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@barraponto
Created February 27, 2014 03:01
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VOCÊ É TÃO SIMPLES E EU GOZEI

por Juliana Frank

Enlanguesci insuportavelmente, daí que tive a ideia de escrever para você essa carta respiratória.

Martin,

Vou te contar como se você fosse meu pior inimigo. Porque você é. E a vodega que você esqueceu aqui me prende na parede como mariposa.

Três goles depois de um tropeço e já sei exatamente o que devo te dizer. Não quero falar do sentimento, ele que foi o cavalo de troia da nossa separação.

Eu não me lembro bem por que você foi embora. Quase não me recordo de nada além de seu sorriso de foder. Meu bem, só você sorri fodendo. Bom, depois que você foi jurando não voltar (como são feias e indignas as juras que não se traem), você não voltou. Martin, você traiu a natureza. Gosto de imaginar que morreu afogado, ébrio em uma boa poça d'água. Pois então, eu tive que preencher meu tempo abrindo as pernas e dizendo seu nome rindo, mentindo que já não sou. É que você gozava na minha boca sem prometer o impossível. Inclusive, nunca soube seus predicados além da pica febril e a grande vontade de foder. Fodíamos até minha boceta ressecar e seu pau sangrar. E eu gozava porque você era simples. Um pau sem fabricação. Pra que começar as formulações?

Depois que publiquei um livro relatando nossas fodas como se você fosse o pau hierático e eu a vagina insofismável, virei verdade. Martin, desculpe. Mas você deve estar exausto de ouvir falar de mim. Esse meu nome ficou gravado nos orais e anais da literatura. Meu nome era indispensável, nas livrarias ele esteve em destaque. Virou fábula avessa, absoluta!

Faz doze meses que você se foi. E dez meses que eu não escrevo uma vírgula. Mas vírgulas são coisas abstratas. E escrever é fácil, é só usar poucos advérbios, muitos verbos, alguns adjetivos, amarrar tudo com a ajuda das palavras e experiências vividas ou adivinhadas. Sempre a mesma ladainha que alguns sonham deixar para a posteridade. Difícil, meu amigo, é fazer nosso invejado candelabro italiano. Como eu disse, a questão é que esse livro virou verdade. Mais ainda que o pequeno príncipe. Não sobrou espaço para bulas e bíblias. E a literatura, que serve bem para cagar e dormir, dependia de mim. Ora fui sonífero, ora laxante. Constipação anal, nunca mais na humanidade. O segundo problema, bom, é que todos queriam viver este livro na carne. E me ofereceram muito em troca do meu literobocetismo. E eu aceitei tudo. Brindei à minha grande existência mal paga, mas bem comida com uísques mais velhos que meus amantes.

Sempre expulsei cada um deles antes de pegar no sono. Porque considero dormir junto muito pornográfico. Quando eles iam embora, gostava de sofrer fingidamente para mim mesma uma saudade canhestra dos gestos hipnóticos destes homens que espantaram minhas ideias como moscas. Canônicas ideias de uma escritora mal alfabetizada.

Se te interessa saber, me mudei para um modesto apartamento que tem vista para nada. Uma vista malfadada. A minha melhor vista sempre foi você. Como foi curto o nosso amor, como é longo o esquecimento. E minha literoboceta faz questão de pulsar e falar, e falar seu nome em verso repetitivo. Cala a boca, boceta falante, grito para ela. Ela responde: é saudade do Martin e do cio dos gatos.

Meu dia a dia seguiu sem orgasmos surpreendentes. Conheci alguns escritores de cabelos e mpoeirados e cheiro de livro velho que não me excitaram absolutamente. Eles tentaram me salvar do literobocetismo e disseram frases impublicáveis tais como a terrível variante: você é uma escritora! Não, sou literobocetista! Você é uma escritora! Não, sou literobocetista, reluto. Oh, escritores, não se iludam comigo. Mas deixemos os escritores para lá, eles não têm culpa de seus delírios.

Antigamente, nas terras de reis, só bobo tinha humor. Agora as coisas são diferentes. Sexperts como eu dão entrevistas na televisão!

Todos me olhavam muito, como ladrões espionando joias. Mostrei os seios nos bares da moda cultural sem ser julgada. Desmaiei em pontos de ônibus e fui socorrida, não fiquei mais horas na fila do supermercado ou do ambulatório. Todos cediam as sentos no avião. Andei de avião, Martin. Recebi meu primeiro cheque com fundo. Mas sofria. Chorava como se tivesse uma agulha presa na bunda. Por quê? Oras, estava atolada na vida de escritora. E você sabe que gosto é de foder pra cima e foder pra baixo, como na infância trabalhava a gangorra. Foder e refoder com você.

Jornalistas, poetas, cronistas e roteiristas, onde, Martin, onde escondem seus paus? Por que não deixam para lá as metonímias e tentam gozar? Por que não fazem como você e esquecem os gritos hiperbólicos do mundo? Por que não gozam e repetem sem pensar?

O que eles querem: palavras feias e nomes sujos, marcas de dentes neles. Nada de foder e refoder. Só você, Martin. Só você me pega pelo braço e me sacode as horas. Só você com seus olhos difíce is e esse seu pau impiedoso. Pela falta de você e pela falta do seu silêncio naquela sala vazia, eu fali meus pensamentos. Gastei minhas ideias em mesas de bar com esses seres do limbo. O meu próprio momento inspiratório era só pau na boceta e xingar muito. Agora, tenho lêndeas no pensamento. Coisa fácil de espremer. Nada rebola pra mim, nem a cidade, nem os pátios de hospício que antes me faziam adivinhar toda a narrativa a ser escrita no mundo. Foi por isso que escrevi um livro ruim. O meu segundo romance. Me recuso a mencionar o título que ulula de tão óbvio. Nenhum editor se interessou, nenhum crítico aguentou chegar na página vinte. Todos me xingam na rua e cospem no meu nome.

Martin, você deve achar que o tempo me mofou. Que estou rotunda e pesada. Pois saiba que estou cada dia mais gloriosa e que o Diabo continua desenhando minha bunda redunda com compasso enquanto eu durmo. De modo que nunca precisei fazer exercícios desses tradicionais. Mas ainda quero tirar uma ideia do limbo. Às vezes é preciso mol har a pena na privada do diabo e escrever a ferro e punho. Uma frase, duas e para sempre. Mas perdi meu belo talento, ele foi consumido no fogo. Ele foi embora com você por aquele imenso corredor. Para onde você o levou, Martin? Traga-o de volta. Eu exijo. Eu sou uma escritora e esse é o meu fim.

Adoeci. Tive uma boceta e não tive o seu pau. Tive cigarros sem isqueiros. Ninguém mais acende meu cigarro. Por isso, compro um fósforo no bar. Desço uma cachaça na outra. Vivo, agora, como alguém que precisa de de tergente para viver, e sem uma ideia para escrever. Fumo perto da janela aqui neste puteiro no centro do Rio de Janeiro. Vou dando para clientes sem emoção, molhando a boceta com a saliva que custa descolar da língua. Ninguém sabe que eu sabia escrever. Ninguém imagina que perdi o entusiasmo. Só abaixo a calcinha e ligo o bocetaxímetro.

Ontem, recebi uma carta de fã. O último leitor. Ele mora em Budapeste e tem cabelos importantes, pude ver numa foto bem focada. Estou juntando dinheiro para ir visitá-lo. Assim que eu sair do aeroporto, vou entrar num táxi e o motorista estará ouvindo um rádio que vai anunciar o fim do mundo. Eu jamais vou entender a língua de Budapeste, Martin. Só vou entender os gritos do taxista; só o desespero das ruas; só os prédios caindo; só a respiração do mundo sufocando lentamente.

Mas já que ainda não tenho este bom tempo, fumo longe da janela e aumento o preço.

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