podia manter uma vaca, em tempos anteriores, foi-lhe assegurado, podia manter quatro, cada uma dando quatro vezes a quantidade de leite que aquela seria capaz de dar. A pobreza da pastagem, em sua opinião, causara a degradação de seu gado, que degenerou sensivelmente de geração para geração. Provavelmente não diferia daquele gado raquítico que era comum na Escócia há uns trinta ou quarenta anos, e que agora está tão recuperado na maior parte das terras baixas, não tanto por mudança de raça, se bem que este expediente tenha sido usado em alguns locais, mas por um método mais rico de alimentá-lo.
Mesmo sendo tarde, no progresso das melhorias, que o gado pode acarretar um preço tal que se torne lucrativo cultivar a terra para que se alimentem, de todas as diferentes partes que compõem esta segunda espécie de produto bruto, é talvez a primeira a acarretar este preço, porque, até que o faça, parece impossível que o aperfeiçoamento possa ser trazido sequer perto daquela perfeição atingida em muitas partes da Europa.
Como o gado está entre as primeiras, talvez a caça esteja entre as últimas partes desta espécie de produto bruto que acarreta este preço. O preço da caça na Grã-Bretanha, por mais extravagante que possa parecer, nem se aproxima de ser suficiente para compensar uma reserva de caça, como é bem conhecido de todos aqueles que tiveram experiência na criação de veados. Se acontecesse o contrário, a criação de veados logo se transformaria num artigo agrícola comum, do mesmo modo que a criação daqueles pequenos pássaros chamados turdi era entre os antigos romanos. Varrão e Columella asseveram-nos que era um artigo bastante rendoso. A criação de hortulanas, aves de arribação que descansam nos campos, diz-se ser assim, em alguns lugares da França. Se a caça continua em voga, e a riqueza e o luxo da Grã-Bretanha aumentam como tem feito no passado, seu preço muito provavelmente pode subir ainda mais que atualmente.
Entre aquele período do progresso que traz a esta altura o preço de um artigo tão necessário quanto o gado, e aquele que faz o mesmo com o preço de tal superfluidade como a caça, há um longo intervalo, em cujo decurso muitas outras variedades de produto bruto vão atingindo seu preço mais alto, alguns mais cedo, outros mais tarde, conforme as circunstâncias.
Assim, em toda propriedade agrícola, os restos do celeiro e do estábulo manterão certo número de aves domésticas. Estas, como são alimentadas com o que de outro modo seria perdido, são uma simples economia, e como custam quase nada ao agricultor, ele pode vendê-las por bem pouco. Quase tudo o que ele consegue é puro galho, e seu preço dificilmente pode ser tão baixo a ponto de desencorajá-lo de alimentar esse número. Mas, em regiões mal cultivadas, e por isso fracamente habitadas, as aves, que assim são criadas sem despesa, são frequentemente mais do que suficientes para suprir toda a demanda. Neste estado de coisas, pois, ficam tão baratas quanto a carne de boi, ou qualquer outra espécie de comida animal. Mas toda a quantidade de aves, que uma herdade assim produz sem despesa, deve sempre ser menor que toda a quantidade de carne de boi que nela é produzida, e nos tempos de abundância e riqueza, o que é raro, quase com o mesmo mérito, é preferida ao que é comum. Com o aumento da riqueza e da abundância, em consequência dos melhoramentos e do cultivo, o preço das aves gradualmente sobe acima do preço da carne de boi, até que se torna rendoso cultivar terra apenas para alimentá-las. Quando seu preço chega a este ponto, não pode ir além. Se o fizesse, logo mais terra seria dedicada a este fim. Em várias províncias da França, a alimentação de aves é considerada atividade muito importante da economia rural, e lucrativa o bastante para encorajar o agricultor a cultivar uma quantidade considerável de milho e trigo-sarraceno para este fim. Um lavrador mediano, por vezes, tem quatrocentas aves em seu terreiro. A alimentação de aves parece ainda ser pouco considerada, em geral, assunto de tanta importância na Inglaterra. São certamente mais caras na Inglaterra que na França, pois a Inglaterra recebe suprimentos consideráveis da França. No decurso do progresso, o período em que cada espécie de comida animal é mais caro deve naturalmente ser aquele que precede imediatamente a prática geral de cultivar terra para sua criação. Por algum tempo antes que esta prática se generalize, a escassez deve necessariamente elevar o preço. Depois de se generalizar, novos métodos de alimentar os animais são inventados, o que permite ao lavrador criar, num mesmo terreno, uma quantidade muito maior daquela espécie particular de comida animal. A abundância não só o obriga a vender mais barato, mas em consequência destas melhorias ele pode suportar o preço mais baixo, pois se assim não fosse, a abundância não seria de longa duração. Foi provavelmente desta maneira que a introdução de cravos, nabos, cenouras, alfaces etc. contribuiu para abaixar o preço comum da carne de boi no mercado de Londres, um pouco abaixo do que era no começo do século passado.
O porco, que encontra sua comida nos restos e gulosamente devora muita coisa deixada por qualquer outro animal útil é, como as aves, originalmente mantido como medida de economia. Enquanto o número de tais animais, que podem assim ser mantidos com pouca ou nenhuma despesa, é bem suficiente para suprir a demanda, esta espécie de carne chega ao varejo a um preço muito mais baixo que qualquer outra. Mas quando a demanda sobe além do que esta quantidade pode suprir, torna-se necessário cultivar comida para alimentar e engordar os porcos, do mesmo modo que para alimentar e engordar outros tipos de gado, o preço necessariamente sobe, e torna-se proporcionalmente mais alto ou mais baixo que o da carne de boi, de acordo com a natureza da terra, e o estado de sua agricultura, que tornam a alimentação dos porcos mais ou menos dispendiosa do que a de outro gado. Na França, de acordo com o sr. Buffon, o preço da carne de porco é quase igual ao da carne de boi. Na maioria das regiões da Grã-Bretanha, é atualmente um pouco maior.
A grande ascensão do preço de porcos e aves, na Grã-Bretanha, frequentemente foi imputada à diminuição do número dos vários pequenos produtores rurais; um evento que em toda parte da Europa foi o precursor imediato das melhorias e do melhor cultivo, mas que ao mesmo tempo pode ter contribuído para elevar o preço desses artigos um pouco antes, e um pouco mais depressa do que ocorreria de outro modo. Assim como as famílias mais pobres podem muitas vezes manter um gato ou um cão sem despesa, os mais pobres ocupantes da terra podem comumente manter algumas aves, ou uma porca e alguns leitões, por muito pouco. Os escassos restos de suas mesas, seu leite pobre e desnatado suprem esses animais com parte de sua comida, e acham o resto nos campos, sem causar dano a ninguém. Diminuindo o número daqueles habitantes, a quantidade desta espécie de provisões, que é assim produzida por pouca ou nenhuma despesa, deve certamente diminuir bastante, e seu preço sobe mais cedo e mais depressa do que o faria de outro modo. Mais cedo ou mais tarde, porém, no decurso do progresso, deve acabar subindo ao seu máximo; ou ao preço que paga o trabalho e a despesa de cultivar a terra que lhes fornece comida, bem como estes são pagos pela maior parte de outras terras cultivadas.
O negócio do laticínio, bem como a criação de porcos e aves, é originalmente exercido à guisa de economia. O gado que é necessariamente mantido numa propriedade produz mais leite do que o necessário para a alimentação de seus filhotes ou o consumo da família do lavrador; e produzem mais numa estação particular. Mas, de todo o produto da terra, o leite é, talvez, o mais perecível. Na estação quente, quando é mais abundante, dificilmente se mantém por 24 horas. O lavrador, transformando-o em manteiga, armazena pequena parte dele por uma semana: transformando-o em manteiga salgada, por um ano; e transformando-o em queijo, armazena muito maior parte dele por anos. Parte de tudo isto é reservada para o uso de sua família. O resto vai para o mercado, para encontrar o melhor preço que se possa conseguir, e que dificilmente pode ser tão baixo a ponto de desencorajá-lo de mandar para lá o que quer que esteja muito acima do consumo da própria família. Se for muito baixo de fato, tratará sua criação de modo muito descuidado e sujo, e dificilmente achará que vale a pena ter um recinto ou edifício destinado especialmente para ela, mas deixará que os animais fiquem em meio à fumaça, sujeira e desordem da própria cozinha; como era o caso da maioria das propriedades na Escócia, trinta ou quarenta anos atrás, e como ainda é o caso de muitas delas. As mesmas causas que gradualmente elevam o preço da carne, o aumento da demanda e, em consequência do progresso da região, a diminuição da quantidade de animais que pode ser alimentada com pouca ou nenhuma despesa, aumentam do mesmo modo o preço do produto de laticínio, que está naturalmente relacionado com o da carne, ou com a despesa da criação dos animais. O aumento do preço paga mais trabalho, cuidados e limpeza. O laticínio torna-se mais digno da atenção do lavrador, e a qualidade de seu produto gradualmente aumenta. O preço, finalmente, fica tão alto que passa a compensar utilizar algumas das terras mais férteis e melhor cultivadas para alimentar gado meramente para o propósito da produção do leite; e quando o preço chegou a esta altura, não poderá subir mais. Se subisse, mais terra logo seria utilizada para este fim. Parece ter chegado a esta altura na maior parte da Inglaterra, onde muita terra boa é comumente empregada deste modo. Excetuando-se as cercanias de umas poucas cidades consideráveis, parece não ter chegado a este ponto ainda, na Escócia, onde os lavradores comuns raramente empregam muita terra boa para criar gado meramente pelo leite. O preço do produto, se bem que tenha se elevado muito consideravelmente nestes últimos anos, é provavelmente ainda muito baixo para admitir isto. A inferioridade da qualidade, de fato, comparada com a do produto dos laticínios ingleses, é totalmente igual à do preço. Mas esta inferioridade de qualidade é, talvez, mais o efeito deste baixo preço do que sua causa. Apesar da qualidade muito superior, a maior parte do que é levado ao mercado, segundo penso, não poderia pagar a despesa da terra e o trabalho necessário para produzir uma muito melhor qualidade. Pela maior parte da Inglaterra, não obstante a superioridade do preço, os laticínios não são reconhecidos como um emprego mais rendoso da terra do que o cultivo do cereal, ou a engorda do gado, os dois grandes objetivos da agricultura. Na maior parte da Escócia, portanto, ainda não pode ser tão lucrativa.
As terras de nenhum país, é evidente, poderão ser completamente cultivadas e aperfeiçoadas até que o preço de cada produto, que a indústria humana é obrigada a cultivar nelas, tenha ficado tão alto a ponto de pagar a despesa completa do cultivo e melhorias. Para tanto, o preço de cada produto, em particular, deve ser suficiente, primeiro, para pagar a renda de boa terra cerealífera, como o que regula a renda da outra terra cultivada; e segundo, pagar o trabalho e a despesa do lavrador tão bem quanto é paga em boa terra cerealífera; ou, em outros termos, recolocar, com os lucros ordinários, o capital empregado. Esta elevação no preço de cada produto, em particular, deve ser, evidentemente, anterior à melhoria e cultivo da terra destinada ao seu cultivo. O ganho é o fim de toda melhoria, e nada mereceria receber este nome, se a perda é a consequência necessária. Mas as perdas devem ser a consequência necessária de aperfeiçoar a terra visando a um produto cujo preço nunca poderia trazer de volta a despesa. Se o desenvolvimento completo e cultivo do campo é, de certo, a maior das vantagens públicas, a elevação do preço de toda sorte desses produtos brutos, em vez de ser considerada calamidade pública, deveria ser vista como precursora e anunciadora da maior de todas as vantagens públicas.
Esta elevação, também, no preço nominal, ou em dinheiro, de todas aquelas espécies diferentes de produto bruto foi o efeito não de qualquer degradação no valor da prata, mas de uma elevação no seu preço real. Passaram a valer não uma grande quantidade de prata, mas uma maior quantidade de trabalho e subsistência do que antes. Como custa maior quantidade de trabalho e subsistência trazê-las ao mercado, quando são transportadas, representam, ou são equivalentes a uma maior quantidade.
TERCEIRA ESPÉCIE
A terceira e última espécie de produto bruto, cujo preço se eleva naturalmente com o progresso, é aquela em que a eficácia da indústria humana, aumentando a quantidade, é limitada ou incerta. Apesar de que o preço real desta espécie de produto bruto naturalmente tenda a elevar-se com o progresso, de acordo com os diversos acidentes que tornam os esforços humanos mais ou menos bem-sucedidos no aumentar a quantidade, pode acontecer que caia, ou que continue o mesmo em períodos muito diferentes do progresso, e por vezes elevar-se mais ou menos, num mesmo período.
Há algumas sortes de produto bruto que a natureza tornou espécie de apêndices a outras espécies; de modo que a quantidade de uma que qualquer região pode fornecer, é necessariamente limitada pela da outra. A quantidade de lã ou de couro cru, por exemplo, que qualquer região pode fornecer, é necessariamente limitada pelo rebanho de gado grande ou pequeno que é mantido nela. O estado de seus melhoramentos, e a natureza de sua agricultura, de novo necessariamente determina este número.
As mesmas causas, que, com o progresso, vão aumentando o preço da carne no varejo, teriam o mesmo efeito, pode-se pensar, nos preços de lã e do couro cru, elevando-os também, quase na mesma proporção. Provavelmente assim seria, os rudes começos do progresso, se o mercado para estes artigos estivesse confinado a limites tão estreitos quanto para os primeiros. Mas a extensão dos respectivos mercados é comumente muito diferente.
O mercado para a carne no varejo é quase sempre confinado à região que a produz. A Irlanda, e algumas partes da América britânica, de fato, exercem considerável comércio de provisões de sal, mas são, acredito, os únicos países no mundo comercial que o fazem, ou que exportam para outros países qualquer parte considerável de sua carne.
O mercado para a lã e o couro cru, pelo contrário, nos rudes princípios do progresso, raramente está confinado ao país que os produz. Podem ser facilmente transportados para países distantes, a lã sem nenhum tratamento, e o couro cru, com muito pouco; e como são os materiais de muitas manufaturas, a indústria de outros países pode ocasionar demanda para eles, mesmo que o país que os produza não os demande.
Nos países mal cultivados, e portanto esparsamente habitados, o preço da lã e do couro sempre tem uma proporção muito maior em relação ao animal todo do que nos países onde o progresso e a população estando mais adiantados, há mais demanda pela carne retalhada. O sr. Hume observa que nos tempos dos saxões, a lã era estimada como dois quintos do preço do carneiro todo, e que estava muito acima da proporção da avaliação atual. Em algumas províncias espanholas, foi-me asseverado que os carneiros frequentemente são mortos apenas pelo tosão e pelo sebo. A carcaça é frequentemente deixada a apodrecer no chão, ou para ser devorada por animais e aves rapaces. Se isto por vezes ocorre mesmo na Espanha, acontece quase constantemente no Chile, em Buenos Aires e em muitas outras regiões da América espanhola, onde o gado de chifres é quase constantemente morto meramente pelo couro e pelo sebo. Isto também acontecia quase que constantemente em Hispaniola, enquanto estava infestada pelos bucaneiros, e antes do estabelecimento, progresso e população das plantações francesas (que agora estendem-se em torno do litoral de quase toda a metade ocidental da ilha), que deu algum valor ao gado dos espanhóis, que ainda continuam a possuir não só a parte oriental da costa, mas todo o interior e parte montanhosa do interior.
Se bem que ao longo do progresso e população o preço do animal inteiro necessariamente suba, o preço da carcaça parece muito mais sensível à sua elevação do que o da lã e do couro. O mercado para a carcaça, estando, no estado rude da sociedade, sempre confinado à região que o produz, necessariamente deve estender-se em proporção ao seu progresso e população. Mas o mercado para a lã e o couro, mesmo de um país bárbaro, frequentemente estendendo-se a todo o mundo comercial, raramente pode ser ampliado na mesma proporção. O estado de todo o mundo comercial raramente pode ser afetado pelo progresso de qualquer país em particular; e o mercado para tais itens pode permanecer quase o mesmo, depois de tais progressos, do que antes. No entanto, no curso natural das coisas, no todo deve estender-se um pouco depois deles. Se as manufaturas, especialmente aquelas cujas mercadorias são os materiais que vêm a florescer no país, o mercado, se bem que não possa ser muito aumentado, pelo menos seria trazido para muito mais perto do local da cultura do que antes; e o preço daqueles materiais poderia ao menos ser aumentado pelo que usualmente fora a despesa de seu transporte a lugares distanciados. Apesar de não subir, portanto, na mesma proporção que a carne, naturalmente deveria subir um pouco, e certamente não deverá cair.
Na Inglaterra, apesar do estado florescente de sua manufatura de lã, o preço da lã inglesa caiu muito consideravelmente desde o tempo de Eduardo III. Há muitos registros autênticos que demonstram que durante o reinado daquele príncipe (por volta da metade do século XIV, ou cerca de 1339), o que era tido como o preço moderado e razoável para o preço do tod, ou 28 libras de lã inglesa, era nada menos que dez shillings do dinheiro daquela época6 contendo, à razão de vinte pence a onça, seis onças de prata Tower, igual a cerca de trinta shillings de nosso dinheiro atual. Atualmente, 21 shillings o tod pode ser tido como um preço muito bom para uma boa lã inglesa. O preço em dinheiro da lã, portanto, ao tempo de Eduardo III, estava para seu preço em dinheiro atual como dez para sete. A superioridade de seu preço real era ainda maior. À taxa de seis shillings e oito pence o quarto, dez shillings eram, naqueles tempos antigos, o preço de 12 alqueires de trigo. À taxa de 28 shillings o quarto, 21 shillings é, atualmente, o preço de apenas seis alqueires. A proporção entre os preços reais dos tempos antigos e modernos está como 12 para seis, ou como dois para um. Naqueles tempos antigos, um tod de lã teria comprado duas vezes a quantidade de subsistência que compra hoje; e, consequentemente, duas vezes a quantidade de trabalho, se a recompensa real do trabalho fosse a mesma em ambos os períodos.
Esta degradação, tanto no valor real como no nominal da lã, nunca poderia ter ocorrido em consequência do curso natural das coisas. Tem sido efeito de violência e artifício; primeiro, da absoluta proibição de exportar lã da Inglaterra; segundo, da permissão de importá-la da Espanha, livre de taxas; terceiro, da proibição de exportá-la para a Irlanda, para qualquer outro país que não a Inglaterra. Em consequência destes regulamentos, o mercado para a lã inglesa, em vez de se estender um tanto devido ao progresso da Inglaterra, ficou confinado ao mercado nacional, onde a lã de vários outros países pode competir com ele e onde a da Irlanda é forçada a competir nele. Como as manufaturas de lã da Irlanda estão tão desencorajadas quanto o que é consistente com a justiça e negócio justo, os irlandeses só podem manufaturar uma pequena parte de sua própria lã, sendo, portanto, obrigados a enviar uma grande proporção dela para a Grã-Bretanha, o único mercado que lhes é permitido.
Não consegui encontrar quaisquer registros autênticos concernentes ao preço do couro cru nos tempos antigos. A lã era comumente paga com subsídio ao rei, e sua avaliação naquele subsídio assevera, pelo menos em certo grau, qual era seu preço ordinário. Mas este não parece ter sido o caso com o couro cru. Fleetwood, porém, segundo correspondência de 1425, entre o prior de Burcester Oxford e um de seus cônegos, dá-nos seu preço, pelo menos tal qual era naquela ocasião, a saber, cinco couros de boi a 12 shíllings; cinco couros de vaca a sete shillings e três pence; 36 peles de carneiro de dois anos a nove shillings; 16 peles de novilho a dois shillings. Em 1425, 12 shillings continham cerca da mesma quantidade de prata que 24 shillings de dinheiro atual. Um couro de boi, portanto, era por isto avaliado como a mesma quantidade de prata quanto 4s. quatro quintos do dinheiro atual. Seu preço nominal era bem mais baixo que atualmente. Mas a taxa de seis shillings e oito pence o quarto, 12 shillings, naqueles tempos, teriam comprado 14 alqueires e quatro quintos de trigo; o que, a três e seis pence o alqueire, atualmente custaria 51s. 4d. Um couro de boi, portanto, naqueles tempos custaria tanto cereal quanto dez shillings e três pence comprariam atualmente. Seu valor real era igual a dez shillings e três pence do dinheiro atual. Naqueles tempos, quando o gado estava meio morto de fome durante a maior parte do inverno, não podemos supor que era de grande tamanho. Um couro de boi que pese quatro stone de 16 libras avoirdupois não é tido como mau, hoje em dia; e naqueles tempos antigos, provavelmente seria tido como muito bom. Mas a meia coroa, o stone, que neste momento (fevereiro de 1773) reconheço como sendo um bom preço, a real quantidade de subsistência que comprará ou controlará é um tanto inferior. O preço de couros de vaca, como indicado no informe acima, está quase na proporção comum com aquele dos preços de boi. O das peles de carneiro está bem acima. Provavelmente eram vendidas com a lã. A do novilho, pelo contrário, é de preço muito inferior. Nos países em que o preço do gado é muito baixo, os novilhos que não são criados para reprodução são geralmente mortos muito jovens; como era o que acontecia na Escócia há uns vinte ou trinta anos. Economiza o leite, que seu preço não pagaria. Suas peles, portanto, costumam ser de pouca valia.
O preço de couros crus é bem mais baixo atualmente que era há alguns anos, devendo-se provavelmente à remoção das taxas sobre peles de foca e à permissão, por tempo limitado, da importação de couros crus da Irlanda, e das plantações livres de taxas, o que foi feito em 1769. Tomando-se o todo do presente século como média, seu preço real foi provavelmente um pouco mais alto do que naqueles tempos. A natureza da mercadoria não a torna muito adequada para o transporte a mercados distantes, como a lã. Sofre mais pela conservação. Um couro salgado é tido como inferior a um fresco, e é vendido por preço inferior. Esta circunstância deve necessariamente ter alguma tendência abaixar o preço de couros crus produzidos num país que não tem a manufatura deles, mas é obrigado a exportá-los; e comparativamente eleva o preço dos produzidos num país que tem esta manufatura. Deve ter a tendência de abaixar seu preço num país bárbaro e elevá-lo num país aperfeiçoado e industrializado. Deve ter alguma tendência, portanto, de abaixá-lo na antiguidade e elevá-lo atualmente. Nossos curtidores, porém, não têm tido tanto sucesso quanto nossos fabricantes de tecidos em convencer a sabedoria da nação que a segurança da comunidade depende da prosperidade de sua manufatura particular. Consequentemente, foram muito menos favorecidos. A exportação de couros crus, de fato, foi proibida, e declarada inconveniente, mas sua importação de países estrangeiros foi sujeita a taxação; e se bem que esta taxa tenha sido retirada daqueles da Irlanda e das plantações (só pelo tempo limitado de cinco anos), a Irlanda não foi confinada ao mercado da Grã-Bretanha para a venda de seu excesso de couros, ou daqueles não manufaturados no país. Os couros de gado comum só nestes últimos anos foram incluídos no rol das mercadorias que as plantações só podem enviar à terra-mãe, tampouco o comércio da Irlanda foi neste caso oprimido para sustentar as manufaturas da Grã-Bretanha.
Quaisquer regulamentos que tendam abaixar o preço da lã ou do couro cru abaixo do que naturalmente deveria ser, deve, num país cultivado e adiantado, ter alguma tendência a elevar o preço da carne a varejo. O preço do gado grande e do pequeno, alimentado numa terra cultivada, deve ser suficiente para pagar a renda do proprietário e o lucro que o lavrador tem razão em esperar dessa terra melhorada. Se assim não for, cessarão a criação. A parte desse preço, então, que não for paga pela lã e pelo couro, deve ser paga pela carcaça. Quanto menos for pago por um, mais deve ser pago pela outra. De que modo este preço há de ser dividido pelas várias partes do animal, é indiferente para os proprietários e lavradores, desde que o todo lhe seja pago. Numa terra bem cultivada, seus interesses, como proprietários e lavradores, não podem ser muito afetados por tais regulamentos, apesar de que seus interesses como consumidores possam, pela elevação do preço das provisões. Seria bem diferente, numa terra mal cultivada, onde a maioria das terras não poderia ser aplicada a outro fim senão a alimentação de gado, e onde a lã e o couro compõem a principal parte do valor daquele gado. Seus interesses, como proprietários e lavradores seriam, neste caso, profundamente afetados por tais regulamentos, e seus interesses como consumidores, muito pequeno. A queda no preço da lã e do couro neste caso não elevaria o preço da carcaça, porque a maioria das terras do país só sendo aplicáveis à alimentação do gado, o mesmo rebanho continuaria a ser criado. A mesma quantidade de carne ainda chegaria ao mercado. A demanda por ela não seria maior que antes. Seu preço, pois, seria o mesmo de antes. O preço total do gado cairia, e com ele, a renda e o lucro de todas aquelas terras onde o gado era o produto principal, isto é, da maioria das terras do país. A proibição perpétua da exportação da lã, que é comum, mas muito falsamente atribuída a Eduardo III, nas circunstâncias de então do país, teria sido o regulamento mais destrutivo que se poderia imaginar. Não só teria reduzido o valor atual da maior parte das terras do reino, mas, reduzindo o preço da mais importante espécie de gado de pequeno porte, teria retardado em muito o seu desenvolvimento subsequente.
A lã escocesa caiu consideravelmente de preço em consequência da união com a Inglaterra, pelo que foi excluída do grande mercado da Europa, e confinou-se ao estreito mercado inglês. O valor da maior parte das terras nos condados do sul da Escócia, que é principalmente terra de ovinos, teria sido profundamente afetado por este evento, se a elevação do preço da carne não compensasse completamente a queda no preço da lã.
Como a eficácia da indústria humana, ao aumentar a quantidade de lã ou de couro é limitada, tanto quanto dependa da produção da região onde é exercida, é também incerta tanto quanto dependa da produção de outros países. Depende não tanto da quantidade que produzem, mas da que eles não manufaturam; e das restrições que podem ou não achar próprias para impor à exportação desta espécie de produto bruto. Estas circunstâncias, como são totalmente independentes da indústria doméstica, tornando seus esforços mais ou menos incertos. Ao multiplicar esta espécie de produto bruto, a eficácia da indústria humana não só é limitada, mas incerta.
Ao multiplicar outra espécie muito importante de produção bruta, a quantidade de peixe levada ao mercado, esta é igualmente limitada e incerta. É limitada pela situação local do país, pela proximidade ou distância de suas diferentes províncias do mar, pelo número de seus lagos e rios e pelo que pode ser chamado a fertilidade ou esterilidade daqueles mares, lagos e rios, quanto a esta espécie de produto bruto. Com o aumento da população, aumentando o produto anual da terra e do lavor do campo, há mais compradores de peixe, e estes compradores, também, têm maior quantidade e variedade de outros bens, ou o que é o mesmo, o preço de maior quantidade e variedade de outros bens para comprar. Mas geralmente será impossível suprir o grande e extenso mercado sem empregar uma quantidade de trabalho maior em proporção ao que fora requerido para suprir o mercado estreito e confinado. Um mercado que, requerendo apenas mil, vem a requerer anualmente dez mil toneladas de peixe, dificilmente pode ser abastecido sem empregar mais de dez vezes a quantidade de trabalho que antes fora suficiente para seu abastecimento. Os peixes precisariam ser procurados a maior distância, maiores navios deveriam ser empregados e maquinaria mais dispendiosa de todo tipo passa a ser necessária. O preço real desta mercadoria, então, naturalmente sobe com o progresso. É o que tem acontecido, creio, mais ou menos, em todo país.
Apesar do sucesso de um dia particular, a pesca pode ser negócio muito incerto, porém, a situação local do país sendo considerada, a eficácia geral da indústria para trazer uma certa quantidade de peixe ao mercado, no decurso de um ano, ou por vários anos, talvez possa considerar-se bastante certa, o que é fato, sem dúvida. Mas, como depende mais da situação local do país do que do estado de sua riqueza e indústria, por isto pode, em diferentes países, ser a mesma em períodos muito diferentes de seu progresso, e muito variada no mesmo período; sua conexão com o estado do progresso é incerta, e é desta espécie de incerteza que falo.
Ao aumentar a quantidade dos vários minerais e metais que são retirados das entranhas da terra, e das pedras mais preciosas, em particular, a eficácia da indústria humana parece não estar limitada, mas sim ser totalmente incerta.
A quantidade dos metais preciosos que se pode achar em qualquer país é limitada tão somente por sua situação local, assim como a fertilidade ou esterilidade de suas minas. Aqueles metais frequentemente abundam em países que não possuem minas. Sua quantidade em qualquer país parece depender de duas circunstâncias: primeira, em seu poder de compra, no estado de sua indústria, da produção anual de sua terra e de seu trabalho, em consequência do que pode permitir-se empregar uma maior ou menor quantidade de trabalho e subsistência para transportar ou comprar superfluidades, assim como ouro e prata, de suas próprias minas ou das de outros países; e segunda, da fertilidade ou esterilidade das minas que poderiam, num período qualquer, suprir o mundo comercial com aqueles metais. A quantidade daqueles metais nos países mais remotos das minas deve ser mais ou menos afetada por sua fertilidade ou esterilidade, pela facilidade e baixo preço do transporte daqueles metais, seu pequeno volume e grande valor. Sua quantidade na China e no Indostão deve ter sido mais ou menos afetada pela abundância das minas da América.
Enquanto sua “quantidade em qualquer dado país depende da primeira daquelas tuas circunstâncias (poder de compra), seu preço real, como o de todos os outros luxos e superfluidades, é passível de subir com a riqueza e o progresso do país e cair com sua pobreza e depressão. Os países que têm grande quantidade de trabalho e subsistência de sobra, podem se permitir comprar qualquer quantidade daqueles metais, a expensas de uma maior quantidade de trabalho e subsistência do que os países que têm menos excesso.
Enquanto sua quantidade, em qualquer país, depende da última das duas circunstâncias (a fertilidade ou não das minas que porventura venham a suprir o mundo comercial), seu preço real, a real quantidade de trabalho e subsistência que comprarão ou trocarão, sem dúvida cairá mais ou menos, em proporção à fertilidade, e subir em proporção à esterilidade daquelas minas.
A fertilidade ou não das minas, que numa dada época possa estar suprindo o mundo comercial, é uma circunstância que, é evidente, pode ter nenhuma conexão com o estado da indústria num dado país. Parece mesmo não ter conexão necessária com o do mundo, em geral. Com as artes e o comércio gradualmente se espalhando por parte cada vez maior da terra, a procura de novas minas, porém, com as antigas vindo a ser exauridas, é questão da maior incerteza, e tal que nenhuma habilidade ou indústria humana pode assegurar. Todas as indicações, é reconhecido, são duvidosas, e a descoberta real e a exploração bem-sucedida de uma nova mina são o que pode assegurar a realidade de seu valor, ou mesmo de sua existência. Nesta pesquisa parece não haver limites certos nem mesmo para o possível sucesso ou possível desapontamento da indústria humana. No curso de um século ou dois, é possível que novas minas sejam descobertas, mais férteis do que quaisquer jamais conhecidas, e é igualmente possível que a mina mais fértil então conhecida possa ser mais estéril do que qualquer uma explorada antes da descoberta das minas da América. Quer um, quer outro desses eventos ocorra, é de pouca importância para a real riqueza e prosperidade do mundo, para o real valor da produção anual da terra e trabalho da humanidade. Seu valor nominal, a quantidade de ouro e prata pela qual esta produção anual poderia ser expressa ou representada, sem dúvida, seria muito diferente, mas seu valor real, a quantidade real de trabalho que poderia comprar ou controlar, seria precisamente a mesma. Um shilling, num caso poderia representar não mais trabalho do que um penny, hoje; e um penny, no outro, poderia representar tanto quanto um shilling, hoje. Mas, num caso, aquele que tivesse um shilling no bolso não seria mais rico que aquele que tivesse um penny hoje; e no outro, aquele que tivesse um penny, estaria tão rico quanto o que tivesse um shilling agora. O baixo preço e a abundância das chapas de ouro e de prata seria a única vantagem que o mundo poderia derivar de um acontecimento, e o alto preço e a escassez daquelas superfluidades insignificantes, a única inconveniência que poderia sofrer com o outro.
EFEITOS DO PROGRESSO DOS APERFEIÇOAMENTOS NO PREÇO REAL DAS MANUFATURAS
É efeito natural dos melhoramentos diminuir gradativamente o preço real de quase todas as manufaturas. O preço de sua mão de obra diminui, talvez, em todas elas, sem exceção. Em consequência da melhor maquinaria, ou maior destreza, e uma divisão e distribuição mais apropriadas do trabalho, todas elas resultados naturais do progresso, uma quantidade muito menor de trabalho torna-se necessária para executar qualquer tarefa, e, pelas circunstâncias florescentes da sociedade, muito embora o preço real do trabalho deva elevar-se mui consideravelmente, a grande diminuição da quantidade geralmente mais do que compensará a maior elevação que possa ocorrer no preço.
Há, com efeito, umas poucas manufaturas em que a necessária elevação no preço real dos materiais brutos mais do que compensarão todas as vantagens que o progresso pode introduzir na execução do trabalho. No trabalho dos marceneiros e carpinteiros, e em seus trabalhos mais grosseiros, a necessária elevação no preço real da madeira, pelo aperfeiçoamento da terra, mais do que compensará todas as vantagens que podem ser derivadas da melhor maquinaria, da maior destreza e da divisão e distribuição do trabalho mais apropriadas.
Mas, em todos os casos em que o preço real dos materiais brutos ou não se eleva, absolutamente, ou não se eleva muito, o da mercadoria manufaturada baixa consideravelmente.
Esta diminuição do preço, ao longo do presente século, e do último, foi mais notável naquelas manufaturas cujos materiais são os mais grosseiros. Um melhor movimento de relojoaria, que por volta da metade do século passado poderia ter sido comprado por vinte libras, pode ser obtido agora, talvez, por vinte shillings. No trabalho dos cuteleiros e serralheiros, em todas as bagatelas feitas dos metais mais grosseiros, e em todos aqueles bens que são comumente conhecidos como produtos de Birmingham e Sheffield, tem havido, durante o mesmo período, uma grande redução de preço, se bem que não tão grande quanto na relojoaria. Não obstante, tem sido grande o bastante para surpreender os operários de todas as outras partes da Europa, que em muitos casos reconhecem não poder produzir trabalho de mesma excelência pelo dobro, ou mesmo o triplo do preço. Talvez não haja manufaturas em que a divisão do trabalho possa ser levada mais longe, ou em que a maquinaria empregada admita maior variedade de aperfeiçoamentos de que aquelas cujos materiais são os metais mais grosseiros.
Na manufatura de roupas no mesmo período não houve nenhuma dessas reduções sensíveis de preço. O preço do tecido superfino, foi-me asseverado, pelo contrário, nestes últimos 25 ou trinta anos, subiu um pouco em proporção à sua qualidade; devido, segundo dizem, a uma considerável elevação do preço do material, que consiste inteiramente de lã espanhola. O do tecido de Yorkshire, feito inteiramente de lã inglesa, de fato, diz-se que, neste século, caiu bastante em proporção à sua qualidade. A qualidade, no entanto, é questão tão discutível que vejo toda informação desta natureza como algo imprecisa. Na manufatura do tecido, a divisão do trabalho agora é quase a mesma que um século atrás, e a maquinaria empregada não é muito diferente. Podem ter feito alguns pequenos aperfeiçoamentos, que podem ter ocasionado a redução no preço.
Mas a redução aparecerá muito mais sensível e inegavelmente se compararmos o preço desta manufatura na atualidade com o que era num período muito mais remoto, pelo fim do século XIX, quando o trabalho era provavelmente muito menos subdividido e a maquinaria empregada, muito mais imperfeita do que atualmente.
Em 1487, no quarto ano do reinado de Henrique VII, foi decretado que “quem quer que venda a varejo uma jarda do tecido escarlate mais fino, ou outro tecido tinto do mais fino, acima de 16 shillings, será multado em quarenta shillings para cada jarda assim vendida”. Dezesseis shillings, portanto, contendo quase a mesma quantidade de prata quanto 24 shillings do nosso dinheiro, naquele tempo era reconhecido como preço razoável para uma jarda do tecido mais fino, e como esta é uma lei suntuária, tal tecido, é provável, usualmente era vendido um tanto mais caro. Um guinéu, pode-se admitir como o preço mais alto, atualmente. Mesmo que se supusesse igual a qualidade dos tecidos, e a da atualidade é, provavelmente, muito superior, mesmo com esta suposição, o preço em dinheiro do tecido mais fino parece ter sido consideravelmente reduzido desde o fim do século XV. Mas, seu preço real foi muito mais reduzido. Seis shillings e oito pence era então, e muito tempo depois, tido como o preço médio de um quarto de trigo. Dezesseis shillings, portanto, era o preço de dois quartos e mais de três alqueires de trigo. Avaliar um quarto de trigo, em nossos dias, por 28 shillings, o preço real de uma jarda de tecido fino deve, naqueles tempos, ter sido igual a pelo menos três libras, seis shillings e seis pence de nosso dinheiro atual. O homem que o comprava deve ter disposto da quantidade de trabalho e subsistência igual ao que aquela soma poderia comprar hoje em dia.
A redução no preço real da manufatura grosseira, mesmo que considerável, não foi tão grande como na da fina.
Em 1643, no terceiro ano do reinado de Eduardo IV, foi decretado que “nenhum servo rural, nem trabalhador comum, nem servo de qualquer artífice, habitando fora de uma cidade ou burgo, deverá usar ou vestir em suas vestimentas qualquer tecido acima de dois shillings a jarda”. Nesse terceiro ano de Eduardo IV, dois shillings continham quase a mesma quantidade de prata que quatro shillings do dinheiro atual. Mas o tecido de Yorkshire, que agora é vendido a quatro shillings a jarda, talvez seja muito superior a qualquer que então era feito para a roupa dos mais pobres dentre os servos comuns. Mesmo o preço em dinheiro de suas roupas pode, em proporção à qualidade, ser um pouco inferior no presente do que era antigamente. O preço real deve ser bem inferior. Dez pence era então o preço moderado e razoável de um alqueire de trigo. Dois shillings, pois, era o preço de dois alqueires e quase dois celamins de trigo, que hoje, a três shillings e seis pence o alqueire, valeria oito shillings e nove pence. Por uma jarda deste tecido, o servo pobre deve ter disposto do poder de compra de uma quantidade de subsistência igual ao que oito shillings e nove pence teriam comprado atualmente. Esta também é uma lei suntuária, restringindo o luxo e a extravagância dos pobres. Suas roupas, comumente, então, deveriam ter sido muito mais caras.
A mesma classe de pessoas, pela mesma lei, é proibida de vestir meias cujo preço exceda 14 pence o par, igual a cerca de 28 pence do dinheiro atual. Mas, 14 pence, naqueles tempos, era o preço de um alqueire e quase dois celamins de trigo, o que, atualmente, a três shillings e seis pence o alqueire, custaria cinco shillings e três pence. Atualmente, deveríamos considerar este como um preço muito alto para um par de meias para um criado da mais inferior e pobre classe. Naqueles tempos, deveria ter pago o que realmente era o equivalente a este preço por elas.
No tempo de Eduardo IV, a arte de tecer meias provavelmente não era conhecida em parte alguma da Europa. Eram feitas de tecido comum, o que pode ter sido uma das causas de seu alto preço. A primeira pessoa a usar meias na Inglaterra, diz-se, foi a rainha Elizabeth. Ela recebeu-as como presente do embaixador espanhol.
Na manufatura da lã, tanto fina como grosseira, a maquinaria empregada era muito mais imperfeita naqueles tempos de antanho do que nos dias atuais. Recebeu posteriormente três aperfeiçoamentos capitais, e vários outros pequenos, cujo número ou importância seria difícil determinar. Os três aperfeiçoamentos são: primeiro, a substituição da roca e do fuso pela fiação contínua, que, com a mesma quantidade de trabalho, fará mais que o dobro da quantidade de produto. Segundo, o uso de várias máquinas engenhosas que facilitam e abreviam numa proporção ainda maior o enrolamento do fio de lã, ou a disposição adequada da trama e da urdidura antes de serem colocadas no tear, operação que, antes da invenção dessas máquinas, deve ter sido extremamente tediosa e trabalhosa. Terceiro, o emprego do moinho de apisoar para o espessamento do tecido, em vez de passá-lo na água. Moinhos de água ou de vento eram conhecidos na Inglaterra antes do começo do século XVI, nem, tanto quanto se saiba, em qualquer outra região da Europa ao norte dos Alpes. Tinham sido introduzidos na Itália algum tempo antes.
A consideração destas circunstâncias talvez explique, em alguma medida, por que o preço real da manufatura fina e grosseira era tão mais alto naqueles tempos de outrora do que hoje. Custava uma maior quantidade de bens trazer os bens ao mercado. Quando eram levados ao mercado, deviam comprar ou trocar o preço de maior quantidade.
A manufatura grosseira provavelmente, nos tempos antigos, era exercida na Inglaterra do mesmo modo que nos países onde as artes e manufaturas estão em sua infância. Provavelmente era uma manufatura caseira, em que cada parte diferente do trabalho era ocasionalmente feita por todos os vários membros de quase cada família; mas este era seu trabalho quando nada mais havia a fazer, e não era para ser o principal negócio do qual algum deles derivasse a maior parte de sua subsistência. O trabalho executado destarte, já foi observado, chega sempre muito mais barato ao mercado do que aquele que é o principal ou único fundo da subsistência do trabalhador. A manufatura fina, por outro lado, naqueles tempos não era exercida na Inglaterra, mas no rico e comercial país de Flandres; e provavelmente era conduzida da mesma maneira que agora, por pessoas que derivavam toda, ou a principal parte de sua subsistência, dela. Além do mais, era uma manufatura estrangeira, e deve ter pago alguma taxa, o antigo costume da tonelagem ou libragem, pelo menos, para o rei. Esta taxa provavelmente não deve ter sido muito grande. Então não era a política da Europa restringir, por taxas elevadas, a importação de manufaturas estrangeiras, mas sim encorajá-la, para que os mercadores pudessem suprir, com tanta facilidade quanto possível, os grandes homens com as conveniências e luxos que queriam, e que a indústria de seu próprio país não lhes podia oferecer.
A consideração dessas circunstâncias pode, talvez, explicar-nos em alguma medida por que, antigamente, o preço real da manufatura grosseira era, em proporção ao da fina, tão inferior do que atualmente.
Notas
1 Voyages d’un Philosophe.
2 No Summary, de Douglas, vol., II, p. 372 - 373.
3 Plínio, X, 29.
4 Plínio, IX, 17.
5 Travels, de Kalm, vol.I, p. 343, 344.
6 V. Memoirs of Wool, de Smith, vol.I, caps. 5, 6 e 7; também vol. II, cap. 176.
LIVRO II
DA NATUREZA, ACUMULAÇÃO E EMPREGO DO CAPITAL
CAPÍTULO 1
DA ACUMULAÇÃO DO CAPITAL, OU DO TRABALHO PRODUTIVO OU IMPRODUTIVO
Há uma espécie de trabalho que acresce o valor do objeto a que é aplicado, e há outro que não tem tal efeito. O primeiro, ao produzir um valor, pode ser chamado produtivo; o outro, improdutivo. Assim, o trabalho de um manufatureiro acrescenta, geralmente, ao valor dos materiais que ele trabalha, o de sua própria manutenção, e o lucro de seu patrão. O trabalho de um serviçal, pelo contrário, acresce o valor de nada. Se bem que o manufatureiro tem seu salário adiantado pelo patrão, ele não custa nada ao patrão, o valor de seus salários sendo geralmente restaurados, com o lucro, no valor aumentado do objeto a que se aplicou o trabalho. Mas a manutenção de um serviçal nunca é restaurada. Um homem enriquece empregando uma multidão de operários; e fica pobre mantendo uma multidão de serviçais. O trabalho destes, porém, tem o seu valor, e merece sua recompensa tanto quanto os outros. Mas o trabalho do manufatureiro fixa-se e realiza-se em algum objeto em particular ou mercadoria vendável, que perdura ao menos algum tempo depois de passado o trabalho. É como se fosse certa quantidade de trabalho estocada e armazenada a ser empregada, se necessário, em alguma outra ocasião. Aquele objeto, ou o que dá no mesmo, o preço daquele objeto, pode, se for necessário depois, movimentar uma quantidade de trabalho igual à que originalmente o produziu. O trabalho do serviçal, ao contrário, não fixa nem se realiza em nenhum objeto em particular, ou mercadoria vendável. Seus serviços, geralmente, perecem no mesmo instante de sua execução, e raramente deixam qualquer sinal ou valor atrás deles, pelo qual uma igual quantidade de serviço poderia depois proporcionar.
O trabalho de algumas das classes mais respeitáveis da sociedade é, como o dos serviçais, não produtivo de qualquer valor, e não fixa nem realiza-se em nenhum objeto permanente, ou mercadoria vendável que dure depois de passado o trabalho, e pelo que uma igual quantidade de trabalho possa depois ser proporcionada. O soberano, por exemplo, com todos os oficiais de justiça e de guerra que servem sob ele, todo o exército e a marinha, são trabalhadores improdutivos. São os servos do público, e são mantidos por parte da produção anual da indústria de outras pessoas. Seus serviços, por mais honoráveis, úteis, ou necessários que sejam, nada produzem pelo que uma igual quantidade de serviço possa depois ser oferecida. A proteção, segurança e defesa da comunidade deste ano não comprará sua proteção, segurança e defesa para o ano que vem. Na mesma classe devem ser alinhadas algumas das mais graves e mais importantes e algumas das mais frívolas profissões: clérigos, advogados, médicos, homens de letras de todas as espécies, atores, bufões, músicos, cantores de ópera, dançarinos etc. O trabalho do menor destes tem um certo valor, regulado pelos mesmos princípios que regulam o de toda outra espécie de trabalho; e o do mais nobre e útil, nada produz que depois compraria ou proporcionaria uma igual quantidade de trabalho. Como a declamação do ator, a arenga do orador, ou a melodia do músico, o trabalho de todos eles perece no mesmo instante de sua produção.
Tanto os trabalhadores produtivos e improdutivos, e aqueles que absolutamente não trabalham, são igualmente mantidos pela produção anual da terra e do lavor do campo. Este produto, por maior que seja, nunca pode ser infinito, mas deve ter certos limites. Correspondentemente, conforme uma maior ou menor proporção dele seja em qualquer ano empregada na manutenção de mãos improdutivas, mais num caso e menos no outro, restará para os produtivos, e a produção do ano seguinte será maior ou menor, correspondentemente; toda a produção anual, excetuando-se as produções espontâneas da terra, sendo efeito do trabalho produtivo.
Mesmo toda a produção anual da terra e lavor do campo sendo, sem dúvida, ultimamente destinada a suprir o consumo de seus habitantes, e para proporcionar-lhes uma renda, quando vem primariamente da terra, ou das mãos dos trabalhadores produtivos, naturalmente divide-se em duas partes. Uma delas, e frequentemente a maior, é, primeiramente, destinada à substituição de um capital ou para renovar as provisões, materiais e trabalho que foram retirados de um capital; a outra, para constituir uma renda para o dono do capital, como seu lucro, ou para alguma outra pessoa, como a renda da terra. Assim, do produto da terra, uma parte substitui o capital do lavrador; a outra paga seu lucro e a renda do proprietário; e assim constitui uma renda tanto para o dono do capital como lucro, e para alguém mais, como renda da terra. Do produto de uma grande manufatura, do mesmo modo, uma parte, e sempre a maior, substitui o capital do empreiteiro, e a outra paga seu lucro, constituindo uma renda para o dono deste capital.
Aquela parte da produção anual e do lavor de todo campo que substitui um capital nunca é imediatamente empregada para manter mãos que não sejam produtivas. Paga apenas o salário do trabalho produtivo. Aquela que é destinada imediatamente para constituir renda, como lucro ou renda propriamente dita, pode manter indiferentemente mãos produtivas ou improdutivas.
Qualquer que seja a parte de seu estoque que um homem empregue como capital, sempre espera que lhe seja recolocada com um lucro. Emprega-a, portanto, para manter mãos produtivas apenas, e depois de ter lhe servido como capital constitui renda para os outros. Sempre que emprega qualquer parte dele para manter mãos improdutivas de qualquer espécie, aquela parte é, a partir daquele momento, retirada de seu capital, e colocada em seu estoque reservado para consumo imediato.
Os trabalhadores improdutivos, e todos aqueles que não trabalham, são mantidos por renda; quer, primeiramente, por aquela parte da produção anual que originalmente destina-se a constituir uma renda para determinadas pessoas, ou como a renda da terra, ou como lucros do capital; quer, secundariamente, por aquela parte que, se bem que originalmente destinada para recolocar um capital e manter trabalhadores produtivos apenas, quando lhes chega às mãos qualquer parte muito acima de sua subsistência necessária, pode ser empregada indiferentemente em manter mãos produtivas ou improdutivas. Assim, não só o grande latifundiário como o rico comerciante, mas também o trabalhador comum, se seus salários são consideráveis, podem manter um serviçal; ou pode às vezes ir ao teatro ou às marionetes, e assim contribuir com sua fração para manter um conjunto de trabalhadores improdutivos; ou pode pagar algumas taxas, e assim ajudar a manter outro conjunto, mais honorável e útil, realmente, mas igualmente improdutivo. Nenhuma parte da produção anual, porém, originalmente destinada a reconstituir um capital, é dirigida para a manutenção de mãos improdutivas, até depois de ter movimentado todo seu complemento de trabalho produtivo, ou tudo que poderia movimentar de modo que foi empregada. O trabalhador deve ter ganho seu salário pelo trabalho terminado antes de poder empregá-lo assim que qualquer maneira. Aquela parte também é geralmente pequena. É uma renda em excesso, apenas, da qual os trabalhadores produtivos raramente têm bastante. No entanto, geralmente eles dispõem de alguma, e no pagamento de taxas, a grandeza de seu número pode compensar, em alguma medida, a pequenez de sua contribuição. A renda da terra e os lucros do capital são, em todo lugar, as fontes principais das quais as mãos improdutivas derivam sua subsistência. Estas são as duas espécies de rendimento que mais sobram aos proprietários. Podem manter indiferentemente mãos produtivas ou improdutivas. Parecem, porém, ter predileção pelas últimas. A despesa de um grande lord alimenta, geralmente, mais pessoas ociosas do que industriosas. O rico comerciante, se bem que só mantenha pessoas trabalhadoras com seu capital, por sua despesa, ou seja, pelo emprego de seu rendimento, alimenta comumente de maneira exata a mesma espécie que o grande senhor.
A proporção, então, entre as mãos produtivas e improdutivas, depende muito, em cada país, da proporção entre aquela parte do produto anual que, vindo da terra ou das mãos dos trabalhadores produtivos, destina-se a recolocar um capital e aquela destinada a constituir um rendimento, quer como renda, quer como lucro. Esta proporção é muito diferente nos países ricos e nos países pobres.
Assim, atualmente, nos países opulentos da Europa, uma porção muito grande, frequentemente a maior, do produto da terra, destina-se a substituir o capital do lavrador rico e independente; a outra, para pagar seus lucros e a renda do proprietário. Mas antigamente, durante a prevalência do governo feudal, uma porção mínima da produção era suficiente para recolocar o capital empregado no cultivo. Consistia normalmente de algum gado esfomeado, mantido totalmente pela produção espontânea de terra não cultivada, e que poderia, então, ser considerado parte daquela produção espontânea. Geralmente, também, pertencia ao proprietário, que o adiantava aos ocupantes da terra. Todo o resto da produção pertencia-lhe também, como renda da terra ou como lucro deste capital desprezível. Os ocupantes da terra eram geralmente servos, cujas pessoas e efeitos eram igualmente propriedade. Aqueles que não eram servos eram rendeiros, e se a renda que pagavam era geralmente pouco mais que uma quitação, mas totalizava todo o produto da terra. Seu senhor sempre podia comandar seu trabalho na paz e seu serviço na guerra. Mesmo vivendo a certa distância de sua casa, eram tão dependentes deles quanto os que lá viviam. Mas todo o produto da terra indubitavelmente pertence àquele que pode dispor do trabalho e serviço de todos aqueles que mantém. No estado atual da Europa, a fração do proprietário raramente excede um terço, por vezes nem um quarto do produto total da terra. A renda da terra, porém, em todas as regiões progressistas, foi triplicada e quadruplicada, desde aqueles tempos antigos, e esta terça ou quarta parte do produto anual é, ao que parece, três ou quatro vezes maior que o total fora antes. Com o progresso, a renda, se bem que aumente em proporção à extensão, diminui em proporção ao produto da terra.
Nos países opulentos da Europa, grandes capitais são atualmente empregados no comércio e nas manufaturas. No estado antigo, o pequeno comércio que despertava, e as poucas manufaturas caseiras exercidas, requeriam capitais mínimos. Estes, porém, devem ter dado grandes lucros. A taxa de juros nunca era inferior a 10%, e seus lucros devem ter sido suficientes para suportar estes grandes juros. Presentemente, a taxa de juros, nas regiões adiantadas da Europa, nunca está acima de 6%, e em algumas das mais aperfeiçoadas é tão baixa quanto quatro, três e 2%. A parte da renda dos habitantes derivada dos lucros do capital é muito maior nos países ricos que nos pobres, porque o capital é muito maior: em proporção ao capital, os lucros em geral são muito menores.
Aquela parte da produção anual, que assim que vem da terra ou das mãos dos trabalhadores produtivos é destinada à reposição do capital, não só é muito maior nos países ricos que nos pobres, mas tem uma proporção muito maior em relação àquela que é imediatamente destinada a constituir um rendimento, como renda ou como lucro. Os fundos destinados à manutenção do trabalho produtivo são não só muito maiores no primeiro caso do que no último, mas têm uma proporção muito maior em relação àqueles que, empregados para manter mãos produtivas ou não, geralmente têm predileção por estas.
A proporção entre os diversos fundos necessariamente determina em todo país o caráter geral dos habitantes quanto à indústria ou ociosidade. Somos mais industriosos que nossos ancestrais; pois, na atualidade, os fundos destinados à manutenção da indústria são muito maiores em proporção àqueles que poderiam ser empregados na manutenção da ociosidade, dois ou três séculos atrás. Nossos ancestrais eram ociosos por falta de um encorajamento suficiente à operosidade. É melhor, diz o provérbio, jogar por nada do que trabalhar por nada. Nas cidades mercantis e manufatureiras, onde as classes inferiores do povo são principalmente mantidas pelo emprego do capital, são em geral industriosas, sóbrias e ambiciosas; como em muitas cidades inglesas e holandesas. Naquelas cidades que são sustentadas principalmente pela constante ou ocasional de uma corte, e em que as classes inferiores do povo são principalmente mantidas pelo gasto das rendas, são em geral ociosas, dissolutas e pobres; como em Roma, Versalhes, Compiègne e Fontainebleau. Excetuando Rouen e Bordéus, há pouco comércio ou indústria em qualquer das cidades parlamentares da França; e as classes inferiores do povo, sendo principalmente mantidas a expensas dos membros das cortes de justiça, e daqueles que vêm fazer petições perante eles, são em geral ociosas e pobres. O grande comércio de Rouen e Bordéus parece não ser totalmente efeito de sua situação. Rouen é necessariamente o entrepôt de quase todos os bens que são trazidos de países estrangeiros, ou das províncias marítimas de França, para o consumo da grande cidade de Paris. Bordéus, do mesmo modo, é o entrepôt das vinhas que crescem às margens do Garonne, e dos rios que desaguam nele, uma das mais ricas regiões vinhateiras do mundo, e que parece produzir o vinho mais adequado para exportação ou mais adequado ao gosto das nações estrangeiras. Tais situações vantajosas necessariamente atraem um grande capital pelo grande emprego que possibilitam; e a aplicação deste capital é a causa da indústria daquelas duas cidades. Nas outras cidades parlamentares da França, muito pouco capital parece ser empregado além do que é necessário para suprir o consumo próprio; isto é, pouco mais do que o mínimo que neles pode ser empregado. O mesmo pode ser dito de Paris, Madri e Viena. Destas três cidades, Paris é de longe a mais industriosa; mas a própria Paris é o mercado principal de todas as manufaturas lá estabelecidas, e o consumo próprio é o objeto principal de todo o comércio que exerce. Londres, Lisboa e Copenhaguen são, quiçá, as únicas três cidades europeias que são residência constante de uma corte, e simultaneamente consideradas cidades mercantis, ou que comerciam não só para o consumo próprio, mas para o de outras cidades e países. A situação de todas três é extremamente vantajosa e naturalmente as adéqua a serem entrepôts de grande parte dos bens destinados ao consumo em locais distantes. Numa cidade onde se gasta um grande rendimento, empregar vantajosamente um capital para qualquer outro fim que não seja suprir o consumo daquela cidade é provavelmente mais difícil do que numa em que as classes inferiores do povo não têm outra manutenção senão aquela que deriva do emprego desse capital. A ociosidade da maior parte do povo mantida a expensas de rendimento corrompe, é provável, a indústria daqueles que deviam ser mantidos pela aplicação do capital, e torna menos vantajoso empregar um capital ali do que alhures. Havia pouco comércio em Edimburgo antes da união. Quando o parlamento escocês não mais veio a se reunir ali, quando cessou de ser a residência necessária da principal nobreza e aristocracia escocesa, tornou-se cidade de algum comércio e indústria. Ainda continua, porém, a ser residência das principais cortes de justiça da Escócia, da Alfândega e Impostos etc. Um rendimento considerável, portanto, ainda continua a ser despendido lá. No comércio e na indústria, é muito inferior a Glasgow, cujos habitantes são principalmente mantidos pela aplicação de capital. Os habitantes de uma grande vila, por vezes já foi observado, depois de terem feito considerável progresso nas manufaturas, tornaram-se ociosos e pobres em consequência de um grande senhor ter estabelecido residência em suas vizinhanças.
A proporção entre o capital e o rendimento, portanto, em todo lugar parece regular a proporção entre a indústria e a ociosidade. Onde quer que o capital predomine, a indústria prevalece; onde a renda, a ociosidade. Todo aumento ou diminuição do capital, portanto, naturalmente tende a aumentar ou diminuir a real quantidade de indústria, o número de mãos produtivas e, por conseguinte, o valor de troca da produção anual da terra e do lavor do campo, a riqueza real e a renda de todos os seus habitantes.
Os capitais são aumentados pela parcimônia e diminuídos por prodigalidade e má conduta.
O que quer que uma pessoa economize de seu rendimento, acresce a seu capital, e emprega-o em manter um número adicional de mãos produtivas, ou capacita outra pessoa para tal, emprestando-lhe por um interesse, isto é, por uma fração dos lucros. Como o capital individual só pode aumentar pelo que economiza de sua renda anual, ou seus ganhos anuais, o capital de uma sociedade, que é o mesmo de todos os indivíduos que a compõem, só pode ser aumentado da mesma maneira.
A parcimônia, e não a indústria, é a causa imediata do aumento de capital. A indústria, de fato, provê aquilo que a parcimônia acumula. Mas o que quer que a indústria adquira, se a parcimônia não poupasse e armazenasse, o capital nunca seria maior.
A parcimônia, aumentando o fundo que é destinado para a manutenção das mãos produtivas, tende a aumentar o número daquelas mãos cujo trabalho acresce o valor do objeto no qual é aplicado. Tende, pois, a aumentar o valor de troca do produto anual da terra e do lavor do campo. Põe em movimento quantidade adicional de indústria, o que dá um valor adicional ao produto anual.
O que é anualmente poupado é regularmente consumido como o que é gasto anualmente, e quase ao mesmo tempo, também; mas é consumido por um grupo diferente de pessoas. Aquela porção de seu rendimento que um homem rico anualmente gasta é, na maioria dos casos, consumida por hóspedes ociosos e serviçais, que nada deixam atrás como retorno de seu consumo. Aquela porção que ele anualmente economiza, que em prol do lucro é imediatamente empregada como um capital, é consumida igualmente, e quase no mesmo tempo, também, mas por um conjunto diferente de pessoas, por trabalhadores, manufatores e artífices, que reproduzem com um lucro o valor de seu consumo anual. Sua renda é, suponhamos, paga em dinheiro. Se tivesse gasto o total, a comida, a roupa e a habitação, que o todo poderia ter comprado, este teria sido distribuído entre o primeiro conjunto de pessoas. Economizando uma parte, que pelo lucro é imediatamente empregada como capital, pela própria pessoa, ou por outra, a alimentação, a vestimenta e a habitação, que com ela podem ser compradas, são necessariamente reservadas para o segundo conjunto de pessoas. O consumo é o mesmo, mas os consumidores são diferentes.
Com o que um homem frugal anualmente economiza, não só paga a manutenção de um número adicional de mãos produtivas, para o ano em curso ou o seguinte, mas, como o fundador de uma oficina pública, que o estabelece como se fora um fundo perpétuo para a manutenção de um igual número para o futuro. A distribuição e destinação perpétuas deste fundo, com efeito, nem sempre estão guardadas por qualquer lei positiva, contrato ou mão-morta. É sempre guardado, porém, por um poderoso princípio, o claro e evidente interesse de cada indivíduo a quem caberá qualquer parte dele. Nenhuma parte dele depois jamais poderá ser empregada por mãos não produtivas, sem evidente perda da pessoa que assim o perverte de sua destinação adequada.
O pródigo perverte, assim, esse fundo: não confinando sua despesa à sua renda, usurpa o capital. Como aquele que perverte as rendas de alguma fundação pia para fins profanos, paga o salário da ociosidade com aqueles fundos que a frugalidade de seus ancestrais como que consagraram à manutenção da indústria. Diminuindo os fundos destinados ao emprego do trabalho produtivo, ele necessariamente diminui, tanto quanto dependa dele, a quantidade daquele trabalho que acresce valor ao objeto no qual é aplicado, e, consequentemente, o valor da produção anual da terra e trabalho de todo o campo, a real riqueza e renda de seus habitantes. Se a prodigalidade de alguns não fosse compensada pela frugalidade de outros, a conduta de todo pródigo, alimentando os ociosos com o pão dos industriosos, tende não só a empobrecer a si mesmo, mas a empobrecer o próprio país.
Mesmo sendo a despesa do pródigo totalmente feita em mercadorias de o próprio país, nenhuma parte em mercadoria estrangeira, seu efeito sobre os fundos produtivos da sociedade ainda seria o mesmo. Todo ano ainda haveria uma certa quantidade de comida e vestuário que deveria ter mantido mãos produtivas empregada em mãos improdutivas. Todo ano, portanto, ainda haveria alguma diminuição no que de outro modo seria o valor da produção anual da terra e do lavor do campo.
Esta despesa, pode-se dizer, de fato, não sendo em bens estrangeiros, não ocasionando nenhuma exportação de ouro e prata, a mesma quantidade de dinheiro permaneceria sempre no país. Mas se a quantidade de comida e vestimenta, que assim foi consumida pelos improdutivos, fosse distribuída entre os produtivos, teriam reproduzido, com lucro, o valor total de seu consumo. A mesma quantidade de dinheiro, neste caso, igualmente teria permanecido no país, e, além do que, haveria uma reprodução de igual valor de bens de consumo. Haveria dois valores, em vez de um.
A mesma quantidade de dinheiro, também, não pode permanecer muito tempo em qualquer país em que o valor da produção anual diminui. O único uso do dinheiro é circular bens consumíveis. Por meio dele, provisões, materiais e trabalho acabado são comprados e vendidos e distribuídos a seus consumidores certos. A quantidade de dinheiro, então, que pode ser empregada anualmente em qualquer país deve ser determinada pelo valor dos bens de consumo anualmente nele circulados. Estes devem consistir quer na produção imediata da terra e trabalho do campo, ou em algo que foi comprado com alguma parte daquele produto. Seu valor, portanto, deve diminuir quando o valor daquela produção diminui, e, juntamente com ela, a quantidade de dinheiro que pode ser empregada para sua circulação. Mas o dinheiro que, por esta diminuição anual da produção, é anualmente afastado da circulação interna, não será deixado inerte. O interesse de quem quer que o possua requer que ele seja empregado. Mas não tendo aplicação no país, a despeito de todas as leis e proibições, será enviado para o estrangeiro e empregado na compra de bens de consumo que possam ser de uso no país original. Sua exportação anual assim continuará deste modo, por algum tempo, para acrescer algo ao consumo anual do país além do valor da própria produção anual. O que nos dias de prosperidade foi economizado daquela produção anual, e empregado na produção de ouro e prata, contribuirá, por um pouco de tempo, para suportar seu consumo na adversidade. A exportação de ouro e prata é, neste caso, não a causa, mas o efeito de seu decaimento, e pode mesmo, por pouco tempo, aliviar a miséria daquele declínio.
A quantidade de dinheiro, pelo contrário, em todo país, deve naturalmente aumentar com o aumento do valor da produção anual. O valor dos bens de consumo anualmente circulado dentro da sociedade sendo maior requererá maior quantidade de dinheiro para circulá-los. Uma parte do produto aumentado naturalmente será empregada na compra, sempre que necessária, da quantidade adicional de ouro e prata necessária para circular o resto. O aumento desses metais, neste caso, será o efeito, e não a causa, da prosperidade pública. O ouro e a prata são comprados em todo lugar, da mesma maneira. Alimentação, vestuário e alojamento, a renda e manutenção de todos cujo trabalho e capital são empregados em trazê-los da mina ao mercado, é o preço pago por eles tanto no Peru como na Inglaterra. O país que tem este preço para pagar nunca ficará muito tempo sem a quantidade desses metais de que precisar; e nenhum país reterá por muito tempo uma quantidade de que não necessita.
O que quer que possamos imaginar em que consista a riqueza e o rendimento real de um país, no valor da produção anual de sua terra e trabalho, como a simples razão parece ditar, ou na quantidade dos metais preciosos que nele circulam, como o preconceito vulgar supõe; de qualquer modo, todo pródigo parece ser um inimigo público e todo homem frugal, um benfeitor público.
Os efeitos da má conduta são frequentemente os mesmos da prodigalidade. Todo projeto não judicioso e malsucedido na agricultura, mineração, pesca, comércio ou manufaturas, tende, do mesmo modo, a diminuir os fundos destinados à manutenção de trabalho produtivo. Em cada projeto desses, se bem que o capital seja consumido apenas por mãos produtivas, pela maneira pouco judiciosa com que é empregado, não reproduzem todo o valor de seu consumo, devendo haver sempre alguma diminuição no que de outro modo seriam os fundos produtivos da sociedade.
Dificilmente pode ocorrer que as circunstâncias de uma grande nação podem ser muito afetadas pela prodigalidade ou má conduta de seus indivíduos; a profusão ou imprudência de alguns sendo sempre mais que compensada pela frugalidade e boa conduta de outros.
Em relação à profusão, o princípio que predispõe à despesa é a paixão pela fruição presente que, por vezes violenta e muito difícil de ser restringida, em geral é apenas momentânea e ocasional. Mas o princípio que dispõe a economizar é o desejo de melhorar nossa condição, desejo que, se bem que em geral calmo e desapaixonado, vem conosco do nascimento, e nunca nos deixa até que vamos ao túmulo. Em todo o intervalo que separa estes dois momentos, raramente há um só instante em que um homem esteja perfeita e completamente satisfeito com sua situação, de modo a ficar sem qualquer desejo de alteração ou aperfeiçoamento de qualquer espécie. Um aumento da fortuna é o meio pelo qual a maioria dos homens se propõe e deseja melhorar sua condição. É o meio mais vulgar e mais óbvio; e o meio mais provável de aumentar sua fortuna é economizar e acumular parte do que adquiriram, regular e anualmente, ou em algumas ocasiões extraordinárias. Se bem que o princípio da despesa prevaleça em quase todos os homens em algumas ocasiões, e em alguns homens em quase todas as ocasiões, na maioria dos homens, tomando todo o curso de suas vidas em média, o princípio da frugalidade não só parece predominar, mas predominar grandemente.
Em relação à má conduta, o número de empreendimentos prudentes e bem-sucedidos é sempre muito maior que os desajuizados e malsucedidos. Depois de todas as nossas queixas da frequência das falências, os desafortunados que caem nesta desgraça perfazem apenas pequena parte do número total engajado no comércio e nos negócios de toda espécie; não mais, talvez, do que um em cada mil. A falência é, talvez, a maior e mais humilhante calamidade que pode acometer um homem inocente. A maior parte dos homens, pois, é suficientemente cuidadosa para evitá-la. Alguns, com efeito, não a evitam, assim como alguns não evitam o patíbulo.
As grandes nações nunca são empobrecidas pela prodigalidade privada, mas, por vezes, são pela pública, bem como por má conduta. Toda, ou quase toda renda pública, na maioria dos países, é empregada em manter mãos improdutivas. Assim são as pessoas que compõem uma numerosa e esplêndida corte, um grande estabelecimento eclesiástico, grandes esquadras e exércitos, que, em tempo de paz, nada produzem, e que em tempo de guerra nada adquirem que possa compensar a despesa de sua manutenção, mesmo enquanto dura a guerra. Tais pessoas, como nada produzem, são todas mantidas pelo trabalho de outrem. Quando são então multiplicadas, a um número desnecessário, podem, num determinado ano, consumir fração tão grande desta produção, de modo a não deixar o suficiente para manter os trabalhadores produtivos, que deveriam reproduzi-lo no ano seguinte. O produto do ano seguinte passará a ser inferior ao do anterior, e a continuar esta mesma desordem, a do terceiro ano será ainda menor que a do segundo. Aquelas mãos improdutivas, que deveriam ser mantidas apenas por parte do excesso da renda do povo, pode consumir tamanha fração de seu rendimento total, assim obrigando tamanho número a dilapidar seus capitais, sobre os fundos destinados à manutenção do trabalho produtivo, que toda a frugalidade e boa conduta dos indivíduos poderão não compensar o desperdício e a degradação da produção ocasionados por esta dilapidação violenta e forçada.
Estas frugalidade e boa conduta, no entanto, na maioria das ocasiões, segundo a experiência, são suficientes para compensar não só a prodigalidade e má conduta privada dos indivíduos, mas a extravagância pública do governo. O esforço uniforme, constante e ininterrupto de cada homem para melhorar sua condição, o princípio do qual a opulência pública e nacional, bem como a privada, são originalmente derivadas, é frequentemente poderoso o bastante para manter o progresso natural das coisas rumo ao aperfeiçoamento, a despeito tanto da extravagância do governo quanto dos maiores erros de administração. Como o princípio desconhecido da vida animal frequentemente restaura a saúde e o vigor à constituição, a despeito não só da doença, mas das prescrições absurdas do médico.
A produção anual da terra e o trabalho de qualquer nação podem ser aumentados em seu valor tão somente aumentando o número de seus trabalhadores produtivos, ou das forças produtivas dos trabalhadores previamente empregados. O número de seus trabalhadores produtivos, é evidente, nunca pode ser aumentado em muito, senão em consequência de um aumento de capital ou dos fundos destinados a mantê-los. As forças produtivas do mesmo número de trabalhadores não pode ser aumentada, senão em consequência de alguma adição e aperfeiçoamento daquelas máquinas e instrumentos que facilitam e abreviam o trabalho, ou com uma divisão e distribuição mais apropriada do trabalho. Em qualquer caso, um capital adicional é quase sempre requerido. É por meio de um capital adicional, apenas, que o empreiteiro de qualquer trabalho pode prover seus trabalhadores com máquinas melhores ou fazer uma distribuição mais apropriada do emprego entre eles. Quando o trabalho a ser feito consiste de certo número de partes, manter todos os homens constantemente empregados de um modo requer capital muito maior do que onde cada homem é ocasionalmente empregado em cada parte diferente do trabalho. Quando então comparamos o estado de uma nação em dois períodos diferentes e encontramos que a produção anual de sua terra e trabalho é evidentemente maior no último que no primeiro, que suas terras estão mais bem cultivadas, suas manufaturas mais numerosas, e mais florescentes e seu comércio mais extenso, podemos estar certos de que seu capital deve ter aumentado no intervalo entre aqueles dois períodos, e que mais deve ter lhe sido acrescido pela boa conduta de alguns, mais do que aquilo que lhe foi retirado pela má conduta privada de outrem ou pela extravagância pública do governo. Mas acharemos ser este o caso de quase todas as nações em todas as épocas toleravelmente calmas e pacíficas, mesmo daquelas que não desfrutaram governos prudentes e parcimoniosos. Para formar um correto julgamento disto, de fato, devemos comparar o estado do país em períodos um tanto distantes uns dos outros. O progresso é frequentemente tão gradual que, em períodos próximos, o aperfeiçoamento não só não é sensível, mas do declínio de alguns ramos da indústria, ou de certos distritos do país, coisas que por vezes ocorrem com o país numa prosperidade geral, muitas vezes ergue-se a suspeita de que as riquezas e indústria do todo estão decaindo.
A produção anual da terra e o trabalho da Inglaterra, por exemplo, certamente é muito maior do que era, há pouco mais de um século, na restauração de Carlos II. Se bem que no presente, creio, duvidam disto, durante aquele período dificilmente se passavam cinco anos em que algum livro ou panfleto não fosse publicado, escrito com tal habilidade a ponto de ganhar autoridade junto ao público, e pretendendo demonstrar que a riqueza da nação estava caindo rapidamente, o campo despovoado, a agricultura negligenciada, as manufaturas decaindo e o comércio por fazer. Nem foram todas essas publicações panfletos partidários, a geração miserável da falsidade e venalidade. Muitos deles foram escritos por pessoas francas e muito inteligentes, que nada escreviam senão no que acreditavam, e por nenhuma outra razão senão por acreditarem naquilo.
O produto anual da terra, o trabalho da Inglaterra, novamente, foi certamente muito maior na Restauração do que podemos supor que fora cem anos antes, com a ascensão de Elizabeth. Neste período, também, temos toda a razão em acreditar, o país estava muito mais avançado em aperfeiçoamento do que cerca de um século antes, perto do fim das dissensões entre as casas de York e Lancaster. Mesmo então, provavelmente estava em melhor condição do que durante a conquista normanda, e na conquista normanda, melhor do que durante a confusão da heptarquia saxônica. Mesmo neste período primitivo, certamente foi um país mais progressista do que quando da invasão de Júlio César, quando seus habitantes estavam quase no mesmo estado que os selvagens da América do Norte.
Em cada um desses períodos, no entanto, não só havia mais profusão privada e pública, muitas guerras dispendiosas e desnecessárias, grande perversão da produção anual, da manutenção de mãos produtivas para as improdutivas; mas, às vezes, na confusão da discórdia civil, tamanho desperdício absoluto e destruição do capital, como se pode supor, que não somente retardou, como certamente o fez, a acumulação natural de riquezas, mas deixou o país, ao fim do período, mais pobre que no começo. Assim, no período mais feliz e afortunado de todos por que passou desde a Restauração, quantas desordens e infortúnios ocorreram, que se pudessem ter sido previstos, poder-se-ia esperar deles não só o empobrecimento, mas a ruína total do país? O fogo e a praga de Londres, as duas guerras holandesas, as desordens da Revolução, a guerra da Irlanda, as quatro dispendiosas guerras francesas de 1688, 1702, 1742 e 1756, juntamente com as duas rebeliões de 1715 e 1745. No decurso das quatro guerras francesas, a nação contraiu mais do que 145 milhões de débito, muito acima de todas as despesas anuais extraordinárias que ocasionaram, de modo que o total pode ser computado como, no mínimo, duzentos milhões. Tamanha fração do produto anual da terra e trabalho do país, desde a Revolução, foi empregada em diferentes ocasiões para manter um número extraordinário de mãos improdutivas. Mas se aquelas guerras não tivessem dado esta direção particular a tamanho capital, sua maior parte naturalmente seria empregada para manter mãos produtivas, cujo trabalho teria reposto, com lucro, o valor total de seu consumo. O valor da produção anual da terra e trabalho do país teria crescido consideravelmente a cada ano, e o aumento de cada ano teria aumentado ainda mais o do ano seguinte. Mais casas teriam sido construídas, mais terras teriam sido melhoradas, e aquelas que tivessem sido melhoradas previamente teriam sido mais bem cultivadas, mais manufaturas teriam sido estabelecidas, e aquelas já estabelecidas teriam sido mais estendidas; e a que alturas a riqueza real e a renda do país teriam então subido, talvez não seja fácil imaginar.
Mas embora a profusão do governo deva, indubitavelmente, retardar o progresso natural da Inglaterra rumo à riqueza e ao progresso, não conseguiu detê-lo. O produto anual de sua terra e trabalho é, indubitavelmente, muito maior no presente que foi na Restauração ou na Revolução. O capital, portanto, anualmente empregado no cultivar esta terra, e em manter este trabalho, deve semelhantemente ser muito maior. Em meio a todas as exações do governo este capital foi silencioso e gradualmente acumulado pela frugalidade privada e boa conduta dos indivíduos por seu esforço universal, contínuo e ininterrupto para melhorar a própria condição. Neste esforço, protegido pela lei e permitido pela liberdade de se esforçar da maneira mais vantajosa, que manteve o progresso da Inglaterra rumo à opulência e ao aperfeiçoamento em quase todas as eras anteriores, e que, espera-se, o faça em todo o tempo futuro. A Inglaterra, porém, como nunca foi abençoada com um governo muito parcimonioso, a parcimônia em nenhuma época foi a virtude característica de seus habitantes, é da mais alta impertinência a presunção, pois, dos reis e ministros, pretender vigiar a economia dos particulares e restringir sua despesa, por leis suntuárias ou pela proibição da importação de luxos estrangeiros. Eles mesmos é que sempre são os maiores esbanjadores da sociedade. Que eles cuidassem bem das próprias despesas e confiassem nos particulares. Se suas próprias extravagâncias não arruínam o Estado, a de seus súditos nunca o fará.
Como a frugalidade aumenta e a prodigalidade diminui o capital público, a conduta daqueles cuja despesa apenas iguala seu rendimento, sem acumular ou despender, nunca o aumenta nem o diminui. Algumas modalidades de despesa, entretanto, parecem contribuir mais para o crescimento da opulência pública do que outras.
O rendimento de um indivíduo pode ser gasto em coisas que são consumidas imediatamente, e nas quais a despesa de um dia não pode aliviar ou suportar a de um outro, ou pode ser gasta em coisas mais duráveis, que podem então ser acumuladas, e que na despesa de todo dia podem, à vontade, aliviar ou suportar e elevar o efeito da do dia seguinte. Um homem afortunado, por exemplo, pode gastar seu rendimento numa mesa profusa e suntuosa, manter grande número de serviçais e multidão de cães e cavalos; ou contentar-se com mesa frugal e poucos atendentes, pode gastar bastante adornando sua casa ou villa campestre, com edifícios úteis ou ornamentais, com mobília útil ou ornamental, em colecionar livros, estátuas, quadros, ou em coisas mais frívolas, joias, bugigangas, ou adornos engenhosos de várias espécies, ou, o que é mais insignificante, em acumular um grande guarda-roupa de roupas finas, como o favorito e ministro de um grande príncipe morreu há uns poucos anos. Se dois homens de igual fortuna gastassem sua despesa, um principalmente de um modo, o outro, diversamente, a magnificência da pessoa cuja despesa fosse principalmente em mercadorias duráveis estaria crescendo, a despesa de cada dia contribuindo um pouco para suportar e elevar o efeito da do dia seguinte; a do outro, ao contrário, não seria maior ao fim do período do que no começo. O primeiro, também ao fim do período, seria o mais rico dos dois. Teria um estoque de bens de alguma espécie, que mesmo não valendo tudo o que custou, sempre valeria alguma coisa. Nenhum traço ou vestígio da despesa do outro restaria, e os efeitos de dez ou vinte anos de profusão estariam tão completamente aniquilados como se nunca tivessem existido.
Assim como um modo de despesa é mais favorável que o outro para a opulência de um indivíduo, assim é com a de uma nação. As casas, a mobília, a vestimenta dos ricos, em pouco tempo, tornam-se úteis para as classes média e inferior do povo. Estes podem comprá-las quando seus superiores se cansam delas, e a comodidade geral do povo é assim aos poucos melhorada, quando este modo de despesa se torna universal entre os afortunados. Nos países que há muito têm sido ricos, frequentemente se encontrarão as classes inferiores do povo na posse de casas e mobília perfeitamente boas e inteiras, mas que não poderiam ter sido feitas para seu uso, originalmente. O que foi anteriormente a sede da família Seymour é agora uma hospedaria a caminho de Bath. O leito nupcial de Jaime I da Grã-Bretanha, que sua rainha trouxe consigo da Dinamarca, como presente de um soberano, digno de outro soberano, foi, há poucos anos, ornamento de uma cervejaria em Dumfermline. Em algumas cidades antigas, que há muito têm estado estacionárias, ou decaíram um pouco, por vezes, é difícil encontrar uma casa que tenha originalmente sido construída para seus atuais habitantes. Visitando-se essas casas, é comum encontrar-se muitas excelentes, se bem que antiquadas, peças de mobília, que ainda estão muito aptas para o uso, e que tampouco teriam sido feitas para tais pessoas. Nobres palácios, villas magnificentes, grandes coleções de livros, estátuas, quadros e outras curiosidades são frequentemente tanto um ornamento quanto uma honra, não só para a vizinhança, mas para todo o país ao qual pertencem. Versalhes é um ornamento e uma honra para a França; Stowe e Wilton, para a Inglaterra. A Itália ainda continua a cultivar alguma espécie de veneração pelo número de monumentos desta espécie que possui, apesar de que a riqueza que os produziu tenha decaído e o gênio que os planejou pareça estar extinto, talvez por não mais ter a mesma aplicação.
A despesa que é depositada em mercadorias duráveis também é favorável não só à acumulação, mas à frugalidade. Se uma pessoa a qualquer momento se exceder nisto, pode se recuperar sem se expor à censura pública. Reduzir em muito o número de seus servidores; reformar sua mesa, de grande profusão, para grande frugalidade; desfazer-se de sua equipagem, depois de tê-la acumulado, são mudanças que não podem escapar à observação de seus vizinhos, e que se supõe ser reconhecimento de prévia má conduta. Poucos, todavia, daqueles que uma vez foram tão infelizes a ponto de levar muito longe esta espécie de despesa, depois tiveram a coragem de se reformar, até que a ruína e a falência os obrigasse. Mas se uma pessoa, a qualquer tempo, teve grande despesa com edificações, mobília, livros ou quadros, nenhuma imprudência se pode inferir de sua mudança de conduta. Estas são coisas em que despesas acessórias são frequentemente tornadas desnecessárias pelas despesas anteriores; e quando uma pessoa cessa tais despesas, parece ter de fazê-lo não por ter excedido sua fortuna, mas porque já satisfez seu capricho.
A despesa, ademais, depositada em mercadorias duráveis, dá manutenção, comumente, a um maior número de pessoas do que é empregado na mais pródiga hospitalidade. De duzentas ou trezentas libras de provisões, que podem ser servidas num grande festival, metade, talvez, é lançada fora, e sempre há boa parte de abuso e desperdício. Mas se a despesa deste entretenimento fosse empregada para manter pedreiros, carpinteiros, tapeceiros, mecânicos etc., uma quantidade de provisões de igual valor poderia ser distribuída por um número ainda maior de pessoas que as teria comprado por bom dinheiro, sem lançar fora uma só onça. De um modo, ademais, esta despesa mantém mãos produtivas; de outro, improdutivas. De um modo aumenta, e de outro não, o valor de troca da produção anual da terra e do trabalho do país.
Por tudo isso não se deve entender que uma espécie de gasto indique um espírito mais generoso que outro. Quando um homem rico gasta sua renda principalmente na hospitalidade, compartilha grande parte dela com seus amigos e companheiros; mas quando ele a emprega na compra de mercadorias duráveis, usualmente gasta tudo com a própria pessoa, e não dá algo equivalente a outrem. A última espécie de despesa, então, especialmente quando dirigida para objetos frívolos, os pequenos ornamentos de vestuário e mobília, joias, bugigangas, bagatelas, frequentemente indica não só um temperamento superficial, mas vulgar e egoísta. O que quero dizer é que uma espécie de despesa como sempre ocasiona alguma acumulação de mercadorias valiosas, favorecendo mais a frugalidade particular, refletindo no aumento do capital público, e mantendo mais mãos produtivas do que improdutivas, conduz mais que a outra ao crescimento da opulência pública.
LIVRO III
DO DIFERENTE PROGRESSO DA OPULÊNCIA EM DIFERENTES NAÇÕES
CAPÍTULO 1
DO PROGRESSO NATURAL DA OPULÊNCIA
O grande comércio de toda sociedade civilizada é aquele desenvolvido entre os habitantes da cidade e os do campo. Consiste na troca do produto bruto pelo manufaturado imediatamente, ou pela intervenção do dinheiro ou de alguma espécie de papel que represente o dinheiro. O campo fornece à cidade os meios de subsistência e os materiais de manufatura. A cidade paga por este fornecimento devolvendo parte do produto manufaturado aos habitantes do campo. A cidade, onde não há, nem pode haver, qualquer reprodução de substâncias, pode-se dizer mui propriamente que ganha toda sua riqueza e subsistência do campo. Não devemos, porém, por causa disto, imaginar que o ganho da cidade é a perda do campo. Os ganhos de ambos são mútuos e recíprocos, e a divisão do trabalho, neste como em todos os outros casos, é vantajosa para todas as várias pessoas ocupadas nas várias ocupações em que se subdivide. Os habitantes do campo compram da cidade uma maior quantidade de bens manufaturados, com o produto de muito menor quantidade de seu próprio trabalho, do que deveriam ter empregado se tivessem tentado prepará-lo por si mesmos. A cidade permite um mercado para o excesso da produção do campo, ou o que está bem acima da manutenção dos lavradores, e é lá que os habitantes do campo trocam-no por algo que esteja em demanda entre eles. Quanto maior for o número e o rendimento dos habitantes da cidade, mais extenso é o mercado que permite aos do campo; e quanto mais extenso este mercado, tanto mais é vantajoso para o grande número. O cereal que cresce a uma milha da cidade vende-se nela pelo mesmo preço do que vem de vinte milhas de distância. Mas o preço deste último geralmente não só deve pagar a despesa do cultivo e do transporte até o mercado, mas também deve compensar os lucros ordinários da agricultura para o lavrador. Os proprietários e cultivadores do campo, portanto, que estão nas vizinhanças da cidade, muito além dos lucros ordinários da agricultura, ganham, no preço do que vendem, o valor total do carreto do mesmo produto que é trazido das regiões mais distantes, e têm, ademais, todo o valor de seu transporte no preço daquilo que compram. Compare-se o cultivo das terras na cercania de qualquer cidade considerável com o daquelas que estão a alguma distância, e poder-se-á satisfazer facilmente com quanto campo é beneficiado pelo comércio com a cidade. Dentre todas as absurdas especulações que foram propagadas concernentes à balança comercial, nunca se pretendeu que o campo perca com seu comércio com a cidade, ou a cidade com o campo, que o sustente.
Como a subsistência é, na natureza das coisas, anterior à comodidade e ao luxo, a indústria que proporciona a primeira deve necessariamente preceder a que ministra a última. O cultivo e o aperfeiçoamento do campo, portanto, que dá a subsistência, devem necessariamente ter precedência sobre o acréscimo da cidade, que fornece apenas as comodidades e o luxo. É apenas o produto do campo, ou o que está além da manutenção dos agricultores, que constitui a subsistência da cidade, que, portanto, só pode crescer com o crescimento do excesso daquela produção. A cidade, de fato, nem sempre pode derivar toda sua subsistência do campo em suas vizinhanças, ou mesmo do território ao qual pretende, mas de países distantes; e isto, não formando exceção à regra, ocasionou consideráveis variações no progresso da opulência em diferentes eras e nações.
Aquela ordem de coisas que a necessidade impõe em geral, embora em nenhum país em particular, é, em cada país, promovida pelas naturais inclinações humanas. Se as instituições humanas nunca tivessem distorcido aquelas inclinações naturais, as cidades em nenhum lugar poderiam ter crescido além do que a melhoria e cultivo do território em que se situam poderia suportar; até tal época, pelo menos, todo aquele território era completamente cultivado e cuidado. Perante os mesmos, ou quase os mesmos lucros, a maioria escolherá empregar seus capitais mais na melhoria e no cultivo da terra que em manufaturas ou comércio exterior. O homem que emprega seu capital na terra tem-no mais sob sua vista e comando, e sua fortuna é muito menos sujeita a acidentes do que a do comerciante, que é frequentemente obrigado a confiá-la não só aos ventos e às ondas, mas aos elementos mais incertos da insensatez e injustiça humana, dando grande crédito em países distantes a homens com cujo caráter e situação ele raramente pode estar bem familiarizado. O capital do proprietário da terra, ao contrário, que é fixado na melhoria de sua terra, parece estar tão seguro quanto a natureza dos negócios humanos pode admitir. É também a beleza do campo, os prazeres da vida camponesa, a paz de espírito que promete, e sempre que a injustiça das leis humanas não a perturba, a independência que efetivamente proporciona têm encantos que atraem a todos, mais ou menos; e como o cultivo do solo foi o destino original do homem, em cada estágio de sua existência ele parece reter uma predileção por esta primitiva ocupação.
Sem a assistência de alguns artífices, com efeito, o cultivo da terra não pode ser feito senão com grande inconveniência e contínua interrupção. Ferreiros, carpinteiros, carroceiros, pedreiros, tanoeiros, sapateiros e alfaiates são pessoas cujos serviços são frequentemente necessários ao agricultor. Tais artífices, também, ocasionalmente têm necessidade uns dos outros; e como sua residência, como a do campônio, não é necessariamente fixa a um determinado local, naturalmente alojam-se nas vizinhanças uns dos outros, e assim formam uma cidadezinha, ou vilarejo. O açougueiro, o cervejeiro e o padeiro logo juntam-se a eles, junto com outros artesãos e merceeiros, necessários ou úteis para suprir suas necessidades ocasionais, e que contribuem para aumentar ainda mais o povoado. Os habitantes da cidade e do campo são mutuamente os servos uns dos outros. A cidade é uma feira, ou mercado, contínua, à qual concorrem os habitantes do campo para trocar seu produto bruto pela manufatura. É este comércio que abastece os habitantes da cidade com os materiais de seu trabalho e meios de sua subsistência. A quantidade do trabalho acabado que eles fornecem aos habitantes do campo necessariamente regula a quantidade dos materiais e provisões que eles compram. Nem seu emprego nem sua subsistência, portanto, podem aumentar senão na proporção do aumento da demanda do campo pelo trabalho acabado; e esta demanda só pode aumentar em proporção à extensão das melhorias e do cultivo. Se as instituições humanas, portanto, nunca tivessem perturbado o curso natural das coisas, a riqueza progressiva e o crescimento das cidades seriam, em qualquer sociedade política, consequente, e proporcional ao aperfeiçoamento e cultivo do território ou do campo.
Em nossas colônias da América do Norte, onde ainda se dispõe de terra inculta facilmente, nenhum manufatureiro para vendas a distância ainda foi estabelecido em qualquer das cidades. Quando um artífice adquire um pouco mais de capital do que o necessário para continuar seu negócio de suprir os campos vizinhos, na América do Norte ele não tenta estabelecer uma manufatura para vendas a uma maior distância, mas emprega-o na compra e no trato de terra inculta. De artífice torna-se lavrador, e nem os grandes ganhos nem a fácil subsistência que aqueles campos dão aos artífices podem seduzi-lo a trabalhar para outrem e não para si mesmo. Ele percebe que um artífice é o servo de seus fregueses, dos quais deriva sua subsistência, mais que um lavrador que cultiva sua própria terra, e deriva suas necessidades do trabalho de sua própria família, é realmente patrão e independente do mundo.
Em países, ao contrário, onde não há terras não cultivadas, ou nenhuma que possa ser obtida facilmente, todo artífice que adquiriu mais capital do que pode empregar nos ocasionais trabalhos das cercanias, procura preparar trabalho para vender a maior distância. O ferreiro faz alguma espécie de manufatura de ferro, o tecelão, alguma de linho ou de lã. Estas diversas manufaturas vêm, com o passar do tempo, a ser divididas gradualmente, e daí aperfeiçoadas e refinadas numa grande diversidade de maneiras, que podem ser facilmente concebidas e que é, pois, desnecessário explicar mais.
Ao se procurar emprego para um capital, as manufaturas, perante lucros iguais ou quase iguais, são naturalmente preferidas ao comércio exterior, pela mesma razão que a agricultura é naturalmente preferida às manufaturas. Assim como o capital do proprietário da terra ou do lavrador é mais seguro que o do manufatureiro, assim o capital deste, estando todo o tempo mais à sua vista e comando, é mais seguro que aquele do mercador. Em qualquer período, de fato, de qualquer sociedade, a parte em excesso, tanto do produto bruto quanto do manufaturado, ou daquele para o qual não há demanda no país, deve ser enviada alhures para ser trocada por algo de que haja alguma demanda no país original. Mas se o capital, que transporta este produto em excesso, é estrangeiro ou não, é de muito pouca importância. Se a sociedade não adquiriu capital suficiente para cultivar todas as suas terras e manufaturar completamente o total de sua produção bruta, ainda há uma considerável vantagem em exportar o produto bruto por um capital estrangeiro, para que o capital total da sociedade seja empregado para fins mais úteis. A riqueza do antigo Egito, a da China e do Indostão demonstram suficientemente que uma nação pode atingir um grau muito elevado de opulência mesmo que a maior parte de seu comércio de exportação seja exercida por estrangeiros. O progresso de nossas colônias norte-americanas e das Índias Ocidentais seria muito menos rápido se nenhum capital senão os seus próprios tivessem sido empregados para exportar seu excesso de produção.
De acordo com o curso natural das coisas, portanto, a maior parte do capital de toda sociedade progressista é primeiramente dirigido à agricultura, e depois às manufaturas e, finalmente, ao comércio exterior. Esta ordem de coisas é tão natural que em toda sociedade que já teve território sempre foi observada, creio. Algumas de suas terras devem ter sido cultivadas antes que quaisquer cidades consideráveis fossem estabelecidas, e alguma indústria grosseira de manufatura deve ter sido feita nestas cidades, antes que pudessem pensar em aplicar-se ao comércio exterior.
Mas muito embora esta ordem natural das coisas deve ter tomado lugar em algum grau em toda sociedade desse tipo, em todos os Estados modernos da Europa foi, quanto a muitos aspectos, inteiramente invertida. O comércio exterior de algumas de suas cidades introduziu todas as suas manufaturas finas, ou aquelas adequadas para as vendas a distância; e as manufaturas e o comércio exterior conjuntamente deram nascimento às principais melhorias na agricultura. Os usos e costumes que a natureza de seu governo original introduziu, e que permaneceram depois que aquele governo foi grandemente alterado, necessariamente forçaram-nas a esta ordem antinatural e retrógrada.
CAPÍTULO 2
COMO O COMÉRCIO DAS CIDADES CONTRIBUIU PARA O MELHORAMENTO DO CAMPO
O incremento e as riquezas das cidades comerciais e manufatureiras contribuiu para o aperfeiçoamento e cultivo dos países aos quais pertenciam de três diferentes maneiras.
Primeiro, permitindo um grande e pronto mercado para o produto bruto do campo, encorajaram seu cultivo e ulteriores melhorias. Este benefício não foi sequer confinado aos países onde se situavam, mas estendiam-se mais ou menos a todos com que tinham algum negócio. A todos eles ofereciam um mercado para alguma fração de seu produto, bruto ou manufaturado, e consequentemente deram algum encorajamento à indústria e fomento de todos. Seus próprios países, porém, por conta de seus vizinhos, necessariamente derivaram o maior benefício deste mercado. Seu produto bruto sendo onerado com menos transporte, os comerciantes podiam pagar aos cultivadores um preço melhor, e ainda oferecê-lo igualmente barato aos consumidores, bem como aos dos países mais distantes. Secundariamente, a riqueza adquirida pelos habitantes das cidades era com frequência empregada na compra das terras à venda, das quais grande parte frequentemente estaria sem cultivo. Os mercados comumente ambicionam tornarem-se proprietários rurais, e quando o fazem, geralmente são os que mais trazem melhorias. Um mercador está acostumado a empregar seu dinheiro principalmente em projetos lucrativos, ao passo que alguém que seja exclusivamente proprietário de terras está acostumado a empregá-lo, principalmente, em prodigalidade. Um frequentemente vê seu dinheiro afastar-se dele para retornar com um lucro; o outro, ao separar-se do dinheiro, raramente espera ver algo dele de novo. Estes diferentes hábitos naturalmente afetam suas disposições e temperamento em toda espécie de negócios. Um mercador é comumente um empreendedor ousado e o proprietário comum, tímido. Um não teme depositar de uma só vez um grande capital no aperfeiçoamento de sua terra, quando tem uma perspectiva provável de levantar seu valor, em relação à despesa. O outro, quando tem algum capital, o que não é sempre o caso, raramente se aventura a empregá-lo deste modo. Se ele chega a progredir, comumente não é com um capital, mas com o que pode economizar de sua renda anual. Quem quer que tenha tido a fortuna de viver numa cidade mercantil situada num país não adiantado, deve ter observado com frequência quão mais enérgicas as operações dos mercadores eram neste sentido que as dos gentis-homens rurais. Os hábitos, ademais, de ordem, economia e atenção aos quais os negócios mercantis geralmente conformam o comerciante tornam-no muito mais apto a executar, com lucro e sucesso, qualquer projeto ou melhoria.
Em terceiro e último lugar, o comércio e as manufaturas gradualmente introduziram a ordem e o bom governo, e com eles a liberdade e a segurança dos indivíduos, entre os habitantes do campo, que antes viviam num estado quase contínuo de guerra com seus vizinhos e de servil dependência a seus superiores. Este, se bem que o menos observado, é o mais importante de seus efeitos. O sr. Hume é o único que, até agora, tanto quanto sei, reparou nisto.
Num país que não tem nem comércio externo nem nenhuma das manufaturas mais finas, um grande proprietário, nada tendo pelo que possa trocar a maior parte do produto de suas terras, que supere a manutenção de seus lavradores, consome tudo na hospitalidade rústica, doméstica. Se o excesso da produção é suficiente para manter cem ou mil homens, ele só poderá usá-la mantendo esses cem ou mil homens. A todo momento, portanto, está cercado de uma multidão de cortesãos e dependentes, que, não tendo equivalente para dar em retorno por sua manutenção, mas sendo alimentados inteiramente pela bondade daquele, devem obedecê-lo, pela mesma razão que os soldados devem obedecer ao príncipe que os paga. Antes da expansão do comércio e da manufatura na Europa, a hospitalidade dos grandes e dos ricos, do soberano ao menor dos barões, excedia tudo o que na atualidade podemos facilmente imaginar. Westminster Hall era a sala de refeições de William Rufus, e muitas vezes pode não ter sido suficiente para sua companhia. Era reconhecido traço de magnificência em Thomas Beckett, que espalhava palha limpa ou junco quando era tempo deles, no seu salão, para que os cavaleiros e gentis-homens, que não conseguiam assentos, não sujassem suas roupas finas ao sentarem-se no chão para comer. Diz-se do grande conde de Warwick que entreteve em suas mansões, a cada dia, trinta mil pessoas, e muito embora o número possa ter sido exagerado, deve ter sido muito grande, para permitir um tal exagero. Uma hospitalidade quase do mesmo tipo era exercida, há não muitos anos, em várias partes do planalto escocês. Parece ser comum em todas as nações para as quais o comércio e as manufaturas são pouco conhecidas. “Já vi”, diz o dr. Pocock, “um chefe árabe jantar nas ruas de uma cidade onde viera vender seu gado e convidar todos os passantes, mesmo mendigos vulgares, para sentar-se com ele e compartilhar seu banquete”.
Os ocupantes da terra eram em tudo dependentes do grande proprietário, como seu séquito. Mesmo aqueles que não estavam no estado de vilanagem eram rendeiros voluntários, que pagavam uma renda de modo algum equivalente à subsistência que a terra lhes dava. Uma coroa, meia coroa, um carneiro, uma ovelha eram, há alguns anos, nas terras altas da Escócia, uma renda comum para terras que mantinham uma família. Em alguns lugares, assim é ainda hoje; nem o dinheiro, atualmente, comprará uma maior quantidade de bens lá do que em outros lugares. Num país em que o excesso da produção de grande propriedade deve ser consumido na propriedade mesmo, frequentemente será mais conveniente para o proprietário que parte dele seja consumida a certa distância da própria casa, desde que aqueles que a consumam sejam tão dependentes dele quanto seu séquito, ou seus criados. Ele assim salva-se do embaraço de uma companhia ou de uma família demasiado grandes. Um rendeiro que possua terra suficiente para manter sua família por pouco mais que sua quitação é tão dependente do proprietário quanto qualquer servo ou cortesão, e deve obedecê-lo também sem reservas. Um tal proprietário, alimentando seus servos e cortesãos em sua própria casa, também alimenta seus rendeiros em suas casas. A subsistência de ambos é derivada de sua munificência, e sua continuidade depende de sua boa vontade.
Sobre a autoridade que o grande proprietário necessariamente tinha num tal estado de coisas, sobre seus rendeiros e séquito, estava fundado o poder dos antigos barões. Necessariamente, tornavam-se juízes na paz e chefes na guerra de todos que ocupavam seus territórios. Podiam manter a ordem e executar a lei dentro dos respectivos domínios, porque ali cada um deles podia voltar a força de todos os habitantes contra a justiça de qualquer um. Nenhuma outra pessoa tinha suficiente autoridade para fazer assim. O rei, em particular, não tinha. Naqueles tempos antigos, ele era pouco mais do que o maior proprietário em seus domínios, a quem, em favor da defesa comum contra seus inimigos comuns, os outros grandes proprietários tributavam certo respeito. Ter forçado pagamento de pequeno débito, nas terras de um grande proprietário, onde todos os habitantes estavam armados e acostumados à união, teria custado ao rei, se tivesse tentado isto por sua própria autoridade, quase o mesmo esforço que para extinguir uma guerra civil. Ele era, portanto, obrigado a abandonar a administração da justiça pela maior parte do país àqueles que eram capazes de administrá-la; e pela mesma razão, deixar o comando das milícias das terras àqueles a quem as milícias obedeceriam.
É enganoso imaginar que aquelas jurisdições territoriais originaram-se da lei feudal. Não só as mais altas jurisdições, civis e criminais, mas o poder de levantar tropas, de cunhar moeda, e mesmo de legislar para o governo do próprio povo, eram todos direitos possuídos alodialmente pelos grandes proprietários da terra, vários séculos antes mesmo de o nome de lei feudal ser conhecido na Europa. A autoridade e a jurisdição dos senhores saxões da Inglaterra parece ter sido tão grande antes da Conquista do que a de quaisquer senhores normandos depois dela. Mas não se presume que a lei feudal tenha se tornado a lei comum da Inglaterra senão depois da Conquista. Que as mais extensas autoridade e jurisdição fossem possuídas pelos grandes senhores de França alodialmente, muito antes de a lei feudal ser introduzida naquele país, é fato que não admite dúvida. Aquela autoridade e jurisdições todas emanavam necessariamente do estado de propriedade e costumes até agora descritos. Sem remontar às antiguidades remotas, quer da monarquia francesa, quer da inglesa, podemos encontrar em tempos muito mais tardios muitas provas de que tais efeitos devem sempre dimanar de tais causas. Não foi nem há trinta anos que o senhor Cameron de Lochiel, um gentil-homem de Lochabar, na Escócia, sem nenhuma autorização legal, não sendo o que então era chamado um lord da realeza, nem vassalo direto, mas vassalo do duque de Argyle, e nem mesmo chegando a ser juiz de paz, costumava, apesar disto, a exercer a mais alta jurisdição criminal sobre seu povo. Diz-se ter agido assim com grande equidade, se bem que sem nenhuma formalidade da justiça; e não é improvável que o estado daquela parte do país naquele tempo tornou necessário para ele assumir esta autoridade para manter a paz pública. Aquele cavalheiro, cuja renda nunca excedeu quinhentas libras por ano, levou consigo, em 1745, oitocentos do seu povo à rebelião.
A introdução da lei feudal, longe de estender, pode ser vista como tentativa de moderar a autoridade dos grandes senhores alodiais. Estabeleceu uma subordinação regular, acompanhada de uma longa série de serviços e obrigações, do rei até o menor proprietário. Durante a menoridade do proprietário, a renda, juntamente com a administração de suas terras, caía nas mãos de seu superior imediato e, consequentemente, aquelas de todos os grandes proprietários, nas mãos do rei, que estava encarregado da manutenção e educação do pupilo, e que, por sua autoridade de guardião, supunha-se ter um direito de dispor dele em casamento, desde que fosse de modo não inadequado à sua categoria. Mas, embora esta instituição necessariamente tendesse a reforçar a autoridade do rei e de enfraquecer a dos grandes proprietários, não pôde ser suficiente para estabelecer a ordem e o bom governo entre os habitantes do campo, porque não podia alterar o bastante aquele estado da propriedade e costume dos quais surgiam as desordens. A autoridade do governo ainda continuava a ser, como antes, muito fraca na cabeça e muito forte nos membros inferiores, e a excessiva força dos membros inferiores era a causa da fraqueza da cabeça. Após a instituição da subordinação feudal, o rei era tão incapaz quanto antes de restringir a violência dos grandes senhores. Eles ainda continuavam a fazer a guerra de acordo com sua discrição, quase continuamente, uns com os outros, e muito frequentemente, contra o rei; e o campo ainda continuava a ser cena de violência, rapina e desordem.
Mas o que toda a violência das instituições feudais nunca poderia efetivar, a silenciosa e insensível operação do comércio externo e manufatureiros gradualmente acarretou. Estes gradualmente forneceram aos grandes proprietários algo pelo que eles poderiam trocar toda a produção em excesso de suas terras, e que podiam consumir por si próprios, sem dividir com cortesãos ou rendeiros. Tudo para nós mesmos e nada para os outros parece, em todas as eras do mundo, ter sido a vil máxima dos senhores da humanidade. Logo, portanto, que encontravam um meio de consumir todo o valor de suas rendas por si mesmos, não tinham mais disposição de dividi-las com alguém mais. Por um par de broches de diamante, talvez, ou por algo tão frívolo e inútil, trocaram a manutenção, ou o que dá no mesmo, o preço da manutenção de mil homens por um ano, e com isto todo o peso e a autoridade que isto lhes poderia dar. Os broches, porém, seriam só deles, e nenhuma outra criatura humana deveria ter qualquer parte deles; ao passo que no método mais antigo de despesa, deveriam compartilhar com pelo menos mil pessoas. Com os juízes que deveriam determinar a preferência, esta diferença era perfeitamente decisiva; e assim, para a gratificação das mais infantis, mesquinhas e mais sórdidas de todas as vaidades, gradualmente mercadejaram todo seu poder e autoridade.
Num país onde não há comércio exterior, nem nenhuma das manufaturas mais finas, um homem de dez mil por ano não pode empregar seus rendimentos de qualquer outro modo senão mantendo, talvez, mil famílias, que estão todas, necessariamente, a seu comando. No atual estado da Europa, um homem de dez mil por ano pode gastar todo seu rendimento, e geralmente o faz, sem manter diretamente vinte pessoas, ou poder comandar mais de dez infantes que não valem o comando. Indiretamente, talvez, ele mantém um grande número de pessoas, ou maior do que poderia ter feito pelo antigo método da despesa, pois, embora a quantidade de produtos preciosos pela qual ele troca sua renda seja muito pequena, o número de trabalhadores empregados na sua coleta e preparo necessariamente deve ter sido muito grande. Seu grande preço geralmente surge dos salários deste trabalho e dos lucros de todos os seus empregadores imediatos. Pagando aquele preço, paga indiretamente todos aqueles salários e lucros, e assim indiretamente contribui para a manutenção de todos os trabalhadores e seus patrões. Ele geralmente contribui, porém, com uma proporção mínima da manutenção de cada um deles, para uns poucos talvez um décimo, para muitos, nem um centésimo, para alguns, nem um milésimo, nem mesmo um décimo de milésimo de toda sua manutenção anual. Contribuindo, não obstante, para a manutenção de todos eles, são mais ou menos independentes dele, porque geralmente todos podem ser mantidos sem ele.
Quando os grandes proprietários rurais gastam suas rendas mantendo seus rendeiros e séquito, cada um deles mantém inteiramente todos os seus rendeiros e todo seu séquito. Mas quando eles gastam mantendo comerciantes e artífices, podem, todos tomados juntos, talvez, manter um número tão grande, ou, por conta do desperdício que acompanha a hospitalidade rústica, um número maior de pessoas do que antes. Cada um deles, entretanto, tomado isoladamente, contribui frequentemente com pequena fração para a manutenção de qualquer indivíduo deste maior número. Cada comerciante ou artífice deriva sua subsistência do emprego não de um, mas de cem ou mil diferentes fregueses. Se bem que em alguma medida devendo obrigação a todos eles, não é absolutamente dependente de nenhum deles.
A despesa pessoal dos grandes proprietários tendo destarte aumentado, era impossível que o número dos de seu séquito também não diminuísse gradativamente, até que fossem todos dispensados. A mesma causa gradativamente levou-os a dispensar aquela parte desnecessária de seus rendeiros. As herdades foram aplicadas, e os ocupantes da terra, não obstante as queixas de despopulação, reduzidos ao número necessário para cultivá-la, de acordo com o imperfeito estado de cultivo e melhorias daqueles tempos. Pela remoção das bocas desnecessárias, e extraindo do lavrador todo o valor de sua lavra, um maior excesso, ou, o que dá na mesma, o preço de um maior excesso foi obtido para o proprietário, com o que logo os mercadores e manufatureiros lhe forneceram um método de gastar com sua pessoa do mesmo modo que fizera com os demais. A mesma causa continuando a operar, ficou desejoso de elevar suas rendas acima do que suas terras, no estado atual de seu desenvolvimento, poderiam oferecer. Seus rendeiros poderiam concordar com isto apenas com uma condição, de que posses fossem asseguradas por um tal termo de anos até dar-lhes tempo de recuperar com lucro o que pudessem depositar num ulterior melhoramento da terra. A dispendiosa vaidade do senhor fê-lo aceitar voluntariamente esta condição; e daí a origem dos longos arrendamentos.
Mesmo um arrendatário que paga todo o valor da terra não é totalmente dependente do senhor. As vantagens pecuniárias que recebem um do outro são mútuas e iguais, e um tal arrendatário não exporá sua vida ou sua fortuna a serviço do proprietário. Mas se ele tem um arrendamento por muitos anos, ele é totalmente independente; e seu senhor não deve esperar dele o mínimo serviço além do que foi expressamente estipulado ou imposto pela comum e conhecida lei do campo.
Os rendeiros, destarte tendo se tornado independentes, e os seguidores sendo dispensados, os grandes proprietários não mais eram capazes de interromper a execução regular da justiça ou perturbar a paz do campo. Tendo vendido seu direito de primogenitura, não como Esaú por um prato de ervilhas no tempo da fome e da necessidade, mas do desregramento da abundância, por quinquilharias e bugigangas, mais apropriadas para brinquedos de crianças do que sérios objetivos de homens, tornam-se tão insignificantes quanto qualquer burguês bem-posto ou comerciante numa cidade. Um governo regular foi estabelecido no campo bem como na cidade, ninguém tendo força suficiente para perturbar sua operação tanto num como no outro.
Talvez não se relacione com o assunto presente, mas não posso deixar de observar que as famílias muito antigas, que possuíram propriedades consideráveis de pai para filho por muitas gerações sucessivas, são muito raras nos países mercantis. Nos países que têm pouco comércio, pelo contrário, assim como Gales ou o planalto escocês, são muito comuns. As histórias árabes parecem estar todas cheias de genealogias, e há uma história escrita por um certo Tartar Khan, que foi traduzida para várias línguas europeias, que mal contém algo mais; prova de que antigas famílias são muito comuns naquelas nações. Nos países onde um homem rico pode gastar suas rendas de nenhum outro modo senão mantendo tantas pessoas quantas puder, não está apto a arruinar-se, e parece que sua benevolência raramente é tão violenta a ponto de manter mais do que ele pode sustentar. Mas onde ele pode gastar os maiores rendimentos com sua própria pessoa, ele usualmente não tem limites em suas despesas, porque usualmente não tem limites para sua vaidade ou no afeto por sua própria pessoa. Nos países comerciais, portanto, as riquezas, a despeito das mais severas leis para prevenir sua dissipação, dificilmente permanecem por muito tempo na mesma família. Entre as nações simples, pelo contrário, costumeiramente permanecem, sem nenhuma legislação, e entre nações pastoris, como os tártaros e os árabes, a natureza de consumo de sua propriedade necessariamente torna tais leis impossíveis.
Uma revolução de grande importância para a felicidade pública foi deste modo causada por duas diferentes ordens de pessoas que não tiveram a mínima intenção de servir ao público. Pois gratificar a mais infantil vaidade era o único motivo dos grandes senhores. Os mercadores e artífices, muito menos ridículos, agiam meramente tendo em vista seu próprio interesse, e perseguindo seu próprio princípio de bufarinheiros, de ganhar um penny, onde quer que pudesse ser ganho. Nenhum deles tinha conhecimento, ou premonição, daquela grande revolução que a insensatez de um e a indústria do outro gradualmente acarretava.
É assim que, pela maior parte da Europa, o comércio e as manufaturas das cidades, em vez de serem o efeito, foram a causa e ocasião para o melhoramento e cultivo do campo.
Esta ordem, entretanto, sendo contrária ao curso natural das coisas, é necessariamente lenta e incerta. Compare-se o lento progresso daqueles países europeus cuja riqueza depende muito de seu comércio e manufaturas com o rápido avanço de nossas colônias norte-americanas, cuja riqueza é totalmente fundada na agricultura. Pela maior parte da Europa não se supõe que seu número de habitantes dobre em menos de quinhentos anos. Em várias de nossas colônias norte-americanas, dobrou em vinte ou 25 anos. Na Europa, a lei da primogenitura e perpetuidades de diversas espécies evitam a divisão das grandes propriedades, obstaculizando a multiplicação de pequenos proprietários. Um pequeno proprietário, porém, que conhece cada pedaço de seu pequeno território, que o vê com todo o afeto que a propriedade, especialmente a pequena, naturalmente inspira, e que por isto tem prazer não só em cultivá-la, mas em adorná-la, é de todos os cultivadores o mais industrioso, o mais inteligente e o mais bem-sucedido. As mesmas leis, aliás, mantêm tanta terra fora do mercado que há sempre mais capital para comprar do que há terra para vender, de modo que o que é vendido o é sempre a preços de monopólio. A renda nunca paga os juros do dinheiro da compra, além de ser onerada com gravames de manutenção e outras taxas ocasionais, às quais não está sujeito o interesse sobre o dinheiro. Comprar terras, em toda a Europa, é um emprego muito pouco lucrativo para um pequeno capital. A bem de uma superior segurança, realmente, um homem de posses moderadas, ao aposentar-se dos negócios, por vezes escolherá depositar seu pequeno capital em terras. Um homem de profissão liberal, também, cujo rendimento seja derivado de outra fonte, muitas vezes gosta de garantir suas economias da mesma maneira. Mas um jovem que, em vez de aplicar-se ao comércio ou a outra profissão, que empregue um capital de duas ou três mil libras na compra e no cultivo de uma pequena propriedade rural, de fato pode esperar viver muito feliz e independentemente, mas deve dizer adeus para sempre à esperança de grande fortuna ou grande ilustração, que por um diferente emprego de seu capital poderia ter a chance de adquirir com outras pessoas. Tal pessoa, também, se bem que não possa aspirar a ser um proprietário, desdenhará ser lavrador. A pequena quantidade de terra, portanto, que é levada ao mercado, e o alto preço daquela que o é, evita que um grande número de capitais seja empregado neste cultivo e melhoria, que de outro modo teriam tomado esta direção. Na América do Norte, ao contrário, cinquenta ou sessenta libras já é um capital com que se possa iniciar uma plantação. A compra e a melhoria de terra inculta lá é o mais lucrativo emprego dos capitais tanto menores quanto maiores, e o caminho mais direto a toda fortuna e ilustração que naquele país podem ser adquiridas. Tais terras, de fato, podem ser compradas por quase nada na América do Norte, ou a um preço muito abaixo do valor do produto natural — coisa impossível na Europa, ou, de fato, em qualquer país onde todas as terras há muito tempo têm sido propriedade privada. Se as herdades, porém, fossem divididas igualmente entre todos os filhos, à morte do proprietário que deixasse família numerosa, a propriedade geralmente viria a ser vendida. Tanta terra viria ao mercado que não mais poderia ser vendida a preço de monopólio. A renda livre da terra se aproximaria mais de pagar o interesse sobre a compra, e um pequeno capital poderia ser empregado em comprar terra tão lucrativamente como de qualquer outro modo.
A Inglaterra, por causa da natural fertilidade do solo, da grande extensão do litoral em proporção à extensão total do solo e dos muitos rios navegáveis que a atravessam e permitem a conveniência do transporte fluvial a algumas de suas regiões interiores, talvez esteja tão bem-dotada pela natureza quanto qualquer grande país da Europa para ser a sede de comércio exterior, de manufaturas para vendas a distância e de todos os melhoramentos para os quais possa haver ocasião. Desde o começo do reinado de Elizabeth, também, a legislação inglesa tem estado peculiarmente atenta aos interesses do comércio e manufaturas, e na realidade, não há país na Europa, não excetuando sequer a Holanda, cuja lei seja, em geral, mais favorável a esta espécie de indústria. O comércio e as manufaturas, correspondentemente, têm avançado durante todo este período. O cultivo e melhoramento do campo, sem dúvida, têm avançado também, mas parece ter seguido lentamente, e a distância, o progresso mais rápido do comércio e das manufaturas. A maior parte do campo deve provavelmente ter sido cultivada antes do reinado de Elizabeth e uma grande parte ainda permanece sem cultivo, e a lavra da maioria é muito inferior ao que deveria ser. A lei inglesa, porém, favorece a agricultura não só indiretamente, pela proteção do comércio, mas por vários encorajamentos diversos. Exceto em tempos de escassez, a exportação do cereal não só é livre, mas encorajada por um prêmio. Em tempos de abundância moderada, a importação de cereal estrangeiro é agravada com taxas que equivalem a uma proibição. A importação de gado vivo, exceto na Irlanda, é totalmente proibida, e só recentemente tem sido permitida. Aqueles que cultivam a terra, portanto, têm um monopólio contra seus conterrâneos quanto aos dois maiores e mais importantes artigos do produto da terra: o pão e a carne. Estes encorajamentos, se bem que no fundo, quiçá, como procurarei mostrar adiante, acabem ilusórios, demonstram suficientemente, pelo menos, a boa intenção da legislação em favor da agricultura. Mas o que é de muito maior importância do que tudo, a classe rural inglesa é tornada tão segura, independente e respeitável quanto a lei o pode fazer. Nenhum país, portanto, onde tem lugar o direito de primogenitura, que paga dízimos e onde as perpetuidades, se bem que contrários ao espírito da lei, sejam admitidos em alguns casos, pode dar maior encorajamento à agricultura que a Inglaterra. Apesar de tudo, é esse o estado do cultivo. O que teria acontecido se a lei não tivesse dado encorajamento direto à agricultura, além do que surge indiretamente do comércio, e tivesse deixado a classe rural na mesma condição que na maioria dos outros países da Europa? Já faz mais de duzentos anos desde o começo do reinado de Elizabeth, período tão longo quanto o curso da prosperidade humana usualmente suporta.
A França parece ter tido uma parte considerável do comércio exterior quase um século antes de a Inglaterra ter se distinguido como país mercantil. A marinha da França era considerável, de acordo com as noções do tempo, antes da expedição de Carlos VIII a Nápoles. O cultivo e melhoria da França, porém, no todo, é inferior ao da Inglaterra. A lei do campo nunca deu o mesmo encorajamento direto à agricultura.
O comércio exterior da Espanha e de Portugal com as outras regiões da Europa, se bem que principalmente exercido em navios estrangeiros, é mui considerável. O de suas colônias é exercido em seus próprios, e é muito maior, por causa das grandes riquezas e extensão daquelas colônias. Mas nunca introduziu quaisquer manufaturas consideráveis para vendas distantes em qualquer daqueles países, e a grande maioria, em ambos os casos, ainda permanece inculta. O comércio exterior de Portugal é mais antigo que qualquer outro grande país da Europa, exceto a Itália.
A Itália é o único grande país da Europa que parece ter sido cultivado e melhorado em todo lugar por meio de comércio externo e manufaturas para vendas a distância. Antes da invasão de Carlos VIII, a Itália, de acordo com Guicciardini, não era menos cultivada nas regiões mais montanhosas e estéreis do campo do que nas mais planas e férteis. A situação vantajosa do país, e o grande número de Estados independentes que na época subsistiam nele provavelmente contribuiu não pouco para este cultivo generalizado. Não é impossível, também, não obstante esta expressão geral do mais judicioso e reservado dos historiadores modernos, que a Itália naquela época não era mais bem cultivada que a Inglaterra no presente.
O capital, porém, que é adquirido em qualquer país por meio do comércio e das manufaturas, é todo uma possessão muito precária e incerta até que alguma parte dele foi assegurada e realizada no cultivo e melhoramento de suas terras. Um mercador, foi dito mui propriamente, não é necessariamente cidadão de qualquer país. Em grande medida, é indiferente para ele de que lugar exerce seu comércio; e um pequenino contratempo fá-lo-á remover seu capital, e com ele toda a indústria que suporta, de um país para outro. Nenhuma parte dele pode ser dita pertencente a qualquer país em particular, até ter se espalhado sobre a superfície do país, por assim dizer, em edifícios ou na melhoria duradoura das terras. Nenhum vestígio agora resta da riqueza que foi possuída pela maioria das cidades hanseáticas, exceto nas obscuras histórias dos séculos XIII e XIV. É até incerta a localização de algumas delas, ou a que cidades da Europa os nomes latinos dados a algumas delas pertencem. Mas, apesar dos infortúnios da Itália ao fim do século XV o começo do XVI, que grandemente diminuíram o comércio e as manufaturas das cidades da Lombardia e da Toscâna, aqueles países continuam entre os mais populosos e mais bem cultivados da Europa. As guerras civis de Flandres, e o governo espanhol que as sucedeu, afastou o grande comércio de Antuérpia, Gand e Bruges. Mas Flandres continua a ser uma das mais ricas, mais bem cultivadas e mais populosas províncias da Europa. As revoluções ordinárias da guerra e governos facilmente secam as fontes daquela riqueza que surge do comércio apenas. A que surge dos aperfeiçoamentos mais sólidos da agricultura é muito mais durável e não pode ser destruída, a não ser por aquelas convulsões mais violentas ocasionadas pelas depredações de nações hostis e bárbaras continuadas por um século ou dois, assim como as que aconteceram por algum tempo antes e depois da queda do Império romano, nas províncias ocidentais da Europa.
LIVRO IV
DOS SISTEMAS DE ECONOMIA POLÍTICA
INTRODUÇÃO
A economia política, considerada ramo da ciência do estadista ou legislador, propõe dois objetivos distintos: primeiro, proporcionar uma renda abundante, ou subsistência para o povo, ou, mais propriamente, permitir-lhe proporcionar uma tal renda ou subsistência para ele mesmo; e, segundo, suprir o Estado, ou a comunidade, com uma renda suficiente para os serviços públicos. Propõe-se a enriquecer o povo e o soberano.
O diferente progresso da opulência, em diferentes eras e nações, deu ocasião a dois sistemas diferentes de economia política, no que tange ao enriquecimento do povo. Um, pode ser chamado o sistema mercantil, o outro, a agricultura. Procurarei explicar ambos tão completa e distintamente quanto puder, e começarei com o sistema do comércio. É o sistema moderno, e é mais bem compreendido em nosso próprio país, em nosso próprio tempo.
CAPÍTULO 1
DO PRINCÍPIO DO SISTEMA COMERCIAL, OU MERCANTIL
Que a riqueza consista no dinheiro, ou no ouro e na prata, é uma noção popular que naturalmente origina-se da dupla função do dinheiro, como instrumento do comércio e como medida do valor. Em consequência de ser o instrumento do comércio, quando temos dinheiro podemos mais rapidamente obter o que quer que precisemos do que por meio de qualquer outra comodidade. O grande afazer, sempre descobrimos, é conseguir dinheiro. Quando ele é obtido, não há dificuldade em fazer qualquer compra subsequente. Em consequência de ele ser a medida do valor, estimamos o de todas as outras mercadorias pela quantidade de dinheiro pela qual serão trocadas. Dizemos de um homem rico que ele vale muito, e de um pobre, que vale muito pouco dinheiro. Um homem frugal, ou um homem ansioso de tornar-se rico, se diz que ama o dinheiro; e um homem descuidado, generoso ou pródigo, se diz que é indiferente a ele. Enriquecer é conseguir dinheiro; e a riqueza e o dinheiro, em suma, em linguagem comum, são considerados sinônimos em todos os aspectos.
Um país rico, do mesmo modo que um homem rico, supõe-se que seja um país onde abunde o dinheiro; e acumular ouro e prata em qualquer país é suposta a maneira mais pronta de enriquecê-lo. Por algum tempo após a descoberta da América, a primeira pergunta dos espanhóis, quando chegavam a qualquer costa desconhecida, costumava ser se podia encontrar ouro ou prata nas vizinhanças. Pela informação que recebiam, julgavam se valia a pena fazer um estabelecimento ali, ou se a região valia a conquista. Plano Carpino, um monge, enviado como embaixador do rei de França a um dos filhos do famoso Gêngis Khan, diz que os tártaros costumavam frequentemente perguntar-lhe se havia muitos carneiros e bois no reino de França. Sua pergunta tinha o mesmo objetivo daquele dos espanhóis. Queriam saber se o país era rico o bastante para valer uma conquista. Entre os tártaros, bem como entre todas as outras nações de pastores, que geralmente são ignorantes do uso do dinheiro, o gado é o instrumento do comércio e a medida do valor. A riqueza, então, de acordo com eles, consistia em gado, como de acordo com os espanhóis, consistia de ouro e prata. Das duas, a nação tártara, talvez, estava mais próxima da verdade.
O sr. Locke assinala uma distinção entre o dinheiro e outros bens móveis. Todos os outros bens móveis, diz ele, são de natureza tão volátil que a riqueza que deles consiste não pode ser muito confiável, e uma nação abundante delas num ano, sem nenhuma exportação, mas por desgaste e dispersão, poderá estar em grande falta deles no seguinte. O dinheiro, ao contrário, é um amigo constante, e se bem que possa passar de mão em mão, pode-se evitar que saia do país, e não é propenso a ser gasto e consumido. O ouro e a prata, pois, de acordo com ele, são a parte mais sólida e substancial da riqueza móvel de uma nação, e multiplicar esses metais deveria, por isso, diz ele, ser o grande objetivo de sua economia política.
Outros admitem que se uma nação pudesse ficar separada do mundo, não seria de qualquer consequência quanto, ou quão, pouco dinheiro circulasse nela. Os bens de consumo circulados por meio deste dinheiro só seriam trocados por um número maior ou menor de peças; mas a riqueza real ou pobreza do país, eles concedem, dependeria totalmente da abundância ou escassez desses bens de consumo. Mas é diferente, pensam eles, com os países que têm conexões ou nações estrangeiras, e que são obrigados a sustentar guerras externas e manter frotas e exércitos em países distantes. Isto, dizem eles, só pode ser feito mandando-se dinheiro para fora a fim de pagá-los; e uma nação não pode mandar muito dinheiro para fora, a menos que tenha bastante consigo. Cada nação dessas, portanto, deve procurar, em tempo de paz, acumular ouro e prata para, quando a ocasião requerer, poder ter o que levar às guerras externas.
Em consequência destas nações populares, todas as várias nações da Europa têm estudado, embora com escasso êxito, todo meio possível de acumular ouro e prata nos respectivos países. A Espanha e Portugal, proprietários das principais minas que suprem a Europa com aqueles metais, ou proibiram sua exportação sob as mais severas penalidades ou sujeitaram-na a uma taxa considerável. Uma tal proibição parece antigamente ter sido parte da política da maioria das outras nações europeias. Acha-se mesmo onde menos seria de esperar, em algumas velhas atas do parlamento escocês, que proíbem, sob pesadas penas, o transporte de ouro ou prata “para fora do reino”. Política semelhante teve lugar antigamente na França e na Inglaterra.
Quando estes países se tornam mercantis, os mercadores acham esta proibição, em muitas ocasiões, extremamente inconveniente. Frequentemente podiam comprar com mais vantagens com Ouro e prata do que com qualquer outra mercadoria, os bens estrangeiros que desejavam, para importar para si ou para levar a outro país estrangeiro. Protestaram, assim sendo, contra esta proibição tão danosa ao comércio.
Alegaram, inicialmente, que a exportação de ouro e prata, para comprar bens estrangeiros, nem sempre diminuía a quantidade destes metais no reino. Ao contrário, amiúde a aumentaria; pois se o consumo de bens estrangeiros não fosse aumentado no país, estes bens poderiam ser reexportados, e sendo lá vendidos com grande lucro poderiam trazer de volta maior tesouro do que o que originalmente fora enviado para comprá-los. O sr. Mun compara esta operação de comércio exterior ao tempo da semeadura e à colheita, da agricultura. “Se apenas contemplamos”, diz ele, “as ações do lavrador na semeadura, quando lançou muito bom cereal ao chão, podemos contá-lo como louco, e não como lavrador. Mas quando consideramos seus trabalhos na colheita, que é o fim de sua faina, achá-lo-emos abundante e valioso incremento de sua ação. “
Alegaram, em segundo lugar, que esta proibição não podia obstaculizar a exportação de ouro e prata, que, pelo pouco volume que ocupam, em proporção a seu valor, poderiam ser facilmente contrabandeados a bordo. Que esta exportação só poderia ser prevenida por uma atenção adequada ao que eles chamavam de balança comercial. Que quando o país exportava um valor maior que importava, tinha um crédito devido a ele, das nações estrangeiras, que lhe era necessariamente pago em ouro e prata, e portanto aumentaria a quantidade daqueles metais no reino. Mas, quando importava um valor maior do que exportava, um balanço contrário era devido às nações estrangeiras, que lhes era necessariamente pago da mesma maneira, e diminuindo aquela quantidade. Que, neste caso, proibir a exportação daqueles metais não preveniria, mas a tornaria mais perigosa, e portanto mais cara. Que a troca, assim, era voltada mais contra o país que devia do que poderia ser de outra maneira; o mercador que comprasse uma letra no país estrangeiro era obrigado a pagar ao banqueiro que a vendeu, não só pelo risco natural, trabalho e despesa do envio do dinheiro, mas pelo risco extraordinário originado pela proibição. Mas que quanto maior a troca fosse contra qualquer país, mais a balança comercial ficava contra ele; o dinheiro daquele país tornando-se necessariamente de menor valor em comparação com o do país ao qual devia o balanço. Que se a troca entre a Inglaterra e a Holanda, por exemplo, fosse 5% contra a Inglaterra, seriam precisas 105 onças na Inglaterra para comprar uma letra de cem onças de prata na Holanda; que 105 onças de prata na Inglaterra, então, valeriam apenas cem onças de prata na Holanda, e comprariam apenas uma quantidade proporcional de mercadorias holandesas; mas que cem onças de prata na Holanda, ao contrário, valeriam 105 onças na Inglaterra, e comprariam uma quantidade proporcional de bens ingleses; que os bens ingleses que eram vendidos à Holanda seriam vendidos igualmente mais baratos, e as mercadorias holandesas que eram vendidas à Inglaterra igualmente mais caras, pela diferença da troca; retirar-se-ia tanto menos dinheiro holandês para a Inglaterra quanto mais dinheiro inglês para a Holanda; e que a balança comercial, portanto, necessariamente seria deste tanto contra a Inglaterra, o que requereria um maior balanço de ouro e prata a ser exportado para a Holanda.
Estes argumentos eram em parte sólidos e em parte sofísticos. Eram sólidos enquanto asseveravam que a exportação do ouro e da parte no comércio poderia ser usualmente vantajosa para o país. Eram sólidos, também, ao asseverar que nenhuma proibição poderia prevenir sua exportação, quando particulares achavam vantagem em exportá-los. Mas eram sofísticos ao supor que preservar ou aumentar a quantidade daqueles metais requereria mais atenção do governo do que preservar ou aumentar a quantidade de qualquer outra mercadoria útil, que a liberdade de comércio, sem uma tal atenção, nunca deixa de suprir na quantidade certa. Eram sofísticos também, talvez, ao asseverar que o alto preço de troca necessariamente aumentava o que chamavam de balança comercial desfavorável, ou ocasionava a exportação de maior quantidade de ouro e prata. Aquele alto preço, de fato, era extremamente desvantajoso aos comerciantes que tinham qualquer dinheiro a pagar em países estrangeiros. Pagavam tanto mais caros pelas letras que seus banqueiros lhes concediam naqueles países. Muito embora o risco causado pela proibição pudesse ocasionar alguma despesa extraordinária aos banqueiros, não levaria necessariamente mais dinheiro para fora do país. Esta despesa geralmente seria toda depositada no país, ao contrabandear o dinheiro para fora dele, e raramente poderia causar a exportação de uma só moeda além da soma exata tratada. O alto preço da troca também naturalmente disporia os comerciantes a tentar fazer suas importações quase contrabalançar suas importações, para que pudessem ter esta elevada troca para pagar a menor soma possível. O alto preço da troca, ademais, necessariamente deve ter operado como uma taxa, elevando o preço das mercadorias estrangeiras, e assim diminuindo seu consumo. Tenderia, destarte, não a aumentar, mas a diminuir o que chamavam de balança comercial desfavorável, e, por conseguinte, a exportação de ouro e prata.
Tais como eram, entretanto, esses argumentos convenceram as pessoas a quem se dirigiam. Eram dirigidos dos comerciantes aos parlamentos e aos conselhos dos príncipes, aos nobres e aos senhores rurais, por aqueles que se supunha entenderem o comércio, àqueles que nada sabiam do assunto. Aquele comércio exterior enriquecia o país, a experiência demonstrava aos nobres e aos senhores rurais, bem como aos comerciantes; mas como, ou de que maneira, nenhum deles sabia bem. Os comerciantes sabiam perfeitamente de que maneira o comércio enriquecia a eles mesmos. Era seu ofício saber como. Mas saber de que maneira enriquecia ao país, não era parte de seus negócios. Este assunto nunca veio à sua consideração, senão quando tiveram ocasião de recorrer a seu país para algumas alterações nas leis relativas ao comércio exterior. Tornou-se então necessário dizer algo sobre os efeitos benéficos do comércio exterior, e da maneira pela qual aqueles efeitos eram obstruídos pelas leis, como então existiam. Para os juízes que deveriam resolver a questão, pareceu um relato mais que satisfatório da matéria, quando lhes foi dito que o mercado exterior trazia dinheiro para o país, mas que as leis em questão o obstaculizavam de trazer tanto quanto poderia. Estes argumentos, portanto, produziram o desejado efeito. A proibição de exportar ouro e prata, na França e na Inglaterra, foi confinada à moeda destes respectivos países. A exportação de moeda estrangeira e em lingotes estava liberada. Na Holanda, e em alguns outros lugares, esta liberdade foi estendida mesmo à moeda do país. A atenção do governo foi desviada de se prevenir contra a exportação de ouro e prata, para vigiar a balança comercial como a única causa que poderia motivar algum aumento ou diminuição daqueles metais. De um cuidado infrutífero, foi desviada para outro cuidado muito mais intrincado, mais embaraçante e igualmente infrutífero. O título do livro de Mun, England’s Treasure in Foreign Trade (O Tesouro inglês no comércio exterior), tornou-se máxima fundamental na economia política, não só da Inglaterra, mas de todos os outros países mercantis. O comércio interior, ou doméstico, o mais importante de todos, o comércio em que um mesmo capital permite o maior rendimento, e cria mais empregos para o povo do país, foi considerado subsidiário apenas do comércio exterior. Não trazia dinheiro para o país, dizia-se, nem levava nenhum para fora. O país, portanto, nunca poderia tornar-se mais rico ou mais pobre por seu intermédio, exceto enquanto sua prosperidade ou decadência pudesse indiretamente influenciar o estado do comércio exterior.
Um país sem minas precisa, sem dúvida, derivar seu ouro e sua prata de países estrangeiros, do mesmo modo que quem não tem vinhas precisa adquirir seus vinhos. Não parece necessário, porém, que a atenção do governo esteja mais voltada para um objetivo do que para o outro. Um país que tenha com que comprar vinho, sempre conseguirá comprar todo o vinho de que necessitar; e um país que tenha com que comprar ouro e prata, nunca terá necessidade de comprar aqueles metais. Confiamos, com perfeita segurança, que a liberdade de comércio, sem nenhuma atenção do governo, sempre nos fornecerá o vinho de que precisamos; e podemos confiar com igual segurança que ele sempre nos suprirá com todo o ouro e toda a prata que poderemos comprar ou empregar, quer para circular nossas mercadorias, quer para outros usos.
A quantidade de qualquer mercadoria que a indústria humana pode comprar ou produzir naturalmente se regula, em todo país, de acordo com a demanda efetiva ou de acordo com a demanda daqueles que estão desejosos de pagar toda a renda, trabalho e lucros que devem ser pagos para prepará-la e trazê-la ao mercado. Mas nenhuma mercadoria regula-se mais fácil ou mais exatamente de acordo com esta demanda efetiva do que o ouro e a prata, pois pelo pequeno volume e grande valor destes metais, nenhuma outra mercadoria pode ser mais facilmente transportada de um lugar para outro, dos lugares onde são baratos para aqueles onde são caros, dos lugares onde excedem para aqueles onde ficam aquém da demanda efetiva. Se houvesse na Inglaterra, por exemplo, uma demanda efetiva por uma quantidade adicional de ouro, um paquete poderia trazer de Lisboa, ou de onde quer que estivesse disponível, cinquenta toneladas de ouro, que poderiam ser cunhadas em mais de cinco milhões de guinéus. Mas se houvesse uma demanda efetiva de grão do mesmo valor, a sua importação requereria a cinco guinéus a tonelada, um milhão de toneladas embarcadas, ou mil navios de mil toneladas cada um. A marinha inglesa toda não bastaria para isto.
Quando a quantidade de ouro e prata importada para qualquer país excede a demanda efetiva, nenhuma vigilância do governo pode prevenir sua exportação. Todas as sanguinárias leis de Espanha e Portugal não podem conservar todo seu ouro e toda sua prata. As contínuas importações do Peru e do Brasil excedem a demanda efetiva destes países, e lá o preço destes metais cai abaixo do preço dos países vizinhos. Se, pelo contrário, em qualquer país em particular, sua quantidade caísse aquém da demanda efetiva, de modo a elevar seu preço acima do dos países vizinhos, o governo não teria ocasião para se dar ao trabalho de importá-los. E mesmo que se desse ao trabalho de prevenir sua importação, não conseguiria efetuá-la. Aqueles metais, quando os espartanos tiveram com que comprá-los, romperam todas as barreiras com que as leis de Licurgo se opunham à sua entrada na Lacedemônia. Todas as leis sanguinárias das alfândegas não conseguem evitar a importação dos chás das Companhias das Índias Ocidentais, da Holanda e Gottenburgh, porque são um pouco mais baratos que os da companhia britânica. Uma libra de chá, entretanto, tem umas cem vezes o volume de um dos preços mais altos, 16 shillings, que são comumente pagos pela prata, e mais de duas mil vezes o volume do mesmo preço em ouro, e consequentemente tantas vezes mais difícil de contrabandear.
Em parte é devido ao fácil transporte de ouro e prata de lugares onde são abundantes para aqueles onde são desejados que o preço daqueles metais não flutua continuamente como o da maioria das outras mercadorias, que são embaraçadas, por seu volume, de mudar sua situação, quando o mercado está super ou subestocado com elas. O preço daqueles metais, de fato, não é totalmente isento de variações, mas as mudanças a que estão sujeitos são geralmente lentas, graduais e uniformes. Na Europa, por exemplo, supõe-se, sem muito fundamento, talvez, que durante o curso do século atual e do precedente têm diminuído seu valor, constante, mas gradativamente, por conta das contínuas importações das Índias Ocidentais espanholas. Mas fazer qualquer alteração súbita no preço do ouro e da prata, de modo a elevar ou diminuir de súbito o preço, em dinheiro sensível e notavelmente, de todas as outras mercadorias requer uma tal revolução no comércio como aquela ocasionada pela descoberta da América.
Se, não obstante tudo isso, o ouro e a prata a qualquer tempo escasseassem num país que tenha com que comprá-los, há mais expedientes para substituí-los do que quase qualquer outra mercadoria. Se os materiais de manufatura estão em falta, a indústria deve parar. Se as provisões estão em falta, o povo deve passar fome. Mas se o dinheiro está em falta, a barganha o substituirá, se bem que com uma boa dose de inconveniências. Comprar e vender com crédito, e os vários negociantes compensando seus créditos uns com os outros, uma vez por mês ou por ano, o substituiria com menor inconveniência. Um papel-moeda bem regulado o substituiria, não só sem conveniência alguma, mas em alguns casos com algumas vantagens. Donde a atenção do governo nunca ter sido tão inutilmente empregada como quando dirigida a vigiar a preservação ou aumento da quantidade de dinheiro em qualquer país.
Nenhuma queixa, porém, é mais comum que a da falta de dinheiro. O dinheiro, como o vinho, deve sempre ser escasso junto àqueles que não têm com que comprar nem crédito para emprestar. Aqueles que têm ambos, raramente lhes faltará o dinheiro ou o vinho de que precisarem. Esta queixa, porém, da escassez de dinheiro nem sempre se confina a gastadores imprevidentes. Por vezes, generaliza-se por toda uma cidade mercantil e região à sua volta. O excesso de comércio é sua causa. Homens sóbrios, cujos projetos foram desproporcionais a seus capitais, estão sujeitos a não ter com que comprar o dinheiro, ou crédito para emprestá-lo, como pródigos cuja despesa foi desproporcional à sua renda. Antes que seus projetos cheguem a bom termo, seu estoque se foi, e seu crédito com ele. Correm por todos os lugares para emprestar dinheiro, e todos lhes dizem que não têm. Mesmo tais queixas generalizadas sobre a falta de dinheiro nem sempre provam que o número usual de peças de ouro e de prata estão circulando no país, mas que muitas pessoas querem aquelas peças, sem nada ter para trocar por elas. Quando os lucros do comércio vêm a ser maiores que os ordinários, o excesso de comércio torna-se um erro geral, entre os grandes e pequenos negociantes. Nem sempre enviam mais dinheiro para fora do que o usual, mas compram a crédito, no próprio país e no estrangeiro, uma incomum quantidade de mercadorias, que enviam a algum mercado distante na esperança de que o retorno virá antes da cobrança. A cobrança vem antes do retorno, e eles não têm nada na mão com que possam comprar dinheiro, ou dar uma sólida segurança para um empréstimo. Não é nenhuma escassez de ouro e prata, mas a dificuldade que tais pessoas têm para emprestar, e a que seus credores encontram para serem pagos, que ocasiona a queixa geral da escassez de dinheiro.
Seria mesmo ridículo dar-se ao trabalho de provar que a riqueza não consiste em dinheiro, ou em ouro e prata; mas naquilo que o dinheiro compra, e que é valioso apenas para comprar. O dinheiro, sem dúvida, faz sempre parte do capital de uma nação; mas já foi mostrado que geralmente compõe apenas pequena parte dele, e sempre a menos lucrativa.
Não é porque a riqueza consiste mais essencialmente em dinheiro que em bens, que o comerciante acha geralmente mais fácil comprar mercadorias com dinheiro do que dinheiro com mercadorias; mas porque o dinheiro é o instrumento conhecido e estabelecido do comércio, pelo qual tudo é rapidamente dado em troca, mas que nem sempre com a mesma presteza é conseguido em troca de tudo. A maior parte dos bens, além do mais, é mais perecível que o dinheiro, e pode-se ter uma perda muito maior ao retê-los. Quando seus bens estão à mão, ele também pode atender a demandas de dinheiro às quais não podia responder quando tinha seu preço em seus cofres. Acima de tudo, seu lucro aumenta mais diretamente da venda que da compra, e por tudo isso ele está geralmente muito mais ansioso para trocar suas mercadorias por dinheiro do que seu dinheiro por mercadorias. Mas se bem que um dado comerciante, com abundância de mercadorias em seu armazém, pode por vezes arruinar-se por não poder vendê-las em tempo, uma nação ou país não estão sujeitos ao mesmo acidente. Todo o capital de um comerciante costumeiramente consiste de bens perecíveis destinados a comprar dinheiro. É apenas uma pequeníssima parte do produto anual da terra e do trabalho de um país que pode ser destinada à compra de ouro e prata de seus vizinhos. A grande maioria é circulada e consumida internamente; e mesmo o excedente que é enviado ao estrangeiro, a maioria geralmente destina-se à compra de outras mercadorias estrangeiras. O ouro e a prata, portanto, não podendo ser trocados pelas mercadorias destinadas a comprá-las, a nação não ficaria arruinada. Poderia, com efeito, sofrer algumas perdas e inconvenientes, e ser forçada a alguns dos expedientes necessários para substituir o dinheiro. O produto anual de sua terra e seu trabalho, porém, seria o mesmo, ou quase, como sempre, porque o mesmo, ou quase o mesmo capital consumível seria empregado para mantê-lo. E mesmo que as mercadorias nem sempre trazem dinheiro tão prontamente quanto o dinheiro traz as mercadorias, a longo prazo, trazem-no mais necessariamente do que ao contrário. As mercadorias podem servir a muitos outros fins, além de comprar dinheiro, mas o dinheiro não pode servir a algum outro fim que não comprar mercadorias. O dinheiro, então, necessariamente corre atrás das mercadorias, mas estas nem sempre, nem necessariamente o fazem atrás do dinheiro. O homem que compra nem sempre pensa em revender, mas, muitas vezes, para usar ou consumir; ao passo que aquele que vende sempre quer comprar de novo. Um frequentemente pode ter completado, mas o outro, nunca fez mais que a metade de seu negócio. Não é pelo dinheiro em si que os homens o desejam; é pelo que podem comprar com ele.
As mercadorias de consumo, diz-se, são logo destruídas; ao passo que o ouro e a prata são de mais durável natureza, e se não fosse por sua contínua exportação, poderiam ser acumulados ao longo das eras, para um incrível aumento da riqueza real do país. Nada, portanto, presume-se, é mais desvantajoso para qualquer país do que o comércio que consiste na troca de tais mercadorias duradouras pelas perecíveis. No entanto, não admitimos como desvantajoso o comércio que consiste na troca de ferragens inglesas pelos vinhos franceses; mas as ferramentas são uma mercadoria muito durável, e se não fosse por esta exportação contínua, também poderiam ser acumuladas ao longo das eras, para um incrível aumento de potes e panelas de ferro no país. Mas logo ocorre que o número de tais utensílios em todo país é necessariamente limitado pelo uso que há para eles; e que seria absurdo ter mais potes e panelas do que o necessário para cozer as vitualhas usualmente ali consumidas; e que se a quantidade de vitualhas aumentasse, o número de potes e panelas logo cresceria com elas, parte da quantidade aumentada de vitualhas sendo empregada em sua compra ou em manter um número adicional de trabalhadores cujo ofício seja sua fabricação. Deveria tão prontamente ocorrer também que a quantidade de ouro e prata em todo país é limitada pela utilidade que há para esses metais; que seu uso consiste em circular as mercadorias como moeda, proporcionando uma espécie de utensílio doméstico na forma de baixela; e que a quantidade de moeda em todo país é regulada pelo valor das mercadorias que por ela tenham de ser circuladas: aumente-se este valor, e imediatamente parte dele será enviada ao estrangeiro para comprar, onde quer que esteja disponível, a quantidade adicional de moeda necessária para sua circulação; e que a quantidade de baixela é regulada pelo número e riqueza daquelas famílias que podem se permitir essa espécie de magnificência: aumente-se o número e a riqueza dessas famílias, e uma parte desta riqueza aumentada provavelmente será empregada em comprar, onde quer que esteja disponível, uma quantidade adicional de baixela; e que tentar aumentar a riqueza de qualquer país, introduzindo ou retendo nele uma quantidade desnecessária de ouro e prata, é tão absurdo quanto seria tentar melhorar o bom ânimo das famílias obrigando-as a conservar um número desnecessário de utensílios de cozinha. Como a despesa com a compra destes utensílios desnecessários diminuiria, ao invés de aumentar a excelência das provisões da família, a despesa da compra de uma quantidade supérflua de ouro e prata, em todo país, deve necessariamente diminuir a riqueza que alimenta, veste e aloja, que mantém e ocupa o povo. O ouro e a prata, quer na forma de moeda, quer em chapa, são utensílios, deve-se lembrar, tais como os utensílios de cozinha. Aumente a utilidade deles, aumentam as mercadorias de consumo que devem ser circuladas, geridas e preparadas por meio deles, e infalivelmente aumentará sua quantidade; mas se se tentar, por meios extraordinários, aumentar sua quantidade, infalivelmente se diminuirá o uso e mesmo a quantidade desses metais, que não podem nunca ser maiores que o que seu uso requer. Se eles viessem a ser acumulados além desta quantidade, seu transporte é tão fácil, e a perda que representa sua falta de movimentação e emprego é tão grande, que nenhuma lei conseguiria evitar que fossem logo mandados para fora do país.
Nem sempre é necessário acumular ouro e prata para permitir a um país levar a cabo guerras externas e manter frotas e exércitos em países distantes. As frotas e os exércitos são mantidos não com ouro e prata, mas com bens de consumo. A nação que, pelo produto anual de sua indústria doméstica, da renda anual originária de suas terras, trabalho e estoque de consumo, tem com que comprar aquelas mercadorias de consumo em países distantes, pode manter guerras externas lá.
Uma nação pode comprar o pagamento e provisões de um exército num país distante de três diferentes maneiras: enviando para fora, primeiro, uma parte de seu ouro e sua prata acumulados; ou, segundo, uma parte da produção anual de suas manufaturas; ou, afinal, uma parte de seu produto bruto anual.
O ouro e a prata, que podem propriamente ser considerados acumulados ou armazenados em qualquer país, podem ser distinguidos em três partes: primeira, o dinheiro circulante; segunda, a baixela das famílias particulares; e, finalmente, o dinheiro que possa ter sido coletado pela parcimônia de muitos anos e depositado no Tesouro do príncipe.
Raramente pode acontecer que muito possa ser poupado do dinheiro circulante no país; neste, dificilmente pode haver muita redundância. O valor das mercadorias anualmente compradas e vendidas em qualquer país requer uma certa quantidade de dinheiro para circulá-las e distribuí-las a seus consumidores, e não pode dar emprego a nada mais. O canal de circulação necessariamente retira para si uma quantidade suficiente para que se encha, e não admite mais. Algo, porém, é retirado deste canal, no caso de uma guerra estrangeira. Pelo grande número de pessoas mantidas fora, menos são mantidas no país. Menos mercadorias são aqui circuladas e menos dinheiro se torna necessário para circulá-las. Uma quantidade extraordinária de papel-moeda, de alguma espécie, assim como títulos do tesouro, bônus da marinha, letras bancárias, na Inglaterra, é geralmente emitida nestas ocasiões, e substituindo o lugar do ouro e da prata circulantes, dá oportunidade de enviar mais para o estrangeiro. Tudo isso, porém, daria um pobre recurso para manter uma guerra externa de grandes despesas e vários anos de duração.
A fusão da baixela das famílias particulares sempre foi da mais insignificante valia. Nos tempos atuais, excetuando o rei da Prússia, acumular tesouro não parece ser parte da política dos príncipes europeus.
Os fundos que mantiveram as guerras externas deste século, talvez as mais dispendiosas registradas pela história, parecem ter tido pouca dependência na exportação, quer do dinheiro circulante, quer da baixela das famílias, quer do Tesouro do príncipe. A última guerra francesa custou à Grã-Bretanha mais de noventa milhões, incluindo não só os 75 milhões do novo débito que foi contraído, mas, os dois shillings adicionais da taxa sobre a terra e o que era emprestado anualmente do fundo de amortização. Mais de dois terços desta despesa eram depositados em países distantes: na Alemanha, em Portugal, na América, nos portos do Mediterrâneo, nas Índias Orientais e Ocidentais. Os reis da Inglaterra não tinham tesouro acumulado. Nunca ouvimos falar de nenhuma quantidade de baixela sendo fundida. Supõe-se que o ouro e a prata circulantes no país não excedam 18 milhões. Desde a última recunhagem do ouro, porém, acredita-se que esta estimativa seja bem modesta. Suponhamos então, de acordo com o cômputo mais exagerado que me lembro de ter visto ou ouvido, que com o ouro e a prata juntos chegasse a trinta milhões. Se a guerra fosse feita com nosso dinheiro, todo ele deveria, de acordo com esta computação, ter sido enviado e retomado pelo menos duas vezes, num período entre seis e sete anos. Supondo-se isto, forneceria o argumento mais decisivo para demonstrar quão desnecessário é para o governo observar a preservação do dinheiro, pois por esta suposição todo o dinheiro do país deve ter saído dele e voltado, duas vezes distintas, num período tão curto, sem o conhecimento de alguém sobre o assunto. O canal de circulação, entretanto, nunca pareceu mais vazio do que em qualquer parte deste período. Poucas pessoas queriam dinheiro tendo com que pagar por ele. Os lucros do comércio exterior, de fato, eram maiores que o usual durante toda a guerra; mas em especial perto de seu fim. Isto ocasionou o que sempre ocasiona, um excesso de comércio em todas as regiões da Grã-Bretanha; e isto de novo ocasionou a queixa usual da falta de dinheiro, que sempre se segue ao excesso de comércio. Muitas pessoas queriam dinheiro, mas não tinham com que comprá-lo nem crédito para emprestá-lo; e como os devedores achavam difícil emprestar, os credores também achavam difícil serem pagos. O ouro e a prata, no entanto, geralmente eram aceitos por seu valor, por aqueles que tinham esse valor para dar por eles.
A enorme despesa da última guerra, portanto, deve ter sido principalmente amortizada não pela exportação de ouro e prata, mas pela das mercadorias inglesas de alguma espécie. Quando o governo, ou aqueles que por ele agiam, contraía com um mercador uma remessa a algum país estrangeiro, procuraria naturalmente pagar seu correspondente estrangeiro com quem havia contratado antes com mercadorias do que com ouro e prata. Se não houvesse demanda para as mercadorias inglesas naquele país, ele procuraria enviá-las a algum outro país, com o qual faria contrato. O transporte das mercadorias, quando adequadas ao comércio, é sempre provido com um considerável lucro; ao passo que o do ouro e o da prata raramente tem algum. Quando estes metais são enviados para fora meramente para pagar um débito, não têm retorno, e portanto não têm lucro. Ele naturalmente, então, exercita sua invenção para descobrir um meio de pagar seus débitos estrangeiros mais pela exportação de mercadorias do que pela de ouro e prata. A grande quantidade de mercadorias britânicas exportada durante o decurso da última guerra, sem trazer de volta nenhum retorno, é adequadamente observada pelo autor de O presente estado da nação.1
Além das três espécies de ouro e prata acima mencionadas, em todos os grandes países mercantis, há uma grande quantidade de lingotes alternadamente importada e exportada para fins de comércio exterior. Estes lingotes, ao circular por diferentes países mercantis do mesmo modo que a moeda nacional circula em cada país, podem ser considerados o dinheiro da grande república mercantil. A moeda nacional recebe seu movimento e direção das mercadorias circuladas dentro dos limites de cada país; o dinheiro da república mercantil, daquelas circuladas entre países diferentes. Ambas são empregadas para facilitar trocas, uma entre indivíduos de uma mesma nação, a outra, entre os de diferentes nações. Parte deste dinheiro da grande república mercantil pode ter sido, e provavelmente foi, empregada para conduzir a última guerra. Em tempo de guerra geral, é natural supor que um movimento e direção devam ser-lhe imprimidos, diferente do que segue usualmente numa profunda paz; que circule mais na sede da guerra, e que seja mais empregado em compras lá, e nos países vizinhos, a paga e as provisões dos vários exércitos. Mas qualquer que seja a parte deste dinheiro que a república mercantil da Grã-Bretanha possa ter anualmente empregado destarte, deve ter sido anualmente comprado, quer com mercadorias britânicas, quer com algo que foi comprado com elas; o que nos traz de volta às mercadorias, ao produto anual da terra e ao trabalho do campo como as fontes últimas que nos permitiram terminar a guerra. É, de fato, natural supor que uma despesa anual tão grande tenha sido amortizada de um grande produto anual. A despesa de 1761, por exemplo, totalizou mais de noventa milhões. Nenhuma acumulação suportaria tão grande profusão anual. Não há produção anual, nem mesmo de ouro e prata, que poderia tê-la suportado. Todo o ouro e a prata anualmente exportados para Espanha e Portugal, de acordo com as melhores contas, comumente não excede seis milhões de libras esterlinas, o que, em alguns anos, mal teria pago a despesa de quatro meses da última guerra.
As comodidades mais próprias para o transporte a países distantes, para lá comprar o pagamento e provisões de um exército, ou parte do dinheiro da república mercantil a ser empregado na sua compra, parecem ser as manufaturas mais finas e aperfeiçoadas; de modo a conter um grande valor num pequeno volume, podendo, portanto, ser exportadas para uma grande distância com pequena despesa. Um país cuja indústria produz um grande excesso anual de tais manufaturas, usualmente exportadas a países estrangeiros, pode dar continuidade, por vários anos, a uma mui dispendiosa guerra externa sem exportar qualquer quantidade considerável de ouro e prata, ou sequer tendo uma tal quantidade para exportar. Uma parte considerável do excesso anual de suas manufaturas deve, de fato, neste caso, ser exportada sem trazer de volta qualquer retorno ao país, muito embora o traga ao comerciante; o governo compra do mercador suas letras em países estrangeiros, para lá comprar o pagamento e provisões de um exército. Uma parte deste excesso, porém, pode ainda continuar a trazer um retorno. Os manufatureiros, durante a guerra, terão uma demanda dobrada delas, e serem solicitados primeiro, a produzir bens para serem enviados para fora, para pagar as letras nos países estrangeiros, para a paga e as provisões do exército; e segundo, para produzir o que é necessário para comprar o retorno comum que usualmente seria consumido no país. Em meio à mais destrutiva guerra externa, pois, a maior parte das manufaturas pode frequentemente florescer, e muito; e, ao contrário, podem declinar com o retorno da paz. Podem florescer em meio à ruína de seu país, e começar a decair com o retorno de sua prosperidade. O diferente estado de muitos ramos diferentes das manufaturas britânicas durante a última guerra, e por algum tempo após a paz, pode servir como ilustração do que acaba de ser dito.
Nenhuma guerra externa de grande despesa ou duração poderia ser levada a cabo pela exportação do produto bruto do solo. A despesa de enviar uma tal quantidade dele a um país estrangeiro, que possa pagar o soldo e as provisões de um exército, seria muito grande. Poucos países produzem muito mais produto bruto do que é suficiente para a subsistência de seus próprios habitantes. Enviar para fora qualquer grande quantidade dele, portanto, seria mandar para fora parte da subsistência necessária ao povo. É diferente com a exportação de manufaturas. A manutenção das pessoas empregadas nelas é mantida no país, e só a parte em excesso de seu trabalho é exportada. O sr. Hume frequentes vezes nota a incapacidade dos antigos reis da Inglaterra para levar a cabo, sem interrupção, qualquer guerra externa de grande duração. Os ingleses, naqueles dias, não tinham com que comprar o soldo e as provisões de seus exércitos em países estrangeiros senão com o produto bruto de seu solo, do qual nenhuma parte considerável poderia ser poupada do consumo doméstico, ou poucas manufaturas do tipo mais grosseiro, cujo transporte, bem como do produto bruto, era demasiado caro. Esta incapacidade não surgia da falta de dinheiro, mas da falta das mais finas e aperfeiçoadas manufaturas. Comprar e vender é executado por meio do dinheiro na Inglaterra, naquele tempo como agora. A quantidade de dinheiro circulante deve ter mantido a mesma proporção em relação ao número e valor das compras e vendas usualmente transacionadas naquela época do que nas transações presentes; ou deve ter tido uma maior proporção, porque então não havia papel, que agora ocupa grande parte do emprego do ouro e da prata. Dentre as nações para as quais o comércio e as manufaturas são pouco conhecidos, o soberano, em ocasiões extraordinárias, pode dificilmente tirar qualquer auxílio considerável de seus súditos, por razões que logo adiante serão explicadas. É em tais países, pois, em que o soberano geralmente procura acumular um tesouro, como o único recurso contra tais emergências. Independentemente desta necessidade, numa tal situação, ele está naturalmente disposto à parcimônia requerida para a acumulação. Naquele estado simples, a despesa mesmo de um soberano não é dirigida pela vaidade que se delicia no pomposo refinamente de uma corte, mas é empregada em subvenções a seus tenentes e hospitalidade aos cortesãos. Mas a beneficência e a hospitalidade dificilmente levam à extravagância; muito embora a vaidade quase sempre o faça. Todo chefe tártaro, assim sendo, tem um tesouro. Os tesouros de Mazepa, chefe dos cossacos da Ucrânia, o famoso aliado de Carlos XII, diz-se que foram muito grandes. Os reis franceses merovíngios, todos eles, tinham tesouros. Quando dividiram seu reino entre seus vários filhos, dividiram seu tesouro também. Os príncipes saxões, e os primeiros reis após a Conquista, igualmente parecem ter acumulado tesouros. O primeiro ato de todo novo reinado era comumente apossar-se do tesouro do rei precedente, como a medida mais essencial para garantir a sucessão. Os soberanos dos países avançados e comerciais não estão sob a mesma necessidade de acumular tesouros, porque podem geralmente tomar de seus súditos auxílios extraordinários em ocasiões extraordinárias. São também menos propensos a fazê-lo. Eles naturalmente, e quiçá necessariamente, seguem a moda dos tempos, e sua despesa passa a ser regulada pela mesma vaidade extravagante que dirige a de todos os outros grandes proprietários em seus domínios. A ostentação insignificante de sua corte torna-se cada dia mais brilhante, e sua despesa não só previne a acumulação, mas frequentemente ataca os fundos necessários para despesas mais necessárias. O que Dercílidas disse da corte persa pode ser aplicado à de vários príncipes europeus, que ele viu lá muito esplendor mas pouca força, e muitos servidores, mas poucos soldados.
A importação de ouro e prata não é o principal, muito menos o único benefício que uma nação deriva de seu comércio exterior. Entre quaisquer lugares onde há comércio exterior, todos derivam dele dois benefícios. Leva embora aquele excesso da produção da terra e do trabalho para o qual não têm demanda e traz de volta algo para o que há demanda. Dá algum valor ao seu supérfluo, trocando-o por algo mais, o que pode satisfazer parte de suas necessidades e aumentar sua fruição. Por meio dele, a estreiteza do mercado doméstico não atrapalha a divisão do trabalho em nenhum ramo da arte ou manufatura, para que seja levado à mais alta perfeição. Abrindo um mercado mais extenso para qualquer parte do produto de seu trabalho que possa exceder o consumo doméstico, encoraja-os a melhorar suas forças produtivas e aumentar sua produção anual ao máximo, assim aumentando a renda real e a riqueza da sociedade. Estes grandes e importantes serviços o comércio exterior está continuamente ocupado em exercer para todos os vários países entre os quais ele se dá. Todos derivam dele grandes benefícios, se bem que o do país do comerciante seja o maior, pois geralmente está mais empenhado em suprir as necessidades, e levando as superfluidades de seu próprio país, do que de qualquer outro país. Importar o ouro e a prata que podem ser desejados em outros países que não têm minas é, sem dúvida, parte do negócio do comércio exterior. Porém, é uma parte muito insignificante dele. Um país que exercesse o comércio exterior unicamente por conta disto, dificilmente teria ocasião para fretar um navio em um século.
Não foi pela importação de ouro e prata que a descoberta da América enriqueceu a Europa. Pela abundância das minas americanas, aqueles metais tornaram-se mais baratos. Uma baixela completa pode agora ser comprada por cerca de uma terça parte do cereal, ou uma terça parte do trabalho, que custaria no século XV. Com a mesma despesa anual de trabalho e mercadorias, a Europa pode comprar anualmente cerca de três vezes a quantidade de metais preciosos em chapa que poderia ter comprado antes. Mas quando uma mercadoria vem a ser vendida por um terço do que fora seu preço usual, não só aqueles que a compravam antes podem comprar três vezes a quantidade anterior, como ela também é trazida ao nível de um número muito maior de compradores, talvez mais de dez, mais de vinte vezes o número anterior. De modo que pode haver na Europa, atualmente, não só mais de três vezes, mas mais de vinte ou trinta vezes a quantidade de metal precioso que haveria nela, mesmo em seu atual estado de progresso, se a descoberta das minas americanas nunca tivesse sido feita. Até aqui a Europa, sem dúvida, ganhou uma real vantagem, se bem que pouco significante. O baixo preço do ouro e da prata torna estes metais menos adequados para servir de dinheiro do que eram antes. Para fazer as mesmas compras, precisamos nos carregar com uma maior quantidade deles, e levar um shilling no bolso quando quatro pence bastariam antes. É difícil dizer o que é mais insignificante, esta inconveniência ou a oposta. Nem uma nem outra teriam feito qualquer mudança essencial no estado da Europa. A descoberta da América, porém, certamente causou mudança essencial. Abrindo novo e inexaurível mercado a todas as mercadorias europeias, deu ocasião a novas divisões do trabalho e progressos na técnica, o que no estreito círculo do antigo comércio jamais poderia ter tido lugar por falta de um mercado onde se levasse a maior parte de sua produção. As forças produtivas do trabalho foram melhoradas, e seu produto aumentou em todos os países da Europa e, junto com ele, a renda real e a riqueza de seus habitantes. As mercadorias da Europa eram quase todas novas para a América, e muitas da América o eram para a Europa. Um novo conjunto de trocas, então, começou a tomar lugar, como nunca se pensara antes, e que naturalmente se teria mostrado vantajoso ao novo como o fez com o velho continente. A selvagem injustiça dos europeus tornou um acontecimento que deveria ter sido benéfico para todos ruinoso e destrutivo para vários desses países infortunados.
A descoberta de uma passagem para as Índias Orientais pelo cabo da Boa Esperança, que aconteceu mais ou menos no mesmo tempo, abriu talvez uma faixa ainda mais extensa ao comércio exterior do que a da América, apesar da maior distância. Só havia duas nações na América, de qualquer ponto de vista, apenas superiores a selvagens, e estas foram destruídas assim que descobertas. O resto, eram meros selvagens. Mas os impérios da China, do Indostão, do Japão, bem como vários outros nas Índias Orientais, sem ter minas mais ricas de ouro ou prata, mais bem cultivados e mais adiantados em todas as técnicas e manufaturas do que o México ou Peru, mesmo que acreditássemos, o que claramente não merece crédito, nas narrativas exageradas dos escritores espanhóis, concernentes ao antigo estado desses impérios. Mas nações ricas e civilizadas sempre podem trocar um valor muito maior umas com as outras do que com selvagens e bárbaros. A Europa, porém, derivou muito menos vantagem de seu comércio com as Índias Orientais do que com a América. Os portugueses monopolizaram o comércio das Índias Orientais para si mesmos por cerca de um século, e só indiretamente e por meio deles que as outras nações da Europa podiam enviar ou receber quaisquer mercadorias daquela região. Quando os holandeses, no começo do último século, começaram a usurpá-los, investiram todo seu comércio com as Índias Orientais numa companhia exclusiva. Os ingleses, franceses, suecos e dinamarqueses, todos seguiram seu exemplo, de modo que nenhuma grande nação europeia já teve o benefício de um comércio livre com as Índias Orientais. Nenhuma outra razão pode ser designada como a causa da grande vantagem do comércio com a América, que, entre quase toda nação da Europa e as próprias colônias, é livre a todos os seus súditos. Os privilégios exclusivos daquelas companhias das Índias Orientais, suas grandes riquezas, o grande favor e a proteção que estas conquistaram de seus governos respectivos, excitaram muita inveja contra elas. Esta inveja frequentemente representou seu comércio como totalmente pernicioso, por causa das grandes quantidades de prata que a cada ano exporta dos países onde se dá. As partes envolvidas replicaram que seu comércio, por esta contínua exportação de prata, poderia de fato tender a empobrecer a Europa em geral mas não o país da qual foi tirada; pois pela exportação de uma parte dos retornos a outros países europeus, anualmente trouxe para casa uma quantidade muito maior daquele metal do que levou para fora. Tanto a objeção como a resposta são fundadas na noção popular que até agora tenho examinado. Portanto, é desnecessário dizer qualquer coisa mais sobre ambas. Pela exportação anual de prata às Índias Orientais, a prataria é provavelmente um tanto mais cara na Europa do que poderia ter sido; e a prata cunhada provavelmente compra uma quantidade maior de trabalho como de mercadorias. O primeiro destes dois efeitos é perda muito pequena; o último, uma pequena vantagem; ambos insignificantes demais para merecer qualquer parcela da atenção pública. O comércio para as Índias Orientais, abrindo um mercado para as mercadorias da Europa, ou o que dá quase na mesma, para o ouro e a prata que são comprados com estas mercadorias, deve necessariamente tender a aumentar a produção anual dos bens europeus, e consequentemente, a riqueza real e a renda da Europa. Que até agora as tenha aumentado tão pouco deve-se provavelmente às restrições sob as quais se opera em todo lugar.
Pensei ser necessário, se bem que ao risco de ser tedioso, examinar inteiramente esta noção popular de que a riqueza consiste em dinheiro, e esta ambiguidade de expressão tornou esta noção popular tão familiar para nós que mesmo aqueles que estão convencidos deste absurdo estão muito propensos a esquecer seus próprios princípios e, no decurso de seus raciocínios, presumi-la como certa e inegável verdade. Alguns dos melhores escritores ingleses sobre o comércio começam observando que a riqueza de um país consiste não em seu ouro e sua prata apenas, mas em suas terras, casas e bens de consumo de todas as espécies. No decurso de seus arrazoados, entretanto, as terras, casas e bens de consumo parecem escapar às suas memórias, e a linha de seu argumento frequentemente supõe que toda riqueza consiste de ouro e prata, e que multiplicar estes metais é o grande objetivo da indústria e do comércio da nação.
Os dois princípios estando no entanto estabelecidos, de que a riqueza consiste em ouro e prata, e que estes metais podem ser trazidos a um país que não tem minas apenas pela balança comercial, ou exportando a um valor maior do que importa, necessariamente tornou-se o grande objetivo da economia política, diminuir tanto quanto possível a importação de bens estrangeiros para consumo doméstico, e aumentar tanto quanto possível a exportação da produção da indústria doméstica. Seus dois grandes motores para o enriquecimento do país, então, seriam as restrições sobre a importação e o encorajamento à exportação.
As restrições à importação eram de duas espécies.
Primeira, restrições à importação de tais bens estrangeiros para consumo interno que podiam ser feitos no próprio país, não importando o país de que eram importados.
Segunda, restrições sobre a importação de bens de quase todas as espécies daqueles países com os quais se supunha estar desvantajosa a balança comercial.
Essas restrições consistiam por vezes em altas taxas, por vezes em proibições absolutas.
A exportação era encorajada por vezes com reembolsos, por vezes com prêmios, por vezes com tratados de comércio vantajosos com Estados estrangeiros e por vezes com o estabelecimento de colônias em regiões distantes.
Os reembolsos eram concedidos em duas ocasiões diferentes. Quando os manufatureiros do país estavam sujeitos a qualquer taxa ou imposto, todo ou parte deles eram retirados para sua exportação; e quando bens estrangeiros taxáveis eram importados para serem exportados novamente, toda ou parte de sua taxa era por vezes devolvida quando da exportação.
Os prêmios eram concedidos para o encorajamento, quer das manufaturas principiantes, quer de tais sortes de indústria ou outras, que se supunha merecerem particulares favores.
Por vantajosos tratados de comércio, privilégios particulares eram proporcionados em algum Estado estrangeiro para os bens e os mercadores do país, além dos que eram garantidos aos de outros países.
Pelo estabelecimento de colônias em países distantes, não só privilégios particulares, mas um monopólio, eram costumeiramente oferecido às mercadorias e aos negociantes do país que as estabelecia.
As duas espécies de restrições sobre a importação, acima mencionadas, juntamente com estes quatro encorajamentos à exportação, constituem os seis principais meios pelos quais o sistema comercial se propõe a aumentar a quantidade de ouro e prata em qualquer país, virando a balança comercial a seu favor. Considerarei cada um deles em capítulos particulares, e sem atentar muito para sua suposta tendência a trazer dinheiro para o país examinarei principalmente quais poderiam ser os efeitos de cada um deles sobre o produto anual de sua indústria. Conforme tendam a aumentar ou diminuir o valor deste produto anual, devem evidentemente tender a aumentar ou diminuir a riqueza real e o rendimento do país.
Nota
1 The Present State of the Nation, Particularly with Respect to Its Trade, Finances, etc...1768 Jorge Greenville — ed. William Knox — p. 7-8.
CAPÍTULO 2
DAS RESTRIÇÕES SOBRE A IMPORTAÇÃO DE PAÍSES ESTRANGEIROS DOS BENS QUE O PAÍS PODE PRODUZIR
Restringindo, por altas taxas ou por proibições absolutas, a importação de bens estrangeiros que o país pode produzir, o monopólio do mercado doméstico fica mais ou menos garantido para a indústria doméstica empregada na produção deles. Assim, a proibição de importar gado vivo ou provisões de sal de países estrangeiros assegura aos criadores da Grã-Bretanha o monopólio do mercado doméstico da carne. As altas taxas sobre a importação do cereal, que em tempos de abundância moderada equivale a uma proibição, dá uma vantagem análoga aos criadores daquela mercadoria. A proibição da importação de lãs estrangeiras é igualmente favorável aos produtores de lã. A manufatura da seda, se bem que utilize inteiramente materiais estrangeiros, recentemente obteve a mesma vantagem. A manufatura de linho ainda não a obteve, mas está dando grandes passos nessa direção. Muitas outras espécies de manufatura, do mesmo modo obtiveram, na Inglaterra, totalmente, ou quase, um monopólio contra seus conterrâneos. A variedade de bens que têm a importação para a Inglaterra proibida, absolutamente, ou em certos casos, excede grandemente o que se pode suspeitar facilmente por aqueles que não estão bem familiarizados com as leis alfandegárias.
Não se pode duvidar que este monopólio do mercado doméstico dá grande encorajamento àquela espécie particular de indústria que dele frui, e frequentemente volta àquele emprego uma parte maior do trabalho e capital da sociedade, do que de outro modo seria possível. Mas se tende a aumentar a indústria geral da sociedade, ou dar-lhe a direção mais vantajosa, não é, talvez, muito evidente.
A indústria geral da sociedade nunca pode exceder o que o capital desta sociedade pode empregar. Como o número de trabalhadores que podem ser mantidos empregados por qualquer pessoa deve manter uma certa proporção para seu capital, o número daqueles que podem estar continuamente empregados por todos os membros de uma grande sociedade deve manter uma certa proporção para o capital todo daquela sociedade, e nunca pode exceder esta proporção. Nenhum regulamento do comércio pode aumentar a quantidade de indústria em qualquer sociedade além do que seu capital pode manter. Pode apenas desviar parte dele numa direção que de outro modo não tomaria; e de modo algum é certo que esta direção artificial poderia ser mais vantajosa para a sociedade do que aquela em que iria por si só.
Todo indivíduo está continuamente esforçando-se para achar o emprego mais vantajoso para o capital que possa comandar. É sua própria vantagem, de fato, e não a da sociedade, que ele tem em vista. Mas o estudo de sua própria vantagem, naturalmente, ou melhor, necessariamente, leva-o a preferir aquele emprego que é mais vantajoso para a sociedade.
Primeiro, todo indivíduo procura empregar seu capital o mais perto de casa que pode, e consequentemente, ao máximo no suprimento da indústria doméstica; desde que ele possa obter os lucros ordinários, ou não muito inferiores a ele, de seu capital.
Assim, com lucros iguais, ou quase, todo negociante atacadista naturalmente prefere o comércio doméstico ao exterior para consumo, e o comércio exterior de consumo ao negócio de transportes. No comércio doméstico, seu capital nunca está tão longamente fora de sua vista como acontece frequentemente no comércio exterior. Ele pode conhecer melhor o caráter e a situação das pessoas em quem confia, e se acontecer de ele ser enganado, conhece melhor as leis do país onde deve procurar retratação. No negócio de transportes, o capital do negociante é como que dividido entre dois países estrangeiros, e nenhuma parte dele deve ser necessariamente comprada em casa, ou colocada sob sua vista e comando imediato. O capital que um mercador de Amsterdam emprega ao transportar cereal de Königsberg a Lisboa, e frutas e vinho de Lisboa a Königsberg, deve ser geralmente a metade em Königsberg e a metade em Lisboa. Nenhuma parte dele precisa vir a Amsterdam. A residência natural de um tal comerciante poderia ser quer em Königsberg, quer em Lisboa, e só circunstâncias muito particulares poderiam fazê-lo preferir a residência de Amsterdam. A inquietação, porém, que ele sente ao ficar tão separado de seu capital, geralmente o faz resolver trazer parte das mercadorias de Königsberg, que ele destina ao mercado de Lisboa, e das mercadorias de Lisboa que ele destina ao de Königsberg, para Amsterdam: e se bem que isto necessariamente o sujeita a um duplo trabalho de carregar e descarregar, bem como ao pagamento de algumas taxas e impostos, com o fito de ter parte de seu capital sempre sob sua vista e comando, ele de boa mente se submete a este encargo extraordinário; e é desta maneira que todo país que tem qualquer parte considerável do negócio dos transportes torna-se sempre o empório, ou mercado geral, para os bens dos vários países cujo comércio exercita. O negociante, para economizar uma segunda carga e descarga, procura sempre vender ao mercado doméstico tanto das mercadorias de todos aqueles países diferentes quanto pode, e assim tanto quanto puder, converter seu negócio de transporte num comércio exterior de consumo. Um mercador, do mesmo modo, engajado no comércio exterior de consumo, ao coletar mercadorias para o mercado externo, sempre gostará, com os mesmos lucros, ou quase, de vender ao máximo a maior parte deles no próprio país. Ele economiza o risco e o trabalho da exportação, quando, tanto quanto pode, assim converte seu mercado exterior de consumo num negócio doméstico. O país, assim, é o centro, se assim se pode dizer, em torno do qual os capitais dos habitantes de todo país circulam continuamente e rumo ao qual estão sempre tendendo, se bem que por causas particulares podem por vezes ser afastados e repelidos para aplicações mais distantes. Mas um capital empregado no comércio doméstico, já foi mostrado, necessariamente põe em movimento maior quantidade de indústria doméstica, e dá renda e emprego a um maior número de habitantes do país do que um capital igual empregado no comércio exterior de consumo; e o empregado, neste, tem a mesma vantagem sobre um capital igual empregado no transporte. Perante lucros iguais, ou quase, portanto, todo indivíduo naturalmente estará inclinado a empregar seu capital do modo que poderá dar o maior apoio à indústria doméstica, e dar renda e emprego ao maior número de pessoas de seu próprio país.
Segundo, todo indivíduo que emprega seu capital no suporte da indústria doméstica, procura dirigi-lo de modo que o produto da indústria seja do maior valor possível.
O produto da indústria é o que ela acresce ao sujeito ou materiais nos quais é empregada. Em proporção ao valor deste produto ser grande ou pequeno, igualmente o serão os lucros do empregador. Mas é só pelo lucro que um homem emprega um capital para apoiar a indústria; e assim ele sempre procurará empregá-lo no suporte daquela indústria cujo produto poderá ser do maior valor, ou que poderá ser trocado pela maior quantidade, de dinheiro ou outros bens.
Mas o rendimento anual de qualquer sociedade é sempre precisamente igual ao valor trocável de toda a produção anual de sua indústria, ou melhor, é precisamente o mesmo que acontece com aquele valor trocável. Como todo indivíduo procura, tanto quanto pode, tanto empregar seu capital em apoiar a indústria doméstica, e assim dirigir aquela indústria para que sua produção seja do máximo valor, todo indivíduo necessariamente trabalha para tornar o rendimento anual da sociedade o maior que puder. De fato, em geral, ele nem pretende promover o interesse público nem sabe quanto o está promovendo. Preferindo apoiar a indústria doméstica, e não a estrangeira, ele procura apenas sua segurança; e dirigindo aquela indústria de tal maneira que sua produção seja do maior valor, procura apenas seu próprio ganho, e nisto, como em muitos outros casos, é só levado por uma mão invisível a promover um fim que não era parte de sua intenção. E tampouco é sempre pior para a sociedade que não tivesse este fim. Seguindo seu próprio interesse, ele frequentemente promove o da sociedade mais efetivamente do que quando realmente pretende promovê-la. Nunca soube de grande bem feito por aqueles que aparentavam comerciar para o bem público. É uma afetação, realmente, não muito comum entre comerciantes, e muito poucas palavras precisam ser empregadas para dissuadi-los disto.
Qual a espécie de indústria doméstica que seu capital pode empregar, e cujo produto poderá ser do maior valor, cada um, é evidente, em sua situação local, pode julgar muito melhor que qualquer estadista ou legislador em seu lugar. O estadista que procurasse dirigir os particulares sobre a maneira que deveriam empregar seus capitais, não só se sobrecarregaria com um cuidado desnecessário, mas assumiria uma autoridade que não poderia ser seguramente assumida por nenhuma pessoa isoladamente, mas por nenhum conselho ou senado, e que nunca seria tão perigosa quanto nas mãos de um homem que tivesse a insensatez e a presunção de se arrogar a exercê-la.
Dar o monopólio do mercado doméstico ao produto da indústria nacional, em qualquer arte ou manufatura particular, até certa medida é dirigir os particulares sobre a maneira de dirigir seus capitais, e em quase todos os casos, é uma regulamentação inútil ou danosa. Se o produto nacional pode ser oferecido tão barato quanto o da indústria estrangeira, a lei é evidentemente inútil. Se não pode, geralmente será danosa. É máxima de todo chefe de família prudente nunca procurar fazer em casa o que lhe custará mais fazer que comprar. O alfaiate não procura fazer seus próprios sapatos, mas os comprará do sapateiro. O sapateiro não procura fazer suas próprias roupas, mas emprega um alfaiate. O lavrador não tenta fazer nem um nem outro, mas emprega aqueles diferentes artífices. Todos eles acham de seu interesse empregar toda sua indústria de um modo em que tenham alguma vantagem sobre os vizinhos, e comprar com uma parte de seu produto, ou o que é o mesmo, com o preço de parte dele, o que quer que precisem.
O que é prudência na conduta de uma família em particular, dificilmente seria insensatez na de um grande reino. Se um país estrangeiro pode fornecer-nos uma mercadoria mais barato do que nós poderíamos fazê-la, melhor comprá-la dele com uma parte do produto de nossa própria indústria empregada de uma maneira que nos dê vantagem. A indústria geral do país, estando sempre em proporção ao capital que a emprega, não será diminuída, não mais que os artífices acima mencionados; mas será deixada a descobrir como pode ser empregada com a maior vantagem. Certamente não é empregada com a máxima vantagem quando é assim dirigida a um objeto que pode comprar mais barato que pode fazer. O valor de sua produção anual é certamente mais ou menos diminuído quando é desviado de produzir mercadorias evidentemente de mais valor que aquela a que está dirigida para produzir. De acordo com a suposição, essa mercadoria poderia ser comprada de países estrangeiros mais barata do que poderia ser feita em casa. Poderia assim ter sido comprada apenas com uma parte das mercadorias, ou, o que dá na mesma, apenas com uma parte do preço das mercadorias, que a indústria empregada com um capital igual teria produzido no país, tivesse sido deixada seguir seu curso natural. A indústria do país, assim sendo, é desviada de um emprego menos vantajoso, e o valor trocável de seu produto anual, ao invés de crescer, de acordo com a intenção do legislador, deve necessariamente ser diminuída a cada uma destas leis.
Por meio de tais regulamentações, de fato, uma manufatura em particular pode por vezes ser adquirida mais cedo do que poderia de outra maneira, e depois de algum tempo, pode ser feita no país tão ou mais barata que no país estrangeiro. Embora a indústria da sociedade possa assim ser conduzida vantajosamente a um canal particular mais cedo que de outra maneira, de modo algum segue-se que o total, quer de sua indústria, quer de seu rendimento, poderá ser aumentado por tal lei. A indústria da sociedade pode aumentar apenas em proporção ao aumento de seu capital, e seu capital pode aumentar apenas em proporção ao que pode ser gradualmente economizado de sua renda. Mas o efeito imediato de cada uma destas leis é diminuir a renda, e o que diminui sua renda não aumentará, provavelmente, seu capital mais depressa do que aumentaria por si só se capital e indústria fossem deixados a descobrir seus empregos naturais.
Se bem que por falta de tais leis a sociedade nunca adquiriria a manufatura proposta, por causa disto não seria mais pobre em qualquer período de sua existência. Em qualquer período de sua duração, todo seu capital e indústria poderia ainda ser empregado, se bem que sobre diferentes objetos, da maneira que fosse mais vantajosa no momento. Em qualquer período sua renda poderia ter sido a maior permitida por seu capital, e tanto capital como renda poderiam ter sido aumentados com a maior presteza possível.
As vantagens naturais que um país tem sobre outro, na obtenção de alguma mercadoria, por vezes são tão grandes que é reconhecido por todo o mundo ser em vão lutar contra isso. Por meio de estufas, uvas muito boas podem ser cultivadas na Escócia, e bom vinho pode ser feito com elas, a cerca de trinta vezes a despesa pelas quais podem ser cultivadas igualmente bem em países estrangeiros. Seria razoável uma lei que proibisse a importação de todos os vinhos estrangeiros meramente para encorajar o “clarete” e o “borgonha” na Escócia? Mas se há um absurdo manifesto em voltar-se para qualquer emprego trinta vezes mais capital e indústria do país do que seria necessário comprar de países estrangeiros uma quantidade igual das mercadorias desejadas, deve haver um absurdo, se bem que no todo não tão evidente, mas da mesma espécie, em voltar para qualquer destes empregos um trigésimo, ou mesmo três centésimos a mais de cada. Quer as vantagens que um país tenha sobre outro sejam naturais ou adquiridas, sob este aspecto, é inconsequente. Enquanto um país tenha estas vantagens, e outro as deseja, será sempre mais vantajoso para este comprar do outro, que fazer. É apenas uma vantagem adquirida que um artífice tem sobre seu vizinho, que exerce outro ofício; e no entanto ambos acham mais vantajoso comprar um do outro do que fazer o que não pertence a seus ofícios em particular.
Os comerciantes e manufatureiros são as pessoas que derivam a maior vantagem deste monopólio do mercado doméstico. A proibição da importação de gado estrangeiro e de provisões de sal, junto com os elevados impostos sobre o cereal estrangeiro, que em tempos de abundância moderada equivalem a uma proibição, não são tão vantajosos para os criadores e agricultores da Grã-Bretanha quanto leis da mesma espécie para seus comerciantes e manufatureiros. Os manufaturados, os da espécie mais fina, especialmente, são mais facilmente transportados de um país para outro do que trigo ou gado. É em recolher e transportar manufaturas, correspondentemente, que o comércio exterior é principalmente empregado. Nas manufaturas, uma vantagem mínima permitirá aos estrangeiros vencer no preço nossos trabalhadores, mesmo no mercado interno. Será preciso uma grande vantagem para que vençam no produto bruto do solo. Se a importação livre de manufaturas estrangeiras fosse permitida, várias das manufaturas domésticas provavelmente sofreriam e algumas talvez se arruinariam totalmente, e uma parte considerável do principal e da indústria atualmente empregados nelas seria forçada a procurar outro emprego. Mas a importação totalmente livre do produto bruto do solo não poderia ter tal efeito na agricultura do país.
Se a importação de gado estrangeiro, por exemplo, fosse feita assim livre, tão pouco poderia ser importado que o comércio de gado na Grã-Bretanha pouco seria afetado por isso. O gado vivo é, talvez, a única mercadoria cujo transporte é mais caro por mar que por terra. Por terra, ele transporta a si mesmo ao mercado. Por mar, não só o gado, mas seu alimento e água precisam ser transportados com despesa não pequena, e inconveniência. O estreito entre a Irlanda e a Grã-Bretanha, de fato, torna a importação do gado irlandês mais fácil. Mas mesmo que a importação livre, que ultimamente foi permitida só por tempo limitado, fosse tornada perpétua, poderia não ter efeito considerável no interesse dos criadores ingleses. Aquelas partes da Grã-Bretanha que se defrontam com o mar da Irlanda são todas regiões de pecuária. O gado irlandês nunca poderia ser importado para seu uso, mas deve ser tangido por regiões extensas, com não pequena despesa e inconveniência, antes que possa chegar ao seu mercado próprio. Gado gordo não poderia ser tangido tão longe. O gado magro, portanto, só poderia ser importado, e tal importação poderia interferir, não com o interesse das regiões de engorda, para as quais a redução do preço do gado magro seria vantajosa, mas só com a das regiões de criação. O pequeno volume de gado irlandês importado, desde que sua importação passou a ser permitida, juntamente com o bom preço que o gado continua a ser vendido, parecem demonstrar que mesmo as regiões de pecuária da Grã-Bretanha provavelmente nunca serão muito afetadas pela livre importação de gado irlandês. Diz-se, aliás, que o povo da Irlanda por vezes opôs-se com violência à exportação de seu gado. Mas se os exportadores tivessem achado alguma grande vantagem em continuar o comércio, quando a lei estava do lado deles, poderiam facilmente ter conquistado a oposição da plebe.
As regiões de engorda, além do mais, precisam ser constantemente melhoradas, ao passo que as regiões para reprodução geralmente não são cultivadas. O alto preço do gado magro, aumentando o valor da terra inculta, é como uma subvenção contra as melhorias. Para qualquer país que se tenha desenvolvido muito, é muito mais vantajoso importar o gado magro do que criá-lo. Assim, a província da Holanda, diz-se ter seguido esta máxima, presentemente. As montanhas de Escócia, Gales e Northumberland, de fato, são regiões incapazes de muitas melhorias, e parecem destinadas pela natureza a serem as pastagens da Grã-Bretanha. A importação livre de gado estrangeiro não teria outro efeito senão obstaculizar aquelas regiões de pastagens de tirar vantagem do aumento da população e aperfeiçoamento do resto do reino, para elevar seus preços a alturas exorbitantes e impor uma taxa sobre todas as partes cultivadas e aperfeiçoadas do país.
A importação livre das provisões de sal, da mesma maneira, poderia ter o mesmo pequeno efeito no interesse dos pecuaristas da Grã-Bretanha como a do gado vivo. As provisões de sal não são uma mercadoria muito volumosa, mas comparadas à carne fresca são uma mercadoria da pior qualidade, e por custarem mais trabalho e despesa, de maior preço. Nunca poderiam, portanto, entrar em competição com a carne fresca, se bem que pudessem competir com as provisões de sal do país. Poderiam ser usadas para abastecer navios para viagens distantes e usos que tais, mas nunca poderiam constituir qualquer parte considerável do alimento do povo. A pequena quantidade de provisões de sal importada da Irlanda, desde que sua importação foi tornada livre, é prova experimental de que nossos criadores nada têm a temer disto. Não parece que o preço da carne tem sido sensivelmente afetado por isto.
Mesmo a importação livre de trigo estrangeiro poderia afetar pouco o interesse dos agricultores da Grã-Bretanha. O cereal é uma mercadoria que ocupa muito mais espaço que a carne. Uma libra de trigo a um penny é tão cara quanto uma libra de carne a quatro pence. A pequena quantidade de trigo estrangeiro importado mesmo nos tempos da maior escassez pode satisfazer nossos lavradores de que nada têm a temer da importação livre. A quantidade média importada, de ano para ano, de acordo com o bem-informado autor dos tratados sobre o comércio do trigo, só totaliza 23.728 quartos de toda espécie de grão, e não excede 571 avos do consumo anual. Mas como o subsídio sobre o trigo ocasiona maior exportação nos anos de abundância, consequentemente deverá ocasionar maior importação nos anos de escassez do que ocorreria no atual estado da lavoura. Por meio disto, a abundância de um ano não compensa a escassez de outro, e como a quantidade média exportada é necessariamente aumentada por ela, analogamente, no estado atual de lavoura, o mesmo deve acontecer com a quantidade média importada. Não houvesse subsídio, com menos trigo sendo exportado, é provável que, de ano para ano, menos seria importado que na atualidade. Os comerciantes de trigo, e os seus transportadores entre a Grã-Bretanha e países estrangeiros, teriam muito menos emprego e poderiam sofrer consideravelmente; mas os proprietários rurais e lavradores sofreriam pouquíssimo. Portanto, são os mercadores de cereais, mais que os grandes proprietários e lavradores, com quem observei a maior ansiedade pela renovação e continuidade do subsídio.
Os proprietários e lavradores são, para sua honra, de todos os menos sujeitos ao miserável espírito do monopólio. O empreiteiro de uma grande manufatura fica por vezes alarmado se uma outra fábrica da mesma espécie se estabelece a menos de vinte milhas dele. O empreiteiro holandês da manufatura de lã de Abbeville estipulou que nenhuma fábrica do mesmo tipo deveria se estabelecer a menos de trinta léguas daquela cidade. Os lavradores e proprietários, ao contrário, geralmente estão dispostos a promover, ao invés de obstruir o cultivo e a melhoria das propriedades de seus vizinhos. Não têm segredos, como a maioria dos manufatureiros, mas geralmente têm prazer em comunicar a seus vizinhos, e estender tanto quanto possível qualquer nova prática que tenham descoberto vantajosa. Diz o velho Catão: Pius Questus, stabilissimusque, minimeque invidiosus; minimeque male cogitantes sunt, qui in eo studio occupati sunt. Os proprietários e lavradores, dispersos em diferentes partes dos campos, não podem se combinar tão facilmente quanto os comerciantes e manufatureiros, que, estando reunidos em cidades, e acostumados àquele espírito exclusivo da corporação que neles prevalece, naturalmente procuram obter, contra todos os seus compatriotas, o mesmo privilégio exclusivo que geralmente possuem contra os habitantes das respectivas cidades. Concomitantemente, parecem ter sido os inventores originais daquelas restrições sobre as importações de bens estrangeiros que lhes garantem o monopólio do mercado doméstico. Foi provavelmente à imitação deles, e para se colocarem no nível daqueles que, descobriram, estavam dispostos a oprimi-los, que os grandes proprietários e lavradores da Grã-Bretanha até agora esqueceram a generosidade que é natural à sua posição e pediram o privilégio exclusivo de suprir seus compatriotas com trigo e carne. Talvez não tiveram tempo de considerar quanto menos seus interesses seriam afetados pela liberdade de comércio que os das pessoas cujos exemplos seguiram.
Proibir, por lei perpétua, a importação de trigo e gado estrangeiro é na verdade decretar que a população e a indústria do país em momento nenhum deve exceder o que o produto bruto de seu solo pode manter.
Parece, portanto, haver dois casos em que geralmente será vantajoso onerar a indústria estrangeira, pelo encorajamento da indústria do país.
O primeiro é quando alguma espécie particular de indústria seja necessária à defesa do país. A defesa da Grã-Bretanha, por exemplo, depende muito do número de seus marujos e embarcações. O Decreto de Navegação, portanto, mui adequadamente procura dar aos marujos e embarcações ingleses o monopólio do comércio de seu próprio país, em alguns casos por proibições absolutas, em outros, por grandes taxas sobre o embarque estrangeiro. As seguintes são as principais disposições deste decreto: Primeiro, todos os navios dos quais os proprietários e três quartos dos marinheiros não forem súditos britânicos estão proibidos, sob pena de apreensão do navio e da carga, de comercializar em colônias e em estabelecimentos britânicos como também de serem empregados no comércio costeiro da Grã-Bretanha.
Segundo, uma grande variedade dos artigos de importações mais volumosos pode ser trazida apenas à Grã-Bretanha em navios tais como descritos, ou em navios do país onde aqueles bens foram comprados, e dos quais os proprietários, mestres e três quartos dos marinheiros sejam daquele país em particular; e quando importados mesmo em navios deste último tipo, estão sujeitos ao dobro da taxa de importação. Se importados em navios de qualquer outro país, a penalidade é a apreensão do navio e das mercadorias. Quando este decreto foi feito, os holandeses eram, e ainda são, os maiores transportadores da Europa, e por esta regulamentação eram inteiramente excluídos de serem os transportadores da Grã-Bretanha, ou de importarem para nós os bens de qualquer outro país europeu.
Terceiro, uma grande variedade dos artigos de importação mais volumosos estão proibidos de serem importados, mesmo em navios britânicos, de qualquer país exceto aquele em que são produzidos, sob pena de apreensão do navio e da carga. Esta regulamentação também provavelmente se destinava contra os holandeses. A Holanda era, e é, o grande empório de todos os bens europeus, e por esta regulamentação os navios ingleses eram impedidos de carregar, na Holanda, os bens de qualquer outro país europeu.
Quarto, peixes de água salgada de qualquer espécie, barbatanas de baleia, ossos de baleia, óleo e sua gordura, não apanhados e curados a bordo de navios ingleses, quando importados para a Grã-Bretanha, são sujeitos ao dobro da taxa de importação. Os holandeses, como ainda são os principais, eram então os únicos pescadores da Europa que procuravam suprir países estrangeiros com peixe. Por esta regulamentação, um grande ônus era acrescido para suprirem a Inglaterra.
Quando o Decreto de Navegação foi feito, se bem que a Inglaterra e a Holanda não estivessem realmente em guerra, a mais violenta animosidade subsistia entre as duas nações. Começara durante o governo do Grande parlamento, que primeiro estruturou este decreto, e surgiu logo depois nas guerras holandesas, sob o Protetor e sob Carlos II. Não é impossível, portanto, que alguns dos regulamentos deste famoso decreto tenham se originado de animosidade nacional. São sábios, no entanto, como se todos tivessem sido ditados pela sabedoria mais deliberada. A animosidade nacional naquela época em particular objetivava o mesmo que esta sabedoria recomendaria, a diminuição do poderio naval da Holanda, a única potência naval que poderia ameaçar a segurança inglesa.
O Decreto de Navegação não é favorável ao comércio exterior, ou ao crescimento daquela opulência que pode originar-se dele. O interesse de uma nação em suas relações comerciais com nações estrangeiras é, como o de um mercador em relação aos diferentes povos com que trata, comprar o mais barato e vender o mais caro possível. Mas será mais provável comprar barato, quando pela mais perfeita liberdade de comércio se encoraje todas as nações a trazer os bens que puder comprar; e pela mesma razão ficará mais provável vender caro quando seus mercados estiverem assim locupletados com o maior número de compradores. O Decreto de Navegação, é verdade, não onera navios estrangeiros que vêm para exportar o produto da indústria inglesa. Mesmo a antiga taxa alfandegária, que costumava ser paga sobre todos os bens exportados como importados, por vários decretos subsequentes, foi removida da maioria dos artigos de exportação. Mas se os estrangeiros, por proibições ou taxas elevadas, são obstaculizados de vir vender, nem sempre poderão vir comprar; porque para vir sem uma carga precisarão perder o frete de seu próprio país para a Inglaterra. Diminuindo o número de vendedores, necessariamente diminuímos o de compradores, e assim poderemos não só comprar os bens estrangeiros mais caro, mas venderemos os nossos mais baratos, do que se houvesse uma mais perfeita liberdade comercial. Como defesa, no entanto, é muito mais importante que a riqueza, o Decreto de Navegação é quiçá o mais sábio de todos os regulamentos comerciais da Inglaterra.
O segundo caso, em que geralmente será vantajoso impor alguma taxa sobre a estrangeira, pelo encorajamento da indústria doméstica, é quando alguma taxa é imposta no país sobre seu próprio produto. Neste caso, parece razoável que uma taxa igual seja imposta sobre o produto igual do outro país. Isto não daria o monopólio do mercado doméstico à indústria doméstica, nem voltaria para um emprego particular uma parte maior de todo o capital e trabalho do país do que o que seria naturalmente destinado. Só impediria que qualquer parte desta aplicação natural fosse desviada pela taxa para uma direção menos natural, e deixaria a competição entre a indústria estrangeira e a doméstica, após a taxa, tanto quanto possível no mesmo pé, quanto antes. Na Grã-Bretanha, quando uma destas taxas é imposta sobre o produto da indústria nacional, é comum ao mesmo tempo, para cessar as clamorosas queixas de nossos comerciantes e manufatureiros, impor uma taxa muito maior sobre a importação de toda mercadoria estrangeira da mesma espécie.
Esta segunda limitação da liberdade de comércio, de acordo com certas pessoas, deveria, em certas ocasiões, ser estendida muito além do que tão somente às mercadorias estrangeiras que poderiam competir com as que foram taxadas no país. Quando as necessidades da vida foram taxadas em qualquer país, torna-se conveniente, pretendem, taxar não só as mesmas necessidades importadas de outros países, mas todas as mercadorias estrangeiras que poderiam vir a competir com qualquer coisa que seja o produto da indústria doméstica. A subsistência, dizem, torna-se necessariamente mais cara em consequência destas taxas, e o preço do trabalho precisa crescer sempre com o preço da subsistência do trabalhador. Toda mercadoria, portanto, que é o produto da indústria doméstica, se bem que em si não seja taxada, torna-se mais cara em consequência de tais taxas, porque o trabalho que a produz é taxado. Tais taxas, portanto, são de fato equivalentes, dizem, a uma taxa sobre cada mercadoria produzida no país. Para pôr a indústria doméstica no mesmo pé que a estrangeira, torna-se necessário, pensam eles, cobrar alguma taxa sobre cada mercadoria igual a esta elevação do preço das mercadorias domésticas com que pode competir.
Se as taxas sobre as necessidades da vida, assim como na Inglaterra aquelas sobre o sabão, sal, couro, velas etc., necessariamente elevam o preço do trabalho, e consequentemente o de todas as mercadorias, considerarei mais adiante, quando tratar dos impostos. Supondo, entrementes, que têm este efeito, e sem dúvida têm, esta elevação geral dos preços de todas as mercadorias, em consequência daquele trabalho, é um caso que difere nos dois seguintes aspectos do daquela mercadoria cujo preço foi elevado por uma taxa particular que lhe é imediatamente imposta.
Primeiro, deve ser sempre conhecido com grande exatidão, até quanto o preço de tal mercadoria deveria elevar-se por tal imposto; mas até quanto a elevação geral do preço do trabalho pode afetar o de cada mercadoria em que o trabalho foi empregado, nunca poderia ser conhecido com exatidão tolerável. Seria então impossível proporcionar, com qualquer exatidão tolerável, a taxa sobre cada bem importado ao preço de cada mercadoria do país.
Segundo, as taxas sobre as necessidades da vida têm quase o mesmo efeito sobre as circunstâncias do povo quanto um solo pobre e clima ruim. As provisões são tornadas mais caras da mesma maneira como se requeressem um trabalho e despesas extraordinários para obtê-las. Como na escassez natural oriunda do solo e do clima, seria absurdo dirigir o povo sobre a maneira que deveria empregar seu capital e indústria, assim é na escassez artificial oriunda de tais taxas. Deixar acomodar tão bem quanto possam sua indústria à sua situação, e descobrir aqueles empregos em que, apesar de suas circunstâncias desfavoráveis, poderiam ter alguma vantagem para o mercado interno ou externo é o que em ambos os casos evidentemente seria sua melhor vantagem. Impor nova taxa, por já estarem sobrecarregados com taxas, e porque já pagam muito caro para as necessidades da vida, fazer igualmente que paguem muito caro pela maioria das outras comodidades é certamente um modo bem absurdo de fazer compensações.
Tais taxas, quando crescerem até certo ponto, são uma praga equivalente à esterilidade da terra e à inclemência do céu; e ainda assim é nos países mais ricos e industriosos que foram mais geralmente impostas. Outros países não suportariam tamanha desordem. Assim como só os corpos mais fortes podem viver saudavelmente sob um regime insalubre, só as nações em que toda espécie de indústria tem as maiores vantagens naturais e adquiridas podem subsistir e prosperar sob tais taxas. A Holanda é o país da Europa em que mais abundam, e que por circunstâncias peculiares continua a prosperar, não por causa delas, como se tem suposto mui absurdamente, mas a despeito delas.
Assim como há dois casos em que geralmente será vantajoso impor algum ônus à indústria estrangeira para o encorajamento da doméstica, há dois outros em que talvez seja questão de escolha; num, até quando é adequado continuar a livre importação de certos artigos estrangeiros, e no outro, até quando, ou de que maneira, pode ser adequado restaurar aquela importação livre após ter sido por algum tempo interrompida.
O caso em que por vezes pode ser questão de escolha até quando é adequado continuar a importação livre de certas mercadorias estrangeiras é quando alguma nação estrangeira restringe, por altos impostos ou proibições, a importação de algumas de nossas manufaturas para seu país. A vingança neste caso dita a retaliação, e que imponhamos as mesmas taxas e proibições às importações de algumas ou todas as suas manufaturas para nós. As nações, com efeito, raramente deixam de retaliar desta maneira. Os franceses destacaram-se particularmente em favorecer suas próprias manufaturas restringindo a importação de bens estrangeiros que poderiam competir com eles. Nisto consistia grande parte da política de monsieur Colbert, que, não obstante sua grande capacidade, parece neste caso ter sofrido imposição da sofística dos comerciantes e manufatureiros, que estão sempre pedindo um monopólio contra seus cidadãos. Atualmente, é opinião dos homens mais inteligentes da França que as operações deste tipo não foram benéficas ao país. Aquele ministro, pelas tarifas de 1667, impôs taxas elevadas sobre grande número de manufaturas estrangeiras. Ao recusar-se a moderá-las em favor dos holandeses, estes, em 1671, proibiram a importação dos vinhos, brandies e manufaturas da França. A guerra de 1672 parece ter sido ocasionada em parte por esta disputa comercial. A paz de Nimeguen encerrou-a em 1678 moderando algumas taxas em favor dos holandeses, que, por conseguinte, removeram sua proibição. Foi por volta daquela época que os franceses e ingleses começaram a oprimir a indústria um do outro pelas mesmas taxas e proibições, das quais os franceses, porém, parecem ter dado o primeiro exemplo. O espírito de hostilidade que subsistiu entre as duas nações desde então impediu-os de se moderarem. Em 1697, os ingleses proibiram a importação das rendas da manufatura de Flandres. O governo deste país, naquele tempo sob domínio espanhol, proibiu, em contrapartida, a importação das lãs inglesas. Em 1700, a proibição da importação das rendas para a Inglaterra foi suspensa, na condição de que a importação das lãs inglesas para Flandres fosse colocada no mesmo pé que antes.
Pode haver boa política em retaliações desta espécie, quando há uma probabilidade de que resultarão na repulsa das altas taxas ou proibições de que se reclama. A recuperação de um grande mercado estrangeiro geralmente mais que compensará a inconveniência transitória de pagar mais caro durante um curto tempo por algumas mercadorias. Para julgar se tais retaliações poderão produzir tal efeito, talvez não pertença tanto à ciência do legislador, cujas deliberações deveriam ser governadas pelos princípios gerais que são sempre os mesmos, e mais à habilidade daquele animal insidioso e astuto, vulgarmente chamado estadista, ou político, cujos conselhos são dirigidos pelas flutuações momentâneas dos negócios. Quando não há probabilidade de que tal repulsa possa ocorrer, parece um mau método de compensar o dano feito a certas classes de nosso povo, causando outro dano a nós mesmos, não só àquelas classes, mas a quase todas as classes. Quando nossos vizinhos proíbem alguma das nossas manufaturas, geralmente proibimos não só a mesma, pois isto apenas dificilmente os afetaria consideravelmente, mas alguma outra manufatura deles. Isto, sem dúvida, pode encorajar alguma classe particular de trabalhadores dos nossos, e excluindo alguns de seus rivais, pode permitir-lhes elevar o preço no mercado interno. Aqueles trabalhadores, porém, que sofreram pela proibição de nosso vizinho, não serão beneficiados pela nossa. Ao contrário, eles e quase todas as outras classes de nossos cidadãos por isto serão obrigados a pagar mais caro do que antes, por certas coisas. Toda lei desse tipo impõe uma taxa real sobre todo o país, não em favor daquela classe particular de trabalhadores que foram prejudicados pela proibição de nosso vizinho, mas de alguma outra classe.
O caso em que às vezes pode ser questão de escolha, quanto, ou de que maneira é adequado restaurar a livre importação de bens estrangeiros, após, por algum tempo, ter sido interrompida, é quando manufaturas particulares, por meio de taxas elevadas, ou proibições sobre toda mercadoria estrangeira que pode competir com elas, foram estendidas tanto a ponto de empregar uma grande multidão de mãos. A humanidade, neste caso, pode exigir que a liberdade de comércio seja restaurada apenas por lentas gradações, e com bastante reserva e circunspecção, Se aquelas elevadas taxas e proibições fossem removidas subitamente, os artigos estrangeiros mais baratos da mesma espécie seriam despejados tão rapidamente no mercado interno que imediatamente privariam milhares de pessoas de seus empregos e meios de subsistência. A desordem que isto ocasionaria sem dúvida poderia ser considerável. Com toda a probabilidade, entretanto, seria muito inferior ao que é comumente imaginado, pelas duas seguintes razões: Primeira, todas aquelas manufaturas, das quais qualquer parte é comumente exportada a outros países europeus sem subsídio, seriam pouco afetadas pela importação mais livre de bens estrangeiros. Tais manufaturas devem ser vendidas no estrangeiro tão baratas quanto quaisquer outras estrangeiras, da mesma espécie e qualidade, e consequentemente, devem ser vendidas mais baratas no país de origem. Ainda ficariam de posse do mercado interno, e se bem que um caprichoso homem da moda por vezes possa preferir artigos estrangeiros, meramente por serem estrangeiros, a artigos mais baratos e melhores da mesma espécie de seu país, esta insensatez, pela natureza das coisas, se estenderia a tão poucos que não causaria impressão sensível no emprego geral do povo. Mas uma grande parte de todos os ramos diferentes de nossa manufatura da lã, de nosso couro curtido e de nossas ferragens é anualmente exportada para outros países europeus sem nenhum subsídio, e estas são as manufaturas que empregam o maior número de mãos. A seda talvez seja a manufatura que mais sofreria por esta liberdade de comércio, e depois dela o linho, se bem que este muito menos que a outra.
Segunda, se bem que um grande número de pessoas, assim se restaurando a liberdade de comércio, logo seria imediatamente deslocado de seu emprego ordinário, e método comum de subsistência de modo algum se seguiria que ficaria totalmente privado de emprego ou subsistência. Pela redução do exército e da marinha, ao final da última grande guerra, mais de cem mil soldados e marujos, número igual ao que está empregado nas grandes manufaturas, imediatamente foram lançados fora de seu emprego ordinário; mas, apesar de terem sofrido alguma inconveniência, não ficaram privados de todo emprego e subsistência. A maioria dos marujos, é provável, gradualmente se adaptou ao serviço mercante, à medida que iam encontrando ocasião, e entrementes eles e os soldados eram absorvidos na grande massa do povo e empregados em grande variedade de ocupações. Não só nenhuma convulsão, mas nenhuma desordem sensível, originou-se em tamanha alteração da situação de cem mil homens, todos afeitos às armas, e muitos deles à rapina e ao saque. O número de vagabundos não aumentou sensivelmente em lugar algum, nem os salários foram reduzidos em nenhuma ocupação, tanto quanto soube, exceto os dos marujos mercantes. Mas se compararmos os hábitos de um soldado e o de qualquer manufatureiro, descobriremos que os do último não tendem tanto a desqualificá-lo por se empregar num novo ofício quanto os do primeiro de se empregarem em qualquer outro. O manufatureiro sempre se acostumou a procurar sua subsistência apenas a partir de seu trabalho; o soldado, a esperá-la de seu pagamento. A aplicação e a indústria foram familiares a um; a ociosidade e a dissipação, ao outro. Mas certamente é muito mais fácil mudar a direção da indústria de uma espécie de trabalho para outra do que desviar a ociosidade e a dissipação em outra. Para a grande maioria das manufaturas, aliás, já se observou, há outras manufaturas colaterais de natureza tão semelhante que um trabalhador pode facilmente transferir sua indústria de uma delas para outra. A maior parte de tais trabalhadores também é ocasionalmente empregada no trabalho do campo. O capital que os empregou numa determinada manufatura antes, ainda permanecerá no campo para empregar um mesmo número de pessoas de alguma outra maneira. O capital do campo sendo o mesmo, a demanda de trabalho analogamente será a mesma, ou quase, se bem que possa ser exercida em diferentes lugares e por diferentes ocupações. Soldados e marujos, de fato, quando dispensados do serviço do rei, estão em liberdade para exercer qualquer ofício dentro de qualquer cidade ou lugar da Grã-Bretanha ou da Irlanda. Que a mesma liberdade natural de exercitar a espécie de indústria que lhes aprouver seja restaurada aos súditos de Sua Majestade, do mesmo modo que para soldados e marujos; isto é, quebrar os privilégios exclusivos das corporações e repelir o Estatuto do Aprendizado, ambos reais usurpações da liberdade natural, e acrescentando-se a estes a repulsa da Lei do Estabelecimento, para que um trabalhador pobre, quando lançado fora de seu emprego num ofício ou num local, possa procurar outra ocupação ou outro lugar sem temer um processo ou uma remoção, e nem o público nem os indivíduos sofrerão mais com a ocasional debandada de algumas classes de manufatureiros do que com a de soldados. Nossos industriais sem dúvida têm grande mérito em seu país, mas não podem ter mais do que aqueles que o defendem com seu sangue, nem merecem ser tratados com mais delicadeza.
Esperar, com efeito, que a liberdade de comércio venha a ser totalmente restaurada na Grã-Bretanha é tão absurdo quanto esperar que uma Oceana, ou Utopia, nela seja estabelecida. Não só os preconceitos do público, mas o que é muito mais inconquistável, os interesses privados de muitos indivíduos, irresistivelmente se opõem a isso. Se os oficiais do exército se opusessem com o mesmo zelo e unanimidade a qualquer redução no número de forças com que os mestres manufatureiros se opõem a qualquer lei que poderia aumentar o número de seus rivais no mercado interno; se aqueles animassem seus soldados da mesma maneira que estes inflamam seus trabalhadores para atacar com violência e ultraje os propositores de quaisquer de tais regulamentos, tentar reduzir o exército seria tão perigoso como agora tornou-se tentar diminuir em qualquer respeito o monopólio que nossos manufatureiros obtiveram contra nós. Este monopólio aumentou tanto o número de algumas de suas tribos que, como um exército hipertrofiado, tornaram-se formidáveis perante o governo, e em muitas ocasiões intimidam a legislatura. O membro do parlamento que suporta toda proposta para reforçar este monopólio pode ficar certo de adquirir não só a reputação de entender de comércio, mas também grande popularidade e influência com uma ordem de homens cujo número e riqueza os torna de grande importância. Se se opuser a eles, ao contrário, e ainda mais, se tiver autoridade bastante para impedi-los, nem a mais reconhecida probidade, nem o posto mais alto, nem os maiores serviços públicos podem protegê-lo do mais infame abuso e detração, de insultos pessoais, nem por vezes de real perigo, oriundo do insolente ultraje dos furiosos e desapontados monopolistas.
O empreiteiro de uma grande manufatura que, pelos mercados internos serem subitamente abertos à competição estrangeira, seja obrigado a abandonar seu ofício, sem dúvida sofreria consideravelmente. Aquela parte de seu capital que usualmente fora empregada na compra de materiais e em pagar seus trabalhadores poderia, sem muita dificuldade, quiçá, encontrar outra aplicação. Mas aquela parte que estava fixada nas oficinas e nos equipamentos, dificilmente pode ser descartada sem perda considerável. O cuidado equitativo de seu interesse exige que mudanças desta espécie nunca sejam introduzidas repentinamente, mas devagar, gradualmente, e após aviso bem antecipado. A legislatura, se fosse possível que suas deliberações pudessem sempre ser dirigidas, não pela clamorosa impertinência dos interesses parciais, mas por uma visão abrangente do bem geral, deveria, exatamente por isto, ser particularmente cuidadosa tanto em estabelecer novos monopólios deste tipo quanto em não estender mais aqueles já estabelecidos. Toda lei estruturada dessa maneira cria desordem na constituição do Estado, que depois será complicado solucionar sem ocasionar outra desordem.
Até que ponto pode ser adequado impor taxas sobre a importação de bens estrangeiros, não para prevenir sua importação, mas para levantar uma renda para o governo, considerarei a seguir, quando tratar dos impostos. Impostos que visem a prevenir, ou mesmo diminuir a importação, são evidentemente tão destrutivos às rendas alfandegárias quanto para a liberdade de comércio.
CAPÍTULO 3
DAS RESTRIÇÕES EXTRAORDINÁRIAS SOBRE A IMPORTAÇÃO DE BENS DE QUASE TODO TIPO DAQUELES PAÍSES COM QUE A BALANÇA É SUPOSTA DESVANTAJOSA PARTE 1
DA IRRACIONALIDADE DAQUELAS RESTRIÇÕES, MESMO PELOS PRINCÍPIOS DO SISTEMA COMERCIAL
Colocar restrições extraordinárias sobre a importação de bens de quase todo tipo daqueles países com que a balança comercial é suposta desvantajosa é o segundo expediente pelo qual o sistema comercial se propõe aumentar a quantidade de ouro e prata. Assim, na Grã-Bretanha, o linho da Silésia pode ser importado para consumo doméstico ao se pagarem certas taxas. Mas os linhos finos e cambraias franceses têm sua importação proibida, exceto no porto de Londres, para ser armazenado para exportação. Taxas mais altas são impostas sobre os vinhos franceses do que sobre os de Portugal, ou de qualquer outro país. Pelo que é chamado “imposto 1692”, uma taxa de 25% da cotação ou valor foi imposta sobre todas as mercadorias francesas; ao passo que as de outras nações, em sua maioria, foram sujeitas a taxas muito mais leves, raramente excedendo 5%. Vinho, conhaque, sal e vinagre da França foram excetuados; estas mercadorias sendo sujeitas a outras altas taxas, por leis ou cláusulas particulares da mesma lei. Em 1696. uma segunda taxa de 25%, a primeira não tendo sido considerada desencorajamento suficiente, foi imposta sobre todos os bens franceses, exceto conhaque; juntamente com uma nova taxa de 25 libras sobre a tonelada do vinho francês e outra de 15 libras sobre o tonel de vinagre francês. As mercadorias francesas nunca foram omitidas em nenhum daqueles subsídios gerais, ou taxas de 5%, que foram impostas sobre todos, ou a maioria dos bens enumerados no livro das cotações. Se contamos os subsídios de um terço e dois terços como formando um subsídio completo dentre todos, houve cinco destes subsídios gerais; de modo que antes do começo da presente guerra, 75% pode ser considerada a taxa mais baixa de que são passíveis a maioria dos bens de cultivo, produção ou manufatura da França. Mas na maioria das mercadorias essas taxas são equivalentes a uma proibição. Os franceses, por seu turno, creio, trataram nossos bens e manufaturas com a mesma dureza; se bem que eu não esteja tão bem familiarizado com as dificuldades particulares que impuseram. Aquelas restrições mútuas puseram termo a quase todo comércio justo entre as duas nações, e os contrabandistas são agora os principais importadores, quer dos bens britânicos para a França, quer dos bens franceses para a Grã-Bretanha. Os princípios que estive examinando no capítulo precedente originaram-se do interesse privado e do espírito do monopólio; os que ora examinarei neste, do preconceito nacional e da animosidade. São, como seria de esperar, ainda mais irrazoáveis. E também são assim mesmo pelos princípios do sistema comercial.
Primeiro, se bem que seja certo que no caso de um livre comércio entre a França e a Inglaterra, por exemplo, a balança seria favorável à França, de modo algum se segue que tal comércio seria desvantajoso para a Inglaterra, ou que a balança geral de todo seu comércio por isto se voltaria mais contra esta. Se os vinhos de França são melhores e mais baratos que os de Portugal, ou seus linhos, que os da Alemanha, seria mais vantajoso para a Inglaterra comprar o vinho e o linho estrangeiro de que precisasse da França do que de Portugal e da Alemanha. Se bem que o valor das importações anuais da França fosse grandemente aumentado por isto, o valor total das importações anuais seria diminuído, em proporção aos bens franceses da mesma qualidade serem mais baratos que os dos outros países. Este seria o caso, mesmo na suposição de que todos os bens franceses importados devessem ser consumidos na Grã-Bretanha.
Mas, em segundo lugar, uma grande parte deles poderia ser reexportada para outros países onde, vendidos com lucro, poderiam trazer um retorno igual em valor, quiçá ao custo original de todos os bens franceses importados. O que frequentemente foi dito do comércio das Índias Orientais poderia possivelmente ser verdade do francês; que muito embora a maior parte dos bens das Índias fossem comprados com ouro e prata, a reexportação de uma parte deles para outros países trouxe mais ouro e prata ao que executou o comércio do que o total do custo original. Um dos ramos mais importantes do comércio holandês, atualmente, consiste no transporte das mercadorias francesas para outros países europeus. Mesmo uma parte do vinho francês bebido na Grã-Bretanha é clandestinamente importada da Holanda e Zelândia. Se houvesse um comércio livre entre a França e a Inglaterra, ou se os bens franceses pudessem ser importados pelo pagamento só das mesmas taxas que outras nações europeias, a serem cobradas sobre as exportações, a Inglaterra poderia ter alguma parte de um comércio que se mostrou tão vantajoso para a Holanda.
Em terceiro e último lugar, não há critério certo pelo qual possamos determinar de que lado da assim chamada balança entre dois países está, ou qual deles exporta o maior valor. O preconceito e a animosidade nacional, incentivados sempre pelo interesse privado de comerciantes, são os princípios que geralmente dirigem nosso julgamento sobre todas as questões concernentes a isto. Há dois critérios, porém, que frequentemente têm sido invocados em tais ocasiões: os livros da alfândega e o câmbio. Os livros da alfândega, creio que agora é geralmente reconhecido, são um critério muito incerto, por causa da imprecisão da cotação da maioria das mercadorias registradas neles. A variação do câmbio é mais ou menos a mesma coisa.
Quando o câmbio entre dois lugares, como Londres e Paris, está pareado, é sinal que os débitos de Londres para Paris são compensados por aqueles devidos de Paris a Londres. Ao contrário, quando um prêmio é pago em Londres por uma letra contra Paris, diz-se ser sinal de que os débitos devidos de Londres para Paris não são compensados por aqueles devidos de Paris para Londres, mas que uma compensação em dinheiro deve ser enviada deste último lugar; pelo risco, trabalho e despesa de exportar é que o prêmio é exigido e dado. Mas o estado ordinário do débito e do crédito entre essas duas cidades deve necessariamente ser regulado, diz-se, pelo curso ordinário de seus negócios uma com a outra. Quando nenhuma delas importa da outra uma quantidade maior do que exporta, débitos e créditos mútuos podem se compensar. Mas quando uma delas importa da outra um valor maior, a primeira necessariamente fica em dívida para com a outra numa soma maior; os débitos e créditos não se compensam mutuamente, e deve-se enviar dinheiro daquele lugar onde os débitos sobrepujam os créditos. O curso ordinário da troca, portanto, sendo uma indicação do estado ordinário do débito e do crédito entre dois lugares, igualmente deve ser indicação do curso ordinário de suas exportações e importações, pois que estas necessariamente governam este estado de coisas.
Se bem que o curso ordinário das trocas deva ser considerado como indicação suficiente do estado ordinário de débito e crédito entre dois lugares quaisquer, daqui não decorre que o balanço comercial esteja em favor do lugar que tem o estado ordinário de débito e crédito a seu favor. Este estado nem sempre é inteiramente regulado pelo decurso ordinário de seus negócios, mas costumeiramente influenciado pelos contratos de cada um com muitos outros lugares. Se é usual, por exemplo, que os comerciantes da Inglaterra paguem pelos bens que compram de Hamburgo, Dantzig, Riga etc., com letras contra a Holanda, a condição comum de débito e crédito entre a Inglaterra e a Holanda não será regulada inteiramente pelo curso comum das tratativas entre estes dois países, mas será influenciado pelos negócios da Inglaterra com aqueles outros lugares. A Inglaterra pode ser obrigada a enviar anualmente dinheiro à Holanda, se bem que suas exportações anuais para aquele país possam exceder em muito o valor anual de suas importações de lá; e se bem que o que é chamado balanço comercial, este pode estar muito mais favorável à Inglaterra.
Aliás, da maneira que a paridade de troca tem sido computada, o curso ordinário do câmbio não pode fornecer indicação suficiente de que a condição ordinária de débito e crédito esteja favorável àquele país que parece ter, ou supõe-se que tenha, o curso do câmbio em seu favor; ou, em outras palavras, o câmbio real pode ser, e de fato amiúde é, tão diferente do computado, que do curso deste não se pode tirar conclusão certa, em várias ocasiões, sobre o outro.
Quando, por uma soma em dinheiro paga na Inglaterra contendo, de acordo com o padrão da cunhagem inglesa, um certo número de onças de prata pura, recebe-se uma letra para uma soma em dinheiro a ser paga na França, contendo, de acordo com o padrão da cunhagem francesa, um número igual de onças de prata pura, diz-se que o câmbio tem paridade entre Inglaterra e França. Quando se paga mais, pressupõe-se que se deva dar um prêmio, e diz-se que o câmbio é contra a Inglaterra e a favor da França. Quando se paga menos, pressupõe-se que se receba um prêmio, e diz-se que o câmbio é contra a França e a favor da Inglaterra.
Mas, primeiramente, não podemos julgar sempre o valor do dinheiro corrente de diversos países pelo padrão das respectivas cunhagens. Em alguns representa mais, em outros, é menos degenerada em relação àquela padrão. Mas o valor da moeda corrente de todo país, em comparação com a de qualquer outro país, está em proporção não só com a quantidade de prata pura que deveria conter, mas em relação à que de fato contém. Antes da reforma da cunhagem de prata no tempo do rei Guilherme, o câmbio entre a Inglaterra e a Holanda, calculado do modo usual, de acordo com o padrão das respectivas cunhagens, era de 25% contra a Inglaterra. Mas o valor da moeda corrente na Inglaterra, naquela época, era mais de 25% abaixo do seu valor-padrão. O câmbio real, portanto, naquela época pode ser sido favorável à Inglaterra, não obstante o câmbio calculado tivesse sido contrário; um número menor de onças de prata pura efetivamente pago na Inglaterra poderia ter comprado uma letra para um maior número de onças de prata pura a ser pago na Holanda, e aquele que supostamente deveria dar poderia ter recebido o prêmio. A moeda francesa, antes da última reforma da moeda de ouro inglesa, era muito menos gasta que a inglesa, e era talvez 2% ou 3% mais perto de seu padrão. Se o câmbio calculado com a França não fosse mais de 2% ou 3% contra a Inglaterra, o câmbio real poderia ser em seu favor. Desde a reforma da cunhagem em ouro, o câmbio tem sido constantemente favorável à Inglaterra e contra a França.
Em segundo lugar, em alguns países, a despesa da cunhagem é custeada pelo governo; em outros, é custeada pelos particulares que levam seus lingotes à cunhagem, e o governo ainda deriva alguma renda da cunhagem. Na Inglaterra, é custeada pelo governo, e se se levar o peso de uma libra de prata padrão à cunhagem, recebe-se 62 shillings, contendo o peso de uma libra no equivalente em padrão de prata. Na França, uma taxa de 8% é deduzida para a cunhagem, que não só custeia a despesa, mas fornece ao governo alguma renda. Na Inglaterra, como a cunhagem nada custa, a moeda corrente nunca pode ter valor muito maior que a quantidade de lingotes que efetivamente contém. Na França, ao se pagar a mão de obra, esta é acrescida ao valor, assim como a prata lavrada. Uma soma de dinheiro francês, portanto, contendo um certo peso de prata pura, é mais valiosa que uma soma de dinheiro inglês contendo peso igual de prata pura, e deve exigir mais lingotes, ou outras mercadorias, para a sua compra. Mesmo que a moeda corrente dos dois países fosse igualmente próxima dos padrões de suas respectivas cunhagens, uma soma em dinheiro inglês não poderia comprar uma soma em dinheiro francês contendo número igual de onças de prata pura, nem consequentemente uma letra contra a França por uma tal soma. Se por esta letra não se pagasse nenhum dinheiro adicional do que o suficiente para compensar a despesa da cunhagem francesa, o câmbio real poderia ter paridade entre os dois países, e seus débitos e créditos poderiam compensar-se mutuamente, enquanto que o câmbio calculado seria consideravelmente favorável à França. Se menos que isto fosse pago, o câmbio real seria favorável à Inglaterra, ao passo que o calculado seria favorável à França.
Em terceiro e último lugar, em alguns lugares, tais como Amsterdam, Hamburgo, Veneza etc., as letras de câmbio estrangeiras são pagas no que chamam de dinheiro de banco; ao passo que em outros, como em Londres, Lisboa, Antuérpia, Leghorn etc., são pagas na moeda comum do país. O que é chamado de dinheiro de banco é sempre de mais valor que a mesma soma nominal de moeda comum. Mil guilders no Banco de Amsterdam, por exemplo, têm mais valor que mil guilders em moeda de Amsterdam. A diferença entre elas é o chamado ágio do banco, que em Amsterdam é geralmente de cerca de 5%. Supondo que a moeda corrente dos dois países se aproxime igualmente do padrão de suas respectivas cunhagens, e que um pague letras estrangeiras nesta moeda comum, ao passo que o outro as pague em notas bancárias, é evidente que o câmbio computado pode ser favorável àquele que paga em notas bancárias, se bem que o câmbio real seja em favor do que paga em moeda corrente; pela mesma razão que o câmbio computado pode ser favorável ao que paga em dinheiro melhor, ou em dinheiro mais próximo a seu padrão, se bem que o câmbio real seja favorável ao que paga em dinheiro pior. O câmbio calculado, antes da última reforma da moeda de ouro, geralmente era contra Londres com: Amsterdam, Hamburgo, Veneza, e, creio, com todos os outros lugares que pagam nas chamadas notas bancárias. De modo algum se segue, entretanto, que o câmbio real lhe fosse desfavorável. Desde a reforma da cunhagem de ouro, tem sido favorável a Londres com: Lisboa, Antuérpia, Leghorn, e excetuando a França, creio, com a maioria das outras partes da Europa que pagam em moeda comum; e não é improvável que o câmbio real também assim fosse.
PARTE 2
DA IRRACIONALIDADE DAQUELAS RESTRIÇÕES EXTRAORDINÁRIAS POR OUTROS PRINCÍPIOS
Na parte anterior deste capítulo, procurei mostrar, mesmo pelos princípios do sistema comercial, quão desnecessário é impor restrições extraordinárias sobre as importações de bens daqueles países com os quais a balança de comércio é suposta desvantajosa.
Nada, no entanto, pode ser mais absurdo que toda esta doutrina de balanço comercial, na qual não só estas restrições, mas quase todas as outras leis de comércio, são fundadas. Quando dois lugares comerciam um com o outro, esta doutrina supõe que, se o balanço está igual, nenhum deles ganha ou perde, mas se se inclina em qualquer grau para um lado, um deles perde e o outro ganha, em proporção à sua descensão do equilíbrio exato. Ambas as suposições são falsas. Um comércio que é forçado por meio de subsídios e monopólios pode ser, e comumente é, desvantajoso para o país em cujo favor se estabelece, como adiante procurarei mostrar. Mas aquele comércio que, sem força ou constrangimento, é natural e regularmente exercido entre dois lugares quaisquer é sempre vantajoso, se bem que nem sempre igualmente, a ambos.
Por vantagem, ou ganho, entendo não só o aumento da quantidade de ouro e prata, mas o do valor trocável do produto anual da terra e trabalho do país, ou o aumento do rendimento anual de seus habitantes.
Se o balanço está equilibrado, e se o comércio entre os dois lugares consiste inteiramente na troca de suas mercadorias nativas, na maioria das ocasiões, eles ganharão igualmente, ou quase; cada um, neste caso, sustentará um mercado para o excesso de produção do outro, cada um substituirá um capital que foi empregado em elaborar e preparar para o mercado este excesso de produção do outro, e que foi distribuído e deu renda e subsistência a um certo número de seus habitantes. Parte dos habitantes de cada um, portanto, indiretamente derivará seu rendimento e subsistência do outro. Como também as mercadorias trocadas são supostas de igual valor, os capitais empregados no comércio, na maioria das ocasiões, serão iguais, ou quase; e ambos sendo empregados na elaboração das mercadorias nativas dos dois países, a renda e a manutenção que sua distribuição proporcionará aos habitantes de cada um será igual ou quase. Esta renda e esta subsistência, assim mutuamente sustentadas, serão maior ou menor em proporção à extensão de seus negócios. Se estes anualmente totalizarem cem mil libras, por exemplo, ou um milhão de cada lado, cada um dará uma renda anual, num caso, de cem mil libras, e, no outro, de um milhão, aos habitantes do outro país.
Se seu comércio for de tal natureza que um deles exportou para o outro nada senão mercadorias nativas, ao passo que o retorno do outro consistiu totalmente em bens estrangeiros, o balanço, neste caso, ainda seria tido como equilibrado, mercadoria sendo paga por mercadoria. Neste caso também ambos ganhariam, mas não igualmente; aos habitantes do país que exportou tão somente mercadorias nativas derivaria a maior renda do comércio. Se a Inglaterra, por exemplo, importasse da França nada que não fosse mercadoria nativa daquele país, e não tendo tais artigos próprios para atender sua demanda, anualmente os pagasse enviando uma grande quantidade de bens estrangeiros, tabaco, suponhamos, e artigos das Índias Orientais; este comércio, se bem que daria alguma renda aos habitantes de ambos os países, daria mais aos da França que aos da Inglaterra. Todo o capital francês anualmente empregado nisto seria anualmente distribuído pelo povo da França. Mas aquela parte do capital inglês, que foi empregado na produção das mercadorias inglesas com que aqueles artigos estrangeiros foram comprados, seria anualmente distribuída entre o povo inglês. A sua maior parte substituiria os capitais que foram empregados na Virgínia, no Indostão e na China, e que deram renda e subsistência aos habitantes daqueles países distantes. Se os capitais fossem iguais, ou quase, este emprego do capital francês aumentaria muito mais a renda do povo francês do que o capital inglês a do povo da Inglaterra. A França, neste caso, exerceria um comércio exterior direto de consumo com a Inglaterra; ao passo que a Inglaterra, indireto com a França. Os diferentes efeitos de um capital empregado no comércio exterior direto e no indireto de consumo já foram totalmente explicados.
Provavelmente não há, entre dois países quaisquer, um comércio que consista totalmente na troca, quer de mercadorias nativas de ambos os lados, quer de mercadorias nativas de um lado e artigos estrangeiros de outro. Quase todos os países trocam uns com os outros, em parte artigos nativos, e, em parte, estrangeiros. Mas o país em cujos fretes houver artigos nativos na maior proporção, e estrangeiros em menor, será sempre o principal lucrador.
Se não fosse com tabaco e artigos das Índias Orientais, mas com ouro e prata que a Inglaterra pagasse as mercadorias anualmente importadas da França, o balanço, neste caso, seria suposto desequilibrado, mercadoria não sendo paga com mercadoria, mas com ouro e prata. O comércio, neste caso, como no anterior, daria alguma renda aos habitantes de ambos os países, mas mais aos da França que aos da Inglaterra. O capital empregado na produção dos artigos ingleses que compraram este ouro e prata, o capital distribuído e que deu renda a certos habitantes da Inglaterra, assim seria substituído e permitiria continuar este emprego. O capital total da Inglaterra não seria diminuído por esta exportação de ouro e prata, não menos do que pela exportação de um valor igual de outros bens quaisquer. Ao contrário, na maioria dos casos, aumentaria. Só se envia ao estrangeiro aqueles bens pelos quais a demanda é considerada maior fora do país, e cujo retorno, espera-se, seja de maior valor que a mercadoria exportada. Se o tabaco, que na Inglaterra valesse cem mil libras, fosse enviado à França para comprar vinho que na Inglaterra vale 110 mil, esta troca aumentaria igualmente o capital da Inglaterra em dez mil libras. Como um comerciante que tem 110 mil libras de vinho em sua adega é mais rico que aquele que só tem cem mil libras de ouro em seus cofres. Pode movimentar uma maior quantidade de indústria, e dar renda, subsistência e emprego a um maior número de pessoas do que qualquer dos dois outros. Mas o capital do país é igual aos capitais de todos os seus habitantes, e a quantidade de indústria que pode ser anualmente mantida nele é igual ao que todos aqueles diversos capitais pode manter. Tanto o capital do país como a quantidade de indústria que nele podem ser anualmente mantidos, geralmente devem ser aumentados por esta troca. De fato, seria mais vantajoso para a Inglaterra que ela pudesse comprar os vinhos da França com seu ferro e tecido do que com o tabaco da Virgínia ou o ouro e a prata do Brasil e do Peru. Um comércio exterior direto de consumo é sempre mais vantajoso que um que seja indireto. Mas um comércio exterior indireto de consumo, exercido com ouro e prata, não parece ser menos vantajoso do que qualquer outro, também indireto. Nem um país que não tenha minas é mais passível de ser exaurido de ouro e prata por esta exportação anual destes metais do que um que não cultiva tabaco pela exportação anual desta planta. Como um país que tenha com que comprar tabaco nunca ficará muito tempo sem ele, assim um que precise de ouro e prata e tenha com que comprá-los.
É mau negócio, diz-se, o de um trabalhador com a cervejaria; e o comércio que uma nação manufatureira exercesse com um país vinhateiro pode ser considerado da mesma natureza. Respondo dizendo que o comércio com a cervejaria não é necessariamente mau. Em sua natureza, é tão vantajoso como qualquer outro, mas talvez um pouco mais passível de abuso. O emprego de um cervejeiro, e mesmo o de um varejista de licores fermentados, são divisões do trabalho tão necessárias quanto qualquer outra. Geralmente será mais vantajoso para o operário comprar do cervejeiro a quantidade de que precisar do que preparar a cerveja sozinho, e se for pobre, geralmente será mais vantajoso para ele comprar aos poucos do varejista do que uma grande quantidade do cervejeiro. Sem dúvida, ele pode comprar demais de ambos, como de quaisquer outros comerciantes da região, do açougueiro, se for um glutão, ou do tecelão, se afetar vaidade entre seus pares. É vantajoso para o corpo dos operários, não obstante, que todos estes comércios sejam livres, mesmo que se possa abusar desta liberdade em todos eles, o que poderia acontecer mais em alguns do que em todos. Se bem que os indivíduos possam por vezes arruinar suas fortunas por um consumo excessivo de licores fermentados, parece não haver risco em que uma nação o faça. Se bem que em todo país haja muitos que desperdiçam em tais licores mais do que possam, há sempre muito mais que desperdiça menos. Deve-se observar também, se consultarmos a experiência, que o baixo preço do vinho parece ser a causa, não da ebriedade, mas da sobriedade. Os habitantes das regiões vinhateiras são em geral os mais sóbrios da Europa; são testemunhas os espanhóis, os italianos e os habitantes das províncias meridionais da França. As pessoas são raramente culpadas de excesso além de seu hábito diário. Ninguém afeta o caráter de liberalidade e boa amizade sendo profuso em um licor que é tão barato quanto cerveja. Ao contrário, nos países onde, por calor ou frio excessivos, não se produzem uvas, e onde o vinho é então caro e raro, o alcoolismo é vício comum, como entre as nações nórdicas, e todos os que vivem entre os trópicos, os negros, por exemplo, na costa da Guiné. Quando um regimento francês vem de alguma das províncias setentrionais da França, onde o vinho é um pouco caro, para serem aquartelados nas meridionais, os soldados, já ouvi observarem muitas vezes, de início ficam debochados pela novidade do baixo preço do vinho bom; mas depois de alguns meses de residência, a maior parte deles torna-se tão sóbria quanto o resto dos habitantes. Se as taxas sobre vinhos importados e as exações sobre o malte e a cerveja fossem removidas imediatamente, do mesmo modo poderia ocorrer uma bebedeira geral e temporária, na Grã-Bretanha, entre as classes média e inferior do povo, que provavelmente logo se seguiria por uma permanente e quase universal sobriedade. Atualmente, o alcoolismo de modo algum é o vício das pessoas de bem, ou daqueles que podem facilmente pagar os licores mais caros. Um cavalheiro bêbado de cerveja raramente pode ser visto entre nós. As restrições sobre o comércio de vinho na Grã-Bretanha não parecem calculadas para obstaculizar o povo a ir à cervejaria, se assim posso dizer, como a ir aonde possam comprar o melhor ou o mais barato licor. Favorecem o comércio de vinhos de Portugal e desencorajam o da França. Os portugueses, diz-se, são de fato melhores compradores de nossas manufaturas do que os franceses, e portanto deveriam ser encorajados de preferência a estes. Como eles nos dão preferência, diz-se, deveríamos dar-lhes a nossa. As artes sutis de comerciantes vis são assim erigidas em máximas políticas para a conduta de um grande império; pois só o mercador mais vil torna uma regra empregar principalmente os próprios fregueses. Um grande comerciante compra suas mercadorias sempre onde elas são mais baratas e melhores, sem se importar com qualquer interesse mesquinho desta espécie.
Por tais máximas como essa, porém, ensinou-se às nações que seu interesse consiste em arruinar todos os seus vizinhos. Cada nação é forçada a olhar invejosamente a prosperidade de todas as nações com que comercia, e considerar o ganho delas como sua própria perda. O comércio, que naturalmente deveria ser entre nações, como é entre particulares, um laço de união e amizade, tornou-se a fonte mais fértil de discórdia a animosidade. A caprichosa ambição de reis e ministros, durante este século e o precedente, não foi mais fatal ao repouso da Europa do que a inveja impertinente de comerciantes e manufatureiros. A violência e a injustiça dos governantes da humanidade são um antigo mal para o qual, receio, a natureza dos negócios humanos dificilmente aceita remédio. Mas a maligna rapacidade, o espírito monopolista dos comerciantes e manufatureiros, que nem são nem deveriam ser os governantes da humanidade, se bem que talvez não possa ser corrigida, pode muito facilmente ser afastada de perturbar a tranquilidade de quem quer que seja, exceto a deles mesmos.
Que foi o espírito do monopólio que originalmente inventou e propagou esta doutrina não se pode duvidar, e os que primeiro a ensinaram de modo algum foram tão insensatos quanto aqueles que nela acreditaram. Em todo país, sempre é, e deve ser, do interesse da grande maioria do povo, comprar o que querem de quem vende mais barato. A proposição é tão manifesta que parece risível dar-se a algum trabalho para prová-la, nem poderia ter sido invocada se a sofística tendenciosa de comerciantes e manufatureiros não confundisse o senso comum da humanidade. Seu interesse, neste aspecto, é diretamente oposto ao do povo. Como é do interesse dos homens livres de uma corporação obstacular o resto dos habitantes, para empregar qualquer trabalhador que não sejam eles mesmos, assim é o interesse dos mercadores e manufatureiros de todo país garantirem-se o monopólio do mercado doméstico. Assim, na Grã-Bretanha, e na maioria dos outros países europeus, as taxas extraordinárias sobre quase todos os bens importados pelos comerciantes estrangeiros. Daí as altas taxas e proibições sobre todas aquelas manufaturas estrangeiras que podem vir a competir com as nossas. Daí também as restrições extraordinárias sobre a importação de quase toda espécie de bens daqueles países com que a balança comercial é suposta desvantajosa, isto é, daqueles contra quem a animosidade nacional ocorre estar mais violentamente inflamada.
A riqueza de uma nação vizinha, porém, se perigosa na guerra e na política, é certamente vantajosa no comércio. Num estado de beligerância, pode capacitar nossos inimigos a manter frotas e exércitos superiores aos nossos; mas num estado de paz e comércio igualmente deve capacitá-los a trocar conosco um maior valor, e permitir um melhor mercado, quer para o produto imediato de nossa indústria, quer para o que quer que seja comprado com aquele produto. Como um homem rico deverá ser melhor freguês para as pessoas industriosas de sua vizinhança que um pobre, assim é uma nação rica. Um homem rico, de fato, que ele mesmo seja manufatureiro, é um vizinho muito perigoso para todos os do mesmo ofício. Todo o resto da vizinhança, porém, a grande maioria, lucra pelo bom mercado que suas despesas lhes oferece. Eles lucram mesmo com a baixa paga que dá a seus trabalhadores que têm o mesmo ofício. Os manufatureiros de uma nação rica, do mesmo modo, sem dúvida podem ser rivais perigosos para os de seus vizinhos. Esta mesma competição, porém, é vantajosa para a maioria do povo, que lucra grandemente pelo bom mercado que a grande despesa de uma tal nação lhes garante de todos os outros modos. Os particulares que querem fazer fortuna nunca pensam em se retirar para as províncias remotas e pobres do país, mas recorrem à capital, ou a alguma das grandes cidades comerciais. Sabem que onde pouca riqueza circula, há pouco a ganhar, mas onde há bastante em movimento, alguma fração dela pode caber-lhes. As mesmas máximas que desta maneira dirigiam o senso comum de um, ou dez, ou vinte indivíduos, deveria regular o julgamento de um, ou dez, ou vinte milhões, e deveria fazer toda uma nação ver as riquezas de seus vizinhos como provável causa e ocasião para ela mesma adquirir riquezas. Uma nação que enriqueça pelo comércio exterior, certamente mais provavelmente o fará quando todas as suas vizinhas são nações ricas, industriosas e comerciais. Uma grande nação cercada de todos os lados de selvagens errantes e bárbaros pobres pode, sem dúvida, adquirir riquezas pelo cultivo de suas terras, e por seu comércio interior, mas não pelo comércio exterior. Parece ter sido desta maneira que os antigos egípcios e os chineses modernos adquiriram sua grande riqueza. Os antigos egípcios, pelo que dizem, negligenciaram o comércio exterior, e os chineses, sabe-se, têm-no no mais alto desprezo, e escassamente dignam-se a conceder-lhe uma decente proteção legal. As máximas modernas do comércio exterior, objetivando o empobrecimento de todos os nossos vizinhos, enquanto são capazes de produzir seu efeito desejado, tendem a tornar este comércio insignificante e desprezível.
É em consequência destas máximas que o comércio entre a França e Inglaterra em ambos os países foi sujeito a muitos desencorajamentos e restrições. Se os dois países, porém, considerassem seu real interesse, sem ciúmes mercantis ou animosidade nacional, o comércio de França poderia ser mais vantajoso com a Grã-Bretanha do que o de qualquer outro país, e pela mesma razão o da Grã-Bretanha com a França. A França é o país mais próximo da Inglaterra. No comércio entre a costa meridional da Inglaterra e a costa norte e noroeste da França pode-se esperar um retorno, do mesmo modo que o comércio interno, de quatro, cinco ou seis vezes ao ano. O capital, portanto, empregado neste comércio em cada um dos países poderia movimentar quatro, cinco ou seis vezes a quantidade de indústria e oferecer emprego e subsistência a quatro, cinco ou seis vezes o número de pessoas que um capital igual faria na maior parte dos outros ramos do comércio exterior. Entre as regiões da França e da Grã-Bretanha mais distantes uma da outra, os retornos podem ser esperados no mínimo uma vez por ano, e mesmo este comércio seria no mínimo tão vantajoso quanto a maioria dos outros ramos de nosso comércio exterior europeu. Seria pelo menos três vezes mais vantajoso que o decantado comércio com nossas colônias norte-americanas, onde os retornos raramente ocorriam em menos de três anos, e frequentemente em não menos de quatro ou cinco anos. A França, além do mais, supõe-se que tenha 24 milhões de habitantes. Nossas colônias norte-americanas nunca foram supostas com mais de três milhões; e a França é um país muito mais rico que a América do Norte; porém, por causa de uma distribuição muito mais desigual das riquezas, há muito mais pobreza e miséria num país que no outro. A França, portanto, poderia sustentar um mercado pelo menos oito vezes mais extenso, e por causa da frequência superior dos retornos, vinte e quatro vezes mais vantajoso do que jamais foram nossas colônias norte-americanas. O mercado da Grã-Bretanha seria igualmente vantajoso para a França, e em proporção à riqueza, população e proximidade dos respectivos países, teria a mesma superioridade acima da que a França tem sobre suas próprias colônias. Tal é a grande diferença entre aquele comércio que a sabedoria de ambas as nações achou apropriado desencorajar justamente o que mais favoreceu.
Mas as mesmas circunstâncias que teriam tornado tão vantajoso para ambos o comércio livre e aberto entre os dois países, causaram as principais obstruções àquele comércio. Sendo vizinhos, são necessariamente inimigos, e a riqueza e o poder de cada um torna-se, por isso, mais temível para o outro; e o que aumentaria a vantagem da amizade nacional serve apenas para inflamar a violência da animosidade nacional. São ambas nações ricas e industriosas; e os mercadores e manufatureiros de cada uma temem a competição da habilidade e atividade dos da outra. O ciúme mercantil é excitado, e inflama e é inflamado pela violência da animosidade nacional; os comerciantes de ambos os países anunciam, com toda a apaixonada confiança da falsidade interesseira, a ruína certa em consequência daquele balanço comercial desfavorável que, pretendem, seria o efeito infalível de um comércio irrestrito um com o outro.
Não há país comercial na Europa cuja ruína próxima não foi frequentemente anunciada pelos supostos doutores deste sistema por causa da balança comercial desfavorável. Depois de toda a ansiedade, porém, que excitaram sobre isto, após todas as vãs tentativas de quase todas as nações mercantis para voltar aquela balança em seu próprio favor e contra seus vizinhos, não parece que qualquer nação europeia sob qualquer aspecto tenha sido empobrecida por esta causa. Cada cidade e país, ao contrário, na proporção em que abriram seus portos a todas as nações, ao invés de serem arruinados por este comércio livre, como os princípios do sistema comercial nos levariam a esperar, foram enriquecidos por ele. Se bem que há na Europa algumas cidades que sob alguns aspectos mereçam o nome de portos livres, não há país nesta condição. A Holanda, talvez, é a que mais se aproxima deste caráter do que qualquer outra, se bem que ainda remota dele; e a Holanda, reconhece-se, não só deriva toda sua riqueza, mas uma grande parte de sua subsistência necessária, do comércio exterior.
Há um outro balanço, de fato, que já foi explicado, muito diferente do comercial, e conforme seja favorável ou desfavorável, necessariamente ocasiona a prosperidade ou o decaimento de qualquer nação. É o balanço do produto e do consumo anual. Se o valor trocável do produto anual, já foi observado, excede o do consumo anual, o capital da sociedade deve crescer anualmente em proporção a este excesso. A sociedade, neste caso, vive de sua renda, e o que é anualmente economizado de sua renda é naturalmente acrescido a seu capital e empregado de maneira a aumentar ainda mais o produto anual. Se o valor de troca do produto anual, ao contrário, está aquém do consumo anual, o capital da sociedade deve anualmente decair em proporção a esta deficiência. A despesa da sociedade, neste caso, excede sua renda e necessariamente dilapida seu capital. Este necessariamente decai, e junto com ele o valor de troca do produto anual de sua indústria.
Este balanço de produto e consumo é inteiramente diferente do chamado balanço comercial. Pode ocorrer numa nação que não tem comércio exterior, mas inteiramente separada de todo o mundo. Pode ocorrer em todo o orbe da Terra, cujos riqueza, população e aperfeiçoamento podem gradativamente aumentar ou decair.
O balanço de produto e consumo pode ser constantemente em favor de uma nação, se bem que o que é chamado balanço comercial lhe seja geralmente contrário. Uma nação pode importar um valor maior do que exporta por até meio século, talvez; o ouro e a prata que a ela chegam durante todo este tempo podem ser imediatamente enviados para fora; sua moeda circulante podem gradualmente decair; diferentes espécies de papel-moeda sendo substituídos em seu lugar, e mesmo os débitos, também, que contrai com as principais nações com que trata, podem gradualmente crescer; e, no entanto, sua riqueza real, o valor de troca da produção anual de suas terras e trabalho, pode, durante o mesmo período, ter crescido numa proporção muito maior. O estado das nossas colônias norte-americanas e do comércio que exerceram com a Grã-Bretanha antes do começo dos atuais distúrbios pode servir de prova que esta de modo algum é uma suposição impossível.
CAPÍTULO 4
DO REEMBOLSO DAS TARIFAS ADUANEIRAS
Os comerciantes e manufatureiros não estão contentes com o monopólio do mercado interno, mas igualmente desejam a mais extensa venda exterior de suas mercadorias. Seus países não têm jurisdição sobre os outros, e portanto raramente podem proporcionar-lhes qualquer monopólio lá. Geralmente são obrigados a se contentarem com petições de certos encorajamentos à exportação.
Destes encorajamentos, os que são chamados reembolsos são os mais razoáveis. Deixar o comerciante se reembolsar da exportação, total ou parcialmente, do valor da exação ou taxa imposta sobre a indústria doméstica, nunca pode ocasionar a exportação de uma maior quantidade de bens do que a que seria exportada se não houvesse taxa imposta. Tais encorajamentos não tendem a voltar para qualquer emprego uma fração maior do capital do país do que a que iria para aquela aplicação por si só, mas só impediria a taxa de desviar qualquer parte daquela fração para outros empregos. Não tendem a alterar aquele balanço que naturalmente se estabelece entre os vários empregos da sociedade; mas sim a impedir que seja desviado pela taxa. Tendem não a destruir, mas a preservar o que na maioria dos casos é vantajoso preservar: a divisão e a distribuição do trabalho na sociedade.
A mesma coisa pode ser dita dos reembolsos sobre a reexportação de mercadorias estrangeiras importadas, que a Grã-Bretanha geralmente conta como sendo a maior parte da taxa sobre a importação. Pela segunda das regulamentações anexadas ao decreto do parlamento que impôs o que agora é chamado de Antigo Subsídio, todo comerciante, inglês ou estrangeiro, podia retirar metade da taxa sobre a exportação; o comerciante inglês, desde que a exportação tivesse lugar em 12 meses; o estrangeiro, desde que ocorresse em nove meses. Vinhos, corantes e couros curtidos eram as únicas mercadorias que não caíam dentro desta regra, tendo outras vantagens. As taxas impostas por este decreto do parlamento, na época, eram as únicas sobre a importação de mercadorias estrangeiras. O termo dentro do qual este e todos os outros reembolsos podia ser reclamado (pelo 7º de Jorge I, cap. 21, seção 10) foi estendido para três anos.
As taxas que foram impostas desde o Antigo Subsídio são, na sua maioria, totalmente retiradas quando da exportação. Esta regra geral, porém, é passível de numerosas exceções, e a doutrina dos reembolsos tornou-se uma questão muito menos simples do que em sua primeira instituição.
Sobre a exportação de algumas mercadorias estrangeiras, de que se esperava que a importação excederia grandemente o necessário para o consumo interno, as taxas foram retiradas inteiramente, sem reter mesmo a metade do Antigo Subsídio. Antes da revolta de nossas colônias norte-americanas, tínhamos o monopólio do tabaco de Maryland e Virgínia. Importávamos cerca de 96 mil hogsheads, e o consumo interno não deveria exceder 14 mil. Para facilitar a grande exportação que era necessária, para nos livrarmos do resto, as taxas foram removidas totalmente, desde que a exportação tivesse lugar em três anos.
Ainda temos, se bem que não totalmente, mas quase, o monopólio do açúcar de nossas ilhas das Índias Ocidentais. Se o açúcar é exportado em um ano, todas as taxas sobre importação são removidas, e se exportado dentro de três anos, as taxas serão mantidas, exceto metade do Antigo Subsídio, que continua a ser retido sobre a exportação da maioria dos bens. Se bem que a exportação de açúcar exceda bastante o que é necessário ao consumo interno, o excesso é desprezível em comparação com o que costumava ser com o tabaco.
Algumas mercadorias, objetos particulares do ciúme de nossos manufatureiros, são proibidas de ser importadas para o consumo interno. Podem, porém, pagando certas taxas, ser importadas e armazenadas para exportação. Mas com tal exportação nenhuma parte destas taxas é retirada. Nossos manufatureiros não parecem querer que mesmo esta importação restrita seja encorajada, e receiam que parte destas mercadorias sejam roubadas dos armazéns e venham a competir com as deles. É apenas sob estas leis que podemos importar couros curtidos, cambraias e linhos finos franceses, algodões pintados, impressos ou tingidos.
Não queremos mesmo transportar as mercadorias francesas, e preferimos desistir de um lucro nosso do que tolerar que aqueles, que consideramos inimigos, façam qualquer lucro por nosso intermédio. Não só metade do Antigo Subsídio, mas mais 25% são retirados sobre a exportação de todas as mercadorias francesas.
Pela quarta das regras anexadas ao Antigo Subsídio, a isenção permitida à exportação de todos os vinhos totalizava muito mais da metade das taxas que na época eram pagas por sua importação; e parece que então foi o objetivo da legislatura dar um pouco mais que o encorajamento ordinário ao transporte do vinho. Várias das outras taxas também, que eram impostas ao mesmo tempo, ou subsequentemente ao Antigo Subsídio — a chamada taxa adicional, o Novo Subsídio, os Subsídios de Um Terço e Dois Terços, o imposto de 1692, sobre o vinho —, tinham isenção total com a exportação. Todas essas taxas, porém, exceto a taxa adicional e o imposto de 1692, sendo pagas em dinheiro, quando da importação, o interesse de tão grande soma causou uma despesa que tornava irrazoável esperar qualquer transporte lucrativo deste artigo. Apenas uma parte, pois, da taxa chamada imposto sobre o vinho, e nada das 25 libras por tonelada dos vinhos franceses, ou das taxas impostas em 1745, em 1763 e em 1778, recebeu isenção quando da exportação. Os dois tributos de 5%, impostos em 1779 e 1781, sobre todas as anteriores taxas alfandegárias, podendo ser retiradas inteiramente quando da exportação de todos os outros artigos, analogamente podiam ser retiradas no caso do vinho. A última taxa que foi particularmente imposta sobre o vinho, a de 1780, pode ser totalmente retirada, indulgência que, quando tantas taxas pesadas são mantidas, muito provavelmente não poderia ocasionar a exportação de uma só tonelada de vinho. Estas regras têm validade para todos os lugares de exportação legal, exceto as colônias britânicas na América.
O 15º de Carlos II, cap.7, chamado Decreto para o Encorajamento do Comércio, deu à Grã-Bretanha o monopólio de suprir as colônias com todas as mercadorias do crescimento da manufatura na Europa; e, consequentemente, com vinhos. Num país de litoral tão extenso quanto nossas colônias norte-americanas e das Índias Ocidentais, onde nossa autoridade sempre foi tão débil e onde os habitantes podem transportar em seus próprios navios seus bens não inventariados, primeiro a todas as regiões da Europa e depois a todas as partes da Europa ao sul do cabo Finisterra, não é muito provável que este monopólio pudesse ser muito respeitado; e eles provavelmente sempre acharam meios de levar alguma carga dos países para onde puderam levar alguma coisa. Porém, parecem ter encontrado alguma dificuldade em importar vinhos europeus dos locais de sua fabricação, e não podiam importá-los da Grã-Bretanha, onde eram sobrecarregados com muitas taxas pesadas, das quais parte considerável não recebia isenção quando da exportação. O vinho Madeira, não sendo mercadoria europeia, podia ser importado diretamente para a América e as Índias Ocidentais, países onde, com todas as suas mercadorias não inventariadas, se tinha um comércio livre com a ilha da Madeira. Estas circunstâncias provavelmente introduziram aquele gosto generalizado pelo vinho Madeira, que nossos oficiais acharam estabelecido em todas as nossas colônias no começo da guerra, que começou em 1755, e o levaram para sua terra natal, onde aquele vinho não estivera antes em moda. Com a conclusão daquela guerra, em 1763 (com o 4º de Jorge II, cap. 15, seção 12), todas as taxas, exceto £3 10s., podiam ser retiradas com a exportação para colônias de todos os vinhos, exceto os franceses, para o qual o comércio e consumo o preconceito nacional não permitiria encorajamento. O período entre a concessão desta indulgência e a revolta de nossas colônias norte-americanas foi provavelmente muito curto para admitir qualquer alteração considerável nos costumes daqueles países.
O mesmo decreto, que na isenção sobre todos os vinhos, exceto os franceses, assim favorecia as colônias muito mais que outros países, nas isenções sobre a maior parte de todas as outras mercadorias, favorecia-as muito menos. Com a exportação da maior parte das mercadorias a outros países, metade do velho subsídio foi removido. Mas esta lei decretou que nenhuma parte daquela taxa deveria ser retirada sobre a exportação às colônias de quaisquer mercadorias, do cultivo ou manufatura da Europa ou das Índias Orientais, exceto vinhos, algodões brancos e musselinas.
As isenções originalmente talvez fossem concedidas para o estímulo ao negócio dos transportes que, como a carga das naus é frequentemente paga por estrangeiros em dinheiro, era suposto particularmente adequado para trazer ouro e prata para o país. Mas se bem que o negócio dos transportes não merece nenhum encorajamento especial, e se bem que o motivo da instituição fosse abundantemente insensato, a instituição em si parece bastante razoável. Tais isenções não podem forçar para este negócio uma fração maior do capital do país do que o que lhe seria naturalmente destinado, não houvesse taxas sobre a importação. Só previnem que seja totalmente excluído por aquelas taxas. O negócio de transporte, se bem que não seja preferencial, não deve ser excluído, mas deixado livre, como todos os outros negócios. É um recurso necessário para aqueles capitais que não conseguem achar aplicação na agricultura ou nas manufaturas do país, em seu comércio interno ou externo.
A renda da alfândega, ao invés de sofrer, lucra com tais isenções, com aquela parte da taxa que é retida. Se a taxa toda fosse retida, os bens estrangeiros sobre as quais são pagas dificilmente poderiam ser exportados, nem consequentemente importados, por falta de mercado. As taxas portanto, das quais uma parte é retida, nunca seriam pagas.
Estas razões parecem justificar suficientemente as isenções, e as justificariam, se bem que as taxas inteiras, sobre o produto da indústria doméstica ou sobre os estrangeiros, sempre foram retiradas da exportação. A renda da exação neste caso sofreria um pouco, e a da alfândega, bem mais; mas o equilíbrio natural da indústria, a divisão e distribuição natural do trabalho, que é sempre mais ou menos perturbada por tais taxas, poderia ser mais restabelecida por uma tal lei.
Estas razões, porém, justificarão as isenções apenas sobre a exportação de bens para os países totalmente estrangeiros e independentes, e não para aqueles onde nossos mercadores e manufatureiros têm monopólio. Uma isenção, por exemplo, sobre a exportação de bens europeus para nossas colônias americanas nem sempre ocasionará uma maior exportação do que ocorreria sem ela. Por meio do monopólio que nossos mercadores e manufatureiros têm lá, a mesma quantidade poderia frequentemente talvez ser enviada para lá, retendo-se mesmo a totalidade das taxas. A isenção, portanto, frequentemente pode ser pura perda para a renda dos impostos e alfândegas, sem alterar o estado do comércio, ou expandi-lo sob qualquer aspecto. Até que ponto tais isenções podem ser justificadas como estímulo apropriado à indústria de nossas colônias, ou até que ponto é vantajosa para o país de origem, para serem isentas de taxas que são pagas por todos os outros seus companheiros súditos, se evidenciará adiante, quando tratarei das colônias.
As isenções, porém, deve-se sempre ter em mente, são úteis apenas naqueles casos em que os bens de exportação para os quais são dadas são realmente exportados para algum país estrangeiro; e não clandestinamente reimportados para o nosso. Que algumas isenções, especialmente sobre o tabaco, frequentemente sofreram abuso, desta maneira, e deram ocasião a muitas fraudes igualmente daninhas à renda e ao comerciante honesto, é bem sabido.
CAPÍTULO 5
DOS PRÊMIOS
Os prêmios para a exportação são na Grã-Bretanha frequentemente pedidos, e por vezes concedidos ao produto de certos ramos da indústria doméstica. Por meio deles, nossos mercadores e manufatureiros, pretende-se, poderão vender suas mercadorias tão ou mais barato que seus rivais no mercado exterior. Uma maior quantidade, diz-se, será assim exportada, e a balança comercial se voltará mais em favor de nosso país. Não podemos dar a nossos operários um monopólio no mercado exterior, como fizemos no interno. Não podemos forçar os estrangeiros a comprar essas mercadorias, como fazemos com nossos patrícios. O melhor expediente, pensou-se, será pagar-lhes para comprar. É desta maneira que o sistema mercantil propõe-se a enriquecer todo o país, e pôr dinheiro em todos os nossos bolsos por meio da balança comercial.
Os prêmios, concede-se, devem ser dados àqueles ramos do comércio que não podem ser exercidos sem eles. Mas todo ramo de negócio onde o negociante pode vender seus artigos por um preço que lhe repõe, com os lucros ordinários do capital, todo o capital empregado no preparo e envio deles ao mercado, pode ser exercido sem prêmio. Todos estes ramos estão no mesmo nível com todos os outros exercidos sem prêmios, e não podem exigi-lo mais que os outros. Os negócios que exigem prêmios são só aqueles em que o mercador é obrigado a vender seus artigos por um preço que não lhe repõe o capital, mais o lucro ordinário; ou onde ele é obrigado a vendê-los por menos do que realmente lhe custa para enviá-los ao mercado. O prêmio é dado para compensar esta perda, e encorajá-lo a continuar, ou talvez a começar, um negócio cuja despesa é suposta maior que o retorno, no qual cada operação consome parte do capital empregado nele, e que é de tal natureza que, se todos os outros negócios se lhe assemelhassem, logo não haveria mais capital no país.
Os negócios, deve-se observar, que são exercidos por meio de prêmios são os únicos que podem ser levados a cabo entre duas nações por qualquer prazo considerável, de modo que uma delas sempre e regularmente perca, ou venda seus bens por menos do que realmente custa enviá-los ao mercado. Mas se o prêmio não pagasse o mercador aquilo que de outro modo ele perderia no preço de seus artigos, seu próprio interesse logo o obrigaria a empregar seu capital de algum modo, ou achar um negócio em que o preço da mercadoria lhe reporia, com o lucro ordinário, a aplicação de capital e enviá-la ao mercado. O efeito dos prêmios, tal como o de todos os outros expedientes do sistema mercantil, só pode ser forçar o comércio de um país para um canal muito menos vantajoso do que aquele para o qual normalmente correria por si só.
O engenhoso e bem-informado autor dos tratados sobre o mercado do cereal mostrou bem claramente que, desde que o prêmio pela exportação do cereal foi primeiro estabelecido, o preço do trigo exportado, avaliado bem moderadamente, excedia o do trigo importado, avaliado bem alto, por uma soma muito maior que a quantidade de todos os prêmios que foram pagos durante aquele período. Assim, ele imagina, segundo os verdadeiros princípios do sistema mercantil, temos uma prova clara de que este comércio forçado de trigo é benéfico à nação; o valor total da exportação excedendo o da importação por uma soma muito maior que toda a despesa extraordinária que o público teve para a exportação. Ele não considera que esta despesa extraordinária, ou o prêmio, é a menor parte da despesa que a exportação do trigo realmente custa à sociedade. O capital que o lavrador empregou no cultivo deve ser levado em conta. A menos que o preço do trigo quando vendido no comércio exterior substitua não só o prêmio, mas este capital, junto com os lucros ordinários sobre ele, a sociedade perde esta diferença, ou o capital nacional é diminuído deste tanto. Mas a exata razão pela qual achou-se necessário conceder um prêmio é a suposta insuficiência do preço para fazer isto.
O preço médio do trigo, diz-se, caiu consideravelmente desde o estabelecimento do prêmio. Que o preço médio do trigo começou a cair um pouco pelo fim do século passado, e continuou a cair durante o decurso dos primeiros 64 anos do presente, já procurei mostrar. Mas este evento, supondo-o tão real quanto creio, deve ter-se dado a despeito do prêmio, e possivelmente não deve ter acontecido em consequência dele. Aconteceu na França, bem como na Inglaterra, se bem que na França não só não havia prêmio, mas até 1764, a exportação do trigo estava sujeita a uma proibição geral. Esta queda gradual no preço médio do grão, é provável, pode ser devida nem a uma lei nem a outra, mas àquela gradual e insensível elevação no valor real da prata que, no primeiro livro deste discurso, procurei mostrar ter tido lugar no mercado geral da Europa no decurso deste século. Parece totalmente impossível que o prêmio pudesse contribuir para abaixar o preço do grão.
Nos anos de abundância, já foi observado, o prêmio, ocasionando uma exportação extraordinária, necessariamente mantém o preço do trigo no mercado interno acima do que naturalmente lhe caberia. Fazer isto era o propósito declarado da instituição. Nos anos de escassez, se bem que o prêmio seja frequentemente suspenso, a grande exportação que ocasiona nos anos de abundância costuma obstaculizar que a abundância de um ano alivie a escassez de outro. Tanto nos anos de abundância como nos de escassez, portanto, o prêmio necessariamente tende a elevar o preço em dinheiro do trigo um pouco acima do que aconteceria no mercado interno.
Que no atual estado de cultivo o prêmio deva ter necessariamente esta tendência não será, creio, disputado por nenhuma pessoa razoável. Mas muitos ensinaram que é preciso encorajar o cultivo, e em duas maneiras diferentes: primeira, abrindo um mercado exterior maior para o trigo do lavrador, e isto tende, imaginam, a aumentar a demanda e, consequentemente, a produção daquela mercadoria; segunda, garantindo-lhe um preço melhor do que aquele que de outro modo poderia esperar no estado atual de cultivo, isto tende, eles supõem, a encorajar esta atividade. Este duplo estímulo deve, imaginam, num grande número de anos, ocasionar tal aumento na produção de trigo que pode abaixar seu preço no mercado interno, muito mais que o prêmio pode elevá-lo, no atual de estado de cultivo, que poderia fazê-lo ao fim daquele período.
Respondo dizendo que qualquer que seja a expansão do mercado exterior que possa ser ocasionada pelo prêmio deve, a cada ano, se dar inteiramente à custa do mercado interno; como cada alqueire de trigo que é exportado por meio do prêmio, e que sem este não poderia sê-lo, teria permanecido no país para aumentar o consumo e abaixar o preço. O prêmio do trigo, deve se observar, bem como todo outro prêmio sobre a exportação, impõe duas taxas diferentes sobre o povo: primeira, a taxa com que são obrigados a contribuir para pagar o prêmio; segunda, a taxa que se origina do alto preço da mercadoria no mercado interno, e que, como a totalidade do povo compra trigo, deve ser pago por ele. Nesta mercadoria em particular, portanto, esta segunda taxa é a mais pesada das duas. Suponhamos que, tomando ano por ano, o prêmio de cinco shillings sobre a exportação do quartilho de cevada eleve o preço desta mercadoria no mercado interno apenas em seis pence o alqueire, ou quatro shillings o quartilho, mais alto do que seria no estado atual do cultivo. Mesmo com esta suposição moderada, a franca maioria do povo, além de contribuir com a taxa que paga o prêmio de cinco shillings sobre cada quartilho que eles mesmos consomem. Mas, de acordo com o próprio bem-informado autor dos tratados sobre o comércio de cereal, a proporção média do cereal exportado para aquele consumido no país não é mais de um para 31. Para cada shilling, portanto, com que contribuem para o pagamento da primeira taxa, devem contribuir com seis libras e quatro shillings para o pagamento da segunda. Uma taxa tão pesada sobre a primeira necessidade da vida deve reduzir a subsistência do trabalhador pobre, ou deve ocasionar algum aumento em seus ganhos pecuniários proporcionais ao preço pecuniário de sua subsistência. Operando de um modo, deve reduzir a capacidade do trabalhador pobre para educar e criar seus filhos, e acaba restringindo a população do país. Enquanto opera do outro, deve reduzir a capacidade dos empregadores do pobre de empregar um número tão grande quanto poderiam de outro modo, o que tende a restringir a indústria do país. A exportação extraordinária do trigo, portanto, ocasionada pelo prêmio, não só a cada ano diminui o mercado e o consumo interno, como estende o externo, mas restringindo a população e a indústria do país, sua tendência a deter e restringir a expansão gradual do mercado interno, e assim, a longo prazo, diminuir, ao invés de aumentar, o mercado e consumo totais do trigo.
Esta elevação do preço em dinheiro do trigo, porém, pensou-se, tornando aquela mercadoria mais lucrativa ao lavrador, necessariamente deve encorajar sua produção.
Respondo que este pode ser o caso se o efeito do prêmio é elevar o preço real do trigo, ou permitir ao lavrador, com uma mesma quantidade dele, manter um maior número de trabalhadores, da mesma maneira, liberal, moderada ou modesta, que os outros trabalhadores são comumente mantidos na região. Mas nem o prêmio, é evidente, nem outra instituição humana pode ter tal efeito. Não é o preço real, mas o nominal, do trigo, que pode, em qualquer grau considerável, ser afetado pelo prêmio. E se bem que a taxa que aquela instituição impõe à grande maioria da população pode ser muito onerosa àqueles que o pagam, é de muito pouca vantagem para aqueles que o recebem.
O efeito real do prêmio não é tanto elevar o valor real do trigo quanto degradar o valor real da prata, ou fazer com que igual quantidade dele possa ser trocada por menor quantidade, não só de trigo, mas de todas as outras mercadorias do país; pois o preço em dinheiro do trigo regula o de todas as outras mercadorias do país.
Regula o preço em dinheiro do trabalho, que deve ser sempre de modo a permitir que o trabalhador compre uma quantidade de trigo suficiente para mantê-lo e à família da maneira liberal, moderada ou modesta que as circunstâncias progressistas, estacionárias ou decadentes da sociedade obrigam seus empregadores a mantê-lo.
Regula o preço em dinheiro de todas as outras partes do produto bruto da terra que, a cada período de aperfeiçoamento, deve manter uma certa proporção com o do trigo, se bem que esta proporção seja diferente em períodos diferentes. Regula, por exemplo, o preço em dinheiro da pastagem e do feno, da carne no varejo, dos cavalos, bem como sua manutenção, e dos carros, consequentemente, ou da maior parte do comércio terrestre do país.
Regulando o preço em dinheiro de todas as outras partes do produto bruto da terra, regula o dos materiais de quase todas as manufaturas. Regulando o preço em dinheiro do trabalho, regula o das manufaturas e da indústria. E regulando a ambos, regula o do total da manufatura. O preço em dinheiro do trabalho, e de tudo que seja produto da terra ou do trabalho, deve necessariamente elevar-se ou cair em proporção ao preço em dinheiro do trigo.
Se bem que em consequência do prêmio, portanto, o lavrador possa vender seu trigo por quatro shillings o alqueire, em vez de três shillings e seis pence, e pagar ao proprietário um arrendamento proporcional a esta elevação no preço em dinheiro de seu produto, ainda se em consequência desta elevação no preço do trigo, quatro shillings não comprarão mais artigos do país de qualquer outro tipo que três shillings e seis pence o fariam antes, nem as circunstâncias do lavrador nem as do proprietário seriam melhoradas por esta alteração. O lavrador não poderá cultivar melhor; o proprietário não poderá viver melhor. Na compra de artigos estrangeiros, esta alta no preço do trigo pode dar alguma pequena vantagem. Na dos artigos nacionais, nenhuma. E quase toda a despesa do lavrador, e a maioria da do proprietário, é em artigos do país.
Essa degradação no valor da prata que é o efeito da fertilidade das minas e que opera igualmente, ou quase, pela maior parte do mundo comercial, é questão de mínima consequência para qualquer país em particular. A consequente elevação de todos os preços, se bem que não faça ricos aqueles que os recebem, não os empobrece de fato. Um serviço de prata torna-se realmente mais barato, e tudo o mais permanece exatamente no mesmo valor real que antes.
Mas aquela degradação no valor da prata que, sendo o efeito quer da situação peculiar quer das instituições políticas de um dado país, ocorre apenas naquele país, é questão de grande consequência, que, longe de fazer alguém rico, tende a empobrecer todos. A elevação no preço de toda mercadoria, que neste caso é peculiar àquele país, tende a desencorajar mais ou menos qualquer espécie de indústria nele exercida, permitindo às nações estrangeiras, fornecendo quase toda espécie de artigos por uma menor quantidade de prata que seus próprios trabalhadores podem pagar, a vendê-los por preço inferior, mesmo no mercado interno.
É a situação particular da Espanha e de Portugal, como proprietários das minas, serem os distribuidores de ouro e prata a todos os outros países da Europa. Aqueles metais deveriam, obviamente, ser um pouco mais baratos na Espanha e em Portugal do que em qualquer outro país da Europa. A diferença, porém, não deve ser maior que a quantia do frete e do seguro; e por conta do grande valor e pequeno volume destes metais, seu frete não é muito importante e seu seguro é o mesmo que o de qualquer mercadoria de mesmo valor. A Espanha e Portugal, portanto, poderiam sofrer muito pouco com sua situação peculiar, se não agravassem suas desvantagens por suas instituições políticas.
A Espanha pela taxação e Portugal pela proibição da exportação do ouro e da prata oneram aquela exportação com a despesa do contrabando, e elevam o valor daqueles metais em outros países tão acima do que vale em seu próprio de toda a quantidade de sua despesa. Quando se represa uma correnteza, assim que a represa está cheia, uma mesma quantidade de água transbordará por cima, como se não houvesse represa alguma. A proibição da exportação não pode deter quantidade maior de ouro e prata em Portugal e na Espanha do que aquela que podem empregar, ou do que a produção anual de sua terra e seu trabalho permitirá empregar em moeda, baixela, revestimento e outros ornamentos de ouro e prata. Quando se obtém esta quantidade, a represa fica cheia, e toda a correnteza que afluir depois disto deve transbordar. A exportação anual de ouro e prata da Espanha e de Portugal, não obstante estas restrições, é quase igual a toda a importação anual. Como a água, porém, sempre deve ser mais profunda junto à cabeça da represa do que antes dela, a quantidade de ouro e prata que estas restrições detêm na Espanha e em Portugal devem, em proporção ao produto anual de sua terra e trabalho, ser maior do que é encontrada em outros países. Quanto mais alta e forte a cabeceira da represa, maior deve ser a diferença entre a profundidade da água antes e depois dela. Quanto mais alta a taxação, mais altas as penalidades com que a proibição é guardada, mais vigilante e severa a polícia que cuida da execução da lei, maior deve ser a diferença na proporção de ouro e prata para o produto e lavor anual da terra de Espanha e de Portugal, e aquela de outros países. Diz-se ser realmente muito considerável, e que frequentemente se acha uma profusão de baixelas em casas onde nada há em outros países, que fosse apropriado ou correspondente a esta espécie de magnificência. O baixo preço do ouro e da prata, ou o que dá no mesmo, o alto preço de todas as mercadorias, efeito necessário desta redundância dos metais preciosos, desencoraja a agricultura e manufaturas de Espanha e de Portugal, permitindo que nações estrangeiras os supram com muitas espécies de produto bruto, e quase todos os manufaturados, por uma menor quantidade de ouro e prata que eles mesmos podem levantar ou produzir em seus países. A taxa e a proibição funcionam de duas maneiras diferentes. Não só abaixam muito o valor dos metais preciosos na Espanha e em Portugal, mas também retendo lá uma certa quantidade daqueles metais, que de outra maneira fluiriam para outros países, mantêm seu valor nestes outros países um pouco acima do que seria, dando a eles uma dupla vantagem em seu comércio com Espanha e Portugal. Abrindo-se as comportas da represa, logo haverá menos água em cima, e mais abaixo da cabeça da represa, e logo nivelará em ambos os lados. Remova-se a taxa e a proibição, e assim como a quantidade de ouro e prata diminuirá consideravelmente na Espanha e em Portugal, aumentará um tanto nos outros países, e o valor daqueles metais, sua proporção para com o produto anual da terra e do trabalho, logo se nivelará, ou quase, em todos. A perda que Espanha e Portugal poderiam sustentar com esta exportação de seu ouro e de sua prata seria, no total, nominal e imaginária. O valor nominal de seus artigos, e do produto anual de sua terra e trabalho cairia, e seria expresso ou representado por uma quantidade menor de prata do que antes; mas seu valor real seria o mesmo que antes, e seria suficiente para conservar, ordenar e empregar a mesma quantidade de trabalho. Como o valor nominal de suas mercadorias cairia, o valor real do que restasse de seu ouro e de sua prata se elevaria, e uma menor quantidade daqueles metais responderia a todos os mesmos propósitos do comércio e circulação que empregaram maior quantidade antes. O ouro e a prata que seriam exportados não o seriam por nada, mas trariam de volta um valor igual de mercadorias de alguma espécie ou outra. Essas mercadorias também não seriam sempre coisas de luxo e dispendiosas, para serem consumidas por ociosos que nada produzem em retorno por seu consumo. Como a riqueza e a renda real dos ociosos não seria aumentada por esta exportação extraordinária de ouro e prata, seu consumo não seria muito aumentado por ela. Estes bens provavelmente seriam maioria, e por certo parte deles consistiria de materiais, ferramentas, provisões, para o emprego e manutenção de pessoas industriosas, que reproduziriam com lucro o valor total de seu consumo. Uma parte do capital morto da sociedade assim seria transformada em capital ativo, e movimentaria uma maior quantidade de indústria que a empregada antes. O produto anual de sua terra e trabalho seria imediatamente aumentado um pouco, e em poucos anos provavelmente teria aumentado bastante; sua indústria assim sendo aliviada de uma das cargas mais opressivas sob a qual atualmente trabalha.
O incentivo sobre a exportação de trigo necessariamente opera exatamente da mesma maneira que esta política absurda de Portugal e Espanha. Qualquer que seja o estado atual do cultivo, torna nosso trigo um pouco mais caro no mercado interno do que viria a ser naquele estado, e um tanto mais barato que no exterior; e como o preço médio em dinheiro do trigo regula mais ou menos o de toda outra mercadoria, abaixa consideravelmente o valor da prata, por um lado, e tende a elevá-lo um pouco, por outro. Permite a estrangeiros, os holandeses em particular, não só comer nosso trigo mais barato que poderiam fazê-lo de outro modo, mas por vezes comê-lo mais barato que o próprio povo, nas mesmas ocasiões, como nos é certificado por uma excelente autoridade, a de sir Matthew Oecker. Impede nossos trabalhadores de fornecer seus artigos por uma quantidade de prata que poderiam fazer de outro modo; e permite aos holandeses que forneçam aos deles por uma quantidade menor. Tende a tornar as nossas manufaturas um tanto mais caras em todo mercado e a deles um pouco mais barata que poderia, de outro modo, e por conseguinte, dando à sua indústria uma dupla vantagem sobre a nossa.
O incentivo, ao elevar no mercado interno não tanto o preço real, mas também o nominal, de nosso trigo, pois aumenta não a quantidade de trabalho que uma certa quantidade de trigo pode manter e empregar, mas só a quantidade de prata pela qual será trocada, desencoraja nossos manufatureiros sem prestar qualquer serviço considerável a nossos lavradores ou proprietários rurais. Coloca, é verdade, um pouco mais de dinheiro nos bolsos de ambos, e talvez seja um pouco mais difícil persuadir a maior parte deles de que isto não lhes está prestando um serviço considerável. Mas se este dinheiro cai em seu valor, na quantidade de trabalho, provisões e mercadorias domésticas de todas as espécies que é capaz de comprar, tanto quanto aumenta em sua quantidade, o serviço será pouco mais que nominal e imaginário.
Há talvez só um grupo de homens em toda a comunidade para quem o incentivo foi ou poderia ser essencialmente proveitoso. São os mercadores de trigo, seus importadores e exportadores. Nos anos de abundância, o prêmio necessariamente ocasiona uma maior exportação do que de outro modo teria lugar; e obstaculizando que a abundância de um lugar aliviasse a escassez de outro, ocasiona nos anos de escassez uma importação maior do que de outro modo seria necessário. Aumenta os negócios do comerciante de trigo em ambos os casos; e nos anos de escassez, não só lhe permite importar maior quantidade, mas também vendê-la por melhor preço, e assim, com maior lucro do que conseguiria de qualquer outra maneira, se a abundância de um ano não fosse mais ou menos obstaculizada de aliviar a escassez de outro. É neste grupo também que observei o maior zelo pela continuidade ou renovação do incentivo.
Nossos grandes proprietários, quando impuseram elevadas taxas sobre a importação do trigo estrangeiro, que em tempos de abundância moderada equivalem a uma proibição, e quando estabeleceram o incentivo, parecem ter imitado a conduta de nossos manufatureiros. Por uma instituição, garantiam para si o monopólio do mercado interno, e pela outra, procuraram evitar que esse mercado ficasse abarrotado com a mercadoria. Por ambas, procuraram elevar seu valor real, da mesma maneira que fizeram nossos fabricantes, por instituições análogas, para elevar o valor real de muitas espécies diferentes de artigos manufaturados. Talvez não atentaram para a grande e essencial diferença que a natureza estabeleceu entre o trigo e quase qualquer outra espécie de mercadoria. Quando, quer pelo monopólio do mercado interno, quer por um incentivo à exportação, se permite que os manufatureiros de lã ou linho vendam seus artigos por um preço um pouco melhor do que poderiam, eleva-se não só o preço nominal, mas o real, desses artigos. Eles são tornados equivalentes a uma maior quantidade de trabalho e subsistência, aumenta-se não só o lucro nominal, mas também o real, a riqueza e a renda real daqueles fabricantes, e permite-se-lhes viver melhor, ou empregar maior quantidade de trabalho naquelas manufaturas. Encoraja-se-os, dirigindo-lhes maior quantidade da indústria do país do que a que aconteceria naturalmente. Mas, quando pelas mesmas instituições se eleva o preço real ou nominal do trigo, não se eleva seu valor real. Não se aumenta a riqueza real, a renda real quer de nossos lavradores, quer de nossos proprietários. Não se encoraja o cultivo do trigo, porque não se lhes permite manter e empregar mais operários. A natureza das coisas estampou sobre o trigo um valor real que não pode ser alterado meramente alterando seu preço em dinheiro. Nenhum incentivo à exportação, nenhum monopólio do mercado interno pode elevar esse valor. A mais livre competição não pode baixá-lo. Em todo o mundo aquele valor é igual à quantidade de trabalho que pode manter, e em cada lugar em particular é igual à quantidade de trabalho que pode manter da maneira liberal, moderada ou escassa segundo a qual o trabalho é comumente mantido naquele lugar. Os tecidos de lã ou de linho não são as mercadorias reguladoras, pelas quais o real valor de todas as outras deva ser afinal medido e determinado; o trigo, sim. O valor real de toda outra mercadoria é finalmente medido e determinado pela proporção que seu preço médio em dinheiro tem para com o preço médio em dinheiro do trigo. O valor real do trigo não varia com as variações em seu preço médio em dinheiro, que por vezes ocorrem de um século para outro. É o valor real da prata que varia com eles.
Os incentivos à exportação de qualquer mercadoria do país são passíveis primeiramente àquela objeção que pode ser feita a todos os vários expedientes do sistema mercantil; a objeção de forçar alguma parte da indústria do país para um canal menos vantajoso que aquele em que correria por si só; e, segundo, à objeção particular de forçá-lo não só para um canal menos vantajoso, mas para um que seja realmente desvantajoso; o comércio que não pode ser exercido senão por meio de um incentivo é necessariamente um comércio deficitário. O incentivo sobre a exportação do trigo é passível desta outra objeção, de que não pode em nenhum aspecto promover o cultivo daquela mercadoria que pretendia encorajar a produção. Quando nossos proprietários rurais pediram o estabelecimento do incentivo, se bem que imitaram nossos mercadores e manufatureiros, não agiram com aquela compreensão completa de seu próprio interesse que comumente dirige a conduta daquelas outras ordens de pessoas. Carregaram a renda pública com considerável despesa; impuseram uma taxa muito pesada sobre todo o corpo do povo; mas em nenhum grau perceptível aumentaram o valor real de sua própria mercadoria; e abaixando um pouco o valor real da prata, desencorajaram em algum grau a indústria geral do país, e, ao invés de avançar, retardaram um tanto a melhoria de suas próprias terras, que necessariamente depende da indústria geral do país.
Deve-se supor que para encorajar a produção de uma mercadoria qualquer, um incentivo deveria ter uma operação mais direta que um sobre a exportação. Além do mais, imporia apenas uma taxa sobre o povo, com que devem contribuir para pagar o prêmio. Ao invés de elevar, tenderia a abaixar o preço do artigo no mercado interno; e assim, ao invés de impor uma segunda taxa sobre o povo, pelo menos em parte, poderia compensar-lhes pelo que contribuíram de início. Os incentivos à produção, entretanto, raramente já foram concedidos. Os preconceitos estabelecidos pelo sistema comercial ensinaram-nos a acreditar que a riqueza nacional surge mais imediatamente da exportação que da produção. Assim, tem sido mais favorecida como o meio mais imediato de trazer dinheiro ao país. Os incentivos à produção, diz-se, pela experiência mostraram-se mais passíveis de fraudes do que aqueles sobre a exportação. Até que ponto isto é verdade, não sei. Que os incentivos à exportação foram usados para muitos fins fraudulentos é bem sabido. Mas não é o interesse de mercadores e manufatureiros, os grandes inventores de todos estes expedientes, que o mercado interno fique abarrotado com seus bens, evento que um prêmio à produção pode por vezes ocasionar. Um prêmio à exportação, permitindo-lhes enviar ao estrangeiro a parte em excesso, e mantendo o preço do que resta no mercado interno, efetivamente previne isto. De todos os expedientes do sistema mercantil, é o de que mais gostam. Soube que os empreiteiros de algumas atividades concordam privadamente entre si em dar um prêmio de seus próprios bolsos à exportação de uma certa proporção dos artigos com que negociam. Este expediente teve tanto sucesso, que mais do que duplicou o preço de seus artigos no mercado interno, apesar de um mui considerável aumento da produção. A operação do incentivo ao trigo seria maravilhosamente diferente se abaixasse o seu preço em dinheiro.
Algo tal como um incentivo à produção, porém, foi concedido em algumas ocasiões particulares. Os incentivos por tonelagem dados à pesca do arenque branco e a baleeiros podem quiçá ser considerados algo desta natureza. Tendem diretamente, pode-se supor, a tornar os artigos mais baratos no mercado interno do que de outra forma. Em outros aspectos seus efeitos, deve-se reconhecer, são os mesmos que os dos prêmios sobre a exportação. Por meio deles, uma parte do capital do país é empregada em trazer artigos ao mercado, cujo preço não paga o custo, juntamente com os lucros ordinários do capital.
Mas se bem que os incentivos por tonelagem da pesca não contribuem para a opulência da nação, talvez possa se pensar que contribuem para sua defesa, aumentando o número de seus marujos e sua frota. Isto, pode se alegar, é possível por vezes ser conseguido por meio de incentivos tais a uma despesa muito menor do que manter uma grande marinha de prontidão, por assim dizer, como a um exército.
Apesar destas alegações favoráveis, porém, as seguintes considerações dispõem-me a acreditar que, ao conceder pelo menos um destes incentivos, a legislatura foi grosseiramente imposta.
Primeiro, o incentivo à pesca do arenque parece demasiado.
Do começo da pesca de inverno, 1771, ao seu fim, 1781, o incentivo por tonelagem sobre o arenque foi de trinta shillings a tonelada. Durante estes dez anos, o número total de barris de arenque pescado na Escócia chegou a 378.347. Os arenques, apanhados e curados no mar para poder ser comerciados, precisam ser reacondicionados com uma quantidade adicional de sal; e neste caso reconhece-se que três barris de arenque são usualmente reacondicionados em dois barris de arenques comerciáveis. O número de barris destes, apanhados nestes dez anos totalizará apenas, de acordo com isto, a 252 231 1/3. Durante estes dez anos, os incentivos por tonelagem pagos totalizaram £155 463 11s., ou 8s 2 1/4d. por barril de arenques, e 12s. 3 3/4d. sobre cada barril de arenques comerciáveis.
O sal com que estes arenques são curados por vezes é escocês e, por vezes, estrangeiro, ambos livres de qualquer taxa às pescarias. A taxa sobre o sal escocês atualmente é 1s.6d., e sobre o sal estrangeiro é 10s. o alqueire. Um alqueire de arenques é suposto requerer cerca de um alqueire e um quarto de sal estrangeiro. Para o sal escocês, supõe-se que a média seja de dois alqueires. Se os arenques são destinados à exportação, estas taxas não são pagas; se para o consumo interno, sejam os arenques curados com sal escocês ou estrangeiro, só se paga um shilling o barril. A antiga taxa escocesa sobre um alqueire de sal a quantidade que, numa estimativa baixa, seria necessária para curar um barril de arenques.
Na Escócia, o sal estrangeiro é muito pouco usado para qualquer outro propósito que não seja o preparo do peixe. Mas de 5 de abril de 1771 a 5 de abril de 1782, a quantidade de sal estrangeiro importado totalizou 936.974 alqueires, a 84 libras cada alqueire; a quantidade de sal escocês, entregue dos pescadores aos peixeiros, não mais de 168.226 a 56 libras o alqueire, apenas. Pareceria, portanto, que é principalmente o sal estrangeiro o empregado pelos pescadores. Sobre cada barril de arenques exportados há, também, um incentivo de 2s.8d., e mais de dois terços dos arenques apanhados são exportados. Juntando todas estas coisas, descobre-se que durante estes dez anos cada barril de arenque curado com sal escocês, quando exportado, custou ao governo 17s. 11 3/4d.; e quando para o mercado interno, 14s. 3 3/4d.; e que cada barril curado com sal estrangeiro, exportado, custou ao governo £1 7s. 5 3/4d.; e quando para o consumo interno, £1 3s. 9 3/4d. O preço de um barril de bom arenque comerciável varia de 17 e 18 a 25 shillings, em média, um guinéu.1
Segundo, o incentivo à pesca do arenque branco é sobre a tonelagem e proporcional à capacidade do navio, e não à diligência ou sucesso dos pescadores; e tem sido muito comum, receio, que as naus zarpem só para apanhar não o peixe, mas o incentivo. No ano de 1759, quando o incentivo estava a cinquenta shillings a tonelada, todos os pescadores escoceses trouxeram apenas quatro barris de arenques. Naquele ano, cada barril de arenque custava ao governo, apenas em incentivos, £113 15s.; cada barril de arenques comerciáveis, £159 7s. 6d.
Terceiro, a modalidade de pesca para a qual este incentivo por tonelagem de arenque foi dado (navios de vinte a oitenta toneladas de peso) parece não estar bem adequada à situação da Escócia, mas à da Holanda, da prática deste país é que parece ter sido imitado. A Holanda está a grande distância dos mares mais visitados pelos arenques, e só pode exercer a pesca em navios cobertos, que podem transportar água e provisões suficientes para uma viagem a um oceano distante. Mas as Hébridas, ou ilhas ocidentais, as ilhas Shetland e as costas norte e noroeste da Escócia, regiões em cujas vizinhanças é mais exercida a pesca do arenque, são em todo lugar interceptadas por braços de mar, que penetram consideravelmente terra adentro. É para esses braços que os arenques vão principalmente, durante as estações em que visitam aqueles mares; pois as visitas deste e, tenho certeza, de muitas outras espécies de peixe, não são muito regulares e constantes. Um barco aberto, portanto, parece ser mais adaptado à situação peculiar da Escócia, e os pescadores levam o pescado para terra, assim que são apanhados, para serem curados ou consumidos frescos. Mas o grande encorajamento que um incentivo de trinta shillings a tonelada dá à pesca, é necessariamente um desencorajamento à pesca em barcos descobertos, que, não tendo este incentivo, não podem trazer seu peixe curado ao mercado nos mesmos termos que os barcos cobertos. A pesca, que antes do estabelecimento deste incentivo empregava marujos em número não inferior ao que emprega, hoje, em barcos abertos, decaiu totalmente. Da extensão antiga desta pesca, agora arruinada e abandonada, devo reconhecer que não posso pretender falar com muita precisão. Como não era pago incentivo pela pesca em botes, não se fizeram suas contas pelos funcionários alfandegários do sal.
Quarto, em muitas partes da Escócia, durante certas estações do ano, os arenques são parte não desprezível da comida do povo. Um incentivo que tendesse a abaixar seu preço no mercado interno poderia contribuir bastante para o alívio de grande número de nossos compatriotas, cujas circunstâncias não são de maneira alguma abastadas. Mas o incentivo ao arenque não contribui para nenhum bom propósito. Arruinou a pesca em botes, que é bem mais adaptada ao fornecimento do mercado interno, e o incentivo adicional de 2s.8d. o barril sobre a exportação acarreta a maior parte, mais de dois terços, do produto da pesca para o estrangeiro. Trinta ou quarenta anos atrás, antes do estabelecimento do incentivo, foi-me dito que 15 shillings o barril era o preço comum do arenque branco. Entre dez e 15 anos atrás, antes da pesca em botes ser totalmente arruinada, dizia-se que o preço estava entre 17 e vinte shillings o barril. Nestes últimos cinco anos, em média, esteve a 25 shillings o barril. Este alto preço, porém, pode se dever à real escassez de arenques no litoral escocês. Devo observar também que o casco, ou barril, usualmente vendido junto com os arenques, e cujo preço foi incluído em todos os preços acima, desde o começo da guerra americana subiu a quase o dobro de seu antigo preço, de três shillings a cerca de seis shillings. Analogamente, devo observar que as contas que recebi dos preços de tempos mais antigos de modo algum são consistentes e uniformes; e um ancião de grande perspicácia e experiência garantiu-me que há mais de cinquenta anos, um guinéu era o preço usual de um barril de bom arenque comerciável; e isto, imagino, pode ainda ser considerado como preço médio. Todas as contas concordam, creio, em que o preço não foi baixado no mercado interno em consequência do incentivo.
Quando os empreiteiros da pesca, após a concessão de incentivos tão liberais, continuam a vender sua mercadoria ao mesmo, ou a um preço mais alto do que estavam acostumados antes, pode se esperar que seus lucros sejam muito altos, e não é improvável que os de alguns indivíduos também o sejam. Em geral, porém, tenho toda a razão em acreditar que acontece diversamente. O efeito usual de tais prêmios é encorajar empreiteiros inescrupulosos a aventurarem-se em negócios que não entendem, e o que perdem por sua negligência e ignorância mais do que compensa tudo o que podem ganhar pela maior liberalidade que o governo possa ter. Em 1750, pela mesma lei, que primeiro deu o prêmio de trinta shillings a tonelada para o encorajamento da pesca do arenque branco (o 23º de Jorge II, cap. 24), uma companhia de capital combinado foi formada, com capital de quinhentas mil libras, que os subscritores (bem acima de todo incentivo, o prêmio por tonelada acima mencionado, o prêmio de exportação de dois shillings e oito pence o barril, com a entrega de sal inglês e estrangeiro livre de taxas) receberiam três libras por ano, durante 14 anos, por cem libras subscritas e pagas como capital da sociedade, a serem pagas pelo provedor-geral da alfândega em pagamentos semestrais iguais. Além desta grande companhia, da qual a residência do governador e diretores seria em Londres, foi declarado legal que construísse entrepostos por todo o reino, desde que uma soma não inferior a dez mil libras fosse subscrita no capital de cada, para serem administradas ao próprio risco, para o próprio lucro ou perda. A mesma anuidade, e os mesmos incentivos de toda espécie, foi dada ao comércio das câmaras inferiores quanto ao da grande companhia. A subscrição da grande companhia logo foi completada, e vários entrepostos de pesca foram construídos nos diversos portos do reino. A despeito de todos estes encorajamentos, quase todas aquelas companhias, grandes e pequenas, perderam todo, ou grande parte de seus capitais; quase nenhum vestígio agora resta delas, e a pesca do arenque branco agora é totalmente, ou quase, exercida por particulares.
Se qualquer manufatura particular fosse, de fato, necessária para a defesa da sociedade, nem sempre seria prudente depender de nossos vizinhos para seu fornecimento; e se tal manufatura não pudesse ser sustentada no país, não seria irrazoável que todos os outros ramos da indústria fossem taxados para suportá-la. Os prêmios sobre a exportação de tecido de vela inglês e pólvora inglesa podem talvez ser reclamados por este princípio.
Mas mesmo que raramente possa ser razoável taxar a indústria da maioria do povo para suportar a de alguma classe particular de manufatureiros, ainda assim, no desregramento da grande prosperidade, quando o público goza de uma renda maior do que possa saber o que fazer com ela, dar tais incentivos às manufaturas favoritas pode, talvez, ser tão natural quanto incorrer em qualquer outra despesa ociosa. Nas despesas públicas, bem como privadas, a grande riqueza pode frequentemente ser admitida como desculpa para grande insensatez. Mas certamente deve haver algo mais do que um comum absurdo na continuação de tal profusão em tempos de desgraça e dificuldades gerais.
O que é chamado incentivo por vezes nada mais é que uma isenção, e consequentemente não é passível das mesmas objeções do que o que seja propriamente um incentivo. O incentivo, por exemplo, sobre o açúcar refinado exportado pode ser considerado uma isenção das taxas sobre os açúcares castanho e mascavado do qual é feito. O prêmio sobre a seda trabalhada exportada, uma isenção das taxas sobre a seda bruta importada. O prêmio sobre a pólvora exportada, uma isenção das taxas sobre o enxofre e o salitre importados. Na linguagem da alfândega, estas concessões só são chamadas isenções quando dadas para artigos exportados da mesma forma que são importados. Quando esta forma for alterada por manufatura de qualquer espécie, ficando sob nova denominação, é chamada de incentivo.
Os prêmios dados pelo público a artistas e manufatureiros que sejam excelentes em suas ocupações não são passíveis às mesmas objeções que os incentivos. Encorajando a destreza extraordinária e a engenhosidade, mantém-se a emulação dos trabalhadores empregados naquelas respectivas ocupações, e não são consideráveis o bastante para desviar para qualquer delas uma fração maior do capital do país do que o que iria por si só. Sua tendência não é revolucionar a balança de empregos, mas tornar o trabalho executado em cada um tão perfeito e completo quanto possível. A despesa dos prêmios, além do mais, é insignificante; a dos incentivos, muito grande. O incentivo ao trigo sozinho já custou ao público em um ano mais que trezentas mil libras.
Nota
1 V. contas no fim do volume (apêndice).
CAPÍTULO 6
DOS TRATADOS DE COMÉRCIO
Quando uma nação se compromete, por tratado, a permitir a entrada de certos bens de um país estrangeiro e proíbe de todos os outros ou isentar as mercadorias de um país das taxas a que submete as de todos os outros, o país ou pelo menos os comerciantes e manufatureiros do país cujo comércio é assim favorecido, devem necessariamente derivar grande vantagem do tratado. Esses comerciantes e manufatureiros gozam de uma espécie de monopólio no país que é tão indulgente para com eles. Esse país torna-se um mercado mais extenso e mais vantajoso para seus artigos; mais extenso porque os artigos de outras nações, sendo excluídos ou sujeitos a taxas mais pesadas, requerem uma maior quantidade dos deles; mais vantajoso porque os comerciantes do país favorecido, gozando de uma espécie de monopólio, dificilmente venderão seus artigos por um preço melhor de que se expostos à livre competição de todas as outras nações.
Tais tratados, porém, mesmo sendo vantajosos para os comerciantes e manufatureiros do favorecido, são necessariamente desvantajosos para os do país favorecedor. Um monopólio é assim garantido contra eles por uma nação estrangeira, e frequentemente devem comprar os bens estrangeiros de que precisem mais caros do que se a livre competição de outras nações fosse permitida. A parte de seu próprio produto com que tal nação compra bens estrangeiros deve consequentemente ser vendida mais barato, porque quando duas coisas são trocadas por outra, o baixo preço de uma é consequência necessária, ou melhor, a mesma coisa que o alto preço da outra. O valor de troca de seu produto anual, portanto, poderá ser diminuído por qualquer tratado assim. Esta diminuição, porém, dificilmente resulta em qualquer perda positiva, mas só numa diminuição do ganho que de outra maneira poderia fazer. Se bem que venda seus artigos mais baratos do que poderia, provavelmente não os venderá por menos do que custam; nem, como no caso dos incentivos, por um preço que não substituirá o capital empregado em trazê-los ao mercado, juntamente com os lucros ordinários. O mercado não poderia continuar, se assim fosse. Mesmo o país favorecedor, portanto, ainda pode ganhar pelo comércio, se bem que menos do que se fosse uma livre competição.
Alguns tratados de comércio, porém, foram supostos vantajosos com princípios muito diferentes destes; e um país comercial tem por vezes concedido um monopólio deste tipo contra si mesmo para certos bens de uma nação estrangeira, porque esperava que em todo o comércio entre eles anualmente venderia mais do que compraria e que um balanço de ouro e prata anualmente lhe seria retornado. É sobre este princípio que o tratado de comércio entre a Inglaterra e Portugal, concluído em 1703 pelo sr. Methuen, foi tão recomendado. A seguir, uma translação literal daquele tratado, que consiste apenas de três artigos.
ART. I Sua Sagrada e Real Majestade de Portugal1 promete, em seu nome e no de seus sucessores, admitir doravante em Portugal os tecidos de lã e o restante das manufaturas de lã britânicas como era de costume até que foram proibidas pela lei; não obstante, sob esta condição: ART. II Quer dizer que sua Sagrada e Real Majestade da Grã-Bretanha,2 em seu próprio nome e no de seus sucessores, obrigam-se doravante a admitir os vizinhos portugueses na Inglaterra; de modo que em momento algum haja paz ou guerra entre os reinos da Inglaterra e da França, nada mais seja pedido por estes vinhos, a título de alfândega ou taxas, ou a qualquer outro, direta ou indiretamente, quer sejam importados pela Grã-Bretanha em pipas ou tonéis, ou outros cascos, do que o que será cobrado por quantidade igual ou medida de vinho francês, deduzindo ou abatendo uma terça parte da alfândega ou taxa. Mas se a qualquer momento esta dedução ou abatimento alfandegário, que deve ser feito como acima mencionado, de alguma maneira se tentar prejudicá-la, será justo e legal para sua Sagrada e Real Majestade de Portugal novamente proibir os tecidos de lã e o resto das manufaturas de lã britânicas.
ART. III Os excelentíssimos senhores plenipotenciários prometem e se responsabilizam que seus senhores supramencionados ratificarão este tratado, e dentro do espaço de dois meses as ratificações serão trocadas.
Por este tratado a Coroa de Portugal se compromete a admitir as lãs inglesas no mesmo pé que antes da proibição, isto é, não elevar as taxas que foram pagas antes daquela época. Mas não se compromete a admiti-las em termos melhores que qualquer outra nação, a França ou a Holanda, por exemplo. A Coroa britânica, ao contrário, compromete-se a admitir os vinhos de Portugal pagando apenas dois terços da taxa paga pelos franceses, os vinhos que mais provavelmente competirão com os deles. Até aqui este tratado, portanto, é evidentemente vantajoso para Portugal e desvantajoso para a Grã-Bretanha.
Foi celebrado, porém, como obra-prima da política comercial inglesa. Portugal recebe anualmente dos Brasis uma quantidade de ouro maior do que a que pode ser empregada em seu comércio doméstico, quer na forma cunhada, quer em chapa. O excesso é valioso demais para ser deixado ocioso e trancado em cofres, e como não pode achar mercado vantajoso no país, apesar de quaisquer proibições, deve ser mandado para fora e trocado por algo para o que haja um mercado mais vantajoso dentro do país. Uma grande parte dele chega anualmente à Inglaterra, em troca quer por mercadorias inglesas, quer pelas de outras nações europeias que recebem por meio da Inglaterra. O sr. Baretti foi informado de que o paquete semanal de Lisboa traz, em média, mais de cinquenta mil libras de ouro para a Inglaterra. A soma provavelmente foi exagerada. Totalizaria mais de dois milhões e seiscentas mil libras por ano, o que é mais que os Brasis poderiam produzir.
Nossos comerciantes, há alguns anos, estavam descontentes com a Coroa portuguesa. Alguns privilégios que lhe foram concedidos, não por tratado, mas pela graciosidade daquela Coroa, à solicitação, de fato, é provável, e em troca de favores muito maiores: defesa e proteção da Coroa britânica foram quer infringidos, quer revogados. O povo, portanto, usualmente mais interessado na celebração do comércio português, então estava disposto a representá-lo como menos vantajoso do que fora comumente imaginado. A grande maioria, quase o total, pretendia esta importação anual de ouro não era por conta da Grã-Bretanha, mas de outras nações europeias; as frutas e os vinhos de Portugal anualmente importados para a Grã-Bretanha quase compensando o valor das mercadorias inglesas para lá enviadas.
Suponhamos, porém, que o total fosse por conta da Grã-Bretanha e que totalizasse uma soma ainda maior que o que o sr. Baretti parece imaginar; este comércio não seria por isto mais vantajoso do que qualquer outro no qual, pelo mesmo valor enviado, receberíamos em troca igual valor de bens de consumo.
É apenas parte mínima desta importação que se pode supor empregada como adição anual à chapa ou cunhagem do reino. O resto todo deve ser enviado ao estrangeiro e trocado por bens de consumo de uma ou outra natureza. Mas se esses bens de consumo fossem comprados diretamente com o produto da indústria inglesa, seria mais vantajoso para a Inglaterra do que primeiro comprar com esse produto o ouro de Portugal e depois comprar com aquele ouro os bens de consumo. Um comércio exterior direto de consumo é sempre mais vantajoso que um indireto, e trazer o mesmo valor de bens estrangeiros ao mercado interno requer um capital muito menor de um modo do que de outro. Se uma fração menor desta indústria, portanto, fosse empregada na produção de bens próprios para o mercado de Portugal, e uma maior na produção daqueles para outros mercados, onde se deve obter aqueles bens de consumo para os quais há uma demanda na Grã-Bretanha, seria mais vantajoso para a Inglaterra. Para proporcionar tanto o ouro, que deseja para seu próprio uso, e os bens de consumo, desta forma empregaria um capital muito menor do que atualmente. Haveria um capital de sobra, portanto, a ser empregado para outros propósitos, no estímulo de uma quantidade adicional de indústria, e atingir uma produção anual maior.
Mesmo que a Inglaterra estivesse inteiramente excluída do comércio com Portugal, acharia muito pouca dificuldade em proporcionar todo o fornecimento anual de ouro que quiser, para chapas, cunhagem ou para o comércio exterior. O ouro, tal como qualquer outra mercadoria, em um ou outro lugar será adquirido por seu valor por aqueles que têm esse valor para pagar. O excesso anual de ouro em Portugal, além do mais, ainda seria enviado para fora, e mesmo que não fosse levado pela Grã-Bretanha, seria levado por alguma outra nação, que gostaria de vendê-lo de novo pelo seu preço, da mesma maneira que a Grã-Bretanha o faz presentemente. Ao comprar ouro de Portugal, de fato, compramos em primeira mão; ao passo que, comprando de uma outra nação, exceto da Espanha, compraríamos de segunda e poderíamos pagar um pouco mais caro. Esta diferença, porém, certamente seria insignificante demais para merecer a atenção pública.
Quase todo nosso ouro, diz-se, vem de Portugal. Com outras nações, o balanço comercial é contra nós, ou não muito a nosso favor. Mas devemos nos lembrar que quanto mais ouro importamos de um país, menos devemos necessariamente importar de todos os outros. A demanda efetiva de ouro, como a de toda outra mercadoria, em todo país limita-se a determinada quantidade. Se nove décimos desta quantidade são importados de um país, resta apenas um décimo a ser importado de todos os outros. Além do mais, quanto mais ouro é anualmente importado de determinados países, muito acima do que é necessário para chapa e cunhagem, mais deve ser necessariamente exportado para outros; e quanto mais esse insignificante objeto da política moderna, a balança comercial, parece ser em nosso favor com alguns países, mais necessariamente deve parecer ser contra nós em muitos outros.
Foi sobre esta tola noção, entretanto, que a Inglaterra não poderia subsistir sem o comércio português, e pelo fim da última guerra, França e Espanha, sem pretender ofensa ou provocação, requereram que o rei de Portugal excluísse todos os navios ingleses de seus portos, e para segurança desta exclusão, receber neles guarnições francesas ou espanholas. Se o rei de Portugal se submetesse a esses termos ignominiosos que seu cunhado, o rei da Espanha, lhe propôs, a Inglaterra se teria livrado de uma inconveniência muito maior do que a perda do comércio português, a carga de suportar um aliado fraco, tão desprovido de tudo para sua própria defesa que todo o poderio inglês, se fosse dirigido só por este fim, dificilmente poderia tê-lo defendido em mais uma campanha. A perda do comércio português, sem dúvida, teria causado considerável embaraço aos mercadores naquele tempo nele engajados, que talvez não descobrissem, por um ano ou dois, qualquer outro método igualmente vantajoso para empregar seus capitais; e nisto provavelmente consistiria toda a inconveniência que a Inglaterra sofreria com esta notável peça da política comercial.
A grande importação anual de ouro e prata não visa à chapa ou à moeda, mas ao comércio exterior. Um mercado de consumo exterior que fosse indireto pode ser exercido vantajosamente por meio desses metais do que com quase qualquer outra mercadoria. Como são os instrumentos universais de comércio, são mais rapidamente recebidos em troca por todas as mercadorias do que quaisquer outras; e por causa de seu pequeno volume e grande valor, custa menos transportá-los de um lugar para outro do que quase qualquer outra mercadoria, e perdem menos de seu valor sendo assim transportados. De todas as mercadorias, portanto, que são levadas a um país estrangeiro, sem nenhum outro propósito que não o de serem vendidas ou trocadas de novo por outras mercadorias em outro país, não há nada tão conveniente quanto o ouro e a prata. Facilitar todos os comércios externos de consumo exercidos na Grã-Bretanha, consiste na principal vantagem do comércio português; e se bem que não seja uma vantagem capital, sem dúvida, é considerável.
Que qualquer adição anual que, pode ser razoavelmente suposto, seja feita à chapa ou à cunhagem do reino requereria apenas uma muito pequena importação anual de ouro e prata parece bem evidente; e mesmo que não tivéssemos comércio direto com Portugal, esta pequena quantidade sempre, de um modo ou de outro, poderia ser conseguida.
Se bem que a ourivesaria seja um ofício bem considerável na Grã-Bretanha, a grande maioria de baixela nova que vendem anualmente é feita da velha, que é derretida; de modo que a adição anualmente feita ao total de chapa do reino não pode ser muito grande e requereria apenas pequena importação anual.
O mesmo acontece com a moeda. Ninguém acredita, acho, que mesmo a maior parte da cunhagem anual, totalizando por dez anos antes da última reforma da moeda de ouro mais de oitocentas mil libras por ano em ouro, era uma adição anual ao dinheiro anteriormente corrente no reino. Num país onde a despesa da cunhagem é custeada pelo governo, o valor da moeda, mesmo quando contém todo seu peso-padrão de ouro e prata, nunca pode ser muito maior do que o de uma igual quantidade daqueles metais não cunhados; porque requer apenas o trabalho de levar à cunhagem, e o atraso talvez de umas poucas semanas, para proporcionar a qualquer quantidade de ouro e prata uma quantidade igual daqueles metais cunhados. Mas em todo país, a maior parte da moeda corrente está quase sempre mais ou menos gasta, ou degenerada de algum modo em relação a seu padrão. Na Grã-Bretanha era assim, o ouro estando mais de 2% e a prata mais de 8% abaixo de seu peso-padrão. Mas se 44,5 guinéus contendo todo seu peso-padrão, uma libra peso de ouro, podia comprar muito pouco mais do que uma libra em peso de ouro não cunhado, 44,5 guinéus faltando uma parte de seu peso não poderia comprar uma libra em peso, e por vezes exigia acréscimo para compensar a deficiência. O preço corrente do lingote de ouro no mercado, portanto, em vez de ser o mesmo preço de cunhagem, £46 14s. 6d., era então £47 14s. e por vezes cerca de £48. Entretanto, quando a maior parte da moeda estava nesta condição degenerada, 44,5 guinéus, recém-saídos da prensa, não comprariam mais bens no mercado do que quaisquer outros guinéus ordinários, porque quando vieram para os cofres do comerciante, sendo confundidos com o outro dinheiro, depois não poderiam ser distinguidos sem dar mais trabalho do que vale a diferença. Como outros guinéus, estavam valendo não mais que £46 14s. 6d. Se lançados no cadinho, porém, produziam, sem perda sensível, uma libra em peso de ouro-padrão, que poderia ser vendida a qualquer momento entre £47 14s. e £48 em ouro ou prata, tão bom para cunhagem como o que fora derretido antes. Havia um lucro evidente na fusão de moeda de cunhagem recente, o que era feito instantaneamente, de modo que nenhuma precaução do governo poderia prevenir. As operações de cunhagem eram, neste ponto, um tanto como o véu de Penélope; e trabalho que era feito de dia era desfeito à noite. A cunhagem era empregada não tanto em fazer adições diárias à moeda quanto em substituir sua melhor parte, que diariamente era derretida.
Se os particulares, que levam seu ouro e prata à cunhagem, pagassem eles mesmos por esta operação, isto se acrescentaria aos valores daqueles metais da mesma maneira que o trabalho o faz à chapa. O ouro cunhado e a prata seriam mais valiosos do que não cunhados. O signoraggio, se não fosse exorbitante, acrescentaria ao lingote todo o valor da taxa, porque o governo, tendo em qualquer lugar o privilégio exclusivo da cunhagem, nenhuma moeda pode chegar ao mercado mais barata do que eles pensam adequado pagar. Se a taxa fosse exorbitante, isto é, se estivesse muito acima do valor real do trabalho e da despesa exigida para a cunhagem, falsos moedeiros, no país e no estrangeiro, poderiam ser encorajados pela grande diferença entre o valor do lingote e o da moeda a fazer tanto dinheiro falsificado que poderia reduzir o valor do dinheiro do governo. Na França, porém, mesmo sendo o signoraggio de 8%, não se originou nenhuma inconveniência sensível disto. Os perigos a que um falsificador se expõe em qualquer lugar, se vive no país do qual falsifica a moeda, e a que seus agentes ou correspondentes estão expostos, se ele vive num país estrangeiro, são muito grandes para um lucro de 6 ou 7%.
O signoraggio na França eleva o valor da moeda acima da quantidade de ouro puro que contém. Assim, pelo edito de janeiro de 1726,3 o preço da moeda de ouro fino de 24 quilates estava fixado a 740 libras e nove sous e um dinheiro e um 11 avos a marca de oito onças de Paris. A moeda de ouro da França, dando uma folga para a cunhagem, contém 21 quilates e três quartos de ouro fino e dois quilates e um quarto de liga. A marca do padrão-ouro, portanto, não vale mais que cerca de 671 libras e dez dinheiros. Mas na França esta marca de padrão de ouro é cunhada em trinta luíses de ouro de 24 libras cada, ou em 720 libras. A cunhagem, portanto, aumenta o valor de um marco de lingote padrão de ouro pela diferença entre 671 libras e dez dinheiros e 720 libras; ou por 48 libras e 19 sous e 2 dinheiros.
Um signoraggio em muitos casos eliminará e em todos os casos diminuirá o lucro de derreter a moeda nova. Este lucro sempre surge da diferença entre a quantidade de lingotes que a moeda comum deveria conter e que de fato contém. Se esta diferença é inferior ao signoraggio, haverá perda, em vez de lucro. Se for igual ao signoraggio, haverá de fato algum lucro, mas menos do que se não houvesse signoraggio. Se, antes da última reforma da moeda de ouro, por exemplo, houvesse um signoraggio de 5% sobre a cunhagem, teria havido uma perda de 3% com o derretimento da moeda de ouro. Se o signoraggio fosse de 2%, não haveria perda nem ganho. Se fosse de 1%, teria havido lucro, mas apenas de 1%, em vez de 2%. Sempre que o dinheiro é recebido nominalmente, e não por peso, um signoraggio é o preventivo mais eficaz do derretimento da moeda e, pela mesma razão, de sua exportação. São as melhores e mais pesadas peças que são comumente derretidas ou exportadas, porque é sobre estas que se faz o maior lucro.
A lei para o encorajamento da cunhagem, tornando-a livre de taxas, foi primeiro decretada durante o reinado de Carlos II por um tempo limitado e depois continuou, por diferentes prolongamentos, até 1769, quando foi tornada perpétua. O Banco da Inglaterra, para encher seus cofres com dinheiro, é frequentemente obrigado a levar lingotes à cunhagem; e foi mais por seu interesse, provavelmente imaginaram, que a cunhagem deveria ser a expensas do governo do que a deles. Provavelmente foi por complacência por esta grande companhia que o governo concordou em tornar esta lei perpétua. Se o costume de pesar ouro, porém, cair em desuso, como bem poderá acontecer, por causa de sua inconveniência; se a moeda de ouro inglesa for recebida nominalmente, como era antes da última recunhagem, esta grande companhia poderá quiçá achar que por isto, como em outras ocasiões, enganou-se não pouco sobre seus próprios interesses.
Antes da última recunhagem, quando a moeda de ouro da Inglaterra estava 2% abaixo de seu peso-padrão, não havendo signoraggio, estava 2% abaixo do valor daquela quantidade de padrão de lingote de ouro que deveria conter. Quando esta grande companhia, portanto, comprou lingotes de ouro para cunhá-los, foi obrigada a pagar por isto 2% a mais do que valia após a cunhagem. Mas se tivesse havido um signoraggio de 2% sobre a cunhagem, a moeda corrente de ouro, se bem que 2% abaixo de seu padrão de peso, não obstante teria sido igual em valor à quantidade de padrão de ouro que deveria conter; o valor da moldagem compensando, neste caso, a diminuição do peso. De fato teriam o signoraggio para pagar, que sendo de 2%, sua perda em toda a transação seria exatamente igual a 2%, mas não maior do que realmente seria.
Se o signoraggio fosse de 5% e a moeda de ouro apenas 2% abaixo de seu padrão de peso, o banco neste caso teria ganho 3% sobre o preço do lingote; mas como eles teriam um signoraggio de 5% a pagar sobre a cunhagem, sua perda em toda a transação do mesmo modo teria sido exatamente 2%.
Se o signoraggio tivesse sido apenas de 1% e a moeda de ouro 2% abaixo de seu padrão de peso, o banco neste caso teria perdido apenas 1% sobre o preço do lingote; mas como analogamente teriam a pagar um signoraggio de 1%, sua perda em toda a transação teria sido exatamente de 2%, do mesmo modo que em todos os outros casos.
Se houvesse um signoraggio razoável e ao mesmo tempo se a moeda contivesse todo seu padrão de peso, como era feito quase até a última recunhagem, o que quer que o banco pudesse perder pelo signoraggio ganharia pelo preço do lingote, e o que quer que poderia ganhar sobre o preço do lingote, perderia pelo signoraggio. Nem perderia nem ganharia, portanto, em toda a transação, como em todos os casos precedentes, no que estaria na mesma situação se não houvesse signoraggio.
Quando a taxa sobre uma mercadoria é tão moderada de modo a não encorajar o contrabando, o mercador que negocia com ela, mesmo prosperando, não paga propriamente a taxa, pois que a recupera no preço da mercadoria. A taxa é finalmente paga pelo último comprador, ou consumidor. Mas o dinheiro é uma mercadoria em relação à qual todo homem é negociante. Ninguém o compra senão para revendê-lo; e em relação a ele, nos casos ordinários, não há um último comprador. Quando a taxa sobre a cunhagem, portanto, é tão moderada a ponto de não encorajar a cunhagem falsa, se bem que todos adiantam a taxa, ninguém afinal paga, porque todos a recebem de volta no valor adiantado da moeda.
Um signoraggio moderado, portanto, em caso algum aumentaria a despesa do banco, ou de quaisquer pessoas que levam seus lingotes para serem cunhados, e a falta de um signoraggio moderado em caso algum a diminui. Haja ou não uma taxa sobre a cunhagem, se a moeda corrente contém todo seu peso-padrão, a cunhagem nada custa, e se tiver menos do que aquele peso, a cunhagem deve sempre custar a diferença entre a quantidade de lingote que deveria estar contida nela e aquela que realmente está.
O governo, portanto, ao custear as despesas de cunhagem, não só incorre em pequena despesa, mas também perde uma pequena renda que poderia obter por uma taxa adequada; e nem o banco nem os particulares são minimamente beneficiados por esta inútil generosidade pública.
Os diretores de banco, entretanto, provavelmente não estariam dispostos a concordar com a imposição da taxa sobre a autoridade de uma especulação que não lhes promete ganho, mas apenas pretenda garanti-los de qualquer perda. No estado atual da cunhagem do ouro, e enquanto continuar a ser recebido por peso, certamente que nada ganharão com tal mudança. Mas se o costume de pesar a moeda de ouro entrar em desuso, como é provável, e se a moeda de ouro cair no mesmo estado de degradação em que estava antes da última reforma, o ganho, ou mais propriamente as economias do banco, em consequência da imposição de um signoraggio, provavelmente seria muito considerável. O Banco da Inglaterra é a única companhia que envia qualquer quantidade considerável de lingote à cunhagem, e seu custo anual cai inteiramente, ou quase, sobre ele. Se esta cunhagem anual nada faz senão reparar as inevitáveis perdas e o desgaste necessário da moeda, dificilmente excederia cinquenta mil ou, no máximo, cem mil libras. Mas quando a moeda está degradada abaixo de seu peso-padrão, a cunhagem anual deve, além disso, completar a grande falta que a exportação e o cadinho estão continuamente operando na moeda corrente. Foi por causa disto que, durante os dez ou 12 anos imediatamente antes da última reforma da moeda de ouro, a cunhagem anual totalizava mais de 850 libras. Mas tivesse havido uma taxa de 4% ou 5% sobre a moeda de ouro, provavelmente, mesmo no estado em que as coisas estavam, teria posto um fim no negócio de exportação e do cadinho. O banco, em vez de perder anualmente cerca de 2,5% sobre o lingote a ser cunhado em mais de 850 mil libras, ou de incorrer numa perda anual de mais de 20.250 libras, provavelmente não incorreria na décima parte desta perda.
A renda designada pelo parlamento para custear a despesa de cunhagem é só de 14 mil libras por ano, e a despesa real do governo, ou as taxas dos oficiais da cunhagem, em ocasiões ordinárias, estou certo, não excede metade daquela soma. A economia de soma tão pequena, ou mesmo o ganho de outra, que não poderia ser muito maior, são objetos demasiado desprezíveis, pode-se pensar, para merecer uma atenção séria do governo. Mas a economia de 18 ou vinte mil libras por ano no caso de um evento que não é improvável, que aconteceu amiúde e que bem pode acontecer de novo, é certamente coisa que merece séria atenção, mesmo de uma companhia tão grande quanto o Banco da Inglaterra.
Algumas das observações e arrazoados acima talvez estivessem mais bem colocados nos capítulos do primeiro livro, que tratam da origem e uso do dinheiro e da diferença entre o preço real e o nominal das mercadorias. Mas como a lei do encorajamento da cunhagem deriva sua origem daqueles preconceitos vulgares que foram introduzidos pelo sistema mercantil, julguei mais adequado reservá-las para este capítulo. Nada poderia ser mais agradável ao espírito daquele sistema do que uma espécie de incentivo à produção de dinheiro, aquela coisa que, supõe-se, seja a riqueza de toda nação. É um de seus mui admiráveis expedientes para enriquecer o país.
Notas
1 Na época, d. Pedro II. (N.T.)
2 Na época, a rainha Ana. (N.T.)
3 V. Dictionnaire des Monnaies, vol. II, art. seigenurage, p. 489, pelo sr. Abot de Bazinghen, conselheiro-comissário na “Cour des Monnaies” em Paris.
CAPÍTULO 7
DAS COLÔNIAS
PARTE 1
DOS MOTIVOS PARA O ESTABELECIMENTO DE NOVAS COLÔNIAS
O interesse que ocasionou o primeiro estabelecimento das diversas colônias europeias na América e nas Índias Ocidentais não foi tão simples e claro como o que dirigiu o estabelecimento daquelas da antiga Grécia e de Roma.
Todos os vários Estados da antiga Grécia possuíam, cada um, um território muito pequeno, e quando o povo de algum deles se multiplicava além daquilo que o território poderia facilmente manter, parte era enviada à busca de nova habitação em alguma parte remota e distante do mundo; os vizinhos belicosos os cercavam de todos os lados, tornando difícil para qualquer deles ampliar demasiado o próprio território. As colônias dos dórios estenderam-se principalmente pela Itália e a Sicília, que, nos tempos que precederam a fundação de Roma, eram habitadas por nações bárbaras e não civilizadas; as dos jônios e eólios, as outras duas grandes tribos dos gregos, para a Ásia Menor e as ilhas do mar Egeu, cujos habitantes naquele tempo parecem ter estado tais como os da Sicília e da Itália. A cidade-mãe, se bem que considerasse a colônia sua filha, sempre merecendo grande favor e assistência, e devendo esta gratidão e respeito, considerava-a uma filha emancipada sobre a qual não reclamava autoridade ou jurisdição. A colônia estabelecia a própria forma de governo, decretava as próprias leis, elegia os próprios magistrados e fazia guerra ou paz com seus vizinhos como um Estado independente, que não tinha ocasião para esperar pela aprovação ou o consentimento da cidade-mãe. Nada pode ser mais simples e claro do que o interesse que dirigiu tais estabelecimentos.
Roma, como a maioria das antigas repúblicas, originalmente fundou-se numa lei agrária que dividia o território público numa certa proporção entre os cidadãos que compunham o Estado. O curso dos negócios humanos por casamentos, sucessão e alienação necessariamente desarranjou esta divisão original e frequentemente lançou as terras que tinham sido designadas para a manutenção de várias famílias nas mãos de uma só pessoa. Para remediar esta desordem, pois assim é que se supunha, foi feita uma lei restringindo a quantidade de terra que qualquer cidadão poderia possuir até quinhentas jugera, cerca de 350 hectares ingleses. Esta lei, porém, se bem que leiamos que foi executada em uma ou duas ocasiões, foi negligenciada ou evitada, e a desigualdade de fortunas continuou a aumentar. A maioria dos cidadãos não tinha terra, e, sem ela, os usos e costumes daqueles tempos tornavam difícil para um homem livre manter sua independência. Atualmente, se bem que um pobre não tenha terra própria, se tiver um pequeno capital, poderá arrendar as terras de outrem ou poderá exercer algum pequeno negócio no varejo; e se não tiver capital, poderá achar emprego como lavrador ou artífice. Mas entre os antigos romanos, as terras dos ricos eram todas cultivadas pelos escravos, sob um superintendente que também era escravo, de modo que um homem livre pobre tinha pouca chance de ser empregado como lavrador ou operário. Todos os ofícios e manufaturas também, mesmo o comércio a varejo, eram exercidos pelos escravos dos ricos em benefício de seus senhores, cuja riqueza, autoridade e proteção tornavam difícil para um homem livre e pobre manter a competição contra eles. Os cidadãos, portanto, não tinham outro meio de subsistência senão as dádivas que pudessem obter dos candidatos nas eleições anuais. Os tribunos, quando se dispunham a animar o povo contra os ricos e os grandes, lembravam-lhes a antiga divisão das terras e representavam aquela lei que restringia este tipo de propriedade privada como a lei fundamental da república. O público reclamava por terras, e os ricos e poderosos, podemos crer, estavam perfeitamente determinados a não lhes dar parte alguma das deles. Para satisfazê-los em alguma medida, eles frequentemente propunham enviá-los para uma nova colônia. Mas a Roma dos conquistadores, mesmo em tais ocasiões, não tinha necessidade de enviar seus cidadãos à cata da fortuna, por assim dizer, pelo mundo afora, sem saber onde se estabeleceriam. Ela lhes designava terras geralmente nas províncias conquistadas da Itália, onde, estando dentro dos domínios da república, nunca poderiam formar um Estado independente; no máximo eram uma espécie de corporação que, se bem que tivesse o poder de decretar leis para seu próprio governo, estava sempre sujeita à correção, jurisdição e autoridade legislativa da cidade-mãe. Fundar uma colônia deste tipo não só dava alguma satisfação ao povo, mas também usualmente estabelecia uma espécie de guarnição numa província recém-conquistada, cuja obediência, de outra maneira, seria duvidosa. Uma colônia romana, portanto, quer consideremos sua natureza em si, quer as suas motivações, era totalmente diferente da grega. Correspondentemente, as palavras em que a língua original denotam estes diferentes estabelecimentos têm significados bem diferentes. O termo latino colonia significa simplesmente uma plantação. O termo grego αποιкῑα, ao contrário, significa uma separação da residência, um afastamento do lar, uma saída da casa. Mas não obstante sendo as colônias muito diferentes das gregas em muitos aspectos, o interesse que predispunha ao seu estabelecimento era igualmente simples e claro. Ambas as instituições derivavam sua origem quer de necessidade irresistível, quer de uma utilidade clara e evidente.
O estabelecimento das colônias europeias na América e nas Índias Ocidentais surgiu de necessidade nenhuma; e muito embora a utilidade que resultou delas tenha sido muito grande, não é tão clara e evidente. Não foi entendida logo de início, e tampouco o motivo de seu estabelecimento ou descobertas que as ocasionaram, e a natureza, a extensão e os limites desta utilidade talvez ainda não tenham sido bem entendidas até hoje.
Os vênetos, durante os séculos XIV e XV, exerceram um comércio muito vantajoso de especiarias e outras mercadorias das Índias Orientais, que distribuíram para as outras nações da Europa. Compravam-nas principalmente do Egito, naquele tempo sob o domínio dos mamelucos, inimigos dos turcos, e de quem os vênetos eram inimigos, e esta união de interesses, assistida pelo dinheiro de Veneza, formou tal ligação que deu aos vênetos quase o monopólio do comércio.
Os grandes lucros dos vênetos tentaram a avidez dos portugueses. Tinham tentado, no decurso do século XV, achar pelo mar uma rota para os países de onde os mouros lhes traziam o marfim e ouro em pó através do deserto. Descobriram as ilhas da Madeira, as Canárias, os Açores, Cabo Verde, as costas da Guiné, Luanda, Congo, Angola e Benguela e, finalmente, o cabo da Boa Esperança. Havia muito desejavam compartilhar o tráfico dos venezianos, e esta última descoberta abriu-lhes uma perspectiva provável de fazê-lo. Em 1497, Vasco da Gama zarpou do porto de Lisboa com uma frota de cinco naus, e depois de uma navegação de 11 meses, chegou à costa do Indostão, completando assim um curso de descobertas que havia sido seguido com grande constância, e com pouquíssima interrupção, por quase todo um século.
Alguns anos antes disto, enquanto as expectativas da Europa estiveram em suspenso sobre os projetos dos portugueses, cujo sucesso ainda parecia duvidoso, um piloto genovês constituiu o projeto ainda mais ousado de velejar para as Índias Orientais rumo oeste. A situação destes países, naquela época, era imperfeitamente conhecida na Europa. Os poucos viajantes europeus que haviam estado lá exageraram a distância, talvez por simploriedade e ignorância, o que realmente era muito grande, parecendo quase infinito para aqueles que não podiam medi-la, ou talvez para aumentar um pouco o maravilhoso de suas aventuras ao visitar regiões tão remotas da Europa. Quanto mais longo fosse o caminho pelo leste, Colombo mui justamente concluiu, mais curto seria pelo oeste. Propôs, portanto, tomar aquele caminho como o mais curto e mais seguro e teve a boa fortuna de convencer Isabel de Castela da probabilidade de seu projeto. Zarpou do porto de Palos em agosto de 1492, quase cinco anos antes da expedição de Vasco da Gama zarpar de Portugal, e, depois de uma viagem entre dois e três meses, descobriu primeiro algumas das pequenas Bahamas ou Lucaias, e depois a grande ilha de Santo Domingo.
Mas as regiões que Colombo descobriu, quer nesta, quer em viagens subsequentes, não tinham qualquer semelhança com aquelas em busca das quais partira. Em vez da riqueza, cultivo e população da China e do Indostão, descobriu em Santo Domingo, e em todas as outras partes do novo mundo que visitara, nada senão um país bem coberto de florestas, inculto e habitado apenas por algumas tribos de selvagens nus e miseráveis.
Ele não estava muito disposto, entretanto, a acreditar que eles não eram os mesmos de alguns países descritos por Marco Polo, o primeiro europeu a visitar, ou ao menos a ter deixado qualquer descrição da China ou das Índias Orientais, e uma semelhança muito leve, tal como a que ele encontrou entre o nome de Cibao, uma montanha em Santo Domingo, e o de Cipango, mencionado por Marco Polo, foi frequentemente suficiente para fazê-lo voltar a esta pressuposição sua favorita, se bem que contrária à evidência mais clara. Em suas cartas a Fernando e Isabel, chamou os países que descobrira de “Índias”. Não tinha a menor dúvida sobre se eram a extremidade daquelas descritas por Marco Polo e que não estavam muito distantes do Ganges, ou dos países que foram conquistados por Alexandre. Mesmo quando afinal se convenceu de que aqueles ricos países não estavam a grande distância, numa viagem subsequente foi à busca das Índias ao longo da costa de Terra Firma e rumo ao istmo de Darien.
Em consequência deste erro de Colombo, o nome de Índias pegou nestas terras infortunadas desde então, e quando afinal foi descoberto claramente que as novas eram totalmente diferentes das antigas Índias, as primeiras foram chamadas Ocidentais, em contraposição às últimas, que foram chamadas Índias Orientais.
Foi de importância para Colombo, porém, que os países que descobrira, quaisquer que fossem, fossem apresentados à corte da Espanha como de grande consequência; e no que constitui a riqueza real de todo país, os produtos animais e vegetais da terra, naquele tempo nada havia que pudesse justificar sua importância.
O cori, algo entre um rato e um coelho, que o sr. Buffon supõe ser o mesmo que o preá do Brasil, era o vivíparo quadrúpede de maior porte em Santo Domingo. Esta espécie parece nunca ter sido numerosa, e os cães e gatos dos espanhóis já a extirparam inteiramente, bem como algumas espécies de tamanho menor. Este, porém, junto com um lagarto grande, chamado ivana, ou iguana, constituíam a principal parte do alimento animal oferecido pela terra.
O alimento vegetal dos habitantes, se bem que por sua falta de indústria, não muito abundante, não era tão raro. Consistia de milho, inhame, batata, banana etc., plantas que eram então totalmente desconhecidas na Europa e que desde então aqui nunca foram muito apreciadas, nem supostas como sustento igual ao retirado dos grãos comuns que têm sido cultivados nesta parte do mundo desde tempos imemoriais.
A planta do algodão, de fato, dava o material de uma manufatura muito importante, e, naquela época, para os europeus era o produto vegetal mais valioso daquelas ilhas. Mas se bem que pelo fim do século XV as musselinas e outros artigos de algodão das Índias Orientais fossem muito estimados em toda a Europa, a manufatura do algodão em si não existia em nenhuma parte dela. Mesmo esta produção, portanto, naquele tempo não podia parecer aos olhos dos europeus como de grande importância.
Nada achando nos animais ou vegetais das terras recém-descobertas que pudesse justificar uma representação muito vantajosa delas, Colombo voltou a vista para seus minerais, e na riqueza das produções deste terceiro reino gabou-se de ter achado plena compensação pela insignificância das dos outros dois. Os fragmentos de ouro com que os habitantes ornamentavam sua roupa e que, ele foi informado, frequentemente achavam nos regatos e torrentes que caíam das montanhas, foram suficientes para satisfazê-lo de que aquelas montanhas abundavam com as mais ricas minas de ouro. Santo Domingo, portanto, foi descrita como país abundante em ouro, e por isto (de acordo com os preconceitos não só da atualidade, mas daqueles tempos também), fonte inexaurível de riqueza para a Coroa e o reino da Espanha. Quando Colombo, retornando de sua primeira viagem, foi introduzido com honras triunfais aos soberanos de Castela e Aragão, os principais produtos das terras que ele descobriu foram carregados em solene procissão diante dele. A única parte valiosa delas consistia em alguns fios, braceletes e outros ornamentos de ouro e alguns fardos de algodão. O resto eram meros objetos para a maravilha e curiosidade do vulgo; alguns caniços de tamanho extraordinário, algumas peles empalhadas do grande aligátor e do manati, tudo precedido por seis ou sete dos miseráveis nativos, cuja cor e aparência singular acrescentaram grandemente à novidade da mostra.
Em consequência das representações de Colombo, o conselho de Castela determinou tomar posse das terras cujos habitantes eram claramente incapazes de se defender. O piedoso propósito de convertê-los ao cristianismo santificou a injustiça do projeto. Mas a esperança de achar tesouros de ouro foi o único motivo que levou ao empreendimento, e para dar maior peso a este motivo, foi proposto a Colombo que metade de todo o ouro e de toda a prata que fossem achados lá pertenceriam à Coroa. Esta proposta foi aprovada pelo conselho.
Enquanto todo ou a maior parte do ouro que os primeiros aventureiros importaram para a Europa foi conseguido por um método tão fácil quanto saquear os indefesos nativos, talvez não tenha sido muito difícil pagar mesmo esta pesada taxa. Mas quando os nativos estavam despojados de tudo o que tinham, o que em Santo Domingo e em todas as outras terras descobertas por Colombo foi feito completamente em seis ou oito anos, e quando para achar mais tornou-se necessário cavar nas minas, não houve mais a possibilidade de pagar esta taxa. Sua rigorosa exação ocasionou primeiramente, pelo que se diz, o abandono total das minas de Santo Domingo, que nunca mais foram trabalhadas. Assim, logo foi reduzida a um terço, então a um quinto, depois a um décimo, e finalmente a um vigésimo do produto bruto das minas de ouro. A taxa sobre a prata continuou por muito tempo como um quinto do produto bruto. Foi reduzida a um décimo apenas no decurso do presente século. Mas os primeiros aventureiros não pareciam muito interessados em prata. Nada menos precioso que ouro parecia valer sua atenção.
Todos os outros empreendimentos dos espanhóis do Novo Mundo, subsequentes àquele de Colombo, parecem ter sido promovidos pelo mesmo motivo. Foi a sagrada sede de ouro que levou Ojeda, Nicuessa e Vasco Núñez de Balboa ao istmo de Darien, que levou Cortez ao México e Almagro e Pizarro ao Chile e ao Peru. Quando estes aventureiros chegavam a qualquer litoral desconhecido, a primeira pergunta era sempre se havia ouro por ali, e, de acordo com a informação que recebiam quanto a este particular, determinavam-se a deixar a região ou se estabelecer.
De todos os projetos dispendiosos e incertos que levam à bancarrota a maioria dos que se engajam neles, talvez não haja nada mais perfeitamente ruinoso do que a busca de novas minas de ouro e prata. Quiçá seja a loteria mais desvantajosa do mundo ou aquela em que o ganho daqueles que tiram os prêmios tem pelo menos proporção com a perda daqueles que tiram os brancos, pois se os prêmios são poucos e os brancos muitos, o preço comum de um bilhete é toda a fortuna de um homem rico. Os projetos de mineração, em vez de recolocar o capital empregado neles juntamente com os lucros ordinários, comumente absorvem o capital e o lucro. São projetos que, de todos, um legislador prudente que desejasse aumentar o capital de sua nação menos escolheria para dar qualquer encorajamento extraordinário, ou desviar para eles qualquer fração daquele capital do que lhes seria naturalmente destinado. Tal em realidade é a confiança absurda que quase todos os homens têm em sua boa fortuna que, sempre que haja a menor probabilidade de sucesso, muitos deles se lançam a ela voluntariamente.
Mas se o julgamento da razão sóbria e experiência concernente a tais projetos sempre foi extremamente desfavorável, o da avidez humana comumente tem sido antagônico. A mesma paixão que sugeriu a tantos a ideia absurda da pedra filosofal, sugeriu a outros aquela igualmente absurda de minas de ouro e prata imensamente ricas. Não consideraram que o valor destes metais, em todas as eras e nações, surgiu principalmente de sua escassez, e sua escassez originou-se das quantidades mínimas que a natureza depositou em cada lugar, pelas substâncias brutas e intratáveis com que ela cercou estas pequenas quantidades em quase todo lugar, e consequentemente do trabalho e da despesa que sempre são necessários para penetrá-las e obtê-las. Convenceram-se de que veios destes metais poderiam em muitos lugares ser encontrados tão extensos e abundantes quanto os que são comumente achados de chumbo, ou cobre, ou estanho, ou ferro. O sonho de sir Walter Raleigh concernente à cidade de ouro e o país do Eldorado pode satisfazer-nos de que mesmo homens sábios não estão isentos de tais ilusões estranhas. Mais de cem anos após a morte daquele grande homem, o jesuíta Gumila estava convencido da realidade daquele país fabuloso e expressava calorosamente, e mesmo sinceramente, como ficaria feliz em levar a luz do Evangelho a um povo que podia recompensar tão bem os piedosos trabalhos de seus missionários.
Nos países primeiro descobertos pelos espanhóis, atualmente não se conhecem minas de ouro ou prata que valham ser trabalhadas. As quantidades destes metais que os primeiros aventureiros acharam lá provavelmente foram muito exageradas, bem como a fertilidade das minas que foram trabalhadas imediatamente após a primeira descoberta. O que se disse que esses aventureiros descobriram foi suficiente, no entanto, para inflamar a avidez de todos os seus conterrâneos. Todo espanhol que zarpava para a América esperava achar um Eldorado. A fortuna também fez nesta ocasião o que fez em pouquíssimas outras. Realizou, em certa medida, as esperanças de seus devotos, e na descoberta e conquista do México e do Peru (uma acontecendo cerca de trinta, a outra cerca de quarenta anos depois da primeira expedição de Colombo), presenteou-os com algo não muito diverso daquela profusão de metais preciosos que procuravam.
Um projeto de comércio com as Índias Orientais, portanto, deu ocasião para a primeira descoberta das Ocidentais. Um projeto de conquista deu ocasião para todos os estabelecimentos dos espanhóis naqueles países recém-descobertos. O motivo que os excitou a esta conquista foi a perspectiva de minas de ouro e de prata; e um curso de acidentes, que nenhuma sabedoria humana poderia prever, tornou este projeto muito mais bem-sucedido do que os empreendedores tinham qualquer base para esperar.
Os primeiros aventureiros de todas as outras nações da Europa que tentaram se estabelecer na América foram animados pelas mesmas visões quiméricas, mas não foram tão bem-sucedidos. Só depois de mais de cem anos da primeira colonização dos Brasis que qualquer prata, ouro ou diamantes foram minerados lá. Nas colônias inglesas, francesas, holandesas e dinamarquesas, nada se descobriu; pelo menos nenhuma mina que até agora tenha compensado o trabalho. Os primeiros colonizadores ingleses na América do Norte, porém, ofereceram um quinto de todo o ouro e de toda a prata que poderiam ser encontrados lá ao rei, como motivo para lhe serem garantidas suas patentes. Nas concessões a sir Walter Raleigh, para as companhias de Londres e Plymouth, para o conselho de Plymouth etc., este quinto foi também destinado à Coroa. À expectativa de achar minas de ouro e de prata, aqueles primeiros colonos também somaram a de descobrir uma passagem pelo noroeste para as Índias Orientais. Até agora, foram desapontados quanto a ambas.
PARTE 2
CAUSAS DA PROSPERIDADE DAS NOVAS COLÔNIAS
A colônia de uma nação civilizada que toma posse de uma terra desocupada, ou de uma tão pouco habitada que os nativos facilmente dão lugar aos novos ocupantes, avança mais rapidamente para a riqueza e a grandeza do que qualquer outra sociedade humana.
Os colonos levam consigo um conhecimento da agricultura e outras artes úteis superior ao que pode crescer por si só no decurso de muitos séculos entre nações selvagens e bárbaras. Levam consigo também o hábito da subordinação, alguma noção do governo regular que tem lugar em seu próprio país, do sistema de leis que o suporta e de uma administração regular da justiça e, naturalmente, estabelecem algo da mesma espécie no novo povoado. Mas entre nações selvagens e bárbaras, o progresso natural da lei e do governo é ainda mais lento que o progresso natural das artes, depois que a lei e o governo tenham sido estabelecidos quanto seja necessário para sua proteção. Cada colono consegue mais terra do que poderia cultivar. Não tem renda e quase nenhuma taxa a pagar. Nenhum senhor compartilha de seu produto, e a fração do soberano comumente é só uma ninharia. Tem todo o motivo para atingir a maior produção, que virá a ser quase inteiramente sua. Mas esta terra é comumente tão extensa que, com toda sua indústria, e com toda a indústria de outras pessoas que ele pode empregar, dificilmente consegue fazer com que produza a décima parte do que é capaz. Fica ansioso, portanto, por reunir operários de todos os cantos e recompensá-los com as pagas mais liberais. Mas estes pagamentos liberais, unidos à abundância e aos baixos preços da terra, logo fazem com que estes operários o deixem, para eles mesmos se tornarem proprietários e recompensar, com igual liberalidade, outros trabalhadores que logo os deixam pela mesma razão que deixaram seu primeiro senhor. A recompensa liberal do trabalho encoraja o casamento. As crianças, desde a mais tenra idade, são bem alimentadas e cuidadas, e, quando crescem, o valor de seu trabalho grandemente paga sua manutenção. Quando chegam à maturidade, o alto preço do trabalho e o baixo preço da terra permitem-lhes se estabelecerem da mesma maneira que seus pais antes deles.
Em outros países, a renda e o lucro devoram os salários, e as duas classes superiores de pessoas oprimem a inferior. Mas nas novas colônias, o interesse das duas ordens superiores obriga-as a tratar a inferior com mais generosidade e humanidade; pelo menos onde aquela inferior não está num estado de escravidão. As terras desocupadas da maior fertilidade natural são compradas por bem pouco. O aumento da renda que o proprietário, que é sempre o empresário, espera de sua melhoria constitui seu lucro, que nestas circunstâncias é comumente muito grande. Mas este grande lucro não pode ser atingido sem empregar o trabalho de outras pessoas em limpar e cultivar a terra, e a desproporção entre a grande extensão da terra e o pequeno número de pessoas, que comumente tem lugar nas colônias, torna difícil para ele conseguir este trabalho. Portanto, não disputa por salários, mas está ansioso para empregar mão de obra a qualquer preço. O alto pagamento do trabalho encoraja a população. O baixo preço e a abundância das terras encorajam as melhorias e permitem que o proprietário pague aqueles altos salários. Destes salários consiste quase todo o preço da terra, e se bem que sejam altos considerados como pagamento do trabalho, são baixos considerados como o preço do que é tão valioso. O que encoraja o progresso da população e as melhorias encoraja o da riqueza e da grandeza reais.
O progresso de muitas das antigas colônias gregas para a riqueza e grandeza também parece ter sido muito rápido. No decurso de um ou dois séculos, várias delas parecem ter rivalizado, e mesmo superado, as cidades-mãe. Siracusa e Agrigento, na Sicília, Tarento e Lócrida, na Itália, Éfeso e Mileto, na Ásia Menor, parecem ter sido pelo menos iguais a qualquer das cidades da antiga Grécia. Se bem que posteriores em seu estabelecimento, toda espécie de refinamento, filosofia, poesia e eloquência parece ter sido cultivada bem cedo e aperfeiçoada tanto nelas como em qualquer parte do país original. As escolas dos dois mais antigos filósofos gregos, as de Tales e Pitágoras, foram estabelecidas, notavelmente, não na antiga Grécia, mas uma numa colônia asiática, e a outra numa colônia italiana. Todas estas colônias haviam se estabelecido em regiões habitadas por nações bárbaras e selvagens, que facilmente deram lugar aos novos colonizadores. Tinham muita terra boa e, como eram totalmente independentes da cidade-mãe, estavam livres para dirigir seus negócios como julgavam mais adequado a seu interesse.
A história das colônias romanas de modo algum é tão brilhante. Algumas delas, de fato, como Florença, no decurso de muitas eras, e depois da queda da cidade-mãe, cresceram como Estados consideráveis. Mas o progresso de nenhuma delas parece ter sido muito rápido. Estavam todas estabelecidas em províncias conquistadas, que na maioria dos casos tinham sido totalmente habitadas antes. A quantidade de terra designada a cada colono raramente era muito considerável e, como a colônia não era independente, nem sempre estavam livres para dirigir seus negócios como julgassem mais adequado a seu interesse.
Na abundância de boa terra, as colônias europeias que se estabeleceram na América e nas Índias Ocidentais assemelham-se, e mesmo ultrapassam grandemente, às da Grécia antiga. Em sua dependência do Estado-mãe, assemelham-se às da antiga Roma, mas suas grandes distâncias da Europa em todas elas aliviou mais ou menos o efeito de sua dependência. Sua situação as colocou menos à vista e menos no poder da terra-mãe. Ao seguir seus interesses, em muitas ocasiões sua conduta foi descuidada, porque ignorada ou não compreendida na Europa, e, em algumas ocasiões, tolerada e aceita, porque sua distância tornava difícil restringi-las. Mesmo o governo violento e arbitrário da Espanha em muitas ocasiões foi obrigado a voltar atrás, ou abrandar as ordens dadas ao governo de suas colônias, temendo uma insurreição geral. O progresso de todas as colônias europeias em riqueza, população e melhorias correspondentemente foi muito grande.
A Coroa da Espanha, por sua parte de ouro e prata, derivou alguma renda de suas colônias a partir do momento em que foram estabelecidas. Foi uma renda, também, de natureza a excitar na avidez humana as mais extravagantes especulações de riquezas ainda maiores. As colônias espanholas, portanto, a partir do momento de seu primeiro estabelecimento, atraíram muito a atenção da terra-mãe, ao passo que as de outras nações europeias por muito tempo foram negligenciadas. As primeiras talvez não foram tão bem em consequência desta atenção; nem as últimas pior em consequência desta negligência. Em proporção à extensão de algumas delas, as colônias espanholas são consideradas menos populosas e operosas que as de quase qualquer outra nação europeia. Mesmo assim, o progresso das colônias espanholas, em população e melhorias, certamente foi muito rápido e grande. A cidade de Lima, fundada desde a conquista, é representada por Ulloa como tendo cinquenta mil habitantes há quase trinta anos. Quito, que foi apenas um vilarejo miserável de índios, é representada pelo mesmo autor como atualmente da mesma população. Gemelli Carreri, suposto viajante, mas que parece sempre ter escrito a partir de informações fidedignas, representa a cidade do México como contendo cem mil habitantes, número que, a despeito de todos os exageros dos escritores espanhóis, é provavelmente cinco vezes maior do que continha no tempo de Montezuma. Estes números excedem grandemente os de Boston, Nova York e Filadélfia, as três maiores cidades das colônias inglesas. Antes da conquista dos espanhóis, não havia gado de tração no México e no Peru. O lhama era sua única besta de carga, e sua força parece ser inferior à de um jumento. O arado era desconhecido entre eles. Ignoravam o uso do ferro. Não tinham moeda cunhada nem nenhum instrumento estabelecido para o comércio de qualquer espécie. Seu comércio era exercido por barganha. Uma espécie de pá de madeira era seu principal instrumento agrícola. Pedras afiadas serviam como facas e machados; ossos de peixe e os tendões de certos animais serviam como agulhas para coser, e estes parecem ter sido seus principais instrumentos de comércio. Neste estado de coisas, parece impossível que qualquer destes impérios tenha sido tão progressista ou cultivado como agora, que estão abastecidos abundantemente com toda espécie de gado europeu, e quando o uso do ferro, do arado e de muitas artes europeias foi introduzido entre eles. Mas a população de todo país deve estar em proporção ao grau de seu progresso e cultivo. A despeito da cruel destruição dos nativos que se seguiu à conquista, estes dois grandes impérios são, provavelmente, mais populosos agora do que jamais o foram, e o povo seguramente é muito diferente, pois devemos reconhecer que os crioulos espanhóis são em muitos aspectos superiores aos antigos índios.
Após as colônias dos espanhóis, a dos portugueses no Brasil é a mais antiga nação europeia na América. Mas como por um longo tempo depois da conquista não se encontraram minas de ouro ou de prata, e não dando, por causa disto, quase nenhuma renda à Coroa, por muito tempo foi negligenciada e. durante este estado de indiferença tornou-se uma grande e poderosa colônia. Enquanto Portugal esteve sob o domínio espanhol, o Brasil foi atacado pelos holandeses, que se apossaram de sete das 14 províncias em que está dividido. Esperavam logo conquistar as outras sete, quando Portugal recobrou sua independência pela elevação da família Bragança ao trono. Os holandeses então, como inimigos dos espanhóis, tornaram-se amigos dos portugueses. Concordaram assim em deixar aquela parte do Brasil que não haviam conquistado ao rei de Portugal, que concordou em deixar-lhes aquela parte que haviam conquistado, como questão que não valia a pena disputar entre bons aliados. Mas o governo holandês logo começou a oprimir os colonos portugueses, que, em vez de se distraírem com queixas, pegaram em armas contra seus novos senhores e, por seu próprio valor e resolução, com a conivência, de fato, mas sem nenhuma assistência reconhecida da terra-mãe, os expulsaram do Brasil. Os holandeses, portanto, achando impossível conservar qualquer parte do país para si, contentaram-se com que fosse inteiramente restaurado à Coroa de Portugal. Nesta colônia, diz-se que há mais de seiscentas mil pessoas, portugueses ou seus descendentes, crioulos, mulatos e uma raça mista entre portugueses e brasileiros.1 Supõe-se que nenhuma colônia na América contém tamanho número de pessoas de extração europeia.
No fim do século XV e durante a maior parte do XVI, Espanha e Portugal eram as duas grandes potências navais, pois se o comércio de Veneza se estendia a todas as partes da Europa, sua frota pouquíssimo navegara além do Mediterrâneo. Os espanhóis, em virtude de sua primeira descoberta, reclamaram toda a América como deles, e não puderam impedir uma potência naval tão grande como Portugal de se instalar no Brasil; tamanho era naquela época o terror pelos espanhóis, que a maioria das outras nações da Europa temiam estabelecer-se em qualquer outra parte daquele grande continente. Os franceses, que tentaram se estabelecer na Flórida, foram todos mortos pelos espanhóis. Mas a decadência do poder naval desta nação, em consequência da derrota ou malogro do que chamavam sua Invencível Armada, que ocorreu pelo fim do século XVI, colocou fora de seu poder obstruir por mais tempo as colônias das outras nações europeias. No decurso do século XVII, portanto, os ingleses, franceses, holandeses, dinamarqueses e suecos, todas as nações que tinham portos de mar, tentaram estabelecer-se no Novo Mundo.
Os suecos se estabeleceram em Nova Jersey, e o número de famílias suecas que ainda se acham lá demonstra suficientemente que esta colônia poderia muito bem ter prosperado se fosse protegida pela terra-mãe. Mas, sendo negligenciada pela Suécia, logo foi engolida pela colônia holandesa de Nova York, que em 1674 caiu sob o domínio dos ingleses.
As pequenas ilhas de São Tomás e Santa Cruz são as únicas terras do Novo Mundo que foram posse dos dinamarqueses. Estes pequenos estabelecimentos também estavam sob o governo de uma companhia exclusiva, que tinha o único direito tanto de comprar o produto em excesso dos colonos como de supri-los com os artigos de outros países conforme precisassem, e que, portanto, em suas compras e vendas não só tinha o poder de oprimi-los, mas também a maior tentação para fazê-lo. O governo de uma companhia exclusiva de comerciantes seja talvez o pior governo de todos para qualquer país. Não conseguiu, porém, parar totalmente o progresso destas colônias, se bem que o tornou mais lento e debilitado. O falecido rei da Dinamarca dissolveu esta companhia, e desde aquele tempo a prosperidade destas colônias foi muito grande.
Os estabelecimentos holandeses nas Índias Ocidentais, bem como nas Orientais, originalmente foram postos sob o governo de uma companhia exclusiva. O progresso de algumas delas, portanto, se foi considerável em comparação com o de quase todo país há muito povoado e estabelecido, foi debilitado e lento em comparação com o da maioria das novas colônias. A colônia do Suriname, se bem que mui considerável, é ainda inferior à maioria das colônias açucareiras das outras nações europeias. A colônia de Nova Bélgica, agora dividida em duas províncias, de Nova York e Nova Jersey, provavelmente logo se tornaria considerável, mesmo permanecendo sob o governo holandês. A abundância e o baixo preço de terras boas são causas tão poderosas de prosperidade que o pior dos governos mal seria capaz de deter totalmente a eficácia de sua operação. A grande distância, também, da terra-mãe permitira aos colonos esquivar-se um pouco, contrabandeando o monopólio que a companhia gozaria contra eles. Atualmente a companhia permite que todos os navios holandeses comerciem com o Suriname, pagando 2,5% sobre o valor de sua carga a título de licença, e só reserva para si exclusivamente o comércio direto da África para a América, que consiste quase que inteiramente do comércio de escravos. Esta relação dos privilégios exclusivos da companhia é provavelmente a principal causa daquele grau de prosperidade que aquela colônia atualmente desfruta. Curaçao e Eustáquio, as duas principais ilhas pertencentes aos holandeses, são portos livres abertos aos navios de todas as nações; e esta liberdade, em meio a melhores colônias cujos portos estão abertos apenas aos de uma nação, foi a grande causa da prosperidade daquelas duas ilhas desertas.
A colônia francesa do Canadá esteve, durante a maior parte do último século, e em parte deste, sob o governo de uma companhia exclusiva. Sob uma administração tão desfavorável, seu progresso foi necessariamente muito lento em comparação com o de outras novas colônias, mas tornou-se muito mais rápido quando esta companhia foi dissolvida após a queda do que foi chamado o esquema do Mississippi. Quando os ingleses tomaram posse deste país, acharam nele quase o dobro de habitantes que o padre Charlevoix lhe havia designado vinte a trinta anos antes. Aquele jesuíta viajara por todo o país e não tinha inclinação para representá-lo como menos considerável do que realmente era.
A colônia francesa de Santo Domingo foi estabelecida por piratas e flibusteiros que por muito tempo não requereram a proteção nem reconheceram a autoridade da França, e quando aquela raça de bandidos se civilizou o bastante para reconhecer esta autoridade, por muito tempo foi necessário exercê-la com a maior delicadeza. Durante este período, a população e as melhorias desta colônia aumentaram muito depressa. Mesmo a opressão da companhia exclusiva a que ficou submetida por algum tempo, com todas as outras colônias da França, se bem que sem dúvida retardou, não conseguiu interromper totalmente seu progresso. O curso de sua prosperidade retornou assim que foi aliviada daquela opressão. Agora é a mais importante colônia açucareira das Índias Ocidentais, e diz-se que sua produção é maior do que a de todas as colônias açucareiras inglesas reunidas. As outras colônias açucareiras da França em geral são muito prósperas.
Mas não há colônias cujo progresso tenha sido mais rápido do que nas dos ingleses na América do Norte.
Muita terra boa e liberdade para dirigir seus negócios à sua maneira parecem ser as duas grandes causas da prosperidade de todas as novas colônias.
Na abundância de terra boa, as colônias inglesas da América do Norte, se bem que sem dúvida abundantemente providas, são inferiores às dos espanhóis e portugueses e não superiores a algumas das possuídas pelos franceses antes da última guerra. Mas as instituições políticas das colônias inglesas foram mais favoráveis à melhoria e ao cultivo da terra do que as de qualquer outra das três nações.
Primeiro, a anexação de terra inculta, de modo algum prevenida inteiramente, foi mais restrita nas colônias inglesas do que em quaisquer outras. A lei colonial que impõe a cada proprietário a obrigação de melhorar e cultivar, num tempo limitado, uma certa proporção de suas terras, e que, em caso de fracasso, declara aquelas terras negligenciadas conferíveis a qualquer outro, se não foi estritamente executada, teve algum efeito.
Segundo, na Pensilvânia não há direito de primogenitura, e as terras, como bens móveis, são divididas igualmente entre os filhos da família. Em três das províncias da Nova Inglaterra, o mais velho tem uma fração dupla, como na lei mosaica. Muito embora nessas províncias uma grande quantidade de terra possa ser adquirida por um só indivíduo, é provável, no decurso de uma ou duas gerações, seja dividida de novo. Nas outras colônias inglesas, o direito de posse das terras, todas mantidas pelo direito de aradura, facilita a alienação, e o concessionário de qualquer extensão de terra geralmente acha de seu interesse alienar tão rápido quanto possa a maior parte dela, reservando apenas um pequeno arrendamento. Nas colônias espanholas e portuguesas, o que é chamado direito de majorazzo2 tem lugar na sucessão de todas aquelas grandes propriedades a que se anexa qualquer título de honra. Tais propriedades passam todas a uma só pessoa, e de fato são pessoais e intransferíveis.
As colônias francesas, de fato, estão sujeitas ao costume de Paris, que, na herança da terra, é muito mais favorável aos filhos mais jovens que a lei da Inglaterra. Mas nas colônias francesas, se qualquer parte de uma propriedade, mantida pela nobreza, é alienada por um prazo limitado, está sujeita ao direito de redenção, pelo herdeiro do superior ou pelo herdeiro da família, e todas as maiores propriedades do país são mantidas por títulos de nobreza, o que necessariamente embaraça a alienação. Mas numa nova colônia, uma grande propriedade inculta poderá ser muito mais rapidamente dividida por alienação do que pela sucessão. A abundância e o baixo preço de terra boa, já foi observado, são as principais causas da prosperidade rápida das novas colônias. O latifúndio, de fato, destrói sua abundância e o preço baixo. O latifúndio inculto, além do mais, é o maior obstáculo à sua melhoria. Mas o trabalho empregado na melhoria e no cultivo da terra permite o maior e mais valioso produto para a sociedade. O produto do trabalho, neste caso, paga não só seu próprio salário e o lucro do capital que o emprega, mas a renda da terra na qual é empregado. O trabalho dos colonos ingleses, portanto, sendo mais empregado no aperfeiçoamento e cultivo da terra, poderá dar um produto maior e mais valioso do que o de qualquer das outras três nações que, pelo latifúndio, é mais ou menos desviada para outros empregos.
Terceiro, o trabalho dos colonos ingleses não só poderá dar um produto maior e mais valioso, mas, em consequência da moderação de suas taxas, também uma maior proporção desta produção pertence a eles mesmos, que podem armazenar e empregar para pôr em movimento quantidade ainda maior de trabalho. Os colonos ingleses ainda não contribuíram com nada para a defesa de sua terra-mãe, ou para apoiar seu governo civil. Eles mesmos, pelo contrário, até agora foram defendidos quase inteiramente a expensas da terra-mãe. Mas a despesa de frotas e exércitos está desproporcionada, acima da despesa necessária do governo civil. A despesa de seu próprio governo civil sempre foi muito moderada. Geralmente tem sido confinada ao necessário para pagar os competentes salários ao governador, aos juízes e a alguns oficiais de polícia, e para manter alguns dos serviços públicos mais úteis. A despesa do estabelecimento civil da baía de Massachussets, antes do começo dos atuais distúrbios, costumava ser só de £18 000 por ano. O de Nova Hampshire e Rhode Island, £3 500 cada. O de Connecticut, £4 000. O de Nova York e Pensilvânia, £4500 cada. O de Nova Jersey, £1 200. O de Virgínia e Carolina do Sul £8 000 cada. Os estabelecimentos civis da Nova Escócia e Geórgia são parcialmente suportados por uma verba anual do parlamento. Mas a Nova Escócia paga também cerca de £7 000 por ano para as despesas públicas da colônia, e a Geórgia cerca de £2 500 por ano. Todos os estabelecimentos civis da América do Norte, em resumo, excluindo os de Maryland e Carolina do Norte, dos quais não se conseguiu a conta exata, antes do começo dos atuais distúrbios não custava a seus habitantes mais de £64 700 por ano; um memorável exemplo de como pode ser pequena a despesa para não só se governar, mas governar bem três milhões de pessoas. A parte mais importante da despesa do governo, com efeito, aquela de defesa e proteção, constantemente recaiu sobre a terra-mãe. O cerimonial também do governo civil nas colônias, pela recepção de um novo governador, pela abertura de uma nova assembleia etc., se bem que suficientemente decente, não é acompanhado por qualquer pompa dispendiosa ou parada. Seu governo eclesiástico é conduzido num plano igualmente frugal. Os dízimos são desconhecidos entre eles, e seu clero, longe de ser numeroso, é mantido por estipêndios moderados ou pelas contribuições involuntárias do povo. O poder de Espanha e Portugal, ao contrário, deriva algum apoio das taxas levantadas em suas colônias. A França, com efeito, nunca retirou nenhuma renda considerável de suas colônias, as taxas nelas levantadas sendo geralmente gastas entre elas. Mas o governo colonial destas três nações é conduzido com um cerimonial muito mais dispendioso. As somas gastas pela recepção de um novo vice-rei do Peru, por exemplo, frequentemente foram enormes. Tais cerimoniais não só são taxas reais pagas pelos colonos ricos nestas ocasiões particulares, mas servem para introduzir entre eles o hábito da vaidade e despesas em todas as outras ocasiões. Não só são taxas ocasionais muito onerosas, mas contribuem para estabelecer taxas perpétuas da mesma espécie ainda mais onerosas: as taxas de luxo particular e extravagância. Nas colônias de todas aquelas três nações também, o governo eclesiástico é extremamente opressivo. Há dízimos em todos eles, e são levantados com o máximo rigor nas da Espanha e Portugal. Todas elas, aliás, são oprimidas com uma raça numerosa de freis mendicantes, cujas esmolas, não só sendo licenciadas, mas consagradas pela religião, são uma taxa pesada sobre as pessoas pobres, que são cuidadosamente ensinadas que é uma obrigação dar e um grande pecado recusar sua caridade. Além de tudo isto, em todas elas, o clero é o maior latifundiário.
Quarto, ao dispor de seu produto em excesso, as colônias inglesas foram mais favorecidas, e lhes foi permitido um mercado mais extenso do que o de qualquer outra nação europeia. Toda nação europeia procurou mais ou menos monopolizar o comércio de suas colônias e, por isso, proibiu os navios de nações estrangeiras de comerciar com elas e proibiu-as de importar artigos europeus de qualquer nação estrangeira. A maneira como este monopólio foi exercido em diferentes nações tem sido muito diversa.
Algumas nações passaram o comércio total com suas colônias a uma companhia exclusiva, de quem os colonos eram obrigados a comprar todos os artigos europeus que desejavam e à qual eram obrigados a vender o total de seu produto em excesso. Era de interesse da companhia, portanto, não só vender aquele o mais caro possível, e comprar este o mais barato possível, mas não mais, mesmo a baixo preço, do que poderiam vender a um alto preço na Europa. Era de seu interesse não só degradar em todos os casos o valor do produto em excesso da colônia, mas em muitos casos desencorajar e manter reduzido o aumento natural de sua quantidade. De todos os expedientes que podem ser maquinados para deter o crescimento natural de uma nova colônia, o de uma companhia exclusiva é, sem dúvida, o mais efetivo. Esta, porém, tem sido a política da Holanda, apesar de que sua companhia, no curso do presente século, abriu mão em muitos aspectos de exercer seu privilégio exclusivo. Esta também foi a política da Dinamarca até o reinado de seu último rei.3 Tem sido ocasionalmente a política da França, e ultimamente, desde 1755, depois de ter sido abandonada por todas as outras nações, haja vista seu absurdo, tornou-se a política de Portugal em relação a pelo menos duas das principais províncias do Brasil, Pernambuco e Maranhão.
Outras nações, sem estabelecer uma companhia exclusiva, confinaram todo o comércio de suas colônias a um porto em particular da terra-mãe, de onde nenhuma nau poderia zarpar, senão em comboio e em determinada estação, ou se isolada, em consequência de uma licença particular, que, na maioria dos casos, era muito bem paga. Essa política abria, de fato, o comércio das colônias a todos os nativos da terra-mãe, desde que comerciassem do porto adequado, na estação adequada e nas naus adequadas. Mas como os vários mercadores que reuniam seus capitais para equipar aquelas naus licenciadas achariam de seu interesse agir de acordo, o comércio exercido desta maneira necessariamente seria conduzido bem perto daqueles princípios de uma companhia exclusiva. O lucro daqueles comerciantes seria quase igualmente exorbitante e opressivo. As colônias seriam mal supridas e seriam obrigadas a comprar muito caro e vender muito barato. Esta, no entanto, até os últimos anos, sempre foi a política da Espanha, e o preço de todos os artigos europeus, correspondentemente, diz-se ser enorme nas Índias Ocidentais espanholas. Em Quito, conta-nos Ulloa, uma libra de ferro é vendida por £4 6d. e uma de aço, por £6 9d. Mas é principalmente para comprar artigos europeus que as colônias se desfazem de sua produção. Quanto mais, portanto, elas pagam por um, menos obtêm pelo outro, e o alto preço de um equivale ao baixo preço do outro. A política de Portugal, quanto a este aspecto, é a mesma que a antiga política da Espanha em relação a todas as suas colônias, exceto Pernambuco e Maranhão, e em relação a estas, ultimamente tem adotado uma ainda pior.
Outras nações deixam o mercado de suas colônias livre para todos os seus súditos, que podem exercê-lo de todos os portos do país, e que não têm ocasião para outra licença que não os despachos comuns da alfândega. Nesse caso, o número e a localização dispersa dos vários comerciantes impossibilitam-lhes entrar em qualquer combinação geral, e sua competição é suficiente para obstá-los de fazer lucros muito exorbitantes. Sob uma política tão liberal, as colônias ficam capacitadas tanto a vender seus produtos quanto a comprar os artigos europeus a um preço razoável. Mas desde a dissolução da Companhia de Plymouth, quando nossas colônias estavam em sua infância, sempre foi esta a política da Inglaterra. Foi, geralmente, também a da França, e assim tem sido uniformemente desde a dissolução do que na Inglaterra tem sido chamada de Companhia do Mississipi deles. Os lucros do comércio, portanto, que a França e a Inglaterra exercem com suas colônias, se bem que sem dúvida um pouco mais altos do que se a competição fosse livre com todas as outras nações, de modo algum são exorbitantes, e o preço da mercadoria europeia, correspondentemente, não é tão extravagantemente alto na maior parte das colônias de qualquer daquelas nações.
Na exportação de seu próprio excesso, só em relação a certas mercadorias que as colônias da Grã-Bretanha são confinadas ao mercado da terra-mãe. Estas comodidades, tendo sido enumeradas no Decreto da Navegação e em algumas leis subsequentes, foram chamadas mercadorias enumeradas. As outras são chamadas não enumeradas e podem ser exportadas diretamente a outros países desde que em navios britânicos ou das colônias, nos quais os proprietários e três quartos dos marujos sejam súditos britânicos.
Dentre as mercadorias não enumeradas estão alguns dos produtos mais importantes da América e Índias Ocidentais: grãos de toda espécie, madeira, salgados, peixe, açúcar e rum.
O grão é naturalmente o primeiro e principal objeto da cultura de todas as novas colônias. Permitindo para ele um extenso mercado, a lei os encoraja a ampliar esta cultura muito além do consumo de um país esparsamente habitado, proporcionando antecipadamente uma ampla subsistência para uma população que aumenta sempre.
Num país bastante coberto de florestas, onde a madeira, portanto, é de pouco ou nenhum valor, a despesa de desmatamento é o principal obstáculo ao progresso. Dando às colônias um mercado extenso para sua madeira, a lei procura facilitar o progresso elevando o preço de uma mercadoria que de outro modo seria de muito pouco valor, portanto lhes permitindo fazer algum lucro com o que de outra maneira seria pura despesa.
Num país nem meio povoado nem meio cultivado, o gado naturalmente multiplica-se além do consumo dos habitantes e, por causa disto, costuma ser de pouco ou nenhum valor. Mas é necessário, já se mostrou, que o preço do gado deveria manter certa proporção com o do trigo antes que a maior parte das terras de qualquer país possa ser melhorada. Dando ao gado americano, em toda forma, morto ou vivo, um amplo mercado, a lei procura elevar o valor de uma mercadoria cujo alto preço é tão essencial ao progresso. Os bons efeitos desta liberdade, porém, devem ser um pouco diminuídos pelo 4º de Jorge III, cap. 15, que coloca couros e peles entre as mercadorias enumeradas, tendendo a reduzir o valor do gado americano.
Para elevar os fretes marítimos e o poderio naval britânicos, pela ampliação da pesca em nossas colônias, é coisa que a legislatura parece ter mantido em vista quase constantemente. Essas companhias de pesca, por causa disso, tiveram todo o encorajamento que a liberdade lhes pode dar e floresceram de acordo. A pesca da Nova Inglaterra em particular, antes dos últimos distúrbios, era uma das mais importantes, talvez, do mundo. A pesca da baleia, apesar de um incentivo extravagante, é tão pouco exercida na Inglaterra que, na opinião de muitos (que não pretendo endossar), a produção total não excede muito o valor dos incentivos que anualmente são pagos por ela; na Nova Inglaterra, por outro lado, é intensamente exercida sem nenhum incentivo. O peixe é um dos principais artigos com que os norte-americanos comerciam com a Espanha, Portugal e Mediterrâneo.
O açúcar originalmente era uma mercadoria enumerada que podia ser exportada apenas para a Grã-Bretanha. Mas, em 1731, por uma representação dos plantadores de açúcar, sua exportação foi permitida para todas as partes do mundo. As restrições, porém, com que esta liberdade foi garantida, unidas ao alto preço do açúcar na Inglaterra, tornaram-na, em grande medida, ineficaz. A Grã-Bretanha e suas colônias continuam a ser quase o único mercado para todo o açúcar produzido nas plantações britânicas. Seu consumo cresce tão depressa que, apesar do progresso da Jamaica, bem como das ilhas Cede, a importação do açúcar cresceu grandemente nos últimos vinte anos, e a exportação a países estrangeiros diz-se não ser muito maior que antes.
O rum é um artigo muito importante no mercado que os americanos exercem na costa da África, de onde trazem escravos negros.
Se toda a produção em excesso da América, em grãos de toda espécie, sal e peixe, fosse incluída na enumeração, e assim forçada para o comércio na Grã-Bretanha, teria interferido demasiado com o produto da indústria de nosso próprio povo. Provavelmente não foi tanto em consideração ao interesse da América como prevenção contra esta interferência que aquelas mercadorias importantes não só foram mantidas fora da enumeração, mas que a importação para a Inglaterra de todo grão, exceto arroz e sal, no estado ordinário da lei, foi proibida.
As mercadorias não enumeradas poderiam originalmente ser exportadas a todas as partes do mundo. Madeira e arroz, uma vez incluídos na enumeração, quando depois foram removidos dela, ficaram confinados, quanto ao mercado europeu, aos países ao sul do cabo Finisterra. Pelo 6º de Jorge III, cap. 52, todas as mercadorias não enumeradas estavam sujeitas à mesma restrição. As regiões da Europa ao sul do cabo Finisterra não são países manufatureiros, e tinham menos prevenção contra os navios das colônias levarem embora quaisquer manufaturas que poderiam interferir com as nossas.
As mercadorias enumeradas são de duas espécies: primeira, os produtos peculiares da América, ou que não podem ser produzidos, ou que não são produzidos na terra-mãe. Deste tipo são: melaço, café, coco, tabaco, pimenta, gengibre, barbatanas de baleia, seda bruta, lã, peles de castor e outras peles típicas da América, índigo, tatajuba e outras madeiras de tintura; segunda, as que não são produtos peculiares da América, mas que são e podem ser produzidas na terra-mãe, mas não em quantidade que supra a maior parte de sua demanda, principalmente suprida de países estrangeiros. Deste tipo é o equipamento naval, mastros, cordas, mastros de proa, alcatrão, piche, terebentina, ferro em barras, minério de cobre, couros e peles, vasos e cinzas de pérolas. A maior importação das mercadorias da primeira espécie não poderia desencorajar o crescimento ou interferir com as vendas de qualquer parte da produção da terra-mãe. Confinando-as ao mercado interno, nossos comerciantes, esperava-se, não só poderiam comprá-las mais barato nas colônias, e consequentemente vendê-las com melhor lucro em seu país, mas estabelecer entre as colônias e os países estrangeiros um vantajoso negócio de transportes, do qual a Inglaterra deveria ser necessariamente o centro ou entreposto, como o país europeu para o qual essas mercadorias deveriam ser primeiro importadas. A importação de mercadorias da segunda espécie poderia ser controlada também, supunha-se, de modo a interferir não com a venda das de mesma espécie produzida no país, mas com as que eram importadas de países estrangeiros; porque, por meio das taxas adequadas, podem ser tornar sempre um pouco mais caras que as primeiras, e ainda assim bem mais baratas que as últimas. Confinando tais mercadorias ao mercado interno, foi proposto desencorajar o produto não da Inglaterra, mas de alguns países estrangeiros com que o balanço comercial era julgado desfavorável à Inglaterra.
A proibição de exportar, das colônias a qualquer outro país que não a Inglaterra, mastros, cordas, quilhas, alcatrão, piche e terebintina naturalmente tendia a baixar o preço da madeira nas colônias e consequentemente aumentar a despesa de desimpedir suas terras, principal obstáculo a seu desenvolvimento. Mas perto do começo deste século, em 1703, a companhia de alcatrão e piche da Suécia tentou elevar o preço de seus artigos na Grã-Bretanha, proibindo sua exportação, exceto nos próprios navios, a seu preço e nas quantidades que julgava adequadas. Para contrabalançar esta notável peça de política mercantil, e tornar-se o mais possível independente, não só da Suécia mas de todas as outras potências nórdicas, a Grã-Bretanha deu um incentivo sobre a importação de equipamento naval da América, e o efeito deste incentivo foi elevar o preço da madeira na América, muito mais que o confinamento ao mercado interno poderia baixá-lo; e como ambos os regulamentos foram decretados simultaneamente, seu efeito conjunto foi mais encorajar do que desencorajar o desmatamento na América.
Apesar de o ferro em barras e lingotes terem sido colocados entre as mercadorias enumeradas e, importados da América, estavam isentos de taxas consideráveis a que estão sujeitos quando importados de qualquer outro país, uma parte da regulamentação contribui mais para a ereção de fornos na América do que a outra para desencorajá-la. Não há manufatura que ocasione mais consumo de madeira que um forno, ou que possa contribuir tanto para o desmatamento de um país coberto de florestas.
A tendência de algumas destas regulamentações para elevar o valor da madeira na América, e assim facilitar o desmatamento da terra, não foi pretendida nem entendida pela legislatura. Não obstante seus efeitos benéficos neste ponto serem acidentais, não foram menos reais por isso.
A mais perfeita liberdade de comércio é permitida entre as colônias britânicas da América e as Índias Ocidentais, nas mercadorias enumeradas e não enumeradas. Essas colônias agora estão tão populosas e progressistas que cada uma delas acha em alguma das outras um grande e extenso mercado para toda parte de sua produção. Todas consideradas juntas, elas fazem um grande mercado interno para o produto umas das outras.
A liberalidade da Inglaterra, porém, para com o comércio de suas colônias foi confinada principalmente ao que concerne o mercado de seu produto, quer em seu estado bruto, ou no que pode ser chamado o primeiro estágio da manufatura. As manufaturas mais avançadas ou mais refinadas do produto colonial, os mercadores e manufatureiros ingleses escolhem reservar para si mesmos, e prevaleceram sobre a legislatura para prevenir seu estabelecimento nas colônias, por vezes por impostos elevados, por vezes por proibições absolutas.
Enquanto, por exemplo, os açúcares mascavos das plantações britânicas pagam para importação apenas 6s. 4d. o hundredweight; os açúcares brancos pagam £1 1s. 1d.; e refinados, duplos ou simples, em pães, £4 2s. 5 8/20d, Quando aquelas taxas elevadas foram impostas, a Grã-Bretanha era o único, e ainda continua a ser o principal mercado para o qual os açúcares das colônias britânicas podiam ser exportados. Resultava numa proibição, de início, de tratar ou refinar açúcar para qualquer mercado estrangeiro, e atualmente, de tratá-lo para o mercado, o que elimina talvez mais de nove décimos de toda a produção. A manufatura do tratamento ou refino do açúcar, se bem que floresceu em todas as colônias açucareiras da França, foi pouco cultivada nas da Inglaterra, exceto pelo mercado das colônias. Enquanto Granada estava nas mãos dos franceses, tinha uma refinaria de açúcar rudimentar ao menos, em quase toda plantação. Quando passou às mãos dos ingleses, quase todas as instalações foram abandonadas e atualmente, em outubro de 1773, estou seguro de que não há mais de duas ou três remanescentes. Porém, por uma indulgência da alfândega, o açúcar refinado, se reduzindo a pó, é comumente importado como mascavo.
Ao passo que a Grã-Bretanha encoraja na América as manufaturas de ferro em barra e em lingote, isentando-as de taxas a que tais artigos estão sujeitos quando importados de qualquer outro país, impõe uma proibição absoluta à ereção de fornos de aço e forjas em qualquer de suas colônias americanas. Não tolera que seus colonos trabalhem nas manufaturas mais refinadas mesmo para seu próprio consumo, mas insiste que comprem de seus comerciantes e manufatureiros todos os artigos deste tipo de que precisarem.
Proíbe a exportação de uma província para outra por água, e mesmo o transporte terrestre a cavalo ou em carroça, de chapéus, lãs e algodão, de produção americana; um regulamento que efetivamente previne o estabelecimento de qualquer manufatura de tais comodidades para venda a distância e confina a indústria de seus colonos assim a manufaturas grosseiras e caseiras que uma família geralmente faz para o próprio uso ou para o de alguns de seus vizinhos na mesma província.
Proibir um grande povo, porém, de fazer tudo o que pode de cada parte de sua produção, ou de empregar seu capital e indústria do modo que julgarem mais vantajoso para eles mesmos, é uma violação manifesta dos mais sagrados direitos da humanidade. Injusta, porém, como podem ser tais proibições, até agora não foram muito danosas para as colônias. A terra é ainda tão barata, e, consequentemente, o trabalho tão caro entre elas, que podem importar da terra-mãe quase todas as manufaturas mais refinadas ou mais adiantadas mais barato do que as poderiam fazer para si mesmos. Se não foram proibidos de estabelecer tais manufaturas, em seu atual estado de aperfeiçoamento, uma visão do próprio interesse provavelmente os impediria de fazê-lo. Em seu atual estado de progresso essas proibições, talvez, sem paralisar sua indústria, ou restringi-la de qualquer emprego para a qual se dirigiria por si só, são apenas rótulos impertinentes de servidão imposta, sem qualquer razão suficiente, pela inveja sem base dos comerciantes e manufatureiros da terra-mãe. Num estado mais avançado, poderiam ser realmente opressivas e insuportáveis.
A Grã-Bretanha também, ao confinar ao próprio mercado alguns dos produtos mais importantes das colônias, em compensação dá a algumas delas uma vantagem naquele mercado, por vezes impondo taxas mais altas sobre as produções semelhantes quando importadas de outros países, e por vezes dando incentivos sobre sua importação das colônias. Do primeiro modo, ela dá uma vantagem no mercado interno ao açúcar, tabaco e ferro das próprias colônias, e o segundo, à sua seda bruta, a seu cânhamo e linho, ao seu índigo, a seus equipamentos navais, e à sua madeira para construção. Esta segunda maneira de encorajar o produto das colônias por incentivos sobre a importação, até quanto pude depreender, peculiar à Grã-Bretanha. A primeira, não. Portugal não se contenta com impor taxas mais altas sobre a importação do tabaco de qualquer outro país, mas a proíbe sob as mais severas penalidades.
Em relação à importação de artigos da Europa, a Inglaterra igualmente tratou mais liberalmente com suas colônias do que qualquer outra nação.
A Grã-Bretanha permite que uma parte, quase a metade, geralmente uma porção maior, e por vezes o total da taxa que é paga sobre a importação de bens estrangeiros, seja removida sobre sua exportação a qualquer país estrangeiro. Nenhum país independente, foi fácil prever, as receberia se viessem a eles carregadas com as pesadas taxas a que quase todas as mercadorias estrangeiras são submetidas em sua importação para a Grã-Bretanha. A menos, portanto, que alguma parte daquelas taxas sobre a exportação fosse removida, haveria um fim ao comércio de transportes; um comércio muito favorecido pelo sistema mercantil.
Nossas colônias, porém, de modo algum são países estrangeiros; e a Grã-Bretanha, assumindo para si o direito exclusivo de fornecer-lhes todas as mercadorias europeias, poderia tê-las forçado (da mesma maneira que outros países fizeram com suas colônias) a receber tais mercadorias carregadas com todas aquelas mesmas taxas que pagam na terra-mãe. Mas ao contrário, até 1763, as mesmas isenções eram pagas sobre a exportação da maior parte dos bens estrangeiros a nossas colônias como a qualquer país estrangeiro independente. Em 1763, de fato, pelo 4º de Jorge III, cap. 15, esta indulgência foi bastante atenuada, e foi decretado “que parte alguma da taxa chamada subsídio velho seria removida para quaisquer artigos de cultivo, produção ou manufatura da Europa ou Índias Orientais, a ser exportados deste reino a qualquer colônia britânica ou plantação na América; à exceção de vinhos, algodões finos e musselinas”. Antes desta lei, muitas espécies de artigos diferentes podiam ser compradas mais barato nas colônias do que na terra-mãe, e com algumas ainda é assim.
Da maior parte das regulamentações concernentes ao comércio das colônias, os comerciantes que o exercem, deve ser observado, foram os principais conselheiros. Não devemos nos admirar, portanto, se na maior parte delas seu interesse foi mais considerado que o das colônias ou da terra-mãe. Em seu privilégio exclusivo de suprir as colônias com todos os artigos que queriam da Europa, e de comprar todas as partes de seu produto em excesso que não interferiria com qualquer negócio que exercem em seu país, o interesse das colônias foi sacrificado ao interesse daqueles comerciantes. Ao permitir as mesmas isenções para a reexportação da maior parte dos artigos europeus e das Índias Orientais para as colônias, bem como sua reexportação para qualquer país independente, o interesse da terra-mãe foi sacrificado, mesmo de acordo com as ideias mercantis daquele interesse. Foi do interesse dos comerciantes pagar o mínimo possível pela mercadoria estrangeira que enviavam às colônias e, consequentemente, obter de volta tanto quanto possível das taxas que adiantavam sobre a sua importação para a Grã-Bretanha. Com isto poderiam vender nas colônias a mesma quantidade de mercadoria com maior lucro, ou maior quantidade com o mesmo lucro, e consequentemente ganhar de uma maneira ou de outra. Igualmente foi para o interesse das colônias conseguir todas essas mercadorias tão barato e na maior abundância possível. Mas isto poderia não ser sempre para o interesse da terra-mãe. Esta poderia sofrer frequentemente em seus rendimentos, devolvendo grande parte das taxas pagas sobre a importação das mercadorias; e em suas manufaturas, vencida pelo baixo preço no mercado colonial, em consequência das facilidades com que as mercadorias estrangeiras poderiam ser carregadas para lá por meio dessas isenções. O progresso da manufatura de linho da Grã-Bretanha, costuma-se dizer, foi bastante retardado pelas isenções sobre a reexportação do linho alemão para as colônias americanas.
Mas se a política da Grã-Bretanha em relação ao comércio de suas colônias foi ditada pelo mesmo espírito mercantil de outras nações, no todo, foi menos iliberal e opressiva do que com qualquer delas.
Em tudo, exceto seu comércio exterior, a liberdade dos colonos ingleses para dirigir seus próprios negócios é completa. Em todo aspecto é igual à de seus concidadãos ingleses, e garantida da mesma maneira por uma assembleia de representantes do povo, que reclamam unicamente o privilégio de impor taxas para apoiar o governo colonial. A autoridade desta assembleia sobrepuja o poder executivo, e nem o mais mesquinho nem o mais obnóxio colono, enquanto obedecer à lei, nada tem a temer do ressentimento, quer do governador, quer de algum outro oficial civil ou militar da província. As assembleias das colônias, porém, como a Câmara dos Comuns na Inglaterra, não são sempre uma representação muito equitativa do povo, se bem que se aproximam mais daquele caráter; e como o poder executivo não tem meios para corrompê-las, ou por conta do apoio que recebe da terra-mãe, não tem a necessidade de fazê-lo, são talvez mais influenciadas pelas inclinações de seus constituintes. Os conselhos que, nas legislaturas das colônias, correspondem à Câmara dos Comuns na Grã-Bretanha, não são compostos de uma nobreza hereditária. Em algumas das colônias, como em três dos governos da Nova Inglaterra, esses conselhos não são nomeados pelo rei, mas escolhidos pelos representantes do povo. Em nenhuma das colônias inglesas há uma nobreza hereditária. Em todas elas, de fato, como em todos os países livres, o descendente de uma antiga família de colonos é mais respeitado que um recém-chegado de igual mérito e fortuna, mas ele é apenas mais respeitado, e não tem privilégios pelos quais possa causar problemas a seus vizinhos. Antes do começo dos atuais distúrbios, as assembleias coloniais não só tinham o poder legislativo, mas uma parte do poder executivo. Em Connecticut e Rhode Island, elegeram o governador. Nas outras colônias, apontaram os oficiais das rendas que coletavam as taxas impostas por aquelas assembleias, perante as quais aqueles funcionários eram imediatamente responsáveis. Há mais igualdade, portanto, entre os colonos ingleses do que entre os habitantes da terra-mãe. Seus costumes são mais republicanos e seus governos, os de três das províncias da Nova Inglaterra em particular, até agora têm sido mais republicanos também.
Os governos absolutistas da Espanha, Portugal e França, ao contrário, têm lugar em suas colônias; e os poderes discricionários que tais governos comumente delegam a todos os seus funcionários inferiores são, por causa da grande distância, naturalmente exercidos lá com mais que a violência comum. Sob todos os governos absolutistas há mais liberdade na capital do que em qualquer parte do país. O próprio soberano pode não ter interesse ou inclinação para perverter a ordem da justiça ou oprimir o grande corpo do povo. Na capital, a sua presença sobrepuja mais ou menos a todos os seus inferiores que, nas províncias mais remotas, de onde as queixas do povo têm menos probabilidade de atingi-lo, podem exercer sua tirania com muito mais segurança. Mas as colônias europeias na América são mais remotas que as províncias mais distantes dos maiores impérios antes conhecidos. O governo das colônias inglesas é talvez o único que, desde o começo do mundo, pode dar perfeita segurança aos habitantes de província tão longínqua. A administração das colônias francesas, porém, sempre foi conduzida com mais delicadeza e moderação do que as da Espanha e Portugal. Esta superioridade de conduta é adequada tanto ao caráter da nação francesa quanto ao que forma o caráter de toda nação, a natureza de seu governo, que, embora arbitrário e violento em comparação com o da Grã-Bretanha, é legal e livre em comparação com os da Espanha e Portugal.
É no progresso das colônias norte-americanas, porém, que a superioridade da política inglesa mais se destaca. O progresso das colônias açucareiras da França foi pelo menos igual, talvez superior, ao da maior parte das da Inglaterra, e ainda as colônias açucareiras inglesas gozam de um governo livre quase da mesma espécie daquele que tem lugar nas colônias norte-americanas. Mas as colônias de açúcar da França não são desencorajadas, como as da Inglaterra, de refinar seu próprio açúcar, e, o que é ainda de maior importância, o gênio de seu governo naturalmente introduz um melhor governo de seus escravos negros.
Em todas as colônias europeias, a cultura da cana de açúcar é exercida por escravos negros. A constituição dos que nascem no clima temperado da Europa não poderia, supõe-se, suportar o trabalho de cavar o chão sob o sol calcinante das Índias Ocidentais; e a cultura da cana de açúcar, como é administrada atualmente, é trabalho braçal, se bem que, na opinião de muitos, o arado poderia ser introduzido nela com grande vantagem. Mas, como o lucro e sucesso do cultivo exercido por meio de gado depende muito no bom cuidado do gado, o lucro e o sucesso do que é feito por escravos deve depender igualmente no bom cuidado destes escravos; e na boa administração de seus escravos os plantadores franceses, creio que geralmente se admite, são superiores aos ingleses. A lei, enquanto dá alguma fraca proteção ao escravo contra a violência de seu senhor, provavelmente será melhor executada numa colônia onde o governo é arbitrário em medida maior do que numa onde é totalmente livre. Em todo país onde a desgraçada lei da escravidão é estabelecida, o magistrado, ao proteger o escravo, intromete-se em alguma medida na propriedade particular do senhor, e num país livre, onde o senhor poderá ser membro da assembleia da colônia, ou um eleitor de um destes membros, não se atreverá a fazer isso senão com o maior cuidado e circunspecção. O respeito que é obrigado a mostrar ao proprietário torna-lhe mais difícil proteger o escravo. Mas num país onde o governo é em grande medida arbitrário, onde é usual para o magistrado intrometer-se mesmo no governo da propriedade privada dos indivíduos e enviar-lhes, talvez, se não administram de acordo com seu gosto, uma lettre de cachet, é muito mais fácil para ele dar alguma proteção ao escravo, e a comum humanidade naturalmente o dispõe a fazê-lo. A proteção do magistrado torna o escravo menos desprezível aos olhos de seu senhor, que assim é induzido a considerá-lo mais e tratá-lo com mais gentileza. O trato gentil torna o escravo não só mais fiel, mas mais inteligente, e, portanto, duplamente mais útil. Aproxima-se mais da condição de servo livre e pode possuir algum grau de integridade e apego ao interesse de seu senhor, virtudes que frequentemente pertencem a servos livres, mas que nunca podem pertencer a um escravo que é tratado como nos países onde o senhor fica perfeitamente livre e seguro.
Que a condição de um escravo é melhor sob um governo arbitrário do que livre é, creio eu, apoiada pela história de todas as eras e nações. Na história romana, a primeira vez que lemos do magistrado interpondo-se para proteger o escravo da violência de seu senhor, é sob os imperadores. Quando Vedius Pollio, na presença de Augusto, ordenou que um de seus escravos, que cometera uma falta leve, fosse cortado em pedaços e lançado em seu tanque de peixes para alimentá-los, o imperador ordenou-lhe, com indignação, que emancipasse imediatamente não só aquele escravo, mas todos os outros que lhe pertenciam. Sob a república, nenhum magistrado poderia ter tido autoridade suficiente para proteger o escravo, muito menos para punir o seu senhor.
O capital, deve-se observar, que promoveu as colônias de açúcar da França, particularmente a colônia de Santo Domingo, foi levantado quase inteiramente do aperfeiçoamento e cultivo daquelas colônias. Foi quase totalmente o produto do solo e da indústria das colônias, ou, o que dá no mesmo, o preço daquele produto gradualmente acumulado pela boa administração, e empregado em levantar uma produção ainda maior. Mas o capital que aperfeiçoou e cultivou as colônias de açúcar da Inglaterra, em grande parte, foi enviado da Inglaterra, e de modo algum tem sido inteiramente o produto do solo e da indústria dos colonos. A prosperidade das colônias de açúcar inglesas, em grande parte, tem sido devida às grandes riquezas da Inglaterra, das quais uma parte transbordou, se assim se pode dizer, para estas colônias. Mas a prosperidade das colônias açucareiras francesas deveu-se inteiramente à boa conduta dos colonos, que portanto devem ter alguma superioridade sobre à dos ingleses, e esta superioridade foi observada principalmente na boa direção de seus escravos.
Tais foram as diretrizes gerais da política das várias nações europeias em relação às suas colônias.
A política da Europa, portanto, tem muito pouco do que se gabar, quer no estabelecimento original, ou tanto quanto concerne a seu governo interno, na subsequente prosperidade das colônias da América.
A insensatez e a injustiça parecem ter sido os princípios que presidiram e dirigiram o primeiro projeto de estabelecer essas colônias; a loucura da cata de minas de ouro e prata, e a injustiça de cobiçar a posse de uma terra cujos nativos inofensivos, longe de terem feito mal ao povo da Europa, receberam os primeiros aventureiros com todo sinal de bondade e hospitalidade.
Os aventureiros, de fato, que formaram alguns dos últimos estabelecimentos, juntaram ao projeto quimérico de achar minas de ouro e prata outros motivos mais razoáveis e louváveis, mas mesmo estes motivos honram muito pouco a política da Europa.
Os puritanos ingleses, restringidos em seu país, procuraram a liberdade na América e estabeleceram lá os quatro governos da Nova Inglaterra. Os católicos ingleses, tratados com muito maior injustiça, estabeleceram o de Maryland; os quakers, o da Pensilvânia. Os judeus portugueses, perseguidos pela Inquisição, despojados de suas fortunas e banidos para o Brasil, introduziram, por seu exemplo, alguma espécie de ordem e indústria entre os vilões e canalhas que foram os habitantes originais daquela colônia e ensinaram-lhes a cultura da cana de açúcar. Em todas essas diferentes ocasiões, não foram a sabedoria e a política, mas a desordem e a injustiça dos governos europeus que povoaram e cultivaram a América.
Ao efetuar alguns dos mais importantes destes estabelecimentos, os diversos governos da Europa tiveram tão pouco mérito quanto em projetá-los. A conquista do México foi o projeto não do conselho da Espanha, mas de um governador de Cuba, e foi efetivada pelo espírito do aventureiro ousado, a quem foi confiada, a despeito de tudo o que aquele governador, que logo se arrependeu de ter confiado em tal pessoa, poderia fazer para desviar. Os conquistadores do Chile e Peru, e de quase toda outra colônia espanhola no continente da América, não levaram consigo nenhum encorajamento público, mas uma permissão geral para estabelecer colônias e conquistas em nome do rei da Espanha. Estas aventuras eram todas ao risco e despesa particulares dos aventureiros. O governo da Espanha mal contribuiu com algo para qualquer um deles. O da Inglaterra contribuiu um pouco para efetivar o estabelecimento de algumas de suas colônias mais importantes na América do Norte.
Quando aqueles estabelecimentos foram implantados, e tornaram-se consideráveis a ponto de atrair a atenção da terra-mãe, as primeiras leis que esta fez em relação a elas sempre teve em vista assegurar o monopólio de seu comércio; confinar seu mercado e ampliar o próprio, às expensas delas, e consequentemente amortecer e desencorajar do que acelerar e impelir o curso de sua prosperidade. Nas diferentes maneiras pelas quais este monopólio foi exercido consiste uma das principais diferenças na política das várias nações europeias em relação às suas colônias. A melhor de todas, a da Inglaterra, é só um pouco menos iliberal e opressiva que qualquer das outras.
De que modo, então, a política europeia contribuiu quer para a implantação, quer para a presente grandeza das colônias da América? De um modo, e só neste, contribuiu bastante. Magna virum Mater! Gerou e formou os homens capazes de cumprir tais grandes ações e de assentar as fundações de tamanho império; e não há canto do mundo cuja política seja capaz de formar, ou que esteja formando, ou tenha formado tais homens. As colônias devem à política da Europa a educação e ampla visão de seus fundadores ativos e empreendedores; e alguns dos maiores e mais importantes deles, no que concerne a seu governo interno, devem a ela quase nada.
PARTE 3
DAS VANTAGENS QUE A EUROPA DERIVOU DA DESCOBERTA DA AMÉRICA E DA DE UMA PASSAGEM ÀS ÍNDIAS ORIENTAIS PELO CABO DA BOA ESPERANÇA Tais são as vantagens que as colônias da América derivaram da política da Europa.
Quais são aquelas que a Europa derivou da descoberta e colonização da América?
Estas vantagens podem ser divididas, primeiro, nas vantagens gerais que a Europa, considerada como um só grande país, derivou daqueles grandes eventos; e segundo, das vantagens particulares que cada país colonizador derivou das colônias que lhe pertencem em particular, em consequência da autoridade ou domínio que exerce sobre elas.
As vantagens gerais que a Europa, considerada como um só grande país, derivou da descoberta e colonização da América consistem, primeiro, no aumento de seus rendimentos e, segundo, no aumento de sua indústria.
O produto em excesso da América, importado para a Europa, fornece aos habitantes deste grande continente uma grande variedade de mercadorias que de outro modo não poderiam possuir; algumas para conveniência e uso, outras para prazer, e algumas para ornamento, assim contribuindo para aumentar seu desfrute.
A descoberta e colonização da América, pode-se logo conceder, contribuíram para aumentar a indústria, primeiro, de todos os países que comerciam com ela diretamente, assim como Espanha, Portugal, França e Inglaterra, e, segundo, de todos aqueles que, sem comerciar com ela diretamente, enviam, por meio de outros países, mercadorias de sua própria produção, assim como a Flandres austríaca e algumas províncias da Alemanha que, por meio dos países acima mencionados, enviam a ela considerável quantidade de linho e outros bens. Todos estes países evidentemente ganharam um mercado mais extenso para seu excesso de produção e consequentemente devem ter sido encorajados para aumentar sua quantidade.
Mas que aqueles grandes eventos analogamente pudessem ter contribuído para encorajar a indústria de países assim como Hungria e Polônia, que talvez nunca enviaram uma só mercadoria de sua própria produção para a América, não seria totalmente evidente que estes eventos o fizeram, porém não se pode duvidar. Alguma parte do produto da América é consumida na Hungria e Polônia, e lá há alguma demanda para o açúcar, chocolate e tabaco daquele novo canto do mundo. Mas aquelas mercadorias precisam ser compradas com algo que seja produto da Hungria e Polônia ou com algo que foi comprado com alguma parte daquele produto. Essas mercadorias da América são novos valores, novos equivalentes, introduzidos na Hungria e na Polônia, para aí serem trocados pelo produto em excesso daqueles países. Sendo levadas para lá, criam um novo e mais extenso mercado para aquela produção em excesso. Elevam seu valor e, assim, contribuem para encorajar seu aumento. Mesmo que nenhuma parte dele seja levada para a América, pode ser levada a outros países que a compram com uma parte de sua fração do excesso de produção da América e pode encontrar mercado por meio da circulação daquele mercado que originalmente foi posto em movimento pelo produto excedente da América.
Aqueles grandes eventos podem mesmo ter contribuído para elevar os rendimentos e aumentar a indústria dos países que não só nunca enviaram mercadorias para a América, mas nunca receberam nenhuma dela. Mesmo tais países podem ter recebido uma maior abundância de suas comodidades de países cujo excedente de produção foi aumentado por meio do comércio americano. Esta maior abundância, como deve necessariamente ter aumentado seus rendimentos, analogamente deve ter aumentado sua indústria. Um maior número de novos equivalentes de uma ou outra espécie deve ter-lhes sido apresentado para ser trocado pelo produto em excesso daquela indústria. Um mercado mais extenso deve ter sido criado para aquele produto em excesso, para elevar seu valor e assim encorajar seu aumento. A massa de mercadorias anualmente lançada no grande círculo do comércio europeu, e por suas várias revoluções anualmente distribuídas entre todas as diferentes nações nele compreendidas, deve ter sido aumentada por toda a produção em excesso da América. Uma maior fração desta massa, portanto, pode recair para cada uma destas nações, aumentando seus rendimentos e sua indústria.
O comércio exclusivo da terra-mãe tende a diminuir ou pelo menos manter baixos o que de outro modo deveriam elevar: os rendimentos e a indústria de todas aquelas nações, em geral, e das colônias americanas, em particular. É um peso morto sobre a ação de uma das maiores molas que põe em movimento grande parte dos negócios da humanidade. Tornando o produto da colônia mais caro em todos os outros países, reduz seu consumo, assim obstaculando a indústria das colônias e os rendimentos e indústria de todos os outros países, que fruem menos quando pagam mais pelo que fruem, e produzem menos quando recebem menos pelo que produzem. Tornando o produto de todos os outros países mais caro nas colônias, obstacula da mesma maneira a indústria de todos os outros países, e tanto os rendimentos como a indústria das colônias. É uma válvula que, para o suposto benefício de alguns países em particular, embaraça os prazeres e impede a indústria de todos os outros. Não só exclui, tanto quanto possível, todos os outros países de um mercado em particular, mas confina, tanto quanto possível, as colônias em um mercado em particular; e a diferença é muito grande entre ser excluído de um mercado em particular, quando todos os outros estão abertos, e ser confinado em um mercado em particular, quando todos os outros estão fechados. A produção em excesso das colônias, entretanto, é a fonte original de todo aquele aumento de rendimentos e indústria que a Europa deriva da descoberta e colonização da América; e o comércio exclusivo das terras-mães tende a tornar esta fonte muito menos abundante do que de outro modo seria.
As vantagens particulares que cada país colonizador deriva das colônias que lhe pertencem são de dois tipos diferentes: primeiro, aquelas vantagens comuns que todo império deriva das províncias sujeitas ao seu domínio; segundo, aquelas vantagens peculiares que se supõe resultar das províncias de natureza tão peculiar quanto as colônias europeias da América.
As vantagens comuns que todo império deriva das províncias sujeitas ao seu domínio consistem, primeiro, na força militar que fornecem para sua defesa; segundo, na renda que fornecem para apoiar seu governo civil. As colônias romanas forneceram ocasionalmente um e outro. As colônias gregas por vezes forneceram força militar, mas dificilmente qualquer renda. Raramente se reconheciam súditos do domínio da cidade-mãe. Geralmente eram seus aliados na guerra, mas mui raramente seus súditos na paz.
As colônias europeias na América ainda não forneceram qualquer força militar para a defesa da terra-mãe. Sua força militar ainda não chegou a ser suficiente para sua própria defesa; e nas várias guerras em que as terras-mães se engajaram, a defesa de suas colônias geralmente ocasionou uma considerável divisão da força militar daqueles países. Neste aspecto, portanto, todas as colônias europeias, sem exceção, foram mais uma causa de fraqueza do que de força para suas respectivas terras-mães.
As colônias da Espanha e Portugal só contribuíram com alguma renda para a defesa da terra-mãe ou para apoiar seu governo civil. As taxas que foram levantadas nas de outras nações europeias, as da Inglaterra, em particular, raramente se igualaram à despesa com elas em tempo de paz, e nunca o suficiente para custear a que ocasionaram em tempo de guerra. Tais colônias, portanto, foram fonte de despesa e não de renda para suas respectivas terras-mães.
As vantagens de tais colônias para suas respectivas terras-mães consistem totalmente naquelas vantagens peculiares que se supõem resultar das províncias de natureza tão especial quanto as colônias europeias da América; e o comércio exclusivo, reconhece-se, é a única fonte de todas aquelas vantagens especiais.
Em consequência deste comércio exclusivo, toda aquela parte do excesso de produção das colônias inglesas, por exemplo, que consiste nas chamadas mercadorias enumeradas, não pode ser enviada a outro país que não a Inglaterra. Outros países devem comprá-la depois. Deve portanto ser mais barata na Inglaterra do que em qualquer outro país e deve contribuir mais para aumentar a fruição da Inglaterra do que de qualquer outro país. Analogamente deve contribuir mais para encorajar a sua indústria, pois por todas aquelas partes de seu próprio excesso de produção que a Inglaterra troca por aquelas mercadorias enumeradas, precisa conseguir um preço melhor do que qualquer outro país pode conseguir por partes iguais das deles, quando as trocam pelas mesmas mercadorias. As manufaturas da Inglaterra, por exemplo, comprarão uma maior quantidade do açúcar e tabaco de suas próprias colônias do que as manufaturas análogas de outros países que podem comprar daquele açúcar e tabaco. Assim, como as manufaturas da Inglaterra e as de outros países têm de ser trocadas pelo açúcar e tabaco das colônias inglesas, esta superioridade de preço dá encorajamento à primeira além do que a segunda pode desfrutar, nestas circunstâncias. O comércio exclusivo das colônias, portanto, diminui ou mantém-se abaixo do que de outro modo atingiriam a fruição e indústria dos países que não o possuem; assim, dá uma vantagem evidente aos países que o detêm em relação aos outros países.
Esta vantagem, porém, se mostrará mais relativa do que absoluta; e para dar uma superioridade ao país que dela desfruta, deprimindo a indústria e a produção de outros países, em vez de elevar as daquele país em particular acima do que atingiriam naturalmente no caso de um comércio livre.
O tabaco de Maryland e Virgínia, por exemplo, por meio do monopólio que a Inglaterra detém, certamente chega mais barato à Inglaterra do que à França, para quem a Inglaterra comumente vende parte considerável dele. Mas se a França e todos os outros países europeus sempre pudessem ter tido comércio livre com Maryland e Virgínia, o tabaco destas colônias poderia, a esta altura, chegar mais barato não só a todos esses outros países, mas também à Inglaterra. A produção de tabaco, em consequência de um mercado tão mais extenso do que qualquer que tenha desfrutado até agora, poderia, a esta altura, ter aumentado a ponto de reduzir os lucros de uma plantação de tabaco a seu nível normal como uma plantação de trigo, acima da qual ainda se supõe que estejam. O preço do tabaco poderia, e provavelmente teria, a esta altura, caído um pouco abaixo do que é atualmente. Uma quantidade igual das mercadorias da Inglaterra ou daqueles outros países poderia ter comprado em Maryland e Virgínia uma quantidade de tabaco maior do que pode atualmente e, consequentemente, ser vendida lá por um preço igualmente melhor. Enquanto essa semente, portanto, por seu baixo preço e abundância pode aumentar as fruições ou aumentar a indústria quer da Inglaterra, quer de qualquer outro país, provavelmente, no caso de um comércio livre, teria produzido ambos estes efeitos num grau um pouco maior do que pode presentemente. A Inglaterra, de fato, neste caso não teria nenhuma vantagem sobre outros países. Poderia comprar o tabaco de suas colônias um pouco mais barato e consequentemente venderia algumas de suas mercadorias um pouco mais caras do que atualmente o faz. Mas não poderia comprar uma mais barata e vender a outra mais cara do que qualquer outro país poderia fazer. Poderia, quiçá, ter ganho uma vantagem absoluta, mas perderia uma relativa.
No entanto, para obter esta vantagem relativa no comércio colonial, para executar o projeto insidioso e maligno de excluir ao máximo outras nações de qualquer parte nele, a Inglaterra, e há razões muito prováveis para crer, não só sacrificou parte da vantagem absoluta que ela, bem como toda outra nação, poderia derivar daquele comércio, mas sujeitou-se a uma desvantagem absoluta e relativa em quase qualquer outro ramo do comércio.
Quando, pela Lei da Navegação, a Inglaterra assumiu o monopólio do comércio das colônias, os capitais estrangeiros que antes foram empregados nele necessariamente foram retirados. O capital inglês, que antes exercera somente parte dele, agora tinha de exercê-lo inteiramente. O capital que antes suprira as colônias apenas com uma parte dos bens que desejavam da Europa era agora tudo o que era empregado para suprir-lhes com o todo. Mas não conseguia suprir-las de tudo, e as mercadorias que conseguia suprir eram necessariamente vendidas muito caro. O capital que antes comprava apenas parte da produção em excesso das colônias agora era todo empregado para comprar o todo. Mas não podia comprar tudo sequer perto do preço antigo, e, portanto, o que quer que comprasse teria de ser muito barato. Mas num emprego de capital em que o mercador vendia muito caro e comprava muito barato, o lucro precisaria ser muito grande, e muito acima do nível ordinário de lucro em outros ramos do comércio. Esta superioridade do lucro no comércio com as colônias não poderia deixar de tirar de outros ramos do comércio uma parte do capital que antes fora empregada neles. Mas esta revulsão do capital, que deve ter aumentado gradualmente a competição de capitais no comércio colonial, deve ter gradualmente diminuído aquela competição em todos os outros ramos do comércio, pois deve ter gradualmente baixado os lucros de um para gradualmente elevar os lucros de outro, até que os lucros de todos chegassem a um novo nível, diferente e um pouco mais alto do que antes.
Este duplo efeito de retirar capital de outros negócios e elevar a taxa de lucro um pouco acima do que poderia em todos os outros não só foi produzido por este monopólio sobre seu primeiro estabelecimento, mas continuou a ser produzido por ele desde então.
Primeiro, este monopólio continuamente tem removido capital de todos os outros negócios a ser empregado no das colônias.
Se bem que a riqueza da Grã-Bretanha tenha aumentado muito desde o estabelecimento da Lei da Navegação, certamente não aumentou na mesma proporção que a das colônias. Mas o comércio exterior de todo país naturalmente aumenta em proporção à sua riqueza, seu produto em excesso, em proporção a seu produto total; e a Grã-Bretanha, tendo açambarcado quase tudo do que pode ser chamado comércio exterior das colônias, e seu capital não tendo aumentado na mesma proporção que a extensão daquele comércio, não podia exercê-lo sem continuamente remover de outros ramos do comércio parte do capital que antes fora empregado neles, bem como retirar-lhes muito mais do que de outro modo lhes seria destinado. Desde o estabelecimento da Lei da Navegação, correspondentemente, o comércio das colônias tem aumentado continuamente, ao passo que muitos outros ramos do comércio exterior, particularmente para outras partes da Europa, têm continuamente decaído. Nossas manufaturas para vendas ao exterior, em vez de adequar-se, como antes da Lei da Navegação, ao mercado vizinho da Europa, ou ao mais distante, dos países em torno do mar Mediterrâneo, na sua maioria, acomodaram-se ao ainda mais distante das colônias, ao mercado onde têm o monopólio, em vez daquele onde têm muitos competidores. As causas do decaimento de outros ramos do comércio exterior, que, de acordo com sir Matthew Decker e outros autores, origina-se no modo de taxação, excessivo e inadequado, no alto preço do trabalho, no aumento do luxo etc., podem ser todas encontradas no supercrescimento do comércio das colônias. O capital mercantil da Grã-Bretanha, se bem que muito grande, não sendo infinito, e se bem que grandemente aumentado desde a Lei da Navegação, não aumentando na mesma proporção que o comércio colonial, aquele comércio possivelmente não poderia se dar sem retirar alguma parte daquele capital de outros ramos do comércio, nem consequentemente sem alguma decadência daqueles outros ramos.
A Inglaterra, deve-se observar, era um grande país mercantil, e provável de se tornar maior a cada dia, não só antes da Lei da Navegação ter estabelecido o monopólio do comércio colonial, mas antes deste comércio se tornar considerável. Na guerra holandesa, durante o governo de Cromwel, sua marinha era superior à holandesa, e naquela que irrompeu no começo do reinado de Carlos II, era pelo menos igual, talvez superior, às marinhas unidas de França e Holanda. Sua superioridade, talvez, dificilmente pareceria maior em nossos dias; ao menos se a marinha holandesa mantivesse a mesma proporção com o comércio que tinha então. Mas esta grande potência naval não poderia, em nenhuma daquelas guerras, ser devida à Lei da Navegação. Durante a primeira delas, o plano daquela lei mal estava formado; e muito embora antes do irrompimento da segunda estivesse totalmente decretada por autoridade legal, nenhuma parte dela teria tido tempo para causar qualquer efeito considerável, e muito menos aquela parte que estabelecia o comércio exclusivo com as colônias. Tanto as colônias como seu comércio eram desprezíveis então em comparação com o que são agora. A ilha da Jamaica era um deserto, pouco habitada e menos cultivada. Nova York e Nova Jersey estavam nas mãos dos holandeses; metade de São Cristóvão, nas dos franceses. A ilha de Antigua, as duas Carolinas, a Pensilvânia, a Geórgia e Nova Escócia não estavam implantadas. Virgínia, Maryland e Nova Inglaterra estavam implantadas, e, mesmo não sendo colônias muito prósperas, não havia talvez, na Europa ou América, uma só pessoa que previsse ou sequer suspeitasse o rápido progresso que desde então fizeram em riqueza, população e aperfeiçoamentos. A ilha de Barbados, em suma, era a única colônia britânica de certa importância cuja condição da época tinha qualquer semelhança com o que é atualmente. O comércio das colônias, do qual a Inglaterra, mesmo algum tempo após a Lei da Navegação, participou apenas em parte (pois esta lei só foi executada estritamente vários anos após ter sido decretada), naquela época não poderia ter sido a causa do grande comércio inglês, nem da grande potência naval que era apoiada por aquele comércio. O comércio que naquela época apoiava aquela grande potência naval era o comércio da Europa e dos países à volta do Mar Mediterrâneo. Mas a fração que a Grã-Bretanha atualmente desfruta daquele comércio não poderia suportar qualquer grande potência naval. Se o crescente comércio das colônias tivesse sido deixado livre para todas as nações, qualquer que fosse sua fração que tivesse recaído para a Grã-Bretanha, e uma fração bastante considerável lhe teria recaído, deveria ter sido uma adição a este grande comércio que antes ela possuía. Em consequência do monopólio, o crescimento do comércio colonial não ocasionou tanto uma adição ao comércio que a Inglaterra tinha antes, mas uma total mudança em sua direção.
Segundo, este monopólio necessariamente contribuiu para manter elevada a taxa de lucro em todos os ramos do comércio inglês acima do que naturalmente teria sido, se todas as nações pudessem ter comércio livre com as colônias britânicas.
O monopólio do comércio colonial, como necessariamente atraiu para aquele comércio uma maior proporção do capital inglês do que para lá iria naturalmente, pela expulsão de todo capital estrangeiro, necessariamente reduziu toda a quantidade de capital empregada naquele comércio abaixo do que naturalmente seria no caso de comércio livre. Mas, reduzindo a competição de capitais naquele ramo do comércio, necessariamente elevou a taxa do lucro britânico em todos aqueles ramos do comércio. Qualquer que possa ter sido, em qualquer período particular, desde o estabelecimento da Lei da Navegação, o estado ou a extensão do capital mercantil inglês, o monopólio do comércio colonial deve, durante a continuação daquele estado, ter elevado a taxa ordinária do lucro britânico mais do que ocorreria naquele e em todos os outros ramos do comércio. Se, desde o estabelecimento da Lei da Navegação, a taxa ordinária do lucro britânico caiu consideravelmente, como certamente caiu, deve ter caído ainda mais, se o monopólio estabelecido por aquela lei não tivesse contribuído para mantê-lo alto.
Mas o que quer que eleve em qualquer país a taxa ordinária de lucro acima do que seria de outro modo, necessariamente, sujeita aquele país a uma desvantagem absoluta e relativa em todo ramo do comércio de que não tenha o monopólio.
Sujeita-o a uma desvantagem absoluta, porque em tais ramos de comércio, seus mercadores não podem atingir este maior lucro sem vender mais caro do que os artigos de países estrangeiros que importam, e os artigos do próprio país que exportam. O próprio país deve comprar mais caro e vender mais caro; deve comprar menos e vender menos; ambos desfrutam de menos e produzem menos, do que seria de outra forma.
Sujeita-o a uma desvantagem relativa, porque em tais ramos de comércio coloca outros países que não estão sujeitos à mesma desvantagem absoluta muito acima ou muito abaixo dele do que seria de outra forma. Permite a ambos fruir mais e produzir mais em proporção ao que desfruta e produz. Torna a sua superioridade maior ou sua inferioridade menor do que poderia ser, permitindo aos comerciantes de outros países vender mais barato em mercados estrangeiros, e assim afastá-lo de quase todos os ramos do comércio do qual não tem o monopólio.
Nossos comerciantes frequentemente queixam-se dos altos salários do trabalho inglês como a causa de suas manufaturas serem vencidas no preço em mercados estrangeiros, mas silenciam sobre os altos lucros de capital. Reclamam do ganho extravagante de outras pessoas, mas nada dizem dos próprios. Os altos lucros do capital britânico, porém, podem contribuir para elevar o preço das manufaturas inglesas em muitos casos tanto, e em alguns ainda mais, que os altos salários da mão de obra.
É desta maneira que o capital inglês, pode-se dizer justamente, foi parcialmente retirado e parcialmente removido da maior parte dos ramos de comércio do qual não tem o monopólio; do comércio europeu, em particular, e dos países do Mediterrâneo.
Foi parcialmente removido daqueles ramos do comércio pela atração do lucro superior na colônia, em consequência do aumento contínuo daquele comércio e da contínua insuficiência de capital que o exerceu num ano, para continuá-lo no próximo.
Foi parcialmente removido deles pela vantagem que o alto lucro estabelecido na Grã-Bretanha dá a outros países em todos os ramos de comércio do qual ela não tem o monopólio.
Como o monopólio do comércio colonial foi tirado daqueles outros ramos como parte do capital britânico que, de outro modo, estaria empregado neles, foram forçados para ele muitos capitais estrangeiros que nunca seriam dedicados a eles se não fossem expulsos do comércio colonial. Nos outros ramos, diminuiu a competição do capital britânico, assim elevando a taxa do lucro acima do que poderia ser. Pelo contrário, aumentou a competição do capital estrangeiro, assim diminuindo a taxa de lucro abaixo do que poderia ser. De um modo e de outro, evidentemente deve ter sujeitado a Inglaterra a uma desvantagem relativa em todos aqueles outros ramos do comércio.
O comércio da colônia, porém, talvez possa ser dito, é mais vantajoso para a Inglaterra do que qualquer outro; e o monopólio, forçando naquele comércio uma proporção maior do capital da Grã-Bretanha do que de outra forma iria para ele, destinou aquele capital a um emprego mais vantajoso ao país do que qualquer outro que poderia ter encontrado.
O emprego mais vantajoso de qualquer capital para o país ao qual pertence é o que mantém lá a maior quantidade de trabalho produtivo e aumenta ao máximo o produto anual da terra e o trabalho daquele país. Mas a quantidade de trabalho produtivo que qualquer capital empregado no comércio exterior de consumo pode manter está exatamente na proporção, foi mostrado no segundo livro, à frequência de seu retorno. Um capital de mil libras, por exemplo, empregado num comércio exterior de consumo, cujo retorno se dá regularmente uma vez por ano, pode manter em constante emprego, no país ao qual pertence, uma quantidade de trabalho produtivo igual ao que mil libras podem manter lá por um ano. Se os retornos são feitos duas ou três vezes ao ano, pode manter constantemente empregada uma quantidade de trabalho produtivo igual ao que duas ou três mil libras podem manter lá por um ano. Um mercado externo de consumo exercido num país vizinho, por causa disto, é em geral mais vantajoso do que um exercido num país distante; e pela mesma razão um mercado externo direto de consumo, como igualmente foi mostrado no segundo livro, é em geral mais vantajoso que um indireto.
Mas o monopólio do comércio colonial, enquanto opera no emprego do capital britânico, em todos os casos forçou alguma parte dele de algum comércio externo de consumo exercido com um país vizinho, para ser exercido com um mais distante, e, em muitos casos, de um mercado externo direto de consumo para um indireto.
Primeiro, o monopólio do comércio colonial em todos os casos forçou alguma parte do capital da Grã-Bretanha para fora de algum comércio externo de consumo exercido com algum país vizinho, para um com um país mais distante.
Em todos os casos, forçou alguma parte daquele capital para fora do mercado com a Europa e com os países do Mediterrâneo, para as regiões mais distantes da América e Índias Ocidentais, de onde os retornos são necessariamente menos frequentes, não só por causa da grande distância, mas por causa das circunstâncias peculiares daqueles países. Novas colônias, já foi observado, sempre têm falta de capital. É sempre muito inferior ao que poderiam empregar com grande lucro e vantagem na melhoria e cultivo da terra. Têm uma constante demanda, portanto, por mais capital do que o que já têm e, para suprir a deficiência do próprio, procuram emprestar o máximo que podem da terra-mãe, para a qual estão sempre em débito. A maneira mais comum pela qual os colonos contraem este débito não é emprestando das pessoas ricas da terra-mãe, se bem que por vezes assim o fazem também, mas atrasando ao máximo o pagamento a seus correspondentes, que os suprem com artigos europeus. Seus retornos anuais frequentemente não totalizam mais que um terço, ou nem chegam a uma proporção tão grande do que devem. Todo o capital, portanto, que seus correspondentes lhes adiantam, raramente retorna à Inglaterra em menos do que três, e por vezes em não menos que quatro ou cinco anos. Mas um capital inglês de mil libras, por exemplo, que é retornado à Inglaterra apenas uma vez em cinco anos pode manter constantemente empregada apenas uma quinta parte da indústria britânica que poderia manter se o todo fosse retornado uma vez ao ano; e em vez da quantidade de indústria que mil libras poderiam manter por um ano, pode manter em emprego constante a quantidade que só duzentas libras conseguiriam. O plantador, sem dúvida, pelo alto preço que paga pelos artigos europeus, pelos juros que paga pelas letras a longo prazo, e pela comissão pela renovação daquelas a curto prazo, compensa, ou mais que compensa, toda a perda que seu correspondente pode sustentar por seu atraso. Não obstante poder compensar a perda de seu correspondente, não compensará a da Inglaterra. Num comércio cujos retornos serão muito distantes, o lucro do comerciante pode ser tão grande ou maior do que num em que são muito frequentes e próximos; mas a vantagem do país em que reside, a quantidade de trabalho produtivo constantemente mantido lá, o produto anual da terra e seu trabalho devem sempre ser muito menos. Que os retornos do comércio com a América e ainda mais aqueles das Índias Ocidentais são, em geral, não só mais distantes, mas mais irregulares, e também mais incertos que os do comércio para qualquer parte da Europa, ou mesmo dos países à margem do Mediterrâneo, será prontamente aceito, imagino, por todos que tenham tido qualquer experiência com esses negócios.
Segundo, o monopólio do comércio colonial em muitos casos forçou que parte do capital inglês saísse de um mercado exterior direto de consumo para um indireto.
Dentre as mercadorias enumeradas que não podem ser enviadas para nenhum outro mercado que não a Grã-Bretanha, há várias cuja quantidade excede em muito o consumo interno, e das quais uma parte precisa ser exportada para outros países. Mas isto não pode ser feito sem forçar parte do capital inglês para um mercado externo indireto de consumo. Maryland e Virgínia, por exemplo, enviam anualmente à Inglaterra mais de 96.000 pipas de tabaco, e o consumo inglês não excede 14.000. Mais de 82.000 pipas precisam ser exportadas para outros países: França, Holanda e países à margem do Báltico e Mediterrâneo. Mas aquela parte do capital inglês que traz aquelas 82.000 à Inglaterra, e que as reexporta àqueles outros países, e que traz deles mercadorias ou dinheiro de volta, é empregado num mercado exterior indireto de consumo e é necessariamente forçado neste emprego para dispor deste grande excedente. Se computássemos em quantos anos o total deste capital poderia voltar à Inglaterra, precisaríamos somar à distância dos retornos da América a dos retornos daqueles outros países. Se, no mercado direto de consumo que exercemos com a América, todo o capital empregado frequentemente não retorna em menos de três ou quatro anos, todo o capital empregado neste, indireto, não deverá retornar em menos de quatro ou cinco. Se um pode manter em emprego constante uma terça ou quarta parte da indústria doméstica que poderia ser mantida por um capital retornado uma vez por ano, a outra, só um quinto ou um quarto daquela indústria. Em alguns dos portos comumente dá-se um crédito àqueles correspondentes estrangeiros a quem exportam seu tabaco. No porto de Londres, de fato, é comumente vendido por dinheiro à vista. A regra é: pesar e pagar. No porto de Londres, portanto, os retornos finais de todo o comércio indireto são mais distantes que os retornos da América apenas pelo tempo que as mercadorias podem ficar não vendidas no armazém, onde, porém, podem ficar por muito tempo. Mas se as colônias não tivessem sido confinadas ao mercado inglês para a venda de seu tabaco, muito pouco a mais dele provavelmente viria a nós do que o necessário para o consumo interno. As mercadorias que a Grã-Bretanha compra atualmente para seu próprio consumo com o grande excedente de tabaco que exporta para outros países, neste caso provavelmente compraria com o produto imediato de sua própria indústria, ou com alguma parte de suas próprias manufaturas. Aquele produto, aquelas manufaturas, em vez de se adequarem inteiramente a um só grande mercado, como atualmente, provavelmente se adequariam a um maior número de mercados menores. Em vez de um grande mercado externo indireto de consumo, a Inglaterra provavelmente estabeleceria um número maior de pequenos comércios externos diretos da mesma espécie. Por conta da frequência dos retornos, uma parte, provavelmente pequena (talvez não acima de um terço ou um quarto do capital que atualmente exerce este grande comércio indireto), poderia ser suficiente para exercer todos aqueles indiretos, poderia manter constantemente empregada uma igual quantidade da indústria britânica, apoiando igualmente a produção e o trabalho anual da terra na Grã-Bretanha. Todos os propósitos deste comércio, sendo, destarte, respondidos por um capital muito menor, haveria um grande capital sobrando em aplicar para outros fins: melhorar as terras, aumentar as manufaturas e estender o comércio inglês; entrar em competição com ao menos outros capitais ingleses aplicados de todas aquelas maneiras diferentes, reduzindo a taxa de lucro em todos, e assim dando à Grã-Bretanha, em todos eles, uma superioridade sobre os outros países, ainda maior que a que tem hoje.
O monopólio do comércio colonial também forçou alguma parte do capital inglês para fora de todo mercado externo de consumo, para um comércio de transportes e, consequentemente, não mais apoiando a indústria inglesa, para ser empregado totalmente em apoiar, em parte, a das colônias e, em parte, a de alguns outros países.
Os artigos, por exemplo, que são anualmente comprados com o grande excedente de 82.000 pipas de tabaco anualmente reexportadas da Grã-Bretanha não são totalmente consumidos lá. Uma parte deles, linho da Alemanha e Holanda, por exemplo, é retornada às colônias para seu consumo particular. Mas aquela parte do capital inglês que compra o tabaco, com que este linho é depois comprado, é necessariamente retirada do apoio à indústria inglesa, para ser totalmente aplicada no apoio, em parte, da das colônias, em parte dos países que pagam por este tabaco com o produto de sua própria indústria.
Além do mais, o monopólio do comércio colonial, forçando para si uma proporção muito maior do capital inglês do que naturalmente lhe seria dirigido, parece ter quebrado totalmente aquele equilíbrio natural que de outro modo teria lugar entre todos os diversos ramos da indústria britânica. A indústria inglesa, em vez de se acomodar a um grande número de pequenos mercados, adequou-se principalmente a um só grande mercado. Seu comércio, em vez de correr por um grande número de pequenos canais, foi ensinado a correr principalmente num só grande canal. Mas todo o seu sistema de indústria e comércio assim foi tornado menos seguro, todo o estado de seu corpo político menos saudável do que de outro modo poderia ser. Em sua atual condição, a Grã-Bretanha assemelha-se a um daqueles corpos insalubres em que algumas das partes vitais estão hipertrofiadas e que, por isso, estão sujeitas a muitas desordens perigosas que mal incidem naqueles em que todas as partes estão adequadamente proporcionadas. Uma pequena interrupção naquele grande vaso sanguíneo que foi artificialmente impado além de suas dimensões naturais, e pelo qual uma proporção antinatural de indústria e comércio do país foi forçada a circular, provavelmente deverá trazer as mais perigosas desordens a todo o corpo político. A expectativa de uma ruptura com as colônias, concomitantemente, atingiu o povo inglês com muito mais terror do que jamais sentiram por uma Armada espanhola ou uma invasão francesa. Foi este terror, bem ou mal fundamentado, que tornou a Lei do Selo, pelo menos entre os comerciantes, uma medida popular. Na exclusão total do mercado colonial, a maior parte de nossos comerciantes costumava imaginar (mesmo que durasse uns poucos anos) que seu comércio cessaria inteiramente; a maior parte de nossos mestres manufatureiros, a ruína completa de seus negócios, e a maioria de nossos trabalhadores, um fim para seus empregos. Uma ruptura com qualquer de nossos vizinhos do continente, se bem que também provável de ocasionar a cessação ou interrupção dos empregos de algumas de todas estas diferentes ordens de pessoas, é antevista, no entanto, sem tanta comoção geral. O sangue, cuja circulação é interrompida em algum dos vasos menores, facilmente flui para os maiores sem ocasionar nenhuma desordem perigosa; mas quando é interrompido em qualquer dos vasos maiores, convulsões, apoplexia ou morte são as consequências imediatas e inevitáveis.
Se apenas uma daquelas manufaturas hipertrofiadas que, por meio de incentivos ou monopólios dos mercados interno e colonial, foi elevada a uma altura não natural acha um pequeno impedimento ou interrupção em seu emprego, frequentemente ocasiona um motim e desordem que alarma o governo, embaraçando mesmo as decisões da legislatura. Quão grande então não seria a desordem e a confusão, pensou-se, que deve ser necessariamente ocasionada por uma cessação súbita e total no emprego de tão grande proporção de nossos principais manufatureiros.
Um relaxamento moderado e gradual das leis que dão à Grã-Bretanha o mercado exclusivo das colônias, até ser tornado em grande medida livre, parece ser o único expediente que poderá, em todas as ocasiões futuras, livrá-la deste perigo, que pode permitir-lhe ou mesmo forçar que tire parte de seu capital deste emprego hipertrofiado e voltá-lo, mesmo com menor lucro, para outros; e que, gradualmente diminuindo um ramo de sua indústria e gradualmente aumentando todo o resto, aos poucos pode restaurar todos os seus diferentes ramos àquela proporção natural, saudável e adequada que só a perfeita liberdade pode preservar. Abrir o comércio colonial de uma só vez a todas as nações não só poderia ocasionar algum inconveniente transitório, mas uma grande perda permanente para a maioria daqueles cuja indústria ou capital presentemente estejam engajados nele. A perda súbita do emprego mesmo dos navios que importam as 82.000 pipas de tabaco, que estão muito acima do consumo inglês, já poderia ser sentida fortemente. Tais são os efeitos infortunados de todos os regulamentos do sistema mercantil! Não só introduzem desordens muito perigosas no estado do corpo político, mas desordens que são difíceis de remediar, sem ocasionar ao menos temporariamente desordens ainda maiores. De que maneira, então, o comércio colonial deveria ser gradualmente aberto? Quais são as restrições que deveriam ser removidas primeiro e quais em último lugar? De que maneira o sistema natural de perfeita liberdade e justiça gradualmente deveria ser restaurado? Devemos deixar à sabedoria de futuros estadistas e legisladores para determinar.
Cinco eventos diferentes, imprevistos e não pensados, afortunadamente, concorreram para impedir que a Grã-Bretanha sentisse tão fortemente, quanto se esperava, a total exclusão que agora tem acontecido por mais de um ano (a partir de 1º de dezembro de 1774) de um ramo importante do comércio colonial, o das 12 províncias associadas da América do Norte. Primeiro, estas colônias, ao se prepararem para este acordo de não exportação, drenaram completamente a Grã-Bretanha de todas as mercadorias adequadas ao seu mercado; segundo, a extraordinária demanda da Frota Espanhola este ano drenou a Alemanha e os nórdicos de muitas comodidades, linho em particular, que costumava competir, mesmo no mercado britânico, com as manufaturas da própria Inglaterra; terceiro, a paz entre a Rússia e a Turquia ocasionou uma extraordinária demanda do mercado turco que, durante a desgraça do país, e enquanto uma frota russa estava cruzando o arquipélago, foi muito pobremente suprido; e em quarto, a demanda do norte da Europa pelas manufaturas da Grã-Bretanha tem aumentado de ano para ano já há algum tempo; em quinto, a última partilha e consequentemente pacificação da Polônia, abrindo o mercado daquele grande país, este ano acresceu uma extraordinária demanda àquela do norte. Estes eventos todos, exceto o quarto, em sua natureza são transitórios e acidentais, e a exclusão de um ramo tão importante do comércio colonial, se desgraçadamente continuar por muito tempo, pode ainda ocasionar alguma preocupação. Esta tensão, porém, ao surgir gradualmente, será sentida muito menos severamente do que se tivesse surgido de uma só vez; e, entrementes, a indústria e o capital do país poderá encontrar um novo emprego e direção para evitar que esta tensão atinja qualquer altura considerável.
O monopólio do comércio colonial, portanto, enquanto tiver voltado para si uma proporção maior do capital inglês do que o que de outro modo teria sido dirigido para ele, desviou-o de um mercado externo de consumo com um vizinho num um país mais distante; em muitos casos, de um mercado externo direto de consumo num indireto; e em alguns casos, de todo mercado externo de consumo num mercado de transporte. Em todos os casos, desviou-o de uma direção em que poderia manter uma maior quantidade de trabalho produtivo numa em que pode manter uma quantidade muito menor. Adequando, aliás, a um mercado particular parte tão grande da indústria e comércio da Grã-Bretanha, tornou todo o estado daquela indústria e do comércio mais precário e menos seguro do que se seu produto estivesse acomodado a uma maior variedade de mercados.
Precisamos distinguir cuidadosamente os efeitos do mercado colonial dos do monopólio daquele comércio. Os primeiros são sempre e necessariamente benéficos; os últimos, sempre necessariamente danosos. Mas os primeiros são tão benéficos que o comércio colonial, apesar de sujeito a monopólio, e apesar dos efeitos prejudiciais disto, no todo ainda é benéfico, e grandemente; se bem que muito menos do que poderia ser de outra maneira.
O efeito do comércio colonial em seu estado natural e livre é abrir um grande, mesmo que distante, mercado para tais partes do produto da indústria britânica, que possa exceder a demanda dos mercados mais perto do país, os da Europa e países do Mediterrâneo. Em seu estado natural e livre, o comércio colonial, sem remover destes mercados qualquer parte do produto que lhes foi enviada, encoraja a Grã-Bretanha a aumentar sempre o excedente, continuamente apresentando novos equivalentes para serem trocados por ele. Em seu estado livre e natural, o comércio colonial tende a aumentar a quantidade de trabalho produtivo na Grã-Bretanha, mas sem alterar sob nenhum aspecto a direção daquilo que ali fora empregado antes. No estado livre e natural do comércio colonial, a competição de todas as outras nações impediria que a taxa de lucro se elevasse acima do nível comum no novo mercado ou no novo emprego. O novo mercado, sem remover nada do antigo, criaria, se assim se pode dizer, um novo produto para seu suprimento, e esse novo produto constituiria um novo capital para levar adiante o novo emprego, que da mesma maneira nada tiraria do antigo.
O monopólio do comércio colonial, ao contrário, excluindo a competição de outras nações, e assim elevando a taxa de lucro no novo mercado e no novo emprego, tira o produto do velho mercado e o capital do velho emprego. Aumentar nossa parte do comércio colonial além do que seria de outra maneira é o propósito declarado do monopólio. Se a nossa fração daquele comércio não devesse ser maior do que deveria ser sem o monopólio, não haveria razão para estabelecê-lo. Mas o que quer que force, num ramo do comércio cujos retornos sejam mais lentos e distantes do que os da maioria dos outros negócios, uma maior proporção do capital de qualquer país do que aquilo que por si mesmo iria para aquele ramo, necessariamente torna toda a quantidade de trabalho produtivo anualmente mantida ali, o produto total anual da terra e do trabalho daquele país inferiores ao que deveriam ser de outro modo. Mantém baixa a renda dos habitantes do país, abaixo do que deveria naturalmente elevar-se, assim diminuindo seu poder de acumulação. Não só impede, sempre, que seu capital mantenha tão grande quantidade de trabalho produtivo como poderia, e, consequentemente, impede que mantenha uma quantidade ainda maior de trabalho produtivo.
Os bons efeitos naturais do comércio colonial, porém, mais do que contrabalançam para a Grã-Bretanha os maus efeitos do monopólio, de modo que com monopólio e tudo o mais aquele comércio, mesmo como é levado presentemente, não só é vantajoso, mas grandemente vantajoso. O novo mercado e o novo emprego que são abertos pelo comércio colonial são de muito maior extensão do que aquela porção do velho mercado e do velho emprego que é perdida pelo monopólio. O novo produto e o novo capital criados, se assim se pode dizer, pelo comércio colonial mantêm na Inglaterra uma quantidade maior de trabalho produtivo do que pode ser tirado de emprego pela revulsão do capital de outros comércios cujos retornos sejam mais frequentes. Se o comércio colonial, porém, mesmo como exercido presentemente, é vantajoso para a Grã-Bretanha, não é por causa do monopólio, mas a despeito dele.
É mais para o produto manufaturado do que para o produto bruto da Europa que a colônia abre um novo mercado. A agricultura é o negócio próprio de todas as novas colônias; um negócio em que o baixo preço da terra torna mais vantajoso que qualquer outro. Abundam, portanto, no produto bruto da terra, e em vez de importá-lo de outros países, geralmente têm um grande excedente para exportar. Nas novas colônias, a agricultura tira mãos de todos os outros empregos, ou impede-as de irem para outros empregos. Há poucas mãos para poupar para o necessário, e nenhuma para as manufaturas ornamentais. A maior parte das manufaturas de ambos os tipos acham mais fácil comprar de outros países do que fazê-las por si mesmas. É principalmente encorajando as manufaturas da Europa que a colônia indiretamente encoraja sua agricultura. As manufaturas da Europa, para as quais o comércio dá emprego, constituem um novo mercado para o produto da terra; e o mais vantajoso de todos os mercados, o mercado interno de trigo e gado, para o pão e a carne da Europa, é assim grandemente estendido por meio do comércio com a América.
Mas que o monopólio do comércio de colônias populosas e progressistas sozinho não é suficiente para estabelecer, ou mesmo manter, manufaturas em qualquer país, os exemplos da Espanha e Portugal demonstram-no suficientemente. Espanha e Portugal eram países manufatureiros antes de terem quaisquer colônias consideráveis. Desde que tiveram as mais ricas e férteis do mundo, cessaram de sê-lo.
Na Espanha e em Portugal, os maus efeitos do monopólio, agravados por outras causas, talvez desequilibraram os naturais bons efeitos do comércio colonial. Estas causas parecem ser outros monopólios, de diferentes espécies; a degradação do valor do ouro e da prata abaixo do que é em outros países; a exclusão de mercados estrangeiros por taxas impróprias sobre a exportação, e o estreitamento do mercado interno, por ainda mais taxas impróprias sobre o transporte de mercadorias de uma parte do país para outra; mas, acima de tudo, aquela administração irregular e parcial da justiça, que costuma proteger o devedor rico e poderoso de seu credor ofendido, e que faz a parte industriosa da nação temerosa de preparar mercadorias para o consumo daqueles homens altaneiros a quem não ousam recusar vender a crédito, e de cujo pagamento estão totalmente incertos.
Na Inglaterra, ao contrário, os naturais bons efeitos do comércio colonial, assistidos por outras causas, em grande medida têm conquistado os maus efeitos do monopólio. Estas causas parecem ser: a liberdade geral do comércio, que, apesar de algumas restrições, é pelo menos igual, ou superior, ao de qualquer outro país; a liberdade de exportar, sem taxas, quase todas as espécies de artigos produzidos pela indústria doméstica para qualquer país estrangeiro; e o que talvez é ainda de maior importância, a liberdade irrestrita de transportá-los de qualquer parte de nosso país a qualquer outra, sem a obrigação de dar qualquer conta ao ofício público, sem se sujeitar a interpelação ou exame de qualquer espécie; mas, acima de tudo, aquela administração igual e imparcial da justiça que torna os direitos do menor dos súditos britânicos respeitáveis para o maior deles, e que, garantindo a todo homem os frutos de sua própria indústria, dá o maior e mais efetivo encorajamento a toda espécie de indústria.
Se as manufaturas inglesas, porém, progrediram, como certamente o fizeram, pelo comércio com as colônias, não foi por meio daquele monopólio sobre o comércio, mas a despeito dele. O efeito do monopólio tem sido não aumentar a quantidade, mas alterar a qualidade e tipo de uma parte das manufaturas da Grã-Bretanha, e acomodar-se a um mercado cujos retornos são lentos e distantes, que de outro modo se acomodariam a um cujos retornos são frequentes e próximos. Seu efeito, consequentemente, foi voltar uma parte do capital inglês de um emprego em que manteria uma maior quantidade de indústria de manufatura, para um que mantém uma muito menor, e assim diminuindo, ao invés de aumentar a quantidade total de indústria manufatureira na Inglaterra.
O monopólio do comércio colonial, portanto, como todo outro mesquinho e maligno expediente do sistema mercantil, deprime a indústria de outros países, mas principalmente a das colônias, sem minimamente aumentar, mas, ao contrário, diminuindo a do país em cujo favor é estabelecido.
O monopólio impede que o capital daquele país, qualquer que possa ser a extensão deste capital, mantenha uma quantidade tão grande de trabalho produtivo como poderia de outra forma e suporte uma renda tão grande para os industriosos habitantes quanto poderia. Mas como o capital pode ser aumentado apenas pelas economias da renda, o monopólio, impedindo uma renda tão grande, necessariamente impede que cresça depressa, não podendo manter uma quantidade ainda maior de trabalho produtivo e permitindo uma renda ainda maior à indústria dos habitantes desse país. Uma grande fonte original de renda, portanto, os salários do trabalho, o monopólio deve sempre ter tornado menos abundante do que poderia ter sido.
Elevando a taxa de lucro mercantil, o monopólio desencoraja o aperfeiçoamento da terra. O lucro da melhoria depende da diferença entre o que a terra efetivamente produz e o que, pela aplicação de um certo capital, pode produzir. Se esta diferença proporciona um lucro maior do que o que pode ser tirado de um capital igual em qualquer aplicação mercantil, a melhoria da terra deslocará capital de toda aplicação mercantil. Se o lucro for menor, os empregos mercantis atrairão capital da melhoria da terra. Assim, o que quer que eleve a taxa de lucro mercantil reduz a superioridade ou aumenta a inferioridade do lucro da melhoria; num caso, impede que o capital se dedique aos aperfeiçoamentos, e no outro, retira-lhe capital. Mas, ao desencorajar as melhorias, o monopólio necessariamente retarda o aumento natural de outra grande fonte original de renda, a renda da terra. Elevando a taxa de lucro, também, o monopólio necessariamente mantém elevada a taxa de juros do mercado, acima do que poderia ficar. Mas o preço da terra em proporção à renda que permite, o número de anos que comumente se paga por ela, necessariamente cai com a elevação da taxa de juros. O monopólio, portanto, fere o interesse do proprietário de duas diferentes maneiras: retardando o aumento natural, primeiro, de sua renda, e segundo, do preço que conseguiria por sua terra em proporção à renda que permite.
O monopólio de fato eleva a taxa de lucro mercantil, assim aumentando um tanto o ganho de nossos comerciantes. Mas como obstrui o aumento natural do capital, tende mais a diminuir do que aumentar a soma total da renda que os habitantes do país derivam dos lucros do capital; um pequeno lucro sobre um grande capital geralmente permitindo uma renda maior que um grande lucro sobre um pequeno. O monopólio eleva a taxa de lucro, mas obstacula a soma dos lucros de elevar-se tão alto quanto poderia de outra maneira.
Todas as fontes originais de renda, os salários, a renda da terra e os lucros de capital, o monopólio torna muito menos abundantes do que poderiam ser. Promover o interesse pequeno de uma pequena ordem de homens num país fere os interesses de todas as outras ordens de homens naquele país, e de todos os homens em todos os outros países.
Unicamente elevando a taxa ordinária de lucro que o monopólio demonstrou-se, ou poderia mostrar-se, vantajoso a qualquer ordem particular de homens. Mas à parte todos os maus efeitos para o país em geral, que já foram mencionados como necessariamente resultantes de uma alta taxa de lucro, há um mais fatal, quem sabe, do que todos juntos, pelo qual, se podemos julgar pela experiência, está inseparavelmente ligado a ele. A alta taxa de lucro parece sempre destruir aquela parcimônia que em outras circunstâncias é natural ao caráter do comerciante. Quando os lucros são altos, aquela sóbria virtude parece ser supérflua, e o luxo dispendioso se adapta melhor à abastança desta situação. Mas os donos dos grandes capitais mercantis são necessariamente os cabeças e condutores de toda indústria de toda nação, e seu exemplo tem uma influência muito maior nas maneiras de toda parte industriosa delas do que qualquer outra ordem de homens. Se seu empregador é atento e parcimonioso, o trabalhador muito provavelmente o será; mas se o mestre é dissoluto e desordeiro, o servo que conforma seu trabalho de acordo com o padrão que seu mestre lhe prescreve conformará também sua vida consoante o exemplo que lhe é dado. A acumulação é assim impedida nas mãos de todos aqueles que são naturalmente os mais dispostos a acumular, e os fundos destinados para a manutenção do trabalho produtivo não recebem aumento da renda daqueles que naturalmente deveriam aumentá-los mais. O capital do país, em vez de aumentar, gradativamente desvanece, e a quantidade de trabalho produtivo mantida nele a cada dia diminui. Os lucros exorbitantes dos comerciantes de Cádiz e Lisboa aumentaram o capital da Espanha e Portugal? Aliviaram a pobreza, promoveram a indústria daqueles dois países de indigentes? Tal foi a tônica da despesa mercantil naquelas duas cidades de comércio que aqueles lucros exorbitantes, longe de aumentar o capital geral do país, parece que mal foram suficientes para manter os capitais sobre os quais foram feitos. Os capitais estrangeiros estão se intrometendo cada dia mais, se posso dizer, no comércio de Cádiz e Lisboa. É para expulsar estes capitais estrangeiros do comércio que o deles a cada dia se torna mais insuficiente para exercer, que os espanhóis e portugueses a cada dia procuram estreitar mais as faixas de seu monopólio absurdo. Compare-se os hábitos mercantis de Cádiz e Lisboa com os de Amsterdam, e sentir-se-á quão diversamente a conduta e o caráter dos comerciantes são afetados pelos altos e baixos lucros do capital. Os comerciantes de Londres, de fato, ainda não se tornaram, em geral, senhores magníficos como os de Cádiz e Lisboa, mas tampouco são burgueses tão atentos e parcimoniosos como os de Amsterdam. Supõe-se, entretanto, que muitos destes sejam bem mais ricos que a maioria daqueles. Mas a taxa de seu lucro é comumente muito inferior que a dos primeiros e bem mais alta que os últimos. “Fácil vem, fácil vai”, diz o provérbio, e a tônica ordinária da despesa parece em todo lugar ser regulada não tanto de acordo com a real capacidade de gastos, mas pela suposta facilidade de obter dinheiro para gastar.
É assim que a única vantagem que o monopólio proporciona a uma única ordem de homens é em muitas maneiras danosa ao interesse geral do país.
Fundar um grande império com o único propósito de criar um povo de compradores, à primeira vista, pode parecer um projeto próprio apenas para uma nação de lojistas. Porém, é um projeto totalmente inadequado para uma nação de lojistas, mas extremamente adequado para uma nação cujo governo é influenciado por lojistas. Tais estadistas, e apenas estes, são capazes de imaginar que encontrarão alguma vantagem em empregar o sangue e o tesouro de seus concidadãos para fundar e manter um tal império. Diga a um lojista: “Compre-me um bom terreno, e eu sempre comprarei minhas roupas em sua loja, mesmo que pague um pouco mais caro do que em outras lojas”, e não o encontrará muito disposto a abraçar a sua proposta. Mas se qualquer outra pessoa comprar o seu terreno, o lojista ficaria muito grato ao seu benfeitor se conseguisse que comprássem todas as roupas na loja dele. A Inglaterra adquiriu, para alguns de seus súditos que não se achavam à vontade em casa, uma grande propriedade num país distante. O preço, de fato, era bem baixo, e em vez de uma compra ao prazo de trinta anos, ao preço ordinário da terra nos tempos atuais, totalizava pouco mais do que a despesa das diversas equipagens que fizeram à primeira descoberta, reconheceram o litoral e tomaram uma posse fictícia da terra. A terra era boa e de grande extensão, e os cultivadores, tendo bastante terra boa para trabalhar e estando por algum tempo em liberdade para vender sua produção onde lhes aprouvesse, no decurso de pouco mais de 30 ou 40 anos (entre 1620 e 1660) tornaram-se uma gente tão numerosa e próspera que os lojistas e outros comerciantes da Inglaterra desejaram garantir para si o monopólio de suas exportações. Sem pretender, portanto, que pagaram qualquer parte do dinheiro da compra original ou da subsequente despesa das melhorias, pediram ao parlamento que os cultivadores da América, para o futuro, se confinassem às suas lojas; primeiro, comprando todos os artigos que quisessem, da Europa; segundo, vendendo toda parte de sua produção que aqueles comerciantes achassem adequado comprar. Pois não achavam conveniente comprar toda parte dela. Algumas partes dela importadas para a Inglaterra poderiam interferir em alguns dos negócios que eles já conduziam. Aquelas partes particulares queriam eles que os colonos vendessem onde pudessem — quanto mais longe melhor, e por isso propuseram que seu mercado fosse confinado aos países ao sul do cabo Finisterra. Uma cláusula na famosa Lei de Navegação estabeleceu esta proposta típica de lojista, em lei.
A manutenção deste monopólio até agora tem sido o principal, ou mais propriamente o único fim e propósito do domínio que a Grã-Bretanha assume sobre suas colônias. No comércio exclusivo, supõe-se, consiste a grande vantagem das províncias, que ainda não proporcionaram renda ou força militar para o apoio do governo civil ou a defesa da terra-mãe. O monopólio é o principal sinal de sua dependência, e é o único fruto que até agora foi colhido daquela dependência. Qualquer que seja a despesa que a Grã-Bretanha até agora tenha depositado na manutenção desta dependência foi na verdade depositado para sustentar este monopólio. A despesa do estabelecimento de paz ordinário das colônias totalizava, antes do começo dos atuais distúrbios, o pagamento de vinte regimentos de infantaria à despesa de artilharia, armazéns e provisões extraordinárias com que era necessário supri-las; e à despesa de uma força naval bem considerável que era constantemente ativada para guardar, dos navios contrabandistas de outras nações, a imensa costa da América do Norte e de nossas ilhas das Índias Ocidentais. Toda a despesa deste sistema de paz era um ônus sobre a renda inglesa e, ao mesmo tempo, a menor parte do que o domínio das colônias custou à terra-mãe. Se quiséssemos saber a quantia total, precisaríamos acrescer à despesa anual desta força de paz os juros das somas que, em consequência de considerar as colônias como províncias sujeitas a seu domínio, a Grã-Bretanha, em várias ocasiões, usou para sua defesa. Precisamos acrescer a isto, em particular, toda a despesa da última guerra e grande parte daquela guerra que a precedeu. A última guerra foi totalmente uma querela de colônias; e toda sua despesa, em qualquer parte do mundo que foi depositada, na Alemanha ou nas Índias Ocidentais, deveria ser justamente colocada por conta das colônias. Totalizou mais de noventa milhões de libras esterlinas, incluindo não só o novo débito que foi contraído, mas os dois shillings na libra de taxa adicional pela terra, e as somas que a cada ano eram emprestadas. A guerra espanhola, que começou em 1739, foi principalmente uma questão sobre as colônias. Seu principal objetivo era prevenir a revista dos navios das colônias que exerciam contrabando espanhol. Toda esta despesa, na verdade, foi um incentivo concedido para sustentar um monopólio. O pretenso propósito era encorajar as manufaturas e ampliar o comércio inglês. Mas seu real efeito foi elevar a taxa do lucro mercantil e permitir a nossos comerciantes dedicarem-se a um ramo do comércio cujos retornos são mais lentos e distantes do que os da maioria dos outros negócios, com uma maior proporção de seu capital do que de outra forma teriam feito; dois eventos que, se um incentivo pudesse prevenir, talvez bem que valesse dar um tal incentivo.
No atual sistema de administração, portanto, a Grã-Bretanha nada deriva senão perdas do domínio que assume sobre suas colônias.
Propor que a Inglaterra desista voluntariamente de toda autoridade sobre as colônias, e deixar que elejam os próprios magistrados, decretem as próprias leis e façam paz e guerra como acharem adequado, seria propor uma medida como nunca houve, e nunca será adotada por nenhuma nação no mundo. Nenhuma nação jamais voluntariamente desistiu do domínio de qualquer província, por mais trabalhoso que venha a ser governá-la, e por menor que seja a renda que forneça em proporção à despesa que cause. Tais sacrifícios, se bem que possam ser agradáveis ao interesse, sempre mortificam o orgulho das nações e, o que talvez seja de maior consequência, são sempre contrários ao interesse privado de sua parte governante, que assim se veria privado de muitos interesses e lucros, de muitas oportunidades de adquirir riquezas e honrarias, que a posse da mais turbulenta, e para a grande maioria do povo, a província menos lucrativa consegue dar. O entusiasta mais visionário dificilmente seria capaz de propor tal medida com quaisquer esperanças sérias de que jamais venha a ser adotada. Se fosse adotada, porém, a Grã-Bretanha não só seria imediatamente dispensada de toda a despesa anual das forças de paz das colônias, mas poderia estabelecer com elas um tratado de comércio que efetivamente lhe garantisse um comércio livre, mais vantajoso para a maioria do povo, se bem que menos para os comerciantes do que o monopólio de que atualmente desfruta. Assim separando-se como amigas, a afeição natural das colônias pela terra-mãe, que talvez nossas últimas dissensões quase que extinguiram, reviveria rapidamente. Poderia dispô-las não só a respeitar, por séculos, aquele tratado de comércio que concluíram conosco na separação, mas a nos favorecer também na guerra como no comércio, e em vez de súditos turbulentos e facciosos, tornar-se-iam nossos aliados mais fiéis, afetuosos e generosos; e a mesma espécie de afeto paternal, de um lado, e respeito filial, de outro, poderiam reviver entre a Grã-Bretanha e suas colônias, que costumavam subsistir entre as da antiga Grécia e a cidade-mãe de que descendiam.
Para tornar qualquer província vantajosa para o império a que pertence, deveria proporcionar, em tempo de paz, uma renda para o público suficiente não só para custear toda a despesa de suas forças de paz, mas para contribuir com sua parte para sustentar o governo geral. Se qualquer província em particular não contribui com sua fração para custear esta despesa, uma carga desigual deve ser lançada sobre alguma outra parte do império. A renda extraordinária, também, que cada província fornece ao público em tempo de guerra, por paridade de razões, deveria ter a mesma proporção para com a renda extraordinária de todo o império, que sua renda ordinária tem em tempo de paz. Que nem a renda ordinária, nem a extraordinária que a Grã-Bretanha deriva de suas colônias mantêm esta proporção para toda a renda do Império Britânico, isso logo será concedido. O monopólio, supõe-se, ao aumentar a renda privada do povo inglês, e assim lhe permitindo pagar taxas maiores, compensa a deficiência da renda pública das colônias. Mas este monopólio, procurei mostrar, se bem que uma taxa onerosa sobre as colônias, e podendo aumentar a renda de uma ordem particular de homens na Grã-Bretanha, diminui ao invés de aumentar a da maioria do povo; consequentemente, diminui ao invés de aumentar a capacidade da maioria do povo de pagar taxas. Os homens, também cujo rendimento o monopólio aumenta, constituem uma ordem particular, que é tanto absolutamente impossível taxar além da proporção das outras ordens quanto extremamente impolítico taxar além daquela proporção, como procurarei demonstrar no livro seguinte. Nenhum recurso particular, portanto, pode ser retirado desta ordem em particular.
As colônias podem ser taxadas por suas próprias assembleias ou pelo parlamento britânico.
Que as assembleias das colônias possam ser administradas para levantar junto a seus constituintes uma renda pública suficiente não só para manter sempre seu próprio estabelecimento civil e militar, mas para pagar sua própria proporção da despesa do governo geral do Império Britânico, não parece muito provável. Levou muito tempo antes que mesmo o parlamento inglês, se bem que colocado imediatamente sob os olhos do soberano, pudesse ser trazido sob tal sistema de administração, ou poderia ser tornado suficientemente liberal em suas concessões para apoiar os estabelecimentos civil e militar mesmo de seu próprio país. Foi só distribuindo entre os membros do parlamento uma grande parte dos cargos, ou pela disposição dos cargos oriundos deste estabelecimento civil e militar, que um tal sistema de administração pode se dar, mesmo em relação ao parlamento inglês. Mas a distância das assembleias das colônias do olho do soberano, seu número, sua situação dispersa e suas várias constituições tornariam muito difícil administrá-las da mesma maneira, mesmo que o soberano tivesse os meios para fazê-lo; e não há estes meios. Seria absolutamente impossível distribuir entre todos os principais membros de todas as assembleias das colônias tal partilha, quer dos cargos, quer da disposição dos cargos oriundos do governo geral do Império Britânico, para dispô-los a desistir de sua popularidade doméstica, e taxar seus constituintes para apoiar aquele governo geral, dos quais quase todos os emolumentos seriam divididos entre pessoas que são estrangeiros para eles. A inevitável ignorância da administração, além do mais, concernente à importância relativa dos vários membros daquelas assembleias distintas, as ofensas que frequentemente precisam ser feitas, as trapaças que constantemente precisam ser cometidas para procurar administrá-las desta forma parecem tornar este sistema de administração totalmente impraticável em relação a elas.
As assembleias das colônias, além do mais, não podem ser supostas como juízes adequados ao que é necessário para a defesa e apoio de todo o império. O cuidado dessa defesa e apoio não lhes é confiado. Não é de sua conta, e não têm meios regulares de informação concernentes a isso. A assembleia de uma província, como um conselho paroquial, pode julgar mui adequadamente os negócios de seu distrito particular, mas não pode ter meios próprios para julgar os concernentes a todo o império. Não pode mesmo julgar adequadamente a proporção que sua própria província tem para com todo o império; ou concernente ao grau relativo de sua própria riqueza e importância em comparação com outras províncias; porque aquelas outras províncias não estão sob a inspeção e superintendência da assembleia de uma província em particular. O que é necessário para defender e suportar todo o império, e em que proporção cada parte deveria contribuir, pode ser julgado apenas por aquela assembleia que inspeciona e superintende os negócios de todo o império.
Foi proposto, por conseguinte, que as colônias fossem taxadas por requisição, o parlamento da Grã-Bretanha determinando a soma que cada colônia deveria pagar, e a assembleia provincial aplicando-a e levantando-a da maneira mais adequada às circunstâncias da província. O concernente a todo o império, desta maneira, seria determinado pela assembleia que inspeciona e superintende os negócios de todo o império; e os negócios provinciais de cada colônia ainda poderiam ser regulados por sua própria assembleia. Se bem que as colônias neste caso não teriam representantes no parlamento britânico, a julgar pela experiência, não há probabilidade de que a requisição parlamentar seria irrazoável. O parlamento da Inglaterra em nenhuma ocasião mostrou a menor disposição para sobrecarregar aquelas partes do império que não estão representadas no parlamento. As ilhas de Guernsey e Jersey, sem meio algum de resistir à autoridade do parlamento, são mais levemente taxadas do que qualquer parte da Grã-Bretanha. O parlamento, tentando exercer seu suposto direito, bem ou mal fundamentado, de taxar as colônias, até agora nunca pediu delas nada que sequer se aproximasse de uma justa proporção do que era pago por seus companheiros súditos ingleses. Além do que, se a contribuição das colônias tivesse de subir ou cair juntamente com a taxa das terras, o parlamento não poderia taxá-las sem taxar ao mesmo tempo seus constituintes, e as colônias poderiam neste caso ser consideradas como virtualmente representadas no parlamento.
Exemplos não faltam de impérios em que todas as várias províncias não são taxadas, se a expressão me é permitida, numa só massa; mas onde o soberano regula a soma que cada província deve pagar e, em algumas províncias, a administra e cobra, como acha adequado; ao passo que, em outras, deixa que sejam administradas e cobradas como os estados respectivos de cada província determinarem. Em algumas províncias da França, o rei não só impõe que taxas ele acha apropriadas, mas as administra e cobra como acha melhor. De outras, exige uma certa soma, mas deixa aos estados de cada província administrar e cobrar a soma como acham adequado. De acordo com o esquema de taxação por requisição, o parlamento da Grã-Bretanha ficaria quase na mesma situação para com as assembleias das colônias que o rei da França para com os estados daquelas províncias que ainda gozam do privilégio de ter seus próprios estados, as províncias da França que se supõe serem melhor governadas.
Muito embora, de acordo com este esquema, as colônias não poderiam ter justa razão para temer que sua fração do ônus público venha a exceder a proporção adequada com a de seus concidadãos ingleses; a Grã-Bretanha poderia ter justa razão para temer que nunca chegaria àquela proporção. O parlamento da Grã-Bretanha não há muito tempo tinha a mesma autoridade estabelecida nas colônias que o rei francês naquelas províncias da França que ainda gozam do privilégio de terem os seus próprios estados. As assembleias coloniais, se não estivessem muito favoravelmente dispostas (e a menos que mais habilmente administradas do que o têm sido até agora, muito dificilmente ficarão), ainda poderiam achar muitas presunções para se evadir ou rejeitar as requisições bastante razoáveis do parlamento. Suponhamos que ecloda uma guerra francesa; dez milhões devem ser imediatamente levantados para defender o trono do império. Esta soma precisa ser emprestada pelo crédito de algum fundo parlamentar hipotecado para pagar os juros. Parte deste fundo o parlamento propõe levantar por uma taxa a ser cobrada na Grã-Bretanha, e parte por uma requisição a todas as diferentes assembleias coloniais da América e Índias Ocidentais. O povo rapidamente adiantaria seu dinheiro pelo crédito de um fundo, parcialmente dependente do bom humor de todas aquelas assembleias, bem distantes do foco da guerra, e às vezes pensando que não têm muito a ver com ela? Sobre um tal fundo não se poderia adiantar mais dinheiro do que a taxa a ser cobrada na Grã-Bretanha supostamente responderia. Todo o ônus do débito contraído por conta da guerra desta maneira cairia, como sempre tem sido até agora, sobre a Grã-Bretanha; sobre uma parte do império, e não por todo ele. A Grã-Bretanha é, talvez desde o começo do mundo, o único Estado que, ao estender seu império, só aumentou sua despesa sem uma só vez aumentar seus recursos. Outros Estados em geral descarregaram sobre seus súditos e províncias subordinadas a parte mais considerável da despesa de defender o império. A Grã-Bretanha até agora tolerou que seus súditos e províncias subordinadas descarregassem nela quase o total desta despesa. Para pôr a Grã-Bretanha em pé de igualdade com suas colônias, que a lei até agora supôs súditas e subordinadas, parece necessário, pelo esquema de taxá-las por requisição parlamentar, que o parlamento tivesse algum meio de tornar estas requisições imediatamente efetivas, caso as assembleias coloniais tentem evadir-se ou rejeitá-las; e que meios possam ser estes, não é muito fácil conceber, e ainda não foi explicado.
Se o parlamento da Grã-Bretanha, ao mesmo tempo, viesse a ser plenamente estabelecido no direito de taxar as colônias, mesmo independente do consentimento de suas próprias assembleias, a importância dessas assembleias, a partir desse momento, terminaria, e, com isto, a de todos os principais da América britânica. Os homens desejam ter alguma parte na administração dos negócios públicos principalmente por conta da importância que isto lhes dá. Da capacidade que a maior parte dos homens notáveis, a aristocracia natural de todo país tem de preservar ou defender sua respectiva importância depende a estabilidade e duração de todo sistema de governo livre. Nos ataques que aqueles notáveis estão continuamente fazendo um sobre a importância do outro, e na defesa de sua própria, consiste todo o jogo das facções e ambições domésticas. Os principais da América, como os de todos os outros países, desejam preservar sua própria importância. Sentem, ou imaginam, que se suas assembleias, que se comprazem em chamar parlamentos e de considerar tão igual em autoridade quanto o parlamento da Grã-Bretanha, fossem tão degradadas a ponto de se tornarem os humildes ministros e oficiais executivos daquele parlamento, a maior parte de sua própria importância teria um fim. Rejeitaram, portanto, a proposta de serem taxados por requisição parlamentar e, como outros homens ambiciosos e altaneiros, preferiram escolher puxar da espada em defesa de sua própria importância.
Pelo declínio da república romana, os aliados de Roma, que suportaram a principal carga de defender o Estado e estender o império, pediram para ser admitidos a todos os privilégios dos cidadãos romanos. Ao serem recusados, a guerra social irrompeu. Durante o curso daquela guerra, Roma concedeu aqueles privilégios à maior parte deles um a um, e na proporção em que se desligavam da confederação geral. O parlamento da Grã-Bretanha insiste em taxar as colônias, e elas recusam-se a serem taxadas por um parlamento no qual não estão representadas. Se a cada colônia que se desligasse da confederação geral, a Grã-Bretanha permitisse um número de representantes adequado à proporção da contribuição para a renda pública do império, em consequência de ser sujeita às mesmas taxas, e em compensação admitisse à mesma liberdade de comércio com seus concidadãos ingleses, e aumentasse o número de seus representantes na proporção em que sua contribuição possa depois aumentar; um novo método de adquirir importância, um novo e mais coruscante objeto de ambição seria apresentado aos chefes de cada colônia. Em vez de disputar os pequenos prêmios das querelas das facções coloniais, poderiam então esperar, pela presunção que os homens geralmente têm sobre sua habilidade e boa fortuna, tirar alguns dos grandes prêmios que por vezes vêm da roda da grande loteria estatal da política britânica. A menos que este ou outro método seja descoberto, e não parece haver outro mais óbvio que este, de preservar a importância e gratificar a ambição dos principais homens da América, não é muito provável que venham a se submeter a nós voluntariamente; e deveríamos considerar que o sangue que precisa ser derramado para forçá-los é, cada uma de suas gotas, sangue daqueles que são, ou daqueles que queremos ter como concidadãos. São fracos os que se jactam de que, no estado em que as coisas chegaram, nossas colônias serão facilmente conquistadas apenas pela força. As pessoas que agora governam as resoluções do que chamam seu Congresso Continental sentem em si mesmas, neste momento, um grau de importância que talvez os maiores súditos da Europa raramente sentem. De lojistas, comerciantes e advogados, tornaram-se estadistas e legisladores, e estão empenhados em conceber uma nova forma de governo para um extenso império, do qual se gabam de que se tornará um dos maiores e mais formidáveis que já houve no mundo. Quinhentas pessoas diferentes, talvez, que de diferentes maneiras agem imediatamente sob o Congresso Continental; e quinhentas mil, talvez, que agem sob aquelas quinhentas, todas sentem do mesmo modo uma elevação proporcional em sua própria importância. Quase todo indivíduo do partido governante da América preenche, atualmente a seu bel-prazer, um cargo superior, não só ao que jamais preencheu antes, mas ao que jamais esperou preencher; e a menos que algum novo objeto de ambição seja apresentado a ele ou seus chefes, se ele tem o espírito comum de um homem, ele morrerá em defesa daquele cargo.
É uma observação do presidente Heinaut, onde agora lemos com prazer o relato de muitas pequenas transações da Liga que, quando ocorreram, talvez não eram consideradas como notícias muito importantes. Mas então todo homem, diz ele, atribuiu-se alguma importância; e as inumeráveis memórias que nos vieram daqueles tempos, em sua maioria, foram escritas por pessoas que tinham prazer em registrar e magnificar eventos nos quais, gabavam-se, tinham sido atores consideráveis. Quão obstinadamente a cidade de Paris naquela ocasião se defendeu, que terrível fome suportou em vez de se submeter ao melhor e depois ao mais amado de todos os reis franceses, é bem sabido. A maior parte dos cidadãos, ou daqueles que governaram a maior parte deles, lutou em defesa de sua própria importância, que previu estava no fim sempre que o antigo governo estivesse em vias de ser restabelecido. Nossas colônias, a menos que possam ser induzidas a consentir numa união, muito provavelmente se defenderão contra a melhor das terras-mães tão obstinadamente quanto Paris contra o melhor dos reis.
A ideia da representação era desconhecida nos tempos antigos. Quando o povo de um Estado era admitido ao direito de cidadania em outro, não tinha outro meio de exercer aquele direito senão formando uma corporação para votar e deliberar com o povo daquele outro Estado. A admissão da maioria dos habitantes da Itália aos privilégios dos cidadãos romanos arruinou completamente a república romana. Não mais era possível distinguir entre quem era e quem não era cidadão romano. Nenhuma tribo podia conhecer seus próprios membros. Uma ralé qualquer podia ser introduzida nas assembleias do povo, podia expulsar os cidadãos reais e decidir sobre os negócios da república como se eles próprios o fossem. Mas mesmo que a América enviasse cinquenta ou sessenta novos representantes ao parlamento, o porteiro da Casa dos Comuns não teria qualquer grande dificuldade em distinguir quem fosse de quem não fosse membro. Embora a constituição romana tenha sido necessariamente arruinada pela união de Roma com os Estados aliados da Itália, não há a menor probabilidade de que a constituição britânica venha a ser ferida pela união da Grã-Bretanha com suas colônias. Aquela constituição, ao contrário, seria completada pela outra e parece imperfeita sem ela. A assembleia que delibera e decide quanto aos negócios de todas as partes do império, para ser adequadamente informada, certamente deveria ter representantes de todas as suas regiões. Que esta união, no entanto, possa ser facilmente efetuada, ou que dificuldades, e grandes, não possam ocorrer em sua execução, não pretenderei. Mas ainda não ouvi nenhuma que pareç
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