Skip to content

Instantly share code, notes, and snippets.

@lukkaslt
Last active December 13, 2021 16:38
Show Gist options
  • Star 0 You must be signed in to star a gist
  • Fork 0 You must be signed in to fork a gist
  • Save lukkaslt/0c2a5b086e8cfc5bb8ee4644287d8571 to your computer and use it in GitHub Desktop.
Save lukkaslt/0c2a5b086e8cfc5bb8ee4644287d8571 to your computer and use it in GitHub Desktop.

Prefácio

Projetando-se solenizar condignamente entre nós o septicentenário do nosso grande Taumaturgo, a fim de saldar-se, neste século das apoteoses centenárias, uma dívida de gratidão a esta eminente glória de Portugal, lembramo-nos de prestar também à memória gloriosíssima deste herói o nosso preito de admiração sincera.

E neste intuito resolvemos cooperar, ainda que exiguamente, nesta comemoração justa e honrosa, elaborando uma pequena monografia deste sábio portugues, onde pudéssemos exalçar humanamente o seu renome ao lugar que lhe compete na história da nossa pátria.

Dissemos "pequena monografia", atendendo ao curtíssimo espaço de tempo que nos separa da referida solenização, em que planejamos estar concluída a nossa obra. Mas receamos que nos seja possível emoldurar em pequenas proporções a figura épica do nosso protagonista, deste gênio luminoso, que não só é o maior astro que fulge na constelação gloriosíssima do Agiológio portugues, mas também um dos luminares que mais se impõe à veneranda homenagem do mundo inteiro. Assim o dissera há anos Leão XIII ao sábio diretor das Obras Pias Antonianas Dr. Pe. Antonio Maria Locatelli, em audiência particular. Eis o importante diálogo entre o Sumo Pontífice e o nosso respeitável amigo Rev.mo Dr. Locatelli:

-- "De onde sois vós?
-- De Pádua, Santíssimo Padre.
-- De Pádua? Que felicidade! Amais, pois, muito o vosso Santo, o vosso grande Santo Antônio?
-- Oh, se o amo, Santíssimo Padre! Pois eu nasci e eduquei-me próximo do seu túmulo, e tenho a felicidade de possuir o seu nome.
-- Pois meu filho, vós não o amais ainda bastante! É preciso ama-lo e fazê-lo amar, pois Santo Antônio, sabei-o bem, não é somente o Santo de Pádua: é o Santo do mundo inteiro (il Santo di tutto il mondo)".{1} 

Façamos, pois, também nós "amar" ou conhecer devidamente o "grande Santo". Não a fezê-lo conhecer e amar só pelo simples povo crente, que já o honra e venera, e por vezes até ao excesso, mas principalmente pelas classes doutas e até descrentes, que só o conhecem pelo prisma basso e deprimente de algum opúsculo. Em 1880 escrevia um ilustre doutor em Teologia e Direito Canônico, de França: --"Importa muito, no tempo em que vivemos, fazer reaparecer, ante nossos contemporâneos, as figuras dos ilustres personagens que projetaram na história do seu século um vivíssimo fulgor, pelo heroísmo de suas virtudes e pela universalidade de sua ciência. Em nossa época, de degenerecência intelectual e moral, em que o orgulho e o pedantismo se têm mostrado tão grosseiramente injustos na apreciação do passado, temos necessidade imperiosa de rever estas figuras, que se pretende fazer desaparecer na mortalha do esquecimento{2}".

O nosso principal intento é fazer também agora ressurgir, no horizonte avançado deste século, e atravéz da sã historiografia moderna, a individualidade medieva e gigantesca do nosso Taumaturgo, deste nosso grande vulto histórico, cuja epopéia gloriosíssima não coube no estreito âmbito da sua pátria.

Quando, no começo do V século, um eminente Doutor da Igreja dizia já que era da máxima conveniência as ideias ou os livros em diversidade de estilo, a fim de os conhecimentos chegarem a satisfazer ao paladar de uns e de outros{3}, por maioria de razões hoje importa muitíssimo encastoar nos moldes exigentes da atualidade e na crítica literária do nosso século, a história desses heróis que assombraram as gerações do seu tempo. E o nosso famoso protagonista, "o grande Taumaturgo da hora presente", na expressão dum escritor francês contemporâneo {4}, é incontestavelmente umas das glórias literárias que mais se salientou na história acidentada do século XIII.

Caso singularíssimo e bem lamentável! o verdadeiro mérito, a ínclita memória do nosso Taumaturgo, tem avultado mais nos países estrangeiros e até longínquos, do que propriamente na sua pátria. É que lá fora, não obstante os horríveis esboroamentos do tufão revolucionário, têm-se pesquisado e reconhecido judiciosamente os veios áureos da tenebrosa idade média, uma época que "seduzirá sempre aqueles que têm uma alma e que pensam, porque, em regra, ela pôs constantemente o espírito acima da matéria, a ideia acima da forma e o direito acima do fato"{5}.

Entre nós as teorias demolidoras dos enciclopedistas, importadas no meado do século XVIII, contaminando já imensamente a seiva das energias patrióticas, prostraram-nos numa decadente apatia moral. E a Revolução, que, no dizer dum historiador francês insuspeitíssimo, "intentara suprimir o tempo e a tradição" {6}, acelerou a tal ponto essa decadência, que não só abateu a nossa geração para iniciativas ingentes como as do passado, mas até lhe amorteceu a legítima veneração pelas suas glórias.

Influenciada então por essa corrente impetuosa e revolucionária de França, a nacionalidade portuguesa arrojou-se igualmente a remodelar tudo em seu organismo social, até a reminiscência respeitável dos seus feitos e a memória fulgentíssima dos seus heróis. O segundo quartel do presente século foi um cataclismo deplorável para os tesouros dos nossos arquivos; e, deste então até hoje, a sorte doutros nossos monumentos tem sido uma série contínua de demolições vandálicas: por favor, alguns são votados somente a um abandono sacrílego... mas travemos esta digressão crítica, que nos vai desnorteando insensívelmente.

Já que desde o princípio deste século, pois, tentamos ombrear principalmente com o pretendido cérebro do mundo {7} , em progressos de artes e de ciências, imitemos-lhe nós também a sua orientação no patriotismo da fé e do reconhecimento.

Ora se a memória do nosso Taumaturgo há sucessivamente conquistado um culto imenso, uma veneração cosmopolita, por brio da nossa geração e em honra da nossa pátria não fiquemos atrás nesta digníssima dedicação, neste preito de justa homenagem ao nosso proeminente herói.

Gloria-se ufanosamente a Itália pela dita de ceder o túmulo a este gênio assombroso; honra-se justamente a França por ser o campo mais fecundo do seu apostolado; comprazem-se todas as outras nações por serem prodigiosamente ouvidos por ele os seus milhares de votos; -- orgulhemo-nos, pois, nós também, e com mais legítima glória, por lhe servirmos carinhosamente de berço, infundirmos-lhe a virtude da infância e inocularmos-lhe a ciência da juventude.

Nem a todos será possível colaborar na presente glorificação do nosso herói; todos, porém, sem distinção, podem nutrir sempre o fogo patriótico desta ambição nacional.

Pelo que nos diz respeito, iniciaremos, pois, agora o nosso humilde tributo de gratidão, monografando a sua história gloriosíssima à altura de outras que lhe têm feito no estrangeiro. Somos incompetentes, reconhecemo-lo, para levantar assim um padrão literário, digno da eminência de tal herói. Embora(interjeição. No sentido de: não me importa, tanto faz, é-me indiferente): a energia da nossa vontade suprirá quanto possível a deficiência da nossa aptidão.

Neste entranhado propósito, buscamos provermo-nos desde logo dos preciosos elementos, manuseando, vendo e conferindo as principais biografias antonianas, tanto de Portugal quanto estrangeiras, que nos orientassem com segurança na história genuína do Taumaturgo. Grande foi, porém, o nosso dissabor nesta laboriosa exploração bibliográfica, ao confrontarmos os nossos livros antonianos com os do estrangeiro, publicados neste último século: condoeu-nos o ver uma deficiência lamentável de erudição nesta bibliografia portuguesa ante a sua congênere de Itália e de França.

Dissemos anteriormente "neste último século", porque os nossos maiores, principalmente no período, para nós venturoso, da idade-média, glorificaram honrosamente, já em obras literárias, já em outros monumentos, o seu Santo compatrício do século XIII.

Em compensação, folheamos com prazer e lemos com admiração obras esplêndidas, bem atualizadas e eruditas, de França e Itália, sobre o nosso famoso protagonista, obras geralmente a par da verdadeira ciência, e já bem orientadas por uma sã crítica histórica. {8}

Nesta quase invejosa conjectura tentou-nos imediatamente a ambição de vazar nos moldes lisonjeiros daquelas obras a nossa projetada história do Taumaturgo. Para isso necessitamos pôr completamente de parte as obras e apreciações dos biógrafos secundários, indo beber, quanto possível, todos os fatos, nas primeiras fontes da agiografia antoniana, isto é, dos séculos XIII, XIV e XV. Importa isto nada menos que organizar uma história, por assim dizer, nova do nosso protagonista. Será esta uma elaboração trabalhosa, ímproba, mas não importa: a indenização que nos satisfará, é que fiquem por aqui elementos para uma história genuína, autêntica e completa do nosso herói, tanto quanto permite a míngua de documentos legítimos que nos levaram os séculos pretéritos.

Votado, pois, decididamente a esta árdua tarefa, não nos é fácil abrir caminho para iniciar o curso do plano traçado: toparemos com grandes escolhos ao historiar a ascendência e os primeiros anos do Taumaturgo, em que os seus melhores historiadores nacionais e estrangeiros são extremamente concisos.

E não admira: os antepassados do nosso Taumaturgo, e ainda ele próprio, viveram na época mais escabrosa da idade-média, em que Portugal, como toda Europa, oscilava constantemente à mercê das convulsões semi-bárbaras. Ora, historiar com segurança a vida de qualquer personagem daqueles tempos é hoje uma empresa, se não impossível, ao menos dificílima.

O mais paciente e meticuloso investigador dos nossos arquivos, Alexandre Herculano, ao historiografar o próprio fundador da monarquia portuguesa, contemporâneo, sem dúvida, dos bisavós e avós do Taumaturgo, viu-se forçado a dizer que "a escassez de memórias e documentos divulgados sobre a história do nosso país, na última década do século XI, apenas consente uma luz frouxa e duvidosa, que mal deixa descobrir o fio que prende os sucessos daquela época"{9}.

O século seguinte, para nós um longo século de alternativos combates e aventuras, em prol da independência política, mal deixava depor com tranquilidade a lança e a espada de guerreiro, para serenamente lançar mão da pena de legendário ou de cronista.

Nos séculos XIII e XIV, em que Portugal ia já respirando socialmente um pouco, começaram então a cultivar-se as letras e a história, ainda que só em monumentos informes e incompletos; e ainda muitos destes, se lograram transpor incólumes as perturbações sociais da idade-média, e a escapar aos escombros dos terremotos e incêndios ulteriores, sucumbiram às vicissitudes políticas e vandálicas dos últimos tempos.

Os séculos subsequentes legaram-nos copiosamente essas volumosas crônicas monásticas, alguns agiológios da idade-média, e certas historiografias especiais. Ora, destas nossas obras, as que mais detidamente historiam o grande Taumaturgo foram, cronologicamente:

  1. Fr. Marcos de Lisboa, -- Primeira parte das crônicas da Ordem dos Frades Menores do Seráfico São Francisco, seu instituidor. (Lisboa, 1557-1570). 3 volumes in-fólio.

  2. Fr. Diogo do Rosário, -- História das Vidas e feitos heróicos e vidas insignes dos Santos... (Braga, 1567). 2 vol. in-fólio.

Sign up for free to join this conversation on GitHub. Already have an account? Sign in to comment