Num determinado dia de um determinado mês, um ser malévolo de outra galáxia, utilizando-se de uma arma especial, apagou a memória de todos os indivíduos do planeta Terra. Ainda, todas as pessoas tiveram suas roupas modificadas e passaram a utilizar apenas um chinelo, uma calça e uma camisa branca. Feito isso, esse ser malévolo disse a todos:
A partir de agora, ninguém sabe quem é, o que faz, nem o que tem. Ninguém é opressor ou oprimido. Ninguém é maioria ou minoria. Durante o período de um ano, todos os indivíduos do planeta precisarão definir juntos, as regras que irão reger a sociedade. Ao final desse ano, irei reverter a amnésia coletiva e todos passarão a estar sujeitos às regras que definiram.
Lembrem-se: Vocês não sabem se fazem parte da maioria ou da minoria, se são opressores ou oprimidos, se tem muito ou se não tem nada. Ao definir as regras, tomem o cuidado de ser justos, pois a injustiça poderá recair sobre você.
Sabendo que qualquer um tem exatamente a mesma probabilidade de, ao recuperar sua memória, ser opressor ou oprimido, maioria ou minoria, como as pessoas do mundo se comportariam ao definir as novas regras da sociedade uma vez que essas regras serão efetivamente aplicadas a todos?
Como as pessoas distribuiriam as riquezas do planeta, de forma que pudessem produzir e sobreviver durante esse ano de deliberação? Qual seria a forma mais justa para distribuir essas riquezas, sabendo que qualquer um pode, com exatamente a mesma probabilidade, ao recuperar sua memória, ser parte da maioria ou da minoria?
Como as pessoas definiriam quais deveriam ser os direitos e deveres dos indivíduos? Quais seriam os direitos mais básicos que todos concordariam em ter e quais seriam as maiores obrigações que todos deveriam cumprir?
Esperar que, após as últimas palavras do "Ser Malévolo", as pessoas virem umas pras outras e organizem uma grande convenção na sede da ONU com plebiscitos e votações apuradas em tempo recorde é confiar demasiadamente na humanidade.
Esperar que, colocando todas as pessoas em iguais condições, as pessoas ajam de forma justa e equilibrada é ignorar o principal fator da humanidade: a individualidade.
Voltaríamos às cavernas num cenário pós moderno. As fábricas deixariam de ser fábricas e se tornariam refúgio de quem "arriscasse a sorte" como propus no último post.
A organização e distribuição ocorreria de forma orgânica. Dificilmente alguém iria se propor a mensurar e dividir igualmente a área disponível. Mesmo que isso acontecesse, alianças surgiriam para aumentar a nossa área. De igual maneira que traidores apareceriam dizendo que cuidariam de algumas crianças pra aumentar a própria área.
Inclusive, acredito eu que, o maior problema esteja exatamente na boa intenção de querer dividir de forma igualitária. Pense nos bairros afastados que as cidades constróem. Inicialmente, algumas poucas casas possuem cercas e/ou muros. Os filhos vizinhos brincam juntos, independente do quintal ser meu ou seu. Se eu possuo amizade com você, posso pedir pra usar sua garagem ou varal por um tempo devido a uma necessidade qualquer. Com o tempo, começam a subir muros, cercas, portões, assegurando o conceito de propriedade. Não há mais compartilhamento e passa a existir a violação de propriedade.
Por mais que você pretenda dividir para manter a igualdade entre as pessoas, alianças ocorrerão para o bem ou para o mal. E, como disseram, a história se repetirá.